Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
471/16.3JALRA.E1
Relator: BERGUETE COELHO
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
CONDIÇÃO
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A condição a que se subordina a suspensão da execução da prisão deve revelar-se, não obstante a sua natureza reparadora, como razoavelmente possível e pessoalmente sustentável, sob pena de, se assim não for, as subjacentes finalidades ficarem prejudicadas e facilmente conduzirem, afinal, ao incumprimento e às consequências contrárias ao que, em si mesma, aquela pena de substituição, na sua aplicação, tem em vista.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora

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1. RELATÓRIO

Nos autos em referência, de processo comum, perante tribunal singular, que correu termos no Juízo Local Criminal de Abrantes do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, realizado o julgamento, o arguido (...), por via da parcial procedência da acusação, foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real:
- de 3 (três) crimes de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código Penal (CP), na pena de 4 meses de prisão, cada um deles;
- de 1 (um) crime de abuso de confiança p. e p. pelo art. 205.º, n.º 1, do CP, na pena de 8 meses de prisão;
- de 1 (um) crime de burla informática p. e p. pelo art. 221.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 ano de prisão;
- de 15 (quinze) crimes de acesso ilegítimo, p. e p. pelo art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, na pena de 4 meses de prisão, por cada um deles;
- de 5 (cinco) crimes de falsidade informática p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15.09, na pena de 4 meses de prisão, por cada um deles;
- em cúmulo jurídico, nos termos do disposto no art. 77.º, 1, do CP, na pena única de 5 (cinco) anos de prisão suspensa na execução por igual período e sujeita a regime de prova – cfr. arts. 50.º, n.ºs 2 e 3, e 52.º, ambos do CP.
Mais se decidiu:
- suspender a pena de prisão de 5 (cinco) anos, nos termos dos arts. 50.º, n.ºs 2 e 3, 51.º, nº 1, alínea a), e 52.º, n.ºs 1, alínea c), e 2, alínea d), todos do CP, com as seguintes regras de conduta:
i. Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
ii. Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
iii. Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência;
iv. Não contactar, de qualquer forma, ou aproximar-se da ofendida;
v. Proceder ao pagamento da indemnização arbitrada nos termos do art. 82.º-A do Código de Processo Penal (CPP) na quantia global de 5 000,00 euros a pagar nos seguintes prazos e prestações, após trânsito em julgado e por meio de transferência bancária:
a) 2 500,00€, no prazo de 1 ano e seis meses;
b) 2 500,00€, no prazo de 3 anos;
- condená-lo, nos termos do disposto no art. 82º-A do CPP, ao pagamento da quantia de 5 000,00 (cinco mil) euros e nos seguintes prazos e prestações, após trânsito em julgado e por meio de transferência bancária para a conta da assistente:
a) 2 500,00€, no prazo de 1 ano e 6 meses;
b) 2 500,00€, no prazo de 3 anos;
- e consequentemente, fazer prova do depósito nos 10 dias após o decurso do prazo de pagamento referido.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
1º - Foi o ora recorrente condenado, entre outras penas, a pagar à ofendida a quantia de € 5.000,00 (cinco mil) euros, “quantia que se fixa tendo igualmente em conta o rendimento/despesas do arguido (facto 82 e 83).”(sic).
2º - Mais se estabeleceu que o valor estipulado deve ser pago da seguinte forma: € 2.500,00 no prazo de 1 ano e seis meses, e o restante (€ 2.500,00) num prazo de 3 anos.
3º - O montante em que foi condenado, € 5.000,00, nas condições em que o foi, nos prazos estabelecidos, não são exequíveis de cumprimento pelo arguido, sem que ponham em causa as suas condições mínimas de bem estar, a sua própria sobrevivência, e o seu direito a uma existência condigna.
4º - Efectivamente, o cumprimento da condição imposta implica que o arguido, deduzidas as suas despesas mensais, disponha mensalmente de uma quantia de € 138,00, quando somente tem um rendimento disponível de € 95/mês! (…).
5º - O n.º 2 do artigo 51º do C.P., refere que: «Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir”
6º - Os deveres da suspensão da pena estão sujeitos a dois grandes limites: o respeito pelos direitos fundamentais do arguido e o Princípio da Razoabilidade.
7º - O Tribunal a quo violou os direitos fundamentais do arguido, pois estes não podem ser postos de parte aquando da escolha de determinado dever a impor ao
condenado, pondo em causa o mínimo necessário para a sua subsistência e, consequentemente, em clara violação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana (artigo 1.º, da Constituição da República Portuguesa).
8º - O Tribunal a quo violou igualmente o Princípio da Razoabilidade (artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal), isto é, os deveres impostos não podem, em caso algum, representar para o arguido obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir qualquer que seja o dever imposto pelo tribunal, sem que tenha por base uma ponderação adequada da possibilidade de cumprimento.
9º - Bem como o «princípio da possibilidade», - art.º 51.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal, - na medida em que permite ao Tribunal cingir o condicionamento da
suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento da parte da indemnização, que considere ser possível ao condenado satisfazer, o que não respeitou.
Por isso,
10º - Atendendo à capacidade económica do recorrente, às suas despesas e rendimento, a douta sentença recorrida poderia e deveria ter estabelecido um regime de suspensão ajustado e conforme àqueles, o qual devia ser equiparado aos 5 anos da suspensão da pena de prisão efectiva.
11º - Até porque, tal aplicação da suspensão sujeita ao pagamento num período igual ao da suspensão da pena de prisão – 5 anos – permite alcançar as finalidades da punição, bem como, contribuir para a reeducação e ressocialização do ora recorrente.
Deste modo,
12º - A douta sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que proceda à aplicação ao ora recorrente de uma suspensão da execução da pena de prisão do arguido, nos termos dos artigos 50º, n.º 2 e 3, art 51º, nº 1, al. a) e art 52º, n.º 1, al. c), nº 2 al. d), todos do Código Penal, sujeita, entre outras, à regra de conduta consubstanciada no pagamento da indemnização à ofendida arbitrada nos termos o artigo 82º-A do CPP na quantia global de 5 000,00 euros a pagar pelo arguido no prazo de 5 anos.
13º - A douta sentença recorrida violou os Artigos art.º 51.º, n.º 1, al.ª a), e n.º 2 e art.º 52.º do Código Penal todos do Código Penal.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1- No âmbito dos presentes autos, foi o arguido (...) condenado na pena única de 5 (cinco) anos de prisão pela prática de (três) Crimes de falsificação de documento, p. e p. no art.º 256º, nº 1, als. c) e d) do C.P.; 1 (um) Crime de Abuso de Confiança p. e p. no art.º 205º, nº 1, do C.P; 1 (um) Crime de Burla informática p. e p. no art.º 221º, nº 1, do C.P.; 15 (quinze) Crimes de Acesso ilegítimo, p. e p. no art.º 6º, nº 1 da lei 109/2009, de 15/09; 5 (cinco) Crimes de Falsidade Informática p. e p. no art.º 3º, nº 1 da lei 109/2009, de 15/09, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e com imposição de regras de conduta.
2- Uma das regras de conduta impõe ao arguido proceder ao pagamento da indemnização arbitrada à assistente, nos termos o artigo 82º-A do CPP, na quantia global de 5 000,00 euros (cinco mil euros) nos seguintes prazos e prestações, após trânsito em julgado e por meio de transferência bancária: 2 500,00€, no prazo de 1 ano e seis meses; e 2 500,00€, no prazo de 3 anos.
3- Da Douta Sentença, e no que respeita às condições pessoais e económicas do arguido, provou-se, entre outros que “o arguido aufere uma reforma no valor de 645,00 euros”, e “suporta um custo mensal de 250,00 euros a título de renda de casa. (…)”, conforme melhor resulta do facto 82 e 83 da matéria provada.
4- No que concerne à escolha e determinação da medida da pena, pode ler-se na Douta Sentença que, na ponderação dos elementos consagrados no art.º 71º do Código Penal, foi tido em conta, entre outros, “a situação económica do arguido e as suas condições de vida e a sua personalidade, e a situação económica do arguido, o qual tem rendimentos mensais muito superiores à ofendida”.
5- Mais resulta da Douta Sentença que a fixação da indemnização teve em conta o rendimento/despesas do arguido (facto 82 e 83), e que o prazo de pagamento é “razoável, pois implica apenas uma pequena parte do seu rendimento mensal num valor de 138,88 euros, o que seguramente não se mostra desproporcionado.”
6- Do relatório social para determinação da pena pode ler-se “em termos económicos, o arguido identifica uma situação com algumas limitações. Os seus rendimentos assentam sobretudo na sua reforma, num valor aproximado a 645 euros. Como despesas mais significativas referiu as relacionadas com as suas despesas pessoais, nomeadamente a renda da casa (250 euros) e outras despesas fixas, num valor aproximado a 100 euros.”
7- A matéria de facto dada como provada e o relatório social não foi impugnado pelo Recorrente.
8- Pelo que, o Tribunal a quo, em devido tempo e fazendo uso dos meios de prova ao dispor, verificou que o recorrente dispunha de condições para efetuar o pagamento da quantia fixada e impôs um prazo de pagamento, dilatado no tempo, de modo a que tal esforço não ultrapasse as reais capacidades de pagamento do recorrente, em observância do principio da razoabilidade e da proporcionalidade.
9- A Douta Sentença não violou o art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa e artigos 51.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 e 52.º, ambos do Código Penal.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido (...).

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, fundamentado, entendendo que o recurso deve proceder.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410º, n.ºs 2 e 3, do mesmo diploma, designadamente conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995, e Acórdão do STJ de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt.
Delimitando-o, reconduz-se a analisar do invocado excesso da condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da prisão, atinente ao pagamento da indemnização, na vertente do lapso temporal para o efeito concedido.
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No que ora releva, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
1. Desde data não concretamente apurada do ano de 2012 até à primeira semana do mês de junho do ano de 2016, o arguido viveu em condições análogas à dos cônjuges com (…) (doravante identificada como (...).
2. Donde, naquele período, o arguido e (...) viveram na moradia localizada na Rua (…), pertença daquele.
3. Nesse âmbito, no dia 5-4-2012, (...) adquiriu o veículo ligeiro de passageiros de marca (…), de valor não superior a €1500,00 e registou a referida propriedade em seu nome.
4. A partir daquela data, (...) facultou o uso do referido veículo ao arguido.
5. Porém, no dia 13.6.2015, em Abrantes, o arguido acedeu a um modelo de requerimento de registo automóvel- “Modelo 2 do IRN”.
6. Na posse do documento, o arguido, com o seu punho, apôs:
- No campo de identificação do veículo: os dizeres “(…), Mercedes; Quadro n.º: WDB2011221F403268”;
- No campo de identificação do comprador, o seu nome “(...) e os respetivos dados identificativos;
- No campo de identificação do vendedor, o nome de (…) e respetivos dados identificativos;
- No campo da assinatura do comprador: o seu nome;
- No campo assinatura do vendedor: os dizeres “(…)”,
7. De seguida, na Conservatória de Registo Automóvel de Abrantes, o arguido entregou o referido requerimento preenchido e pagou os emolumentos respetivos.
8. Com o que convenceu os responsáveis da Conservatória que o referido requerimento havia sido assinado por aquela.
9. E, dessa forma, logrou transferir, para si, naquela data, a propriedade do referido veículo.
10. Fê-lo sem o consentimento ou conhecimento daquela.
11. No dia 16 de junho de 2016, o arguido e (...) separaram-se, tendo esta abandonado a referida residência.
12. Em consequência, naquela altura, (...) solicitou-lhe a devolução do veículo.
13. Todavia, o arguido sempre se recusou a devolvê-lo.
14. Não obstante saber que aquela sempre foi a dona do carro e que procedia contra a vontade desta.
15. Quis, assim, sempre, assenhorear-se do referido veículo que não lhe pertencia, o que conseguiu.
16. Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 25.6.2016, o arguido aproveitando o facto de ter partilhado residência com a referida (...), acedeu ao número - correspondendo ao número de utilizador- e à palavra-passe, titulados por aquela, para acesso à plataforma digital da segurança social- com o URL https://app.seg-social.pt/ (segurança social direta).
17. Nesse âmbito, no dia 25-6-2016, pelas 11h12, através do seu computador portátil de marca INSYS, modelo M748S e número de série (…), o arguido acedeu à página https://app.seg-social.pt.
18. Ali introduziu o número de segurança social (…), titulado por (...), no campo de utilizador e a respetiva palavra-passe por si alcançada.
19. De seguida, o arguido acedeu ao segmento de alteração do IBAN para efeito de recebimento de prestações sociais e ali suprimiu o IBAN da ofendida que ali constava - IBAN (…) - e introduziu o IBAN (…), respeitante a uma conta do CGD por si titulada e exclusivamente controlada.
20. Com o que fez crer no sistema informático da Segurança Social que a beneficiária e utilizadora (...) tinha solicitado o pagamento das prestações sociais, do qual era beneficiária, para aquele último IBAN, o que o arguido sabia ser falso.
21. Donde os serviços da Segurança Social ativaram aquele IBAN e naquela data efetuaram a prestação do RSI, daquele mês, titulado pela ofendida, no valor de €180,00, foi entregue, erradamente, ao arguido.
22. Que, assim, se apoderou e fez sua tal quantia.
23. No dia 21.7.2016, após reclamação da ofendida, o IBAN de (...) (…) - foi ali reposto no sistema.
24. No dia 3.8.2016, em Abrantes, o arguido elaborou uma declaração escrita denominada “Declaração RSI “Segurança Social”.
25. Na referida declaração fez constar o seguinte:
“Eu (…) com o NISS (…), declaro que as prestações sociais do RSI serão pagas através do IBAN (…). Sem qualquer ordem minha presencial esta situação será a manter. Em anexo cópia do cartão de cidadão e caderneta da CGD. Qualquer contacto deve ser feito através do (…). Sem outro assunto. Os meus respeitosos cumprimentos. Atentamente, P.S Até fazer novo cartão de cidadão a minha morada é Rua (…),”
26. E manuscreveu ali os dizeres “(…)”, reproduzindo a assinatura desta.
27. No aludido dia, pelas 11h09, na Rua (…), na sua residência, através do fax com o número (…), o arguido enviou o referido escrito para os Serviços da Segurança Social de Abrantes juntamente com cópia de uma carta da AT endereçada a (...) e uma cópia da caderneta bancária referente à referida conta por si indicada.
28. O arguido sabia que (...) nunca tinha escrito ou autorizado aquele documento e que era falso que aquela residisse na referida Morada ou que tivesse solicitado a alteração do referido IBAN.
29. O arguido quis, assim, fazer crer aos responsáveis da Segurança Social que (...) tinha elaborado a referida declaração e solicitado o pagamento das prestações sociais, do qual era beneficiária, para aquele último IBAN.
30. No dia 19.8.2016, o arguido voltou a produzir um escrito com o título “Segurança Social, RSI, Código de Acesso Segurança Social Direta, Alteração de Morada e Alteração de IBAN”.
31. No mesmo apôs o seguinte conteúdo:
Eu, (…), com o NISS (…), com o NIF (…), venho por este meio solicitar mais uma vez o envio de um novo código da Segurança Social Direta para a morada Rua (…) e não enviar para a morada Rua (…), como alterar o Iban da minha conta que se encontra fechada como o envio deste pagamento para a morada de Abrantes. Junto em Anexo comprovativo de IBAN e comprovativo de morada, Aguardo para poder mudar a morada do cartão único. IBAN: (…) (…) Aguardo o pagamento deste mês através do IBAN identificado ou por via postal para a morada de Abrantes com o novo código de acesso a Segurança Social Direta a morada de Abrantes, Atentamente”,
32. Ali voltou a apor o manuscrito “(…)”, reproduzindo a assinatura desta.
33. No aludido dia, pelas 12h13, novamente na Rua (…), na sua residência, através do fax com o número (…), o arguido enviou o referido escrito para os Serviços da Segurança Social de Abrantes juntamente com cópia de uma carta da AT endereçada a (...) e cópia do cartão de cidadão esta.
34. O arguido sabia que (...) nunca consentiu ou autorizou aquele documento e respetivo pedido e que, naquela data, a mesma não vivia na aludida residência.
35. Com o que fez crer aos responsáveis da Segurança Social que (...) tinha elaborado o referido documento e solicitado o pagamento das prestações sociais, do qual era beneficiária, para aquele último IBAN e morada e que havia solicitado a emissão de novos códigos de acesso à respetiva plataforma informática https://app.seg-social.pt/.
36. Donde, desde Agosto de 2016 até Fevereiro de 2017, convencidos de que os referidos pedidos eram verídicos e haviam sido feitos por (...), os responsáveis da Segurança Social remeteram os referidos códigos de acesso e respetivas prestações mensais, de € 180,00, para a conta e morada do arguido.
37. Neste circunstancialismo, o arguido recebeu, mensalmente, os referidos montantes, no valor global de € 1266,93, conforme se discrimina:
Mês Valor
Agosto 180,99 euros
Setembro 180,99 euros
Outubro 180,99 euros
Novembro 180.99 euros
Dezembro 180,99 euros
Janeiro 180,99 euros
Fevereiro 180,99 euros
Total - 1266,93 euros
38. Com o que arguido se assenhorou, assim, do montante remanescente de € 1 266,93, fazendo-o seu.
39. Da forma descrita, o arguido quis-se apoderar, como apoderou, à custa de (...), da quantia de € 1 266,93, pertença desta.
40. Sabia, ainda, que tanto aquela como os responsáveis da Segurança Social desconheciam todo o conjunto de falsidades, por si organizado.
41. E não tinham qualquer possibilidade de as detetar.
42. O arguido causou, desse modo, àquela, um prejuízo no valor de €904.95,
43. O que sempre quis.
44. Obtendo, dessa forma, como era seu propósito, um enriquecimento correspondente,
45. Que sabia ser ilegítimo.
46. No dia 10-10-2016, pelas 16h08, através do seu computador portátil de marca INSYS, modelo M748S e número de série (…), o arguido acedeu à página https://app.seg-social.pt.
47. Ali introduziu:
- o número de segurança social (…), no campo de utilizador;
e
- a respetiva palavra-passe;
48. E, dessa forma, entrou na conta titulada por (...), na referida plataforma eletrónica.
49. Ali, voltou a introduzir os números (…), no campo do IBAN, e confirmando a referida operação no sistema informático.
50. Fê-lo mais uma vez sem autorização de (...).
51. Quis, assim, induzir, novamente, em erro o sistema informático da Segurança Social. que validou a referida operação, acreditando que se tratavam de ordens legítimas da referida titular da conta.
52. Na primeira semana de Junho de 2017, de forma não concretamente apurada, o arguido alcançou as credenciais- email e password- de acesso da conta de perfil de facebook titulada por (...) com o URL: (…).
53. No dia 11.6.2017, pelas 10h26, através do seu computador portátil de marca INSYS, modelo M748S e número de série (…), o arguido acedeu à referida página.
54. Ato contínuo, introduziu o correio eletrónico no campo “utilizador” e a respetiva palavra-passe, donde logrou entrar na aludida conta de perfil.
55. Pelas 11h17, o arguido criou ali uma publicação com o seguinte teor: “Fiz um hoje um ano que saí de casa, abandonando uma senhora que na véspera tinha uma embolia pulmonar seguido de AVC um senhor idoso e levei as minhas coisas como as coisas do (…) e coisas da dona da casa (roubei). Aproveitei a ausência do (…) para fazer o que fiz junto com a minha filha (…)”10 (Sic)
56. De seguida, partilhou-a em modo público, possibilitando a visualização por todos os utilizadores do facebook.
57. Pelas 12h27, o arguido voltou a criar ali uma publicação com o seguinte teor “ontem fui despedida do Hotel de (…), Não aqueci o lugar”11.
58. De seguida, partilhou-a em modo público, possibilitando a visualização por todos os utilizadores do facebook.
59. No dia 15.6.2017, pelas 23h53, da mesma forma, arguido voltou a entrar na referida conta de perfil de (...).
60. Ali partilhou e publicou o seguinte texto: “Boa noite ao pessoal, Vou curtir a Vida dado que mudo de companheiro de 5 em 5 anos e mais roubo o que posso”.
61. Com o que o arguido fez crer no sistema informático que gere a rede social facebook e nos seus respetivos utilizadores que (...) havia entrado na referida conta de perfil e que as referidas publicações eram da sua autoria.
62. O arguido quis, também, com as referidas publicações, achincalhar e humilhar (...) perante toda a comunidade de pessoas que fazem parte integrante da referida rede social, prejudicando-a na sua imagem e reputação, o que conseguiu.
63. Da mesma forma, sempre através do referido computador, o arguido voltou a aceder à referida conta de perfil de facebook, titulada por (...), nos seguintes dias e horas:
i. 16-06-2017, pelas 15h36;
ii. 29-9-2016, pelas 15h09;
iii. 4-2-2017, pelas 16h55;
iv. 16-9-201, pelas 14h39;
v. 29-3-2017, pelas 10h17;
vi. 4-4-2017, pelas 16h12;
vii. 17-4-2017, pelas 11:53;
viii. 28-5-2017, pelas 17h51;
ix. 14-6-2017, pelas 9h45,
x. 29-9-2017, pelas 8h17;
xi. 29-9-2017, pelas 9h4213;
64. Fê-lo sempre sem autorização e conhecimento de (...), enquanto titular dos dados associados à referida conta, como o arguido bem sabia e quis.
65. Ao praticar os factos acima mencionados de 1.º a 65.º, o arguido agiu, assim, sempre consciente, livre e deliberadamente.
66. Querendo aceder e adulterar os conteúdos das contas tituladas por (...) alojadas nos sistemas informáticos tutelados pela Segurança Social e Facebook, com o intuito de prejudicar o património e bom nome daquela, o que conseguiu.
67. Agiu, ainda, com o propósito de prejudicar o Estado no seu interesse relativo à segurança e fiabilidade dos documentos no tráfico jurídico-probatório e dos sistemas informáticos, acima referidos.
68. O arguido sabia, ainda, que todas as suas condutas, acima mencionadas, eram proibidas e punidas por lei penal.
Mais se provou que:
69. A ofendida durante o período referido em 37, ficou desprovida de qualquer rendimento.
70. Na sequência da conduta do arguido referida em 56, a ofendida teve de assinar uma carta de despedimento, ficando sem emprego.
71. A ofendida não sabe manusear ferramentas informáticas.
72. A ofendida nunca acedeu à sua página de facebook nem sabe como aceder.
73. A ofendida nunca acedeu ao site da segurança social nem sabe como fazer.
- Das condições pessoais, sociais e económicas do arguido
74. O arguido tem o 9º ano de escolaridade.
75. Está reformado desde 2013 na sequência de um problema oncológico na laringe, situação sob controlo e vigiada com regularidade.
76. Recentemente foi alvo de uma outra intervenção cirúrgica.
77. Faz medicação regular.
78. Tem um filho maior de idade, autónomo.
79. O arguido vive sozinho, numa casa arrendada, junto da habitação dos pais, situação decorrente dos problemas de saúde daqueles, que necessitam de algum cuidado, pois apresentam alguma dependência.
80. A mãe é doente oncológica e pai estará acamado.
81. O arguido é o principal cuidador dos pais.
82. O arguido aufere uma reforma no valor de 645,00 euros.
83. Suporta um custo mensal de 250,00 euros a título de renda de casa.
84. Não são conhecidas a participação em mecanismos de interação pro social, nem hábitos de ocupação organizada dos seus tempos livres.
85. Não lhe são conhecidos quaisquer grupos de amigos de referência.
86. Na comunidade, o arguido é identificado como uma pessoa de razoável interação.
87. Em termos das características pessoais, o arguido evidenciou algumas dificuldades ao nível da resolução de problemas e descentração.
88. Em termos de autocontrolo também identificamos algumas limitações, quando confrontado com situações de maior tensão.
89. Ao nível da comunicação interpessoal, adotou um discurso por vezes confuso, com oscilações de humor, o que poderá estar relacionado com a situação judicial.
90. No que se refere ao processo em apreço, o arguido, identifica um impacto negativo do mesmo em termos pessoais, atribuindo a fatores externos o mesmo.
91. A nível social não foi identificado qualquer impacto, porquanto a situação parece ser do desconhecimento geral.
92. O arguido apresenta limitações a nível das competências pessoais e ainda uma reduzida capacidade crítica quando confrontado com situações análogas.
Dos antecedentes criminais
93. Por sentença datada de 05/06/2014 e transitada em julgado 07/07/2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação de boletins, atas ou documentos, p. e p. no artº 256º, nº 1, als. c) e d) e nº 3 do C.P., por factos reportados a 26/10/2012, numa pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 5,00, a qual foi substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, por despacho de 11/11/2015, cuja pena foi declara extinta, por cumprimento.
94. Por sentença de 17/11/2014 e transitada em 17/12/2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artº 292º, nº 1 do C. Penal, por factos reportados a 25/10/2013, na pena de 79 dias de multa à taxa diária de 5,50 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. no artº 69º do CP, pelo período de 4 meses e 15 dias, cujas penas foram declaradas extintas por cumprimento.
95. Por sentença de 22/03/2018 e transitada em 02/07/2018, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. no artº 292º, nº 1 do C. Penal, por factos reportados a 28/04/2017, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 5,00 euros e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, p. e p. no artº 69º do CP, pelo período de 5 meses e 15 dias, cujas penas foram declaradas extintas por cumprimento.

Factos não provados:
Não foram apurados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:
A) E apenas devolveu a (...) as aludidas prestações de Agosto e Setembro.

Fundamentação da matéria de facto:
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica e conjugada da prova produzida e examinada em audiência de julgamento globalmente considerada, atendendo aos dados objetivos fornecidos pela mesma.
Toda a prova produzida foi apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio, suposto pelo ordenamento jurídico, fazendo o Tribunal, no uso da sua liberdade de apreciação, uma análise crítica dos meios de prova, destacando-se:
 Prova Pericial
 Relatório de fls. 260 a 265, sendo que “o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” (artigo 163.º/1 do Código de Processo Penal), da qual resultou provado que a assinatura constante da requisição de registo de fls. 91 verso onde está mencionado “sujeito passivo” não foi efetuada pela ofendida, mas sim pelo arguido (facto 6).
 A prova documental, cujo teor não foi impugnado, infra descrita:
Certidão de registo automóvel de fls. 34 a 38 conjugada com a requisição de registo de propriedade de fls 90 e 91 verso e com a prova pericial supra aludida, permitiu dar como provado os factos 7 a 10.
 Informação da Segurança Social quanto à alteração de IBAN e passwords de acesso fls. 38 a 40 e informação da S. S. IP de fls. 108 a 111, conjugadamente com o auto de pesquisa informática de fls. 166 a 167 e print de fls. 190 a 199, os quais permitiram concluir que o arguido acedeu ao site da segurança social e, fazendo uso username e da password da ofendida, procedeu à alteração do NIB, conseguindo, desta forma, que a prestação de RSI que pertencia à ofendida, fosse creditada na sua conta bancária em momento posterior à separação do casal e quando a vida em comum já havia cessado. Desta forma, deu-se como provado os factos 16 a 22 e 46 a 50;
 Cópia de comprovativo de renovação de cartão de cidadão de fls. 84, conjugado com as declarações da ofendida, o qual permitiu dar como provado que a ofendida, no dia 15 de julho de 2016, mudou de domicilio, indicando como morada a Av. (…), na sequência do fim da relação entre ofendida e arguido (Facto 11).

 Cópia dos cheques de fls. 85 a 86, conjugadamente com as declarações da ofendida, permitiram dar como provado que foi a ofendida quem procedeu ao pagamento da viatura automóvel (facto 3).
 Informação da Seg. Social de fls. 80 e documentos de fls. 80 a 81, conjugadamente com o auto de pesquisa informática de fls. 166 a 167 bem como com a documentação manuscrita constante no apenso 1 (a que refere o termo de apensação de fls. 186), na qual consta o NISS da ofendida e outros elementos de identificação desta, permitiu ao Tribunal concluir que o arguido elaborou a declaração de fls. 81, em nome da ofendida e datada de 3 de agosto de 2016 e, através do site da S.S. IP, conseguiu que a prestação pecuniária que pertence à ofendida fosse creditada na conta do arguido – (factos 23 a 27 e 29).
 Informação da Segurança Social com extrato de pagamentos de fls. 98 a 100, o qual permitiu apurar que a prestação de RSI a que a ofendida tinha direito foi creditada na conta do arguido – factos 37 e 38;
 Extrato de conta bancária de fls. 87 a 87 verso, que permitiu dar como provado que a ofendida era titular de uma conta no Millenium BCP, com identificação (…) e que o arguido era titular de uma conta na CGD (fls. 73), com identificação (…). Da conjugação destes elementos bancários, conjugado com o extrato de pagamentos de fls. 98 a 100, supra aludido, resultou provado que foi o arguido quem beneficiou das prestações de RSI que pertenciam à ofendida, aproveitando-se de tais quantias respeitante ao período agosto 2016 a fevereiro de 2017 – facto 37 e 38.
 Reclamações de fls. 104 e 105, as quais permitiram concluir que a ofendida não beneficiou nem tirou proveito das prestações de RSI, reclamando as mesmas (facto 38).
 Prints extraídos do facebook de fls. 117 a 127, as quais, conjugadas com o auto de pesquisa informático de fls. 166 a 167 e print de fls. 190 a 199, permitiu dar como provado que o arguido através do computador que estava no seu domicílio, acedeu ao mural da ofendida na rede social facebook, redigindo e publicando as expressões aí constantes, fazendo-se passar pela ofendida, o que originou que a mesma perdesse o emprego factos 52 e 60; Destes documentos igualmente se concluiu que o arguido acedia à pagina da ofendida na rede social de facebook, fazendo-se passar pela mesma e fazia as publicações ali constantes - Factos 63 a 66.
 Auto de busca e apreensão de fls. 163 a 164 (com documentação apreendida em casa do arguido, constante no apenso 1), o qual permitiu concluir que o arguido tinha na sua posse cópias de cartão de cidadão da ofendida, o nº de identificação da segurança social constante em recibos de vencimento da mesma e manuscritos com elementos de identificação da ofendida, concluindo o Tribunal que o mesmo era detentor de todos os elementos de identificação da arguida (deve ler-se ofendida) necessários para solicitar através do site da Seg. Social a alteração dos NIB´s onde as prestações de RSI seriam creditadas;
 Documentação remetida pela Segurança Social referente à conta da ofendida, com todos pedidos, acessos informáticos e auditorias aos registos de fls. 204 a 255 permitiu ao Tribunal concluir que o arguido elaborou a declaração de fls. 234, em nome da ofendida e datada de 19 de agosto de 2016 bem como a declaração de fls 244 datada de 12 de Abril de 2017 e, através do site da S.S. IP, conseguiu que a prestação pecuniária de RSI que pertence à ofendida fosse creditada na conta do arguido – (factos 30 a 33). Destes documentos, se extrai que para além do arguido alterar o NIB alterava igualmente a morada, de modo a que se fosse enviada alguma correspondência para a ofendida, esta não teria conhecimento, pelo que daqui se extraiu a ilação que o arguido sabia exatamente o que estava a fazer (factos 46 a 50), revelando perfídia na sua atuação. Estes documentos permitiram igualmente dar como provado o período de tempo que o arguido recebeu as prestações de RSI – factos 28 a 29, 40 a 45.
Relatório social sob a refª 6427913 o qual permitiu apurar as circunstâncias de vida do arguido e sua personalidade, porquanto elaborado de forma objetiva, fundamentada, conseguido através de entrevista com o arguido, consulta do dossier do arguido existente na DGRSP, permitindo dar como provado os factos nº 74 a 92
 Registo Criminal de fls. 391 e ss, o qual permitiu dar como provado os antecedentes criminais do arguido, nomeadamente, que o mesmo já havia sido condenado por um crime de igual natureza (factos 93 a 95)
 O arguido optou por prestar declarações, negando os factos, referindo que foi a ofendida quem efetuou a assinatura na requisição de registo de fls. 91 verso, que o carro foi pago por ambos, referindo que pediu a alteração do NIb junto da segurança social, a pedido da ofendida, devolvendo-lhe o dinheiro posteriormente. Reportou que foi a ofendida quem usou o seu computador e acedeu à página de facebook, negando os acessos. Ora, as suas declarações não mereceram qualquer credibilidade, pois foram frontal e inexoravelmente colocadas em crise pela prova pericial, que considerou como muito provável que a assinatura efetuada na requisição de registo automóvel foi efetuada pelo arguido.
No que diz respeito ao acesso à conta da arguida quer no site da segurança social, quer na página do facebook, as suas declarações foram frontalmente descredibilizadas pelo auto de pesquisa informática de fls. 166 a 167. Quanto à devolução das quantias que o arguido recebeu, também não se acreditou no arguido, pois se assim fosse as reclamações efetuadas pela ofendida não teriam razão de ser, sendo certo que a ofendida esclareceu de nunca o arguido lhe devolveu o qualquer valor. Na verdade, acreditou-se mais na versão da ofendida do que na do arguido, atenta a prova pericial e documental junta aos autos, as quais corroboraram as declarações da ofendida.
Deste modo, as declarações inverídicas do arguido apenas serviram para demonstrar a atitude interna do mesmo, revelando uma total falta de capacidade de autocrítica e ausência de arrependimento, negando o inegável, perante prova pericial e documental tão evidente, cujo teor não foi impugnado. Aliás, as suas declarações permitiram concluir que o arguido tinha perfeito conhecimento da ilicitude das suas condutas e que as quis praticar no claro intuito de prejudicar a ofendida, retirando-lhe qualquer fonte de rendimento e ainda que a mesma perdesse o seu emprego. Aliás, esta ilação é retirada dos manuscritos que se encontram apreendidos nos autos, dos quais se extrai que o mesmo seguia os passos da ofendida, fazendo anotações onde a mesma residia ou estava a trabalhar, sem olvidar que ali também se encontravam anotados os seus dados pessoais nos moldes supra descritos.
Ou seja, as declarações do arguido demonstram a sua perfídia nos termos em que dirigiu as suas ações.
 A prova testemunhal
 As declarações da ofendida. Tratou-se de um depoimento simples, objetivo e emocionado, revelando evidente esforço para, de forma pormenorizada, relatar o sucedido, uma vez que os factos ocorreram em 2016 e 2017. De forma humilde, relatou a sequência factual, reportando que adquiriu o veículo, que foi pago pela mesma, em prestações de 500 euros cada (o que foi confirmado pela cópia dos cheques de fls. 85 a 86), mas que era o arguido quem conduzia o carro, dado que a mesma não possui carta de condução. Relatou que viveu com o arguido entre 2011 e 2016, tendo a relação findado em 11 de junho de 2016, data em que abandonou a casa do arguido. Pediu as chaves do carro ao arguido e este negou. Mais tarde verificou que o veículo já não estava registado em seu nome.
No que diz respeito às prestações de RSI, a mesma declarou que, durante o tempo que viveu com o arguido, as recebia por vale postal. Quando abandonou o lar conjugal, alterou a morada na Seg. Social. Como deixou de receber as prestações, fez várias reclamações junto da Segurança Social. Esta entidade informou-a que o Nib tinha sido alterado, apercebendo-se desta forma que era o arguido quem estava a receber as aludidas prestações de RSI. Referiu igualmente que o arguido tinha acesso aos seus dados pessoais respeitantes à segurança social.
Esclareceu que nunca criou a página no facebook, mas sim o arguido e que muitas vezes lhe pediu que apagasse a página, nunca tendo acedido à mesma, pois nem sequer sabe como se faz.
Igualmente de forma humilde, revelou que após ter cessado a relação que mantinha com o arguido foi trabalhar para o hotel da cidade de (…) e que, na sequência dos comentários e publicações ocorridas no facebook, foi chamada à direção e teve de assinar uma carta de despedimento. Mais reportou que não tinha quaisquer outros rendimentos, que o arguido nunca lhe entregou o valor pago pelo carro.
Na verdade, o Tribunal formou a sua convicção positiva quanto à efetiva ocorrência dos factos constantes de 1 a 4, 11 a 13, 23, 37 a 39 e 69 a 73 dos factos provados em causa nos autos tendo por base a lógica e coerência da referência factual relatada pela ofendida, sendo certo que não resulta dos autos qualquer elemento, ainda que indiciário, que afaste a credibilidade do seu depoimento, não se vislumbrando, por isso, qualquer razão para que esta testemunha faltasse com a verdade ou apresentasse um depoimento parcial e interessado. A credibilidade das suas declarações assentaram na circunstância de, perante a verificação de que não recebia a prestação social por vale postal, encetou diligências no sentido de apurar o que se estava a passar e quando foi informada que a prestação estava a ser creditada na conta do arguido é que se apercebeu o que o arguido é que estava a receber tais prestações, não resultando para o Tribunal qualquer espécie de sentimento de vingança ou outro contra o arguido que a ofendida tivesse, sendo igualmente certo que, tal como já se referiu, não se apurou que tivessem sido terceiros (pessoas diferentes do arguido) a aceder ao site da segurança social ou da pagina do facebook em nome da ofendida e a efetuar a assinatura desta última para assim lograr o registo da propriedade do veículo em seu (do arguido) nome, concluindo-se que foi o arguido o agente praticante dos factos, atenta a prova pericial, auto de pesquisa informático e toda a prova documental supra aludida (factos 1 a 73)
 A testemunha (…), inspetor da PJ, relatou que foi a casa do arguido tendo efetuado a busca, explicando todo o procedimento efetuado e confirmando o auto de busca de fls. 163 a 164. O seu depoimento limitou-se a corroborar toda a prova documental nos autos, sendo o mesmo valorado, uma vez que foi prestado de forma objetiva, sincera e imparcial, cujos factos por si relatados resultavam de conhecimento direto, por ter feito parte do processo de investigação destes autos.
 A testemunha (…), especialista informático da PJ, participou na busca à casa do arguido, tendo efetuado a pesquisa ao computador que ali se encontrava, corroborando o teor do auto de pesquisa de fls. 166 a 167 e o print. de fls. 190 a 199. Esclareceu que, na aludida pesquisa, encontraram elementos no histórico respeitantes ao perfil de facebook da ofendida. Igual pesquisa fez no site da segurança social, a qual resultou positiva, encontrando-se lá gravadas as credenciais (username e password) na página de acesso à conta da ofendida. Tratou-se de um depoimento isento, imparcial e objetivo, por isso foi valorado na íntegra. O seu depoimento, conjugado com a prova documental supra aludida, permitiu dar como provado os factos 16 a 68.
Nas regras da experiência comum, quanto aos elementos subjetivos (factos 14 a 15, 28 a 29, 39 a 45, 51, 61 a 62 e 67 a 68) as quais permitem inferir, com base nos factos objetivos dados como provados, a intenção subjetiva do arguido, na medida em que se trata de uma presunção natural quem utiliza as credenciais de terceiro para aceder a um site de forma a alterar a conta bancária destino de uma prestação social, de modo a receber essa quantia que sabe que não lhe pertence, bem como falsificando uma assinatura num documento de modo a conseguir que a propriedade de um veículo seja registado a seu favor, causando prejuízo, sem o consentimento de terceiro e ainda, acedendo a perfis em rede social contra a vontade do seu titular e aí efetuando publicações e comentários, tudo contra a vontade do seu titular, sem autorização, consentimento e conhecimento do mesmo, sabe que está a cometer crimes e quer fazê-lo.
Concatenada toda a prova documental e a prova testemunhal, duvidas não temos que foi o arguido o agente praticante dos factos, tal como constantes no libelo acusatório.
Na verdade, o auto de pesquisa informática ao computador que se encontrava na casa do arguido e da qual resultou que existiam acessos quer à conta pertencente à ofendida no site da segurança social onde estavam gravadas as credenciais de acesso, quer ao perfil de facebook da ofendida em períodos que a mesma ali não residia, por ter findado o relacionamento com o arguido e não se tendo apurado que foram terceiros a fazê-lo, concluiu-se, sem margem para duvidas que foi o arguido que praticou os factos constantes na acusação, pelo que se deu como provado os factos 1 a 73.

Escolha e determinação da medida da pena:
(…)
tomar-se-ão em consideração os elementos consagrados no art. 71º do Código Penal, nomeadamente:
 as circunstâncias em que o crime ocorreu – na medida em que o arguido de acordo com um plano previamente delineado e munido dos dados pessoais da ofendida bem como das respetivas credenciais informáticas, acedeu de forma ilegítima à conta da ofendida no site da segurança social e ordenou 7 transferências no valor de 180,99 euros cada respeitante a prestação social denominada RSI, o qual optou por não devolver a quantia por si recebida a quem pertencia bem como acedeu ilegitimamente à sua página de facebook colocando comentários que levaram a que a ofendida fosse despedida do seu posto de trabalho; além disso, procedeu, através da falsificação da assinatura, ao registo de um veículo automóvel em seu nome e que bem sabia saber não ser seu. Toda a atuação revelou perfídia por banda do arguido, no claro intuito de prejudicar a ofendida.
 ter utilizado toda a quantia que a ofendida dispunha;
 a gravidade das suas consequências, pois a ofendida ficou sem rendimentos;
 o elevado grau de ilicitude dos factos, a natureza da culpa e a sua intensidade (dolo direto);
 os motivos determinantes da conduta (nada de relevante se apurou nesta sede);
 o carácter não primário da delinquência e a existência de antecedentes criminais, relativamente ao crime de falsificação de documento;
 a situação económica do arguido e as suas condições de vida e a sua personalidade, nomeadamente, o arguido apresenta limitações a nível das competências pessoais e ainda uma reduzida capacidade crítica quando confrontado com situações análogas, bem como revela dificuldades ao nível de resolução de problemas e descentração e limitações de autocontrolo em situações de maior tensão;
 a situação económica do arguido, o qual tem rendimentos mensais muito superiores à ofendida e, mesmo assim, não se absteve de a privar de qualquer rendimento com as suas condutas;
 a situação de vida do arguido, demonstrando uma personalidade avessa ao direito, querendo eximir-se da responsabilidade criminal;
 as necessidades de reprovação e de prevenção do crime.
Milita a favor do arguido, a sua integração familiar, ainda que algo incipiente.
(…)
Da pena de substituição
Atento o quantum de pena fixado, importa agora emitir pronúncia quanto à eventual substituição da pena concreta por alguma, ou algumas, das penas de substituição legalmente fixadas.
Dispõe o artigo 50, nº1, do CP que o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se atendendo a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior ao crime e as circunstancias deste concluir que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Não se trata de uma mera faculdade em sentido técnico-jurídico, mas antes de um puder dever estritamente vinculado e nessa aceção, de um poder-dever” - Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As consequências Jurídicas do crime” Noticias editorial, 1993. Pag.341.
E, atendendo aos factos supra expostos, o tribunal considera que se verificam os pressupostos legais de que depende a suspensão da execução da pena de prisão que será aplicada ao arguido cuja medida concreta da pena permite tal suspensão.
A norma que prevê um regime de suspensão da execução da pena configura um verdadeiro poder vinculado do julgador.
Em razão da personalidade do agente, da sua condição de vida, conduta anterior e posterior e as circunstâncias do crime seja seguro prever que a simples censura e ameaça da prisão é suficiente para alcançar as finalidades da punição a prisão será suspensa na sua execução.
Vejamos, no caso concreto, da eventual suspensão da prisão aplicada ao arguido:
- apresentou-se a julgamento;
- não assumiu os factos, mostrando ausência de arrependimento;
- foi condenado pela prática de crime de igual natureza, tendo sido condenado numa pena de multa e mesmo assim volta a prevaricar
- atualmente vive sozinho e não lhe são conhecidas condutas semelhantes posteriores à prática destes factos;
- ser o elemento de apoio aos seus pais, providenciando pelo seu cuidado.
Não obstante, porventura, confrontado o arguido, agora, com a possibilidade de ver cerceada a sua liberdade, perspetivará todo o seu anterior comportamento no que tange à conduta perpetrada contra a sua ex-mulher, interiorizando a gravidade e a potencialidade lesiva dele, e conformando-se, doravante, com as regras vigentes, tomando, assim, consciência de que as mesmas não devem apenas ser observadas pelos demais cidadãos, mas, também, por si.
Sendo certo que não podemos formular qualquer juízo de certeza no sentido que acabamos de expender, igualmente não podemos afirmar, com a certeza que se imporia, que, no presente circunstancialismo, apenas o cumprimento efetivo da pena de prisão satisfaria as necessidades da punição.
É, pois este, segundo creio, e em face dos elementos constantes dos autos, o momento de o Tribunal oferecer-lhe a “ponte de ouro” ao arguido, entendida como a última oportunidade de o mesmo conformar a sua conduta ao Direito, antes de ver-se efetivamente privado da sua liberdade.
Creio, ainda, que, não obstante as prementes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, as quais são indesmentíveis, a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido não merecerá, no circunstancialismo do caso, o repúdio da sociedade.
Por tudo quanto fica dito, decido suspender a pena de 5 anos de prisão, aplicada ao arguido, por igual período, sujeita a regime de prova – cfr. art.º 50º, nº 2 e 5 do CP.
(…)

Da reparação da vítima em casos especiais:
Dispõe o art 82º-A do Código de Processo Penal que:
1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos do art 72º e 77º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação de prejuízos pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de proteção da vítima o imponham.
2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.
3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”
Permitiu o legislador um arbitramento oficioso de indemnização como meio subsidiário de reparação de perdas e danos causados pelo crime.
Na verdade, este arbitramento depende da verificação de determinados condicionalismos, a saber:
a) não tenha havido dedução do pedido de indemnização nem em processo penal, nem em processo civil;
b) que o arguido tenha sido condenado pela prática do facto criminoso;
c) que resultem dos factos criminosos prejuízos;
d) seja assegurado o contraditório ao arguido.
No exercício do seu direito do contraditório, o arguido nada disse.
Em face da factualidade dada como provada nos nºs 1 a 73, da conduta criminosa do arguido, a ofendida sofreu prejuízos e que particulares exigências de proteção da vítima impõem uma fixação de uma indemnização, atento que a mesma nunca recebeu qualquer apoio financeiro por parte do arguido e que na sequência da conduta do arguido ficou sem um veículo, 6 meses sem prestação de RSI e sem emprego no hotel da cidade de (…).
Nesta medida, e por força do princípio da justiça material que impera na atividade judicial, alcançando-se desta forma uma melhor composição da justiça reclamada pela sociedade, protegendo ainda a vítima, necessariamente se impõe a fixação de uma indemnização global, cuja quantia se fixa em 5 000,00 (cinco mil) euros, quantia que se fixa tendo igualmente em conta o rendimento/despesas do arguido (facto 82 e 83).
No entanto, a quantia global de 5 000,00 euros a pagar pelo arguido e será nos seguintes prazos e prestações, após trânsito em julgado:
a) 2 500,00€, no prazo de 1 ano e 6 meses;
b) 2 500,00€, no prazo de 3 anos;
por meio de transferência bancária, que a assistente deverá fornecer aos presentes autos, devendo o arguido ser posteriormente notificado do mesmo e consequentemente, este último fazer prova do depósito nos 10 dias após o decurso do prazo de pagamento.
Este prazo mostra-se razoável, pois implica apenas uma pequena parte do seu rendimento mensal num valor de 138,88 euros, o que seguramente não se mostra desproporcionado.

*

Manifestamente, a sentença não padece de qualquer vício em matéria de facto, dispensando, neste âmbito, outras considerações.
Como tal, a matéria de facto tem-se por assente.

Apreciando o mérito do recurso:
O recorrente, apelando aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da possibilidade, por referência, respectivamente, aos arts. 1.º da Constituição da República Portuguesa e 51.º, n.ºs 2 e 1, alínea a), do CP, preconiza que a suspensão da execução da prisão fique condicionada ao pagamento da indemnização arbitrada em favor da vítima (€ 5.000,00) no prazo de 5 anos, ou seja, contrariamente ao decidido (pagamento de € 2.500, 00 no prazo de 1 ano e 6 meses e de € 2.500,00 no prazo de 3 anos), lhe seja facultada a viabilidade desse pagamento no prazo fixado para essa mesma suspensão.
Concretiza, para o efeito, que o Tribunal violou aqueles princípios, uma vez que, como refere, o cumprimento da condição imposta implica que o arguido, deduzidas as suas despesas mensais, disponha mensalmente de uma quantia de € 138,00, quando somente tem um rendimento disponível de € 95/mês, sendo que a sujeição ao pagamento num período igual ao da suspensão da pena de prisão permite alcançar as finalidades da punição, bem como, contribuir para a reeducação e ressocialização do ora recorrente.
Vejamos.
O Tribunal arbitrou a indemnização ao abrigo do art. 82.º-A do CPP, tendo consignado, na sentença, que “Em face da factualidade dada como provada nos nºs 1 a 73, da conduta criminosa do arguido, a ofendida sofreu prejuízos e que particulares exigências de proteção da vítima impõem uma fixação de uma indemnização, atento que a mesma nunca recebeu qualquer apoio financeiro por parte do arguido e que na sequência da conduta do arguido ficou sem um veículo, 6 meses sem prestação de RSI e sem emprego no hotel da cidade de Abrantes e por força do princípio da justiça material que impera na atividade judicial, alcançando-se desta forma uma melhor composição da justiça reclamada pela sociedade, protegendo ainda a vítima”.
Não se pondo em causa, no recurso, o valor fixado (€ 5.000.00), teve-se “em conta o rendimento/despesas do arguido (facto 82 e 83)”, além de que, no tocante ao suscitado prazo, entendeu-se que “mostra-se razoável, pois implica apenas uma pequena parte do seu rendimento mensal num valor de 138,88 euros, o que seguramente não se mostra desproporcionado”.
Deste modo, considerou o Tribunal que, atentando no valor de € 5.000,00 e em presença dos 3 anos fixados, correspondentes a 36 meses, tal significaria o dispêndio mensal de € 138,88.
Provou-se, no âmbito “rendimento/despesas” do recorrente que “O arguido aufere uma reforma no valor de 645,00 euros” e “Suporta um custo mensal de 250,00 euros a título de renda de casa”, comportando, assim, um diferencial positivo de € 395,00, que, diga-se, se reputa de muito reduzido, sendo certo que, inevitavelmente, terá despesas correntes diárias, acrescidas, ainda, de outras inerentes ao seu estado de saúde, com problema oncológico e medicação regular.
Afigura-se que apresenta condição económica de visível debilidade para suportar o pagamento da quantia indemnizatória, ainda que em prazo mais alargado que o decidido e, ainda assim, com grande esforço, se bem que as despesas invocadas no recurso não se revelem provadas na matéria de facto.
Por seu lado, os deveres, a que alude o referido art. 51.º, não podem violar direitos fundamentais do condenado, o que aconteceria por exemplo no caso de dever que pusesse em causa o mínimo necessário para a subsistência do condenado. Este mínimo necessário para a subsistência inclui, não apenas, o direito a alimentação, vestuário e calçado, mas também o próprio direito à habitação e à saúde (Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 196).
E a propósito dos alegados princípios da razoabilidade e da possibilidade, decorrem, literalmente, do n.º 2 do normativo - «Os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja
razoavelmente de lhe exigir” - e da alínea a) do seu n.º 1 - «Pagar, dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado …».
Relacionam-se mutuamente, no sentido da devida exigibilidade, na medida em que «Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados (Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 351”), sem que comportem excesso que atente contra direitos fundamentais do condenado.
Pretende-se, pois, que a condição que subordina a suspensão da execução da prisão se revele, não obstante a sua natureza reparadora, como razoavelmente possível e pessoalmente sustentável, sob pena de, se assim não for, as subjacentes finalidades ficarem prejudicadas e facilmente conduzirem, afinal, ao incumprimento e às consequências contrárias ao que, em si mesma, aquela pena de substituição, na sua aplicação, tem em vista.
A natureza excessiva ou dificilmente praticável do dever imposto determinará, em si, necessariamente, uma posição interior de anomia, rejeição ou desinteresse, contraditória com as finalidades e a intenção de política criminal subjacentes ao instituto da suspensão da execução. A pessoa condenada que, de todo, não possa satisfazer a condição, acaba, inevitavelmente, por se acolher, passiva, ao julgamento de controlo da falta de cumprimento previsto no artigo 55º do Código Penal, sem encetar um esforço de cumprimento num tempo útil, adequado e razoável, no entendimento e realização das finalidades de política criminal pressuposta na suspensão da execução da pena (Acórdão do S.T.J. - também citado pelo recorrente - de 11.02.2004, rel. Conselheiro Henriques Gaspar, no proc. n.º 03P4033, in www.dgsi.pt).
Se é certo que ao recorrente se impõe algum sacrifício, decorrente, além do mais, da conduta bem grave em que incorreu e dos prejuízos importantes causados à vítima, como o Tribunal sublinhou, “sendo prementes necessidades de prevenção geral que se fazem sentir, as quais são indesmentíveis”, não é menos verdade que, concedendo-lhe prazo mais alargado para satisfação do pagamento à vítima, as exigências punitivas ainda ficarão acauteladas, sem que o interesse desta última se revele desvalorizado.
A melhor justiça no caso concreto é aquela que compagina a suspensão da execução da prisão com dever que permita que o sucesso da mesma não seja, desde logo, muito duvidoso de se conseguir.
Assim, mais adequado e proporcional se mostra que fique condicionada ao pagamento da indemnização à vítima em prazo com duração igual ao período da suspensão.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência,
- revogar a sentença recorrida na parte em que condicionou a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, por igual período e sujeita a regime de prova, ao pagamento da indemnização de € 5.000,00 à vítima, sendo € 2.500,00 no prazo de 1 ano e 6 meses e o restante no prazo de 3 anos e, em substituição, determinar que a suspensão da execução da pena de 5 anos de prisão, por igual período e sujeita a regime de prova, fica condicionada ao pagamento da indemnização de € 5.000,00 à vítima no mesmo prazo de 5 anos.

Sem custas (art. 513.º, n.º 1, CPP).
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Processado e revisto pelo relator.
13.Abril.2021
Carlos Jorge Berguete
João Gomes de Sousa