Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALBERTO JOÃO BORGES | ||
Descritores: | PENA DE PRISÃO PRESSUPOSTOS DA LIBERDADE CONDICIONAL PREVENÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 05/07/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | a gravidade dos factos, o tempo de prisão já cumprido e a assunção pela reclusa de uma atitude de desculpabilização, mostra que as elevadas exigências de prevenção geral e especial não permitem a concessão da liberdade condicional. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. No Tribunal de Execução de Penas de Évora correu termos o Processo n.º 10/17.9TXEVR-D (Processo de Liberdade Condicional), no qual, por decisão de 16.01.2019, foi decidido não conceder a liberdade condicional à reclusa N…, melhor identificada nos autos, em síntese, por se considerar que “não se mostrarem preenchidos os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 61 do Código Penal, não estando reunidas as condições para que seja concedida a liberdade condicional à reclusa”. --- 2. Recorreu a reclusa – N… - deste despacho, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 1 - Vem a recorrente recorrer da decisão que lhe negou a liberdade condicional, fundada, alegadamente, nos pressupostos formais e substanciais de tal instituto, bem como nos pareceres técnicos constantes dos autos. 2 - Não pode a recorrente concordar com tal decisão, pois que a mesma não releva, efetivamente, todos os elementos juntos ao processo, nomeadamente, o parecer favorável por unanimidade do conselho técnico. 3 - Também não relevou a audição da recorrente, que aceitou a liberdade condicional, atendendo apenas ao parecer negativo do Digníssimo Magistrado do MP. 4 - Consta dos factos provados que a recorrente não tem antecedentes criminais nem penas por cumprir em Portugal, que os pareceres foram favoráveis, que a recorrente tem comportamento adequado em reclusão e sem infrações disciplinares, que se mantém positivamente ativa, frequenta cursos de formação e trabalha cada vez que existe oportunidade para isso, assumindo os seus atos e mostrando arrependimento pelo que fez. 5 - No entanto, o que demonstra a douta sentença recorrida é uma completa e total adesão ao parecer desfavorável do Digníssimo Magistrado do MP, baseado numa única premissa negativa: estar convicto de que a recorrente não se vê como uma traficante. 6 - De facto, bastou ao douto tribunal a quo que o Digníssimo Magistrado do MP determinasse que a não assunção da recorrente de si própria como uma traficante para apagar todos os fatores positivos carreados para o processo, sendo que eram indicadores bem mais fundados, fundamentados e coesos do que uma mera convicção, com o devido respeito, naturalmente. 7 - Igualmente com o devido respeito, o facto de uma pessoa, por ter cometido um ilícito de tráfico, não se considerar uma traficante - até porque o arrependimento e a vergonha que a recorrente sente (e que consta do processo) assim o ditam - não pode ser o bastante para a manter privada da liberdade, face ao número cabalmente superior de elementos positivos na avaliação. 8 - Não se pode considerar uma pessoa traficante por ter cometido um ato de tráfico, tal como não se pode considerar alguém costureiro por ter pregado um botão... 9 - Tanto o parecer do Digníssimo Magistrado do MP como a douta sentença recorrida apenas relevam o fim punitivo da pena, desconsiderando o fim reintegrativo da mesma, completamente preenchido no caso da recorrente. 10 - Mais grave é o facto de constatar a recorrente que a sua situação não foi devidamente avaliada, pois que consta do processo um parecer técnico que nem sequer é o seu, mas de uma outra reclusa. 11 - Havendo um manifesto e grosseiro lapso ou na inserção do nome da recorrente ou na junção do relatório aos corretos autos. Contudo, é um lapso que nem sequer foi relevado pelo douto tribunal a quo, dada a sua falta de diligências para apurar o sucedido. 12 - Deste modo, é firme convicção da recorrente que não foi dada a importância ou avaliação condigna à sua situação, pelo que tal decisão, como a emitida pelo douto tribunal a quo, não poderá subsistir. 13 - Por todo o exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que sirva condignamente os fins da justiça, decretando a concessão de liberdade condicional à ora recorrente --- 3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a resposta que apresentou nos seguintes termos: 1 - Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a N…, tendo esta atingido em 20-12-2018 metade da pena de 4 anos de prisão que lhe foi aplicada no Processo n.º 705/15.1T9LRS, pela prática, em coautoria, de um crime de tráfico de estupefacientes. 2 - A decisão proferida teve em conta todos os elementos constantes dos autos, designadamente, os relatórios da DGRSP, a ficha biográfica e as declarações da reclusa (avaliadas à luz do princípio da livre apreciação da prova). 3 - A ponderação integrada de todos esses elementos permite concluir pela existência de fortes exigências de prevenção especial de ressocialização, derivadas de uma ainda deficiente interiorização crítica da conduta criminosa e da culpa na comparticipação. 4 - Acresce que, atento o momento do cumprimento da pena, são, igualmente, muito elevadas as exigências de prevenção geral positiva, fazendo com que a possibilidade de uma libertação tão antecipada colida com os sentimentos de repulsa e de danosidade social sentidos pela comunidade em relação ao crime de tráfico de estupefacientes, tornando-a incompatível com a defesa da ordem e da paz social. 5 - Por consequência, não se mostrando verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61 do CP/ não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional, pelo que bem andou o tribunal a quo ao não conceder a liberdade condicional à recorrente, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito. 6 - Nesta conformidade, deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a decisão recorrida. --- 4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (parecer de 26.02.2019), por entender – em síntese – que “a concessão da liberdade condicional neste momento à reclusa… iria afetar notoriamente a defesa da ordem e da paz social, na medida em que a comunidade social não iria entender a sua restituição ao meio livre após tão curta permanência em cumprimento da pena em reclusão, assim violando as expetativas da sociedade quanto à reposição das normas violadas pela reclusa” 5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP). 6. Na decisão recorrida consideraram-se como provados - com base na certidão da decisão condenatória e respetiva liquidação da pena (ref.ª 368557, integralmente disponível no sistema Citius, e fls. 2 a 15 e 16 e 16-verso), no certificado de registo criminal (fls. 45), nos relatórios dos Serviços Prisionais e Reinserção Social (fls. 28 a 30 e 37 a 39), parecer da Diretora do Estabelecimento Prisional (fls. 36), decisão do SEF (fls. 42), ficha biográfica (fls. 34 a 35-verso) e declarações da reclusa (fls. 51) - os seguintes factos: 1. Por decisão proferida no Processo n.º 705/15.1T9LRS, do Juízo Central Criminal de Lisboa, Juiz 11, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, a reclusa foi condenada na pena de quatro anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes [foi correio de droga num voo entre São Paulo e Lisboa em 18 de dezembro de 2016]. 2. Liquidou-se a execução da pena de prisão da seguinte forma: 1/2 da pena: 20.12.2018; 2/3 da pena: 20.08.2019; Termo da pena: 20.12.2020. 3. Não lhe são conhecidas penas autónomas de prisão por cumprir nem processos pendentes de julgamento. 4. Em Portugal não regista qualquer outra condenação no seu certificado de registo criminal. 5. Declarou aceitar a liberdade condicional. 6. O Conselho Técnico emitiu, por unanimidade, parecer favorável à concessão da liberdade condicional. 7. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional. 8. No estabelecimento prisional tem um comportamento adequado e sem registo de infrações disciplinares. 9. Cumpre pena em regime comum, com frequência de cursos de formação modulares e trabalho sazonal na atividade de etiquetagem de embalagens da empresa "D…". 10. Não beneficiou de qualquer medida de flexibilização da pena. 11. Por decisão de 28 de agosto de 2018 foi decretado o afastamento coercivo da reclusa do território nacional pelo período de quatro anos. 12. Assume a prática dos factos e manifesta arrependimento. 13. Desculpabiliza os atos cometidos com a instabilidade emocional e a insuficiência económica que vivia naquela altura, mais referindo ter sido ameaçada e não ter tido, assim, alternativa à prática criminal. 14. Uma vez em liberdade irá (necessariamente) sair do país, perspetivando regressar ao Brasil, viver com a família de origem e trabalhar com o pai. --- 7. É sabido que o recurso termina - deve terminar - pela formulação de conclusões, onde o recorrente, de forma clara e concisa, deve resumir as razões ou fundamentos em que baseia a sua discordância quanto ao decidido, sendo que são aquelas (as conclusões) que delimitam o objeto do recurso (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do CPP, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 19.06.96, BMJ, 458, 98). Atentas as conclusões do recurso apresentado pela recorrente, assim consideradas, uma única questão vem colocada à apreciação deste tribunal, que é a de saber se, em face dos elementos constantes dos autos, se verificam os pressupostos de que depende a liberdade condicional/se a decisão recorrida devia ter concedido a liberdade condicional à recorrente, uma vez cumprida metade da pena de prisão em que foi condenada. Esta é, pois, a questão a decidir. --- Dispõe o art.º 61 n.º 2 al.ªs a) e b) do CP: “2. O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo 6 meses se: a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem pública e da paz social”. Na decisão recorrida considerou-se que se verificam os pressupostos formais de que depende a liberdade condicional - o cumprimento de metade da pena de prisão e o consentimento da reclusa (requisito previsto no n.º 1 daquele preceito) - mas não os pressupostos substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 daquele preceito, ou seja, que a reclusa, uma vez em liberdade conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, e que a concessão da liberdade se revela “compatível com a defesa da ordem pública e da paz social”. E isto porque, de acordo com a decisão recorrida: Por um lado, a reclusa “apresenta um discurso que, pese embora a verbalização do arrependimento, desculpabiliza a ação, atribuindo-a à instabilidade emocional e à insuficiência económica que então vivia, bem como à ameaça de que afirma ter sido vítima, colocando-a sem alternativas ao cometimento do crime”, atitude que – escreve-se – “não permite afastar o risco de, uma vez colocada em liberdade, perante novas situações imprevistas, de instabilidade e de dificuldade, reiterar no cometimento de crimes”. Por outro lado, “o crime de tráfico de estupefacientes está fortemente associado a sentimentos de alarme e insegurança social, o que também eleva as exigências de prevenção geral sentidas, não compatíveis, pois, com a libertação antecipada da reclusa”. Trata-se de um crime de extrema gravidade, “que atenta contra toda uma diversidade de bens jurídicos, uns de índole mais pessoal, outros mais amplos e referentes à sociedade em geral…”, provocando, por arrasto, “toda uma série de comportamentos por parte dos consumidores, que em grande parte acabam por cair na prática delituosa para lograrem sustentar o seu vício”, e gerando “graves problemas de saúde pública”, que obrigam “a enormes despesas públicas, seja na área da prevenção, da saúde, da investigação criminal e da repressão criminal… destruindo a vida de quem consome, acaba também por minar a vida das famílias daqueles que consomem… gera insegurança e medo na comunidade, que exige que as penas aplicadas sejam dissuasoras de novas práticas delituosas e que, simultaneamente, façam acreditar que as normas jurídicas violadas ainda continuam a vigorar e a relevar na nossa sociedade”, pelo que – conclui-se – “também por razões de prevenção geral, não se mostra viável a concessão da liberdade condicional”. E não se vê que a decisão recorrida, face à clareza dos argumentos que a suportam, mereça qualquer censura. De facto, não obstante a gravidade dos factos - como na decisão recorrida bem se deu conta e acima se destacou – e o tempo de prisão já cumprido, a recorrente continua a assumir uma atitude de desculpabilização, atribuindo a sua conduta “à instabilidade emocional e à insuficiência económica que então vivia, bem como à ameaça de que afirma ter sido vítima, colocando-a sem alternativas ao cometimento do crime”, atitude que, objetivamente analisada, à luz dos critérios da razoabilidade e boa prudência, “não permite afastar o risco de, uma vez colocada em liberdade, perante novas situações imprevistas, de instabilidade e de dificuldade, reiterar no cometimento de crimes”, sendo certo que nada indicia que se tenham alterado de modo significativo as condições que a levaram à prática do crime. E como bem anota o Ministério Público na resposta ao recurso, “a evolução positiva da personalidade durante a execução da pena não se exterioriza nem se esgota num comportamento prisional regular e de acordo com as normas institucionais, ou na aquisição de competências pessoais, escolares ou profissionais (aspetos que não deixam de ser meritórios e que foram tidos em conta), mas tem de passar, também, necessariamente, pela exteriorização da construção crítica que ao longo da reclusão vais sendo feita acerca da conduta criminosa (reconhecimento da prática do crime…), num padrão de verbalização estruturado e consistente que aponte para um adequado processo de preparação para a vida em meio livre, evolução que no caso das recorrente ainda nãos e verifica… enquanto o criminoso não manifestar uma adequada interiorização crítica da sua conduta e da sua culpa, não pode deixar de considerar-se perigoso e predisposto a tal prática, inviabilizando ele próprio o prognóstico favorável de evolução da personalidade de que depende a concessão da liberdade condicional”. Por outro lado, à concessão da liberdade condicional opõem-se também as elevadas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentir, atenta a natureza e gravidade do crime em causa – a merecer elevada reprovação por parte da comunidade - exigências incompatíveis com a libertação antecipada da reclusa, que poderia ser encarada pela comunidade, nestas circunstâncias, como uma forma intolerável de desculpabilização, frustrando, desse modo, as expetativas comunitárias na validade e eficácia das normas violadas pela reclusa. Concluindo, a pena sofrida pela recorrente - é lícito concluir, perante os factos – por um lado, não desempenhou ainda o efeito inibidor da prática de novos crimes que dela se esperava, por outro, a concessão da liberdade condicional nesta fase revela-se, atenta a natureza e gravidade do crime, incompatível “com a defesa da ordem pública e da paz social”, na medida em que frustraria as expetativas comunitárias na validade das normas violadas, em suma, as exigências de prevenção geral que com a punição se visam alcançar. Improcede, por isso, o recurso. --- 8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pela reclusa supra identificada e, consequentemente, em confirmar a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC (art.ºs 513 n.º 1 e 514 n.º 1 do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP). (Este texto foi por mim, relator, integralmente revisto antes de assinado) Évora, 07.05.2019 Alberto João Borges (relator) Maria Fernando Pereira Palma |