Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
5455/19.7T8STB.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: PLANO DE REVITALIZAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em processo de revitalização, não deve o Tribunal homologar o Plano de Recuperação – por violar o princípio da igualdade entre credores, nos termos dos artigos 194.º e 215.º, ex vi do artigo 17.º-F, n.º 5, do CIRE – que preveja, só com o acordo dos visados, o cumprimento do contrato-promessa, com entrega imediata do prédio objecto do mesmo, e abater substancialmente e dilatar no tempo os créditos dos demais credores (ainda que com garantia real), pois que, nesse caso, nem se vendo como vai a empresa reerguer-se sem bens, deixa o Plano de cumprir a função de revitalização para que tende.
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 5455/19.7T8STB.E1 – APELAÇÃO (SETÚBAL)


Acordam os juízes nesta Relação:

A Credora Reclamante “(…)”, com sede no Edifício (…), Rua Quinta da (…), n.º 6, Quinta da (…), em Paço D’Arcos, vem interpor recurso da douta sentença proferida a 04 de Fevereiro de 2020 (ora a fls. 274 a 279), nestes autos de processo especial de revitalização, a correr os seus termos no Juízo de Comércio de Setúbal (a que se apresentou a Requerente “… – Imobiliária, Lda.”, com sede na Urbanização …, Lote n.º 447, …, Grândola) – que veio a homologar o Plano de Revitalização que fora apresentado e aprovado pela maioria dos credores (com o fundamento que é aduzido na douta sentença de “que o pedido de não homologação não se mostra suficientemente factualizado, não podendo ser conhecido”; e que, dessarte, “deverá o plano de revitalização ser homologado, tanto mais que a declaração de insolvência e subsequente liquidação do património, previsivelmente, conduziria ao pagamento apenas ao credor hipotecário”) – ora intentando a sua revogação, que tal plano não venha a ser homologado e apresentando alegações que remata com a formulação das seguintes Conclusões:

A) - A Credora Reclamante, ora recorrente, vem interpor recurso da douta sentença homologatória do plano de revitalização da Devedora ‘(…) – Imobiliária, Lda.’.
B) - Os Credores (…) e (…) votaram contra o plano e requereram a sua não homologação, fundamentando com a ausência de negociações, a violação pelo plano do princípio da igualdade entre credores e não verificação do disposto no artigo 195.º do CIRE.
C) - A ora recorrente, ao abrigo do princípio da descoberta da verdade material e considerando o que dispõe o artigo 215.º do CIRE, comunicou aos autos a ausência de negociações, pese embora as diversas tentativas de contacto com a Devedora e Mandatário nesse sentido.
D) - Relativamente ao pedido de não homologação apresentado pelos referidos Credores o Tribunal a quo entendeu que “(…) o pedido de não homologação não se mostra suficientemente factualizado, não podendo ser conhecido”.
E) - Perante a informação da recorrente de que não foi incluída nas negociações veio o Tribunal a quo decidir que “(…) nada tendo sido requerido, nada tem o tribunal a decidir”.
F) - O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 215.º do CIRE, o qual impunha que o juiz tivesse aferido oficiosamente da legalidade do processo e do plano.
G) - O Tribunal a quo limitou-se a concluir no que respeita ao princípio da igualdade, que inexistem “(…) elementos de facto que permitam concluir que o plano afeta a igualdade entre os credores”, sem fazer a devida subsunção dos factos ao direito.
H) – Nem, tão pouco, foi feita alusão ao que dispõe o artigo 195.º do CIRE e se, considerando o conteúdo concreto do plano, estavam ou não verificados os requisitos para a sua aprovação.
I) - Entende a recorrente que o Tribunal a quo andou mal ao não verificar, designadamente, que o plano viola o disposto no artigo 195.º, n.º 2, alínea c), do CIRE.
J) - Também andou mal o Tribunal a quo ao não fundamentar, com base no conteúdo do plano, a decisão que considerou não existir qualquer violação do princípio da igualdade entre credores.
K) - O plano de revitalização prevê um perdão de 52% da dívida, correspondente a € 225.642,24, quando relativamente a outro credor hipotecário (…) prevê o pagamento integral da dívida.
L) - A justificação que é dada para este tratamento altamente discriminatório prende-se com o facto de, segundo o plano, a recorrente ser uma instituição financeira de crédito, quando, na verdade, a credora não se dedica à actividade de financiamento.
M) - Esta diferenciação não pode deixar de ter-se como desproporcionalmente violadora do princípio da igualdade entre credores atendendo a que inexistem razões objectivas para tal, sendo que a recorrente votou contra o plano.
N) - A douta sentença é nula por ausência de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de homologação do plano (artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.) e por ausência de pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado (artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C.P.C., em conjugação com os artigos 195.º, n.º 2, alínea c) e 215.º do C.I.R.E.).

Por todo o supra exposto, deverá a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por decisão que recuse a homologação do Plano de Revitalização.
Assim fazendo V. Exas. a costumada JUSTIÇA.

A Requerente/Apelada “(…) – Imobiliária, Lda.” apresenta contra-alegações (a fls. 286 a 288 dos autos), para dizer, também em síntese, que não assiste qualquer razão à Apelante na discordância que vem manifestar da douta sentença recorrida, para o que formula as seguintes Conclusões:

I. A sentença homologatória do Plano de Revitalização é irrepreensível do ponto de vista técnico-jurídico, isto é, preenche todos os ditames legais duma sentença homologatória.
II. Não é nula a sentença homologatória.
III. Tal diferença não viola o Princípio da Igualdade, nos termos do artigo 194.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
IV. Não foram violadas as regras procedimentais.
V. A violação do Princípio da Igualdade não está na esfera de apreciação do Tribunal, sobre a sua importância no caso concreto.
VI. A própria lei diz que, salvo as diferenciações justificadas por razões objectivas, o Plano não tem que obedecer ao princípio da igualdade dos credores.
VII. O Plano apresentado não atenta contra a lei, aos seus princípios e aos seus credores.
VIII. O Princípio da Igualdade é neste Plano relegado para a esfera da vontade de (algumas) partes, relativizando a sua importância e rigidez.
IX. Face ao exposto, o Juiz a quo decidiu bem ao homologar o Plano apresentado e aprovado.

Por todo o supra exposto, deve manter-se a decisão do Tribunal a quo nos exactos termos em que foi proferida. Assim fazendo Vossas Excelências a acostumada JUSTIÇA.
*

Provam-se os seguintes factos, com interesse para a decisão:

1. No dia 28 de Agosto de 2019 apresentou-se a Requerente “(…) – Imobiliária, Lda.” em Tribunal, pedindo o início dum processo de revitalização relativo a si própria, pretendendo, assim, estabelecer negociações com os seus credores, de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, pois que alega ser susceptível de recuperação e reúne as condições para atingir tal desiderato, “encontrando-se a empresa em situação de insolvência iminente se não renegociar as suas dívidas com os seus credores” (vide o douto articulado de fls. 2 a 12, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, estando a data de entrada em Juízo aposta a fls. 24 dos autos).
2. Para o que apresentou logo Plano de Recuperação e invocou o acordo inicial da credora “(…) – Gestão e Imobiliária, SA” (vide declaração conjunta com esta credora, a fls. 21 dos autos, aqui dada por reproduzida).
3. Em 03 de Setembro de 2019 foi proferido douto despacho a ordenar o recebimento e prosseguimento dos autos (vide tal douta decisão a fls. 230 a 232 dos autos, e cujo teor aqui também se dá por reproduzido na íntegra).
4. Em 07 de Outubro de 2019 veio a credora “(…), SA”, ora recorrente, impugnar o crédito reclamado da credora “(…) – Gestão e Imobiliária, SA”, por entender que o mesmo não deveria incluir juros, por terem sido expressamente afastados no respectivo título de constituição (vide fls. 236).
5. Tal título de constituição consiste na “Declaração de Reconhecimento Unilateral de Dívida”, outorgada em 28 de Agosto de 2019, assinada pelo sócio e gerente da Requerente “(…) – Imobiliária, Lda.”, em que esta reconhece que não cumpriu um contrato-promessa datado de 26 de Agosto de 2013 e se faz devedora do dobro do sinal, no montante final de € 633.493,38 (seiscentos e trinta e três mil, quatrocentos e noventa e três euros, trinta e oito cêntimos), não sendo devidos quaisquer juros, segundo tal declaração (vide o seu teor completo a fls. 240 a 242 dos autos, que aqui se dá por reproduzido na íntegra).
6. Entretanto, tal credora (“… – Gestão e Imobiliária, S.A.”) veio reclamar, nos autos, um valor de € 904.718,80 (novecentos e quatro mil e setecentos e dezoito euros e oitenta cêntimos), acrescidos de juros (vide fls. 238 a 239 verso dos autos).
7. E por douta sentença proferida em 28 de Outubro de 2019, já transitada em julgado, veio tal crédito a ser reconhecido no valor reclamado, para efeitos de quorum do presente processo de revitalização (vide o seu teor completo a fls. 247 a 251 dos autos, aqui igualmente dado por reproduzido na íntegra).
8. No dia 19 de Dezembro de 2019 a Requerente “(…) – Imobiliária, Lda.” juntou aos autos a “Proposta de Plano de Recuperação” que constitui fls. 254 a 261 verso (que aqui se dá por reproduzida), “para que seja votado pelos credores até dia 27 de Dezembro de 2019, até às 15 horas, para o domicílio do Administrador Judicial Provisório” (vide fls. 252 e 253 dos autos).
9. A referida credora “(…) – Gestão e Imobiliária, S.A.”, com um crédito de € 904.718,80 (novecentos e quatro mil, setecentos e dezoito euros e oitenta cêntimos) votou a favor do Plano (vide fls. 268 a verso dos autos).
10. Com uma percentagem de votos de 64,72% (idem).
11. A credora “Autoridade Tributária e Aduaneira”, com um crédito de € 731,00 (setecentos e trinta e um euros) e uma percentagem de votos de 0,05% votou a favor do Plano – que, de resto, previa o seu pagamento integral (idem).
12. E votaram contra o Plano os credores (…) e esposa, (…), e a Recorrente “(…), SA”, titulares de créditos em valor global de € 492.222,28 (quatrocentos e noventa e dois mil, duzentos e vinte e dois euros e vinte e oito cêntimos), e uma percentagem de votos conjunta de 35,22% (idem, na acta de votação do Plano, a qual trata estes dois créditos em conjunto).
13. De acordo com o Plano aprovado, o crédito da “(…), S.A.”, agora Recorrente, num valor de € 441.394,28 (quatrocentos e quarenta e um mil e trezentos e noventa e quatro euros, vinte oito cêntimos) ficou reduzido ao valor do capital, de € 215.752,04 (duzentos e quinze mil e setecentos e cinquenta e dois euros e quatro cêntimos) a pagar “em 240 (duzentas e quarenta) prestações mensais, iguais e sucessivas, sem vencimento de juros ou qualquer encargo contratual existente, após a aprovação do presente PER, vencendo-se a 1ª (primeira) no mês seguinte à aprovação do Plano” – (a fls. 259 dos autos).
14. Em 04 de Fevereiro de 2020 foi proferida douta sentença que, entre o mais, homologou o Plano de Revitalização que fora apresentado e aprovado (vide fls. 274 a 279 dos autos, que aqui se dá por inteiramente reproduzida).
*

Vejamos, pois, as questões que vêm suscitadas no recurso interposto da douta sentença homologatória do Plano de Revitalização e que ora demandam a apreciação e decisão do Tribunal ad quem – basicamente, relativas às nulidades invocadas contra tal douta sentença (por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia) e à avaliação encetada pelo Tribunal a quo no sentido de nada ter vislumbrado que impedisse a homologação de tal Plano, que a credora “(…), S.A.”, agora Apelante, contesta veementemente (e sempre contestou ao longo do processo) e, então, se a decisão do Tribunal a quo que assim o veio a considerar foi bem ou mal feita, de acordo ou ao arrepio dos factos e normas legais que a deveriam ter informado. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado e que supra já se deixaram transcritas para facilidade de percepção.
Pois, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código).

A douta decisão é do seguinte teor, na parte ora impugnada no recurso:

“(…)
Veio também o credor (…), S.A., por requerimento de 28-01-2020, comunicar aos autos que não foi convidada a participar nas negociações. Refere que após a notificação do início dos autos procurou por diversas vezes contactar a devedora, diretamente ou através do seu mandatário, o que não logrou. Apenas veio a tomar conhecimento da junção do plano aos autos e, bem assim, do prazo de votação do mesmo, o qual terminou em 27-12-2019.
Nos termos do artigo 17.º-F, n.º 3, do CIRE, pode ser no prazo de votação do plano requerida a não homologação do mesmo.
No caso o credor, votou nos autos e nada requereu ou arguiu, tal como no requerimento apresentado nada requer, limitando-se a dar conhecimento aos autos, não peticionando o que quer que seja.
Assim sendo, nada tendo sido requerido, nada tem o Tribunal a decidir.
Contudo, ainda que se entendesse tratar-se de um pedido de não homologação do plano apresentado, sempre teria de ser o mesmo considerado extemporâneo, pois que o prazo de votação terminou um mês (27-12-2020) antes da entrada do requerimento (28-01-2020).
Em face do exposto, nada temos a determinar nos autos.
Decisão
1. Relatório
(…) – Imobiliária, Lda. veio ao abrigo do disposto no artigo 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas intentar o presente processo especial de revitalização.
Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no artigo 17.º-C, n.º 3, alínea a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O Sr. Administrador juntou lista provisória de créditos, a qual foi objecto de impugnações, já decididas, pelo que se tem por definitiva a lista de créditos, com as eventuais retificações decorrentes da decisão proferida.
O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado.
Concluídas as negociações foi apresentado o plano e não foi realizada qualquer alteração nos termos previstos no artigo 17.º-F, n.º 3, do CIRE.
Foi junto o resultado da votação em 27-12-2019, por requerimento com a referência 4831689.
Votaram credores representando 99,98% dos créditos constantes da lista definitiva de credores.
Votaram favoravelmente o plano de recuperação 2 (dois) credores, num universo de 4 (quatro) credores votantes, representando os votos favoráveis emitidos 64,78% dos créditos com direito de voto.
Inexistem votos de créditos subordinados.
2. Fundamentos
De harmonia com o disposto no artigo 17.º-F, n.º 5, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, não se tratando de um caso de aprovação unânime de um plano de recuperação, «Considera-se aprovado o plano de recuperação que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4, do artigo 17.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos corresponda a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções».
No caso concreto, a lista provisória de créditos transformou-se em lista definitiva mediante a decisão às impugnações apresentadas, sendo assim, o quorum de aprovação o correspondente a mais de metade da totalidade dos créditos votantes, constantes na lista definitiva, compreendendo mais de metade dos créditos não subordinados.
O plano foi votado por credores representando 99,98% dos créditos com direito de voto e aprovado por credores representando 64,78% dos créditos com direito de voto.
Vieram os credores suprarreferidos pugnar pela não homologação do plano por violação dos princípios da igualdade, nos termos expostos e cujo teor se dá por reproduzido.
Ora, na esteira do decidido no Acórdão do S.T.J. de 25 de Novembro de 2014, no processo n.º 1783/12.0TYLSB-B.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, onde se decidiu que:
I - Não consubstancia violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 194.º do CIRE, o tratamento diferenciado de credor que, longe de ser arbitrário, decorre de circunstâncias objectivas e atendíveis e que, para além de constarem, transparentemente, no plano – que mereceu o voto favorável de credores cujos créditos totalizam € 3.842.147,19 e desfavorável de credores cujos créditos totalizam apenas € 299.751,03 –, não só o aconselham, como, mesmo, o impõem em ordem à manutenção e revitalização da devedora.
II - Em tal quadro, e sendo a Fazenda Nacional – que, ao contrário do ocorrido com o Instituto de Segurança Social, se manteve totalmente alheada ao longo das negociações e absteve na correspondente votação – titular de um crédito de apenas € 77.826,31, pode ser havida como negligenciável, atenta a natureza e finalidade associadas ao direito insolvencial, a violação de normas tributárias – ou equiparadas – aplicáveis ao conteúdo do plano de recuperação’.
Entendemos, como acima se fez menção, que o pedido de não homologação não se mostra suficientemente factualizado, não podendo ser conhecido.
O plano não prevê quaisquer condições suspensivas ou quaisquer atos ou medidas que devem preceder a homologação (artigo 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, aplicável ex vi do artigo 17.º-F, n.º 7, in fine, do mesmo diploma).
Assim sendo, nada obstando e tendo em conta o disposto no artigo 17.º-F, n.º 7, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, deverá o plano de revitalização ser homologado, tanto mais que a declaração de insolvência e subsequente liquidação do património conduziria, previsivelmente, ao pagamento apenas ao credor hipotecário.
3. Decisão
Pelo exposto:
Homologo por sentença, nos termos do artigo 17.º-F, nºs 7 e 10, do CIRE, o plano de revitalização da devedora ‘(…) – Imobiliária, Lda.’, identificada nos autos, constante do requerimento de 19-12-2019, referência 4823653, aprovado pelos credores seguintes: (…); Autoridade Tributária.
A presente decisão vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações, desde que abrangidos pelo plano e lista de credores – art.º 17.º-F, n.º 10, CIRE”.

E, desde logo, se dirá que não consideramos tal douta sentença inválida formalmente, por falta de fundamentação bastante (nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do C.P.C.), ou por omissão de pronúncia (segundo a sua alínea d), ab initio), porquanto, pese embora a técnica peculiar que nela é utilizada – podendo sempre dizer-se que se poderia aprofundar mais a fundamentação das questões apreciadas –, não há nela ausência absoluta de fundamentação (diz o que tem que dizer e decidir e porquê) nem qualquer omissão de pronúncia sobre a problemática da alegada violação do princípio da igualdade dos credores (que também dela consta e está tratada).
Decorrentemente, sendo um direito da credora Apelante “(…), S.A.” discordar do que na douta sentença vem decidido, essa discordância tem a ver com o seu fundo ou mérito (de facto ou de direito) – e poderá efectivamente ter ali sido cometido um erro de apreciação ou julgamento – mas tal não se pode confundir com a arguição de invalidades formais que a inquinem.
Pois que a douta sentença – errada porventura nos seus pressupostos e nas conclusões a que chega – é, porém, formalmente válida, não estando inquinada das nulidades que lhe vinham assacadas, quer por falta de fundamentação, quer por omissão de pronúncia.


Já não assim, quanto à violação do princípio da igualdade de tratamento dos credores, no que a apelante tem razão nas objecções que levanta ao trabalho da Mm.ª Juíza a quo, pelo que a douta sentença será, agora, nessa parte, objecto de censura através da respectiva revogação.

E assim, nos termos previstos no artigo 194.º, n.º 1, aplicável ao Plano de Recuperação ex vi do artigo 17.º-F, n.º 5, in fine, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), aprovado pelo Decreto-lei n.º 53/2004, de 18 de Março – alterado e republicado no Decreto-lei n.º 200/2004, de 18 de Agosto e, ultimamente, também pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, diploma que lhe introduziu precisamente esse processo especial de revitalização e pelo Decreto-lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro –, “O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas” (para efeito do processo especial de revitalização, onde se refere Plano de Insolvência deve entender-se por reportado ao Plano de Recuperação).
E, segundo o seu n.º 2, “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado em caso de voto favorável” (o n.º 2 do seu artigo 192.º estabelecia que “O plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”).
[A este propósito, vide, paradigmaticamente, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, no seu “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Reimpressão, 2009, da ‘Quid Juris’, na anotação 7ª ao artigo 192.º, a páginas 636, onde dizem: “Cremos, todavia, ser de admitir a não homologação, seja oficiosamente, com base no artigo 215.º, ou a requerimento do lesado, fundada no artigo 216.º, quando, não estando demonstrado o consentimento, tenha havido indevida afectação da posição jurídica dos interessados ou de terceiros”; e na anotação 1ª ao seu artigo 215.º, a páginas 712: “… este preceito continua a orientação do Direito anterior no sentido de conferir ao tribunal o papel de guardião da legalidade, cabendo-lhe, em consequência, sindicar o cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano” – transmitindo, assim, a ideia do papel interventor e conformador do Tribunal.]

Esta é, pois, a matriz e o ponto de partida da discussão: o legislador quis, assim, uma verdadeira igualdade entre os credores da insolvência/revitalização, do que haverá, naturalmente, que extrair todas as ilações.
[Recorde-se que é esse o regime estabelecido no artigo 17.º-F do C.I.R.E. donde não resulta que o juiz tenha que fazer aprofundada análise da situação económica ou financeira da visada, apenas, dos requisitos de natureza formal que ali constam, deixando, nesse papel conformador do juiz, nas mãos dos credores as demais questões que se liguem à própria recuperação. Pois que não podem perder-se de vista as finalidades de recuperação desses Planos e um tal papel regulador e guardião do juiz na defesa da legalidade (e existindo o necessário controlo e garantia jurisdicionais, com os limites fixados pelo CIRE, nos seus artigos 215.º e 216.º, aqui aplicáveis ex vi do referido artigo 17.º-F, n.º 5, in fine, que manda aplicar nesta sede de revitalização, “com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º” – sublinhado nosso.]

Ora, pelo seu artigo 215º se estabelece que “o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação”.
E segundo o seu artigo 216.º, n.º 1, “o juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que – a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante do acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas – b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar”.

[E consideramos que a credora recorrente ‘(…), SA’ veio manifestar, valida e atempadamente, a sua oposição ao Plano apresentado, como resulta da própria acta onde o mesmo foi aprovado (ora a fls. 268 a verso dos autos) e da sua tomada de posição constante de fls. 270 – considerando-se tal suficiente, até pela razão do douto Tribunal ter mandado notificar outros credores para virem a completar a oposição, conforme despacho de fls. 271, de 06 de Janeiro de 2020, concretamente em relação aos credores (…) e (…) quanto à sua tomada de posição de fls. 270 verso, e não ter dado essa mesma oportunidade à credora ‘(…), SA’ que apresentara uma tomada de posição a opor-se à aprovação idêntica à desses credores, a fls. 270, pelo que se tem de considerar sanada tal desigualdade com a apresentação do requerimento de fls. 273 a verso dos autos, que a douta sentença considerou extemporâneo, e que já o não seria se aquele convite lhe tivesse sido feito, como o foi aos demais credores.
Pese embora seja até do conhecimento oficioso do tribunal a apreciação “de violação das normas aplicáveis ao seu conteúdo”, nos termos do já referido artigo 215.º, aqui remetendo para o artigo 194.º, ambos do CIRE.]

Não que a igualdade dos credores seja, aqui, um valor absoluto, pois que, como já se disse, a lei prevê expressamente “as diferenciações justificadas por razões objectivas” (no dito artigo 194.º, n.º 1, in fine).
Mas aí é que está o ponto: justificadas por razões objectivas, para, assim, se evitarem opções de cariz marcadamente arbitrário ou fora dos objectivos para que a lei criou o Plano.

No caso sub judicio, tudo aponta para que se tenham utilizado critérios cuja objectividade é bastante duvidosa – e se assim não foi, pelo menos tal não resulta claro dos próprios termos do Plano de Revitalização alcançado.
Privilegiou-se a negociação só com um dos credores, a “(…) – Gestão e Imobiliária, S.A.” (cujo crédito fora reconhecido unilateralmente pela devedora e sendo de um valor inicial de pouco menos de € 320.000,00 já vai em € 904.718,80 e com tendência a crescer exponencialmente, pois vêm pedidos os juros vincendos), deixando-se para trás todo um rol de outros credores comuns e até privilegiados por garantias hipotecárias, transmitindo a ideia de que se intentou, basicamente, alcançar, apenas, a percentagem dos votos necessária à sua aprovação.
Mas essa não é a finalidade do Plano. Esta é a recuperação da empresa.

E assim se verifica que enquanto a uns é paga toda a dívida, por exemplo à recorrente ‘(…), S.A.’ tal satisfação passa de € 441.394,28 para um valor correspondente ao capital, € 215.752,04, a pagar “em 240 (duzentas e quarenta) prestações mensais, iguais e sucessivas, sem vencimento de juros ou qualquer encargo contratual existente, após a aprovação do presente PER, vencendo-se a 1ª (primeira) no mês seguinte à aprovação do Plano” – (a fls. 259 dos autos).
Já à credora ‘(…) – Gestão e Imobiliária, S.A.’ é entregue, em dação em cumprimento, pela totalidade do seu crédito, e “com posse efectiva e imediata, com a aprovação do presente PER”, o prédio objecto da promessa (o lote …-fração J) sobre que justamente incidem as hipotecas de outros credores (embora a sua propriedade só seja transferida “após o integral cumprimento do Plano de pagamentos com os restantes credores”, como, de resto, nem poderia ser de outra maneira, pois não poderia extinguir as hipotecas sem o acordo dos respectivos credores).
Nem, de resto, uma vez entregue esse bem de imediato – aparentemente, o único da sociedade – como é que esta se irá revitalizar! Que actividades estão previstas para tal? Mas isso já seria uma opção de fundo dos credores, se nisso estivessem de acordo (e não estão).

Se, efectivamente, o objectivo do Plano fosse a recuperação da empresa e a preocupação da sua aprovação por um maior número de credores e não obter os votos d’alguns, então dialogar-se-ia e perdoar-se-iam todos os juros vencidos e vincendos de todos e, aí sim, se demonstraria uma verdadeira vontade de a vir a recuperar.
Pois que a empresa, para se recuperar, precisará de todos, inclusive das instituições bancárias – por vezes, quem injeta capital para tal recuperação – e não as deixar à margem, como ocorreu com a instituição, agora Apelante.

Só assim não seria – vislumbrando-se, então, razões objectivas para uma tal diferenciação – se, por exemplo, os credores melhor tratados financiassem o desenvolvimento da actividade futura da visada, circunstância que implicaria o pagamento de juros por tal financiamento, que aproveitaria a todos os credores. Porém, nada disso resulta do Plano, antes que se trataria de pagar as dívidas antigas a alguns que, no confronto das dívidas antigas dos demais, sairiam com o privilégio de juros, e as doutros não (e com a totalidade do capital em dívida).

E aqui há violação do princípio da igualdade, pois onde é que estão as razões objectivas para tal diferenciação, como prevê a lei? A razão (objectiva) invocada da diferenciação seria por serem fornecedores. E no futuro, deixar-se-á de pagar a outros para que tudo continue ali a funcionar?
Ora, é este tipo de opções do Plano que põem, depois, em causa todo o seu conteúdo, mesmo os aspectos positivos que incontestavelmente tem, desde logo o de permitir à empresa continuar a laborar. Mas quem o aprovou parece que se não preocupou muito com isso.
Não se entende é como esperariam que alguns dos credores que se viram postergados aceitariam essa situação e se não insurgiriam, ou que o Tribunal homologaria tal Plano.

Temos, assim, que entender que a homologação que foi feita não é legal, com base na violação do princípio da igualdade, como previsto nos ditos artigos 215.º e 194.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Pelo que, nesse enquadramento legal, não cremos, salva melhor opinião, que a homologação do Plano de Recuperação a que se reportam os autos – e que consta da douta sentença impugnada – possa manter-se na ordem jurídica, por padecer de vícios que a conduzam a uma solução não permitida por lei, e assim procedendo o presente recurso de Apelação.
*

Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em conceder provimento ao recurso e revogar, em consequência, a douta sentença que procedeu à homologação do Plano, recusando-se tal homologação.
Custas pela Apelada.
Registe e notifique.
Évora, 07 de Maio de 2020
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral