Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1144/21.0T8LLE-A.E1
Relator: ANABELA LUNA DE CARVALHO
Descritores: CRÉDITO BANCÁRIO
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Por força da Covid19, entrou em vigor um conjunto de medidas legislativas destinadas prevenir ou suavizar, as consequências sociais que a pandemia gerou. Assim, o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março.
- A Lei n.º 8/2020, de 10/4, ao aditar o artigo 6.º-A ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, veio impor aos concedentes de crédito amplos deveres de informação.
- Estes ficaram obrigados a divulgar e publicitar as medidas da moratória, incluindo os termos e datas-limite de acesso, nas suas páginas de Internet e através dos contactos habituais com os seus clientes, bem como dar conhecimento integral delas previamente à celebração de “qualquer contrato de crédito” sempre que o cliente seja uma entidade beneficiária (artigo 6.º-A, n.ºs 1 e 2).
- A mesma Lei atribuiu ao Banco de Portugal competência para regulamentar os moldes em que a prestação de informação deve ser efetivada (artigo 6.º-A, n.º 3).
- O que veio a suceder pelo Aviso Banco de Portugal n.º 2/2020, de 28/4, que passou a regulamentar os deveres de informação aos clientes a observar pelas instituições no âmbito das operações de crédito abrangidas pelas medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia COVID-19 previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março (“moratória pública”), bem como no âmbito de moratórias de iniciativa privada.
- Esta uma legislação de emergência, destinada a implementar um conjunto de medidas avulsas destinadas a limitar ou prevenir, tanto quanto possível, situações sociais dramáticas e uma cadeia de insolvências, por força da dificuldade extrema ou mesmo impossibilidade de serem cumpridas certas obrigações pecuniárias neste período de tempo, e que visou integrar tais medidas nos meios de reação gerais próprios da lei civil e em particular da lei comercial.
- Ora, esses meios gerais de reação só têm lugar depois de cumpridos os deveres de informação que incumbem às instituições de crédito, dando objetivação ao princípio da transparência da informação.
- Tendo em conta o escopo desta legislação, o dever de informação em causa visando dar ao cliente a possibilidade de recorrer a mecanismos jurídicos que, verificadas determinadas condições, permitam uma moratória, passou a ter um estatuto de obrigação principal. A instituição bancária não deve informar apenas se contatada para o efeito, a instituição bancária tem o dever de informar à partida.
- Desse modo, perante o dever de informação da instituição bancária cabe ao cliente alegar tão só que não foi informado, cabendo aquela a prova da informação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação 1144/21.0T8LLE-A.E1
2ª Secção

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I

(…) deduziu a presente oposição à execução por embargos e por apenso aos autos de execução contra si instaurados por Banco (…), S.A..

Alega para o efeito, em síntese, a falta do título executivo porquanto não foi demonstrada a resolução do contrato de mútuo e invoca a suspensão do pagamento de capital, juros, comissões ou outros encargos prevista no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, concluindo a final que se encontra em mera mora determinada pelas circunstâncias geradas pela pandemia covid.

Pede que, pela procedência dos embargos seja extinta a execução.

O Embargado contestou.

Alega que o contrato de mútuo foi resolvido e a Embargante interpelada para o pagamento, devendo improceder a invocada falta de título executivo.

Alega que o regime previsto no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, não é de aplicação automática e que a Embargante nunca solicitou a adesão às medidas estabelecidas naquele diploma.

Conclui pela improcedência dos embargos.

Realizada a audiência prévia, o tribunal a quo decidiu que reuniam os autos todos os elementos para uma decisão de mérito, tendo então proferido sentença, na qual veio a julgar improcedentes os embargos de executado e, consequentemente, se determinou o prosseguimento da execução quanto à Embargante.

Inconformada com tal decisão veio esta recorrer assim concluindo as suas alegações de recurso:

I . Na sua oposição à execução alegou a recorrente que a recorrida instaurou a ação executiva em causa nos presentes autos, “13. ...para pagamento coercivo da quantia total de € 104.561,36 (cento e quatro mil, quinhentos e sessenta e um euros e trinta e seis cêntimos).

14. Montante este relativo ao capital no valor de € 97.657,78 (noventa e sete mil, seiscentos e cinquenta e sete euros e setenta e oito cêntimos) juros de mora no valor de € 2.688,04 (dois mil, seiscentos e oitenta e oito euros e quatro cêntimos), seguro multirriscos no valor de € 15,54 (quinze euros e cinquenta e quatro cêntimos) e despesas no valor de € 4.200,00 (quatro mil e duzentos euros).

15. Alegando para tal o incumprimento, por parte da executada, das obrigações emergentes do contrato de mútuo com hipoteca celebrado com mesma e o marido (…), em 18/03/2008.

16. Por falta de pagamento da prestação vencida em 02/10/2020, a qual, segundo o exequente, determinou o vencimento das restantes prestações, nos termos do disposto nos artigos 781.º e 817.º do CC.

17. Juntando para o efeito cópia do referido contrato de mútuo com hipoteca como título executivo.

18. Porém, não foi junto pelo exequente aos autos qualquer documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, ou seja, o comprovativo da efetiva resolução.

19. Bem como da receção da referida comunicação por parte da executada, ou o respetivo comprovativo do envio para o domicílio do devedor, conforme disposto no artigo 224.º, n.º 2, do CC.

20. Elementos estes obrigatórios, quando se pretende dar à execução um contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pelo artigo 550.º, n.º 2, alínea c), do CPC.

21. Para demonstração do exercício por parte do exequente do direito de resolução do contrato.

22. Pelo que, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, de acordo com o disposto no artigo 713.º do CPC, segundo o qual constituem elementos essenciais da obrigação exequenda a certeza, exigibilidade e liquidez.

23. Não constituindo o contrato de mútuo com garantia de hipoteca só por si, sem a prova de resolução do mesmo, título executivo válido contra a embargante.”

II. Na douta decisão proferida nos autos de embargos de executado, não tomou o Tribunal posição relativamente à validade do título executivo, com fundamento na falta de junção aos autos de execução, para além do contrato de mútuo, do documento comprovativo da efetivação da resolução do contrato, alegada pela recorrente no requerimento de oposição à execução.

III. O Tribunal pronunciou-se apenas sobre a inexistência da “falta do título executivo porquanto não foi demonstrada a resolução do contrato de mútuo e invoca a suspensão do pagamento de capital, juros, comissões ou outros encargos prevista no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, concluindo a final que se encontra em mera mora determinada pelas circunstâncias geradas pela pandemia covid.”

IV. Nada dizendo quanto à matéria relativa à inexistência de título executivo alegada pela recorrente em sede de oposição à execução, nos pontos 17 a 27, nomeadamente, a falta de junção aos autos de execução, para além do contrato de mútuo, do documento comprovativo da efetivação da resolução do contrato.

V. Violou assim a citada sentença os artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º, n.º 2, do CPC, de cuja interpretação e aplicação decorre a necessidade de decisão sobre a totalidade dos fundamentos da oposição à execução, invocados pela recorrente.

VI. Na sequência da mencionada falta de pronúncia, incorreu a douta sentença recorrida na nulidade prevista nas supracitadas disposições legais que aqui expressamente se deixa alegada para todos os efeitos legais.

VII. Considerou o Tribunal que “não cabe à Embargada o ónus de alegar e provar que no seu sistema informático inexiste outra morada, bastando-lhe demonstrar que enviou a carta para a morada que dispõe por ser a que conta no contrato.”

VIII. Com o devido respeito, não se conforma a recorrente com tal decisão.

IX. Efetivamente, para justificar o cumprimento da obrigação que sobre ela impende, concretamente, do cumprimento do dever de comunicação da resolução do contrato de mútuo, veio a recorrida alegar na contestação que remeteu a referida comunicação para a morada que consta do seu sistema informático, tendo sido a mesma devolvida por motivo “objeto não reclamado”.

X. Nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC, sob a epígrafe “Ónus da prova”, estabelece-se que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

XI. Competindo assim à recorrida a prova dos factos que invocou, ou seja, que remeteu a comunicação para a morada constante do seu sistema informático.

XII. Pelo que, salvo melhor opinião, ao decidir que o ónus de alegar e provar que a morada para a qual foi enviada a comunicação de resolução do contrato de mútuo é a que consta do sistema informático da recorrente não cabe à recorrida, viola o Tribunal a quo o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do CC.

XIII. Em sede de embargos de executado, alegou a recorrente que devido à crise económica gerada pela pandemia, sofreram a recorrente e o marido graves problemas financeiros, com perda de parte significativa do rendimento familiar, devido ao desemprego de um dos elementos do casal, que levou a que não conseguissem cumprir atempadamente com o pagamento das obrigações a que se vincularam através do contrato de mútuo com hipoteca supra identificado.

XIV. Situação que afetou não apenas a recorrente e o marido desta, atingiu grande parte da sociedade e que levou a que fossem tomadas pelo Governo medidas excecionais de apoio social e económico, para proteção quer das famílias quer das empresas, nomeadamente, medidas de proteção dos créditos das famílias, as quais contemplavam a possibilidade de suspensão do pagamento de capital, juros, comissões ou outros encargos, até dezembro de 2021, de acordo com o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, posteriormente alterado pela Lei n.º 50/2021, de 30 de julho.

XV. Circunstância que não foi tomada em consideração pela recorrida, que, em plena pandemia e na vigência do período de suspensão do pagamento dos créditos hipotecários contraídos pelas famílias, instaurou a presente ação executiva, ignorando as medidas de proteção criadas pelo Governo, para salvaguarda das mesmas, que permitiram a deferimento do prazo de pagamento das prestações, até ao final do período de suspensão.

XVI. Não se verificando, por tal motivo incumprimento definitivo por parte da recorrente, mas sim uma situação de mora, justificada pelas circunstâncias geradas pela pandemia, as quais levaram a que fossem criadas medida excecionais de proteção, para evitar precisamente o incumprimento por parte das famílias dos contratos de crédito celebrados.

XVII. Em sede de exercício de direito de contraditório concedido na audiência prévia, face a tais argumentos alegados pela recorrida na contestação, que de acordo com o disposto no artigo 6.º-A da Lei n.º 8/2020, de 10 de abril, que procede à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, as instituições de crédito têm o dever de divulgar e publicitar as medidas previstas, no supra identificado decreto-lei, nas suas páginas de Internet e através dos contactos habituais com os seus clientes, obrigação que a recorrida não cumpriu.

XVIII. Impedindo assim a recorrente de beneficiar das medidas excecionais criadas pelo Governo, para apoio à famílias, no período da pandemia e que possibilitaria o deferimento do prazo de pagamento das prestações em falta até ao final do período de suspensão.

XIX. Entendeu o Tribunal que a alegação pela recorrente de tal argumento, em sede de audiência prévia, no exercício do direito de contraditório, constitui facto novo, não admitindo, por tal motivo tal alegação, acrescentando ainda que “a eventual omissão de divulgação das medidas de apoio é apenas suscetível de configurar um ilícito contra-ordenacional como previsto no artigo 6.º-A e 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3, nunca daí resultando o estabelecimento da pretendida moratória (que como já referido implicava o desencadeamento pelo devedor do respetivo procedimento)”.

XX. Os factos em causa não constituem factos novos, foram alegados no exercício do direito de contraditório, ao abrigo do disposto no artigo 3.º do CPC, relativamente ao alegado na contestação pela recorrida quanto à omissão pela executada dos procedimentos previstos no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março.

XXI. Os referidos factos deveriam ter sido admitidos pelo Tribunal e são comprovativos de que a recorrida não cumpriu o seu dever de comunicação para com a recorrente, tal como estava obrigada por lei.

XXII. Não podendo por tal motivo vir invocar o incumprimento definitivo por parte da recorrente.

XXIII. Verificando-se na presente situação, atendendo aos fundamentos supra expostos, mora da recorrente, justificada pelas circunstâncias geradas pela pandemia, as quais levaram a que fossem criadas medida excecionais de proteção, para evitar precisamente o incumprimento por parte das famílias dos contratos de crédito celebrados.

XXIV. A referida situação, por se tratar de mora e não de incumprimento definitivo, não confere à recorrida, nos termos do disposto no artigo 432.º do Código Civil, o direito à resolução do contrato de mútuo celebrado.

XXV. Não sendo exigível a obrigação exequenda.

XXVI. Motivo pelo qual, se impunha por parte do Tribunal considerar não verificado o incumprimento definitivo e a consequente a invalidade do título executivo apresentado na ação executiva em causa nos autos.

XXVII. Ao não fazê-lo, com o devido respeito, violou o Tribunal o disposto no artigo 432.º do CC e o artigo 713.º do CPC, de acordo com o qual a obrigação exequenda deve ser certa, líquida e exigível.

Nestes termos e nos mais de Direito, deverá conceder-se provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e substituindo-se por outra em que julgue procedentes os embargo e extinta a execução quanto à recorrentes e, consequentemente:

a) Declarar-se a sentença recorrida viciada de nulidade por omissão de pronúncia, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) e 608.º n.º 2 do CPC.

b) Declarar-se a invalidade do título executivo apresentado na ação executiva em causa nos autos, pela inexistência do direito de resolução por parte da recorrida e a consequente inexigibilidade da obrigação exequenda, nos termos do disposto no artigo 432.º do CC e o artigo 713.º do CPC, com as demais consequências legais.

A final requer que seja dado provimento ao recurso e, por via dele, seja revogada a decisão recorrida por procedência dos pedidos, por provados.

O embargado contra-alegou formulando as seguintes conclusões:

1. Não assiste razão à ora Recorrente, que cai em erro nas suas alegações.

2. A Recorrente alega que o Tribunal não tomou posição quanto à validade do título executivo.

3. No entanto, tal não corresponde à verdade, pois que refere o M. Juiz a quo a “Embargante deduziu oposição à execução com fundamento na falta de título executivo, seja por entender que não foi demonstrada a resolução do contrato de mútuo, seja por entender que a mesma não seria admissível em razão da suspensão das prestações contratuais por força do regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3”.

4. Tendo sido proferida decisão em conformidade, como se demonstrará.

5. O título dado à execução, é um contrato de mútuo com hipoteca, cuja natureza executiva é reconhecida sem mais, pelo n.º 2 do artigo 550.º do CPC.

6. Trata-se de uma obrigação com prazo certo liquidada em prestações, pelo que a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas, nos termos do artigo 781.º do CC, sendo a dívida imediatamente exigível.

7. O Recorrido cumpriu a obrigação que lhe competia de interpelação dos Devedores.

8. A Recorrente e os demais obrigados, mantêm o incumprimento das responsabilidades assumidas para com o Recorrido.

9. Não se verifica assim, qualquer omissão de pronuncia pelo Tribunal a quo.

10. Conforme resulta dos autos, ficou provado que o Recorrido “….enviou uma comunicação contendo a resolução do contrato, a qual, ainda que não tenha sido recebida (a carta não foi levantada nos CTT), sempre foi enviada para a morada que constava no contrato, concretamente no aditamento ao contrato celebrado em 2010 (“Estrada …, 44-A, Faro”).

11. Conforme resulta igualmente provado nos autos, “… o contrato originário foi alterado e a morada que ficou a constar na alteração contratual foi exatamente aquela para onde foi enviada a resolução”.

12. O Recorrido demonstrou que o contrato foi validamente resolvido, tendo enviado a correspondente carta para a morada que dispõe e que consta do contrato.

13. O Recorrido logrou provar e demonstrou, que o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, alterado pela lei n.º 50/2021 de 30 de julho não é de aplicação automática.

14. Pelo que cabia à Recorrente, caso pretendesse beneficiar do regime de exceção criado, solicitar ao Recorrido a sua integração, juntando para o efeito a documentação necessária à sua instrução.

15. A aplicação das medidas previstas no referido diploma legal, não têm carater universal, implicando o preenchimento de determinados requisitos, nomeadamente como previsto no n.º 2 do artigo 2.º, ou seja:

«- Beneficiam das medidas previstas no presente decreto-lei as pessoas singulares que, à data de publicação do presente decreto-lei, preencham as condições referidas nas alíneas c) e d) do número anterior, tenham ou não residência em Portugal e estejam, ou façam parte de um agregado familiar em que, pelo menos, um dos seus membros esteja, numa das seguintes situações:

a) Situação de isolamento profilático ou de doença, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;

b) Prestação de assistência a filhos ou netos, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;

c) Redução do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial;

d) Situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P.;

e) Trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente, nos termos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;

f) Trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência ou durante a situação de calamidade por imposição legal ou administrativa; ou

g) Quebra temporária de rendimentos de, pelo menos, 20% do rendimento global do respetivo agregado familiar em consequência da pandemia da doença COVID-19.»

16. Pelo que não tendo a Recorrente despoletado o procedimento junto do Recorrido, como resulta dos autos e, consequentemente, demonstrando que preenchia os necessários requisitos e entregando os documentos necessários para o efeito,

17. O Recorrido não estava obrigado a aplicar a pretendida moratória.

Nestes termos, deverá ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se na íntegra a douta Sentença recorrida.


II

Na consideração de que o objeto dos recursos se delimita pelas conclusões das alegações (artigos 635.º, 3 e 639.º, 1 e 2, CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art.608º in fine), são as seguintes as questões controversas em torno das quais se desenvolve o litígio:

- Se não ocorreu comunicação válida da resolução do contrato de mútuo;

- Se não ocorreu resolução eficaz do contrato de mútuo por desrespeito, por parte do banco embargado dos deveres de informação a que estava obrigado por força da legislação de emergência criada no contexto da pandemia.


III

O tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade:

1 - O Embargado celebrou no âmbito da sua atividade, com a Embargante e o co-executado (…), em 18/03/2008, um contrato de mútuo com hipoteca, mediante o qual aquele emprestou a estes a quantia de € 105.000,00, da qual se confessaram devedores – cfr. documento junto com o requerimento executivo.

2- A referida quantia foi creditada na data de celebração do contrato, na conta de depósitos à ordem que a Embargante e o co-executado (…) são titulares junto do Banco Embargado.

3 - O contrato de empréstimo foi celebrado pelo prazo de 468 meses.

4 - Mais acordaram que quando uma das prestações não fosse paga na data do seu vencimento, todo o montante em dívida bem como as despesas que lhe acrescessem, nos termos do contrato, ficavam sujeitos ao pagamento de juros moratórios, calculados à taxa máxima contratual, acrescida da sobretaxa de mora de 4%.

5 - Para garantia de todas as responsabilidades assumidas nos termos do vertente contrato, nomeadamente amortização do capital mutuado, pagamento de juros, encargos contratuais ou prémios de seguro que o Exequente visse a pagar em substituição dos Executados, estes constituíram hipoteca sobre o prédio urbano sito na Estrada de (…), (…), n.º 44-A, freguesia de Faro (São Pedro), concelho de Faro, descrito na Conservatória do Registo Predial de Faro sob o nº (…), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) da Freguesia de Faro (Sé e São Pedro) – cfr. documento junto com o requerimento executivo.

6 - A referida hipoteca encontra-se devidamente registada a favor do Banco Embargado, pela AP. (…), de 11/03/2008.

7 - Sucede que a Embargante e o co-executado (…) deixaram de cumprir com as obrigações emergente do contrato, sendo que a primeira prestação não paga corresponde à vencida em 02/10/2020.

8 - Não foram pagas outras prestações, ficando em dívida a quantia de € 97.657,78 a título de capital, acrescida de juros à taxa contratual de 2,277%, acrescidos de 3,000% referente à mora, no valor de € 2.688,04 e as quantias de € 15,54 a título de Seguro multirriscos e de € 4.200,00 a título de despesas.

9 - Em 12/4/2021 o Embargado expediu uma carta registada e sob aviso de receção dirigida à Embargante, comunicando a resolução do contrato de mútuo e pedindo o pagamento dos valores em dívida correspondentes a € 97.657,78 a título de capital, € 2.433.90 a título de juros e € 15,54 a título de despesas) – cfr. documento junto com a contestação.

10 - A carta acima referida foi enviada para a morada Estrada (…), (…), 44A, 8000-999 Faro”, tendo sido deixado aviso pelos serviços postais para o levantamento na loja CTT, sem que tivesse sido levantada, sendo a final devolvida ao remetente.

11 - O contrato de mútuo referido em 1º foi objeto de aditamento celebrado em 13/5/2010, em que foram outorgantes o Embargado, Embargante e o co-executado (…) e onde a Embargante indica como seu domicílio “Estrada (…), (…), 44A, Faro” – cfr. documento junto com o requerimento executivo.

12 - A Embargante não solicitou ao Embargado a aplicação das medidas previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3.


IV

Fundamentação de direito.

Impõe-se conhecer da 1ª questão objeto do recurso.

Pretende a apelante que não ocorreu comunicação válida da resolução do contrato de mútuo, porquanto, não foi junto pelo exequente aos autos qualquer documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, ou seja, o comprovativo da efetiva resolução. Bem como da receção da referida comunicação por parte da executada, ou o respetivo comprovativo do envio para o domicílio do devedor, conforme disposto no artigo 224.º, n.º 2, do CC.

Vejamos.

Mostra-se junto como doc. 2 da contestação cópia duma carta emitida pelo Banco (…) dirigida a (…), dando-lhe conta da resolução do contrato de mútuo e das razões da mesma (mora, incumprimento, vencimento antecipado…), carta essa enviada para a morada “Estrada (…), 44-A 8000-999 Faro” na data de 12/04/2021 e que veio devolvida por não reclamada.

A morada em causa é a morada que em 13/05/2010 a embargante e seu marido, por aditamento ao contrato de mútuo, fizeram constar como sendo o seu domicílio.

Entendeu a propósito o tribunal a quo que:

“No que respeita à invocada falta de demonstração da resolução do contrato de mútuo, importa ter em conta que se provou que o Embargado enviou uma comunicação contendo a resolução do contrato, a qual, ainda que não tenha sido recebida (a carta não foi levantada nos CTT), sempre foi enviada para a morada que constava no contrato, concretamente no aditamento ao contrato celebrado em 2010 (“Estrada …, 44A, Faro”).

Assim, se o devedor se encontra em mora e o banco credor pretende resolver o contrato, não sendo o caso de ter sido estabelecido outra morada para o efeito, poderá dirigir a comunicação para a morada que consta no contrato ou na última alteração contratual efetuada, respondendo o destinatário devedor pelo não recebimento da carta. Nesse sentido, entre outros, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/10/2013, proc.º 1127/12.1TVPRT.P1».

O que tem a nossa total concordância.

Dispõe o artigo 224.º do CC respeitante à eficácia da declaração negocial que:

«1. A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada.

2. É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.»

Como é sabido a resolução do contrato pode fazer-se extrajudicialmente mediante declaração à outra parte (artigo 436.º, n.º 1, do CC).

Tendo um destinatário, por regra, só será válida se recebida pelo dito destinatário, “logo que é dele conhecida”.

Mas pode acontecer que a não receção da declaração negocial, a não chegada da declaração à sua esfera de conhecimento, seja imputável a uma conduta ou a uma omissão desse destinatário.

O que ocorre quando a declaração é enviada para a morada que o destinatário antecipara como sendo a sua morada, mas já o não é, ou sendo-o ainda, não foi a carta de comunicação reclamada.

Essa não receção é imputável ao destinatário.

Tal ocorre no presente caso.

A carta foi enviada para a morada que embargante e marido informaram ser a sua morada (por aditamento ao contrato inicial) mas não foi reclamada.

Nada mais se pode exigir ao banco emitente, sendo totalmente irrelevante pretender apurar se do histórico contratual constavam moradas anteriores, como sugere a apelante.

A não receção da carta pelo destinatário só a este é imputável.

A resolução foi assim validamente comunicada.

Passemos à segunda questão:

- Se não ocorreu resolução eficaz do contrato de mútuo, por desrespeito por parte do banco embargado dos deveres de informação a que estava obrigado por força da legislação de emergência criada no contexto da pandemia.

O vencimento da 1ª prestação não paga ocorreu em 02/10/2020. Nenhuma das subsequentes foi paga. A carta de resolução do contrato data de 12/04/2021.

No seu requerimento inicial a apelante invocou que:

“31. Devido ao contexto supra exposto, nomeadamente à crise económica gerada pela pandemia, sofreu a exequente (leia-se executada) e o marido, graves problemas financeiros, com perda de parte significativa do rendimento familiar, devido ao desemprego de um dos elementos do casal, que levou a que não conseguissem cumprir atempadamente com o pagamento das obrigações a que se vincularam através do contrato de mútuo com hipoteca supra identificado.

32. Circunstância que não foi tomada em consideração pelo exequente, que, em plena pandemia e na vigência do período de suspensão do pagamento dos créditos hipotecários contraídos pelas famílias, instaurou a presente ação executiva, ignorando as medidas de proteção criadas pelo Governo, para salvaguarda das mesmas, que permitiram o deferimento do prazo de pagamento das prestações, até ao final do período de suspensão (sublinhado nosso).

33. Não se verificando, por tal motivo incumprimento definitivo por parte da executada, mas sim uma situação de mora, justificada pelas circunstâncias geradas pela pandemia, as quais levaram a que fossem criadas medida excecionais de proteção, para evitar precisamente o incumprimento por parte das famílias dos contratos de crédito celebrados.

34. A referida situação, por se tratar de mora e não de incumprimento definitivo, não confere ao credor, nos termos do disposto no artigo 432.º do Código Civil, o direito à resolução do contrato de mútuo celebrado.

35. Motivo pelo qual, não constitui o mesmo título executivo válido.”

Entendeu a propósito o tribunal a quo que:

“[a] aplicação das medidas de apoio não era de aplicação automática (e universal) antes dependendo do impulso do devedor, o qual deveria seguir o procedimento estabelecido no artigo 5º (que se inicia no caso das pessoas singulares com o envio de uma declaração de adesão à aplicação da moratória).

Ademais, a aplicação das medidas não tinha carácter universal, implicando o preenchimento de determinados requisitos, como previsto no n.º 2 do artigo 2.º, onde se estabelece:

«- Beneficiam das medidas previstas no presente decreto-lei as pessoas singulares que, à data de publicação do presente decreto-lei, preencham as condições referidas nas alíneas c) e d) do número anterior, tenham ou não residência em Portugal e estejam, ou façam parte de um agregado familiar em que, pelo menos, um dos seus membros esteja, numa das seguintes situações:

a) Situação de isolamento profilático ou de doença, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;

b) Prestação de assistência a filhos ou netos, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;

c) Redução do período normal de trabalho ou suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial;

d) Situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P.;

e) Trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente, nos termos do artigo 26.º do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual;

f) Trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência ou durante a situação de calamidade por imposição legal ou administrativa; ou

g) Quebra temporária de rendimentos de, pelo menos, 20% do rendimento global do respetivo agregado familiar em consequência da pandemia da doença COVID-19.»

Deste modo, cabia à Embargante desencadear o procedimento junto da Embargada, demonstrando que preenchia os necessários requisitos e entregando os documentos necessários.

Por isso, não tendo a Embargada procedido como acima indicado (resultando dos articulados que não requereu o procedimento), não estava o Embargado obrigado a aplicar a pretendida moratória.

(…)

Com efeito, a eventual omissão de divulgação das medidas de apoio é apenas suscetível de configurar um ilícito contraordenacional como previsto no artigo 6.º-A e 8.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3, nunca daí resultando o estabelecimento da pretendida moratória (que como já referido implicava o desencadeamento pelo devedor do respetivo procedimento).

Por último, não se deixará de salientar que apesar de genérica alusão às circunstâncias geradas pela pandemia, nunca é invocado o regime previsto no artigo 437.º do Código Civil, o que implicaria a alegação dos pertinentes e concretos factos (concretizando a situação anterior e posterior ao inicio da pandemia) e a formulação da pretensão no que respeita às obrigações contraídas no contrato em causa (seja quanto a uma eventual resolução ou modificação do contrato). De qualquer modo, como referido, não sendo requerido pela embargante a modificação do contrato ao abrigo do artigo 437.º, e sendo certo que o mesmo já foi validamente resolvido, nada mais cumpre acrescentar.”

Nas alegações de recurso a apelante reitera os argumentos anteriores.

Analisemos, pois.

Em primeiro lugar, a apelante ao alegar no seu requerimento inicial que – a circunstância (pandémica) não foi tomada em consideração pelo exequente, que, em plena pandemia e na vigência do período de suspensão do pagamento dos créditos hipotecários contraídos pelas famílias, instaurou a presente ação executiva, ignorando as medidas de proteção criadas pelo Governo, para salvaguarda das mesmas, que permitiram o deferimento do prazo de pagamento das prestações, até ao final do período de suspensão – está a invocar genericamente o incumprimento por parte do banco de deveres específicos a que a legislação excecional o obrigava, entre nos quais se inclui o dever de informação, não constituindo, por isso, facto novo, o reforço dessa argumentação em fase posterior.

Por força da Covid 19, entrou em vigor um conjunto de medidas legislativas destinadas prevenir ou suavizar, consequências sociais dramáticas que a pandemia gerou ou se mostrava apta a gerar, por via da dificuldade ou mesmo impossibilidade de serem cumpridas certas obrigações pecuniárias nesse contexto temporal.

Assim, o Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, em cujo preâmbulo se lê:

«As consequências para a economia exigem a adoção de medidas urgentes tendo em vista a proteção das famílias portuguesas, em matéria de crédito à habitação própria permanente, (…)»

Dispondo o seu artigo 1º:

«1 - O presente decreto-lei estabelece medidas excecionais de apoio e proteção de famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social, por força dos impactos económicos e financeiros da contração da atividade económica decorrente da pandemia da doença COVID-19.

2 - As medidas de proteção e apoio à liquidez e tesouraria têm como finalidade o diferimento do cumprimento de obrigações dos beneficiários perante o sistema financeiro, nos termos previstos no presente decreto-lei.

3 - Para os efeitos do presente decreto-lei, a pandemia da doença COVID-19 é formalmente reconhecida como um evento excecional com consequências graves para a economia, nos termos do artigo 107.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.»

O capítulo II estabeleceu as “Medidas de apoio extraordinário à liquidez de famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social”, regulando a secção I as “Medidas de apoio e condições de acesso”.»

Dispondo o artigo 2.º que:

“ Beneficiam igualmente das medidas previstas no presente decreto-lei:

a) As pessoas singulares, relativamente a crédito para habitação própria permanente que, à data de publicação do presente decreto-lei, preencham as condições referidas nas alíneas c) e d) do número anterior, tenham residência em Portugal e estejam em situação de isolamento profilático ou de doença ou prestem assistência a filhos ou netos, conforme estabelecido no Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, na sua redação atual, ou que tenham sido colocados em redução do período normal de trabalho ou em suspensão do contrato de trabalho, em virtude de crise empresarial, em situação de desemprego registado no Instituto do Emprego e Formação Profissional, I. P., bem como os trabalhadores elegíveis para o apoio extraordinário à redução da atividade económica de trabalhador independente, nos termos do artigo 26.º do referido decreto-lei, e os trabalhadores de entidades cujo estabelecimento ou atividade tenha sido objeto de encerramento determinado durante o período de estado de emergência, nos termos do artigo 7.º do Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março; e (…)»

Prevendo o artigo 5.º as condições para o acesso à moratória:

«1 - Para acederem às medidas previstas no artigo anterior, as entidades beneficiárias remetem, por meio físico ou por meio eletrónico, à instituição mutuante uma declaração de adesão à aplicação da moratória, no caso das pessoas singulares e dos empresários em nome individual, assinada pelo mutuário e, no caso das empresas e das instituições particulares de solidariedade social, bem como das associações sem fins lucrativos e demais entidades da economia social, assinada pelos seus representantes legais.»

Diploma que entrou em vigor em 27/03/2020 estando a sua vigência prevista até 30/09/2020 (artigo 14.º).

A Lei n.º 8/2020, de 10 de abril veio alterar aquele diploma, dispondo o seu:

Artigo 1.º (Objeto) - «A presente lei procede à primeira alteração, por apreciação parlamentar, ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, que estabelece medidas excecionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.»

Aditando ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, os artigos 6.º-A e 13.º-A, com a seguinte redação:

«Artigo 6.º-A (Dever de prestação de informação

«1 - As instituições têm o dever de divulgar e publicitar as medidas previstas no presente decreto-lei nas suas páginas de Internet e através dos contactos habituais com os seus clientes.

2 - As instituições ficam ainda obrigadas a dar conhecimento integral de todas as medidas previstas no presente decreto-lei previamente à formalização de qualquer contrato de crédito sempre que o cliente seja uma entidade beneficiária.

3 - O Banco de Portugal regulamenta os moldes em que a prestação de informação prevista nos números anteriores deve ser efetivada.

4 - Ao incumprimento do estabelecido nos números anteriores aplicam-se as disposições previstas no n.º 2 do artigo 8.º do presente decreto-lei.»

Lei esta que entrou em vigor no dia 11/04/2020.

A Lei n.º 8/2020, de 10/4, ao aditar o artigo 6.º-A ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, veio impor aos concedentes de crédito amplos deveres de informação.

Estes ficaram obrigados a divulgar e publicitar as medidas da moratória, incluindo os termos e datas-limite de acesso, nas suas páginas de Internet e através dos contactos habituais com os seus clientes, bem como dar conhecimento integral delas previamente à celebração de “qualquer contrato de crédito” sempre que o cliente seja uma entidade beneficiária (artigo 6.º-A, n.os 1 e 2).

A mesma Lei atribuiu ao Banco de Portugal competência para regulamentar os moldes em que a prestação de informação deve ser efetivada (artigo 6.º-A, n.º 3).

O que veio a suceder pelo Aviso Banco de Portugal n.º 2/2020, de 28/4.

O Aviso Banco de Portugal n.º 2/2020, de 28/4 entrou em vigor em 07/05/2020 e apresenta como resumo:

«Regulamenta os deveres de informação aos clientes a observar pelas instituições no âmbito das operações de crédito abrangidas pelas medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia COVID-19 previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março (“moratória pública”), bem como no âmbito de moratórias de iniciativa privada»

Aqui se reproduzindo alguns excertos do Texto do Aviso:

«Nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, o Banco de Portugal é, com efeito, a autoridade responsável pela supervisão e fiscalização do regime de moratória pública, competindo-lhe, no exercício deste mandato conferido pelo legislador, monitorizar a implementação, pelas instituições, das medidas de apoio extraordinário previstas no citado diploma.

Paralelamente, foram implementadas, pelas instituições, moratórias de iniciativa privada, aplicáveis a situações excluídas do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março (moratórias privadas).»

«A eficaz implementação da moratória pública está dependente da sua adequada divulgação pelas instituições junto dos potenciais beneficiários. Adicionalmente, e atendendo às iniciativas de moratória privada, importa garantir a correta identificação, pelos clientes, do tipo de moratória à qual aderem, pública ou privada.

Finalmente, atendendo a que ambos os tipos de moratória têm o mesmo propósito – apoiar as famílias e empresas por força dos impactos económicos e financeiros decorrentes da pandemia COVID-19 – considera-se que o princípio da transparência da informação adquire especial relevância em ambas as situações, pelo que importa que existam idênticos deveres de informação a prestar aos clientes, independentemente da natureza pública ou privada da moratória.»

«Assim, nos termos do n.º 3 do artigo 6.º-A e do n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março e do n.º 4 do artigo 77.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, o Banco de Portugal determina o seguinte:

Artigo 1.º (Objeto)

1. O presente Aviso regulamenta os deveres de informação aos clientes a observar pelas instituições no âmbito das operações de crédito abrangidas pelas medidas excecionais e temporárias de resposta à pandemia COVID-19 previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março (“moratória pública”), bem como no âmbito de moratórias de iniciativa privada aprovadas de harmonia com os requisitos constantes das orientações emitidas pela Autoridade Bancária Europeia (EBA/GL/2020/02) (“moratória privada”).

(…)

Artigo 2.º (Âmbito)

1. Os deveres de informação previstos no presente Aviso são observados pelas instituições relativamente às seguintes operações:

a) Operações de crédito abrangidas pela moratória pública;

b) Outras operações de crédito não abrangidas pela moratória pública e que sejam objeto de uma moratória privada.

(…)

Artigo 3.º (Divulgação das moratórias)

1. As instituições que comercializem operações de crédito abrangidas pela moratória pública ou por moratórias privadas disponibilizam informação sobre as moratórias, em local de destaque, nos respetivos locais de atendimento ao público, e na página de entrada dos seus sítios na Internet, bem como no homebanking e nas aplicações móveis, quando existam.

2. As instituições divulgam a informação sobre a moratória pública e sobre as moratórias privadas de forma a identificar claramente a natureza da moratória a que essa informação se reporta.

3. As instituições remetem ainda a todos os clientes, que tenham contratado operações de crédito abrangidas pela moratória pública ou por moratórias privadas a que tenham aderido, uma comunicação, através de correio eletrónico, short message service (SMS) ou por qualquer outra via habitualmente utilizada nas comunicações estabelecidas com cada cliente, informando sobre a existência das referidas moratórias e os locais onde o cliente pode obter informação adicional.

Artigo 4.º (Informação sobre as moratórias)

1. A informação sobre as moratórias, públicas ou privadas, a divulgar nos termos do artigo anterior inclui, pelo menos, os seguintes elementos:

a) Operações de crédito abrangidas;

b) Potenciais beneficiários e respetivos requisitos de elegibilidade;

c) Processo de adesão às moratórias, contendo, nomeadamente, as seguintes informações:

i. Forma de apresentação da declaração de adesão;

ii. Documentação a apresentar, se aplicável;

iii. Estando em causa uma moratória privada, quem deve apresentar o pedido de adesão relativamente a operações de crédito com mais do que um titular;

iv. Forma pela qual será comunicada ao cliente a aplicação, ou não aplicação, da moratória;

v. Prazo para a comunicação referida na subalínea anterior.

d) Tipos de moratória e medidas abrangidas pela moratória;

e) Duração de cada moratória, com referência expressa ao seu início e termo, bem como à possibilidade de o cliente solicitar o fim da moratória antes do termo do prazo acordado, se aplicável;

f) Impactos decorrentes da aplicação da moratória no valor das prestações e no prazo de reembolso das operações de crédito;

(…)»

O Aviso entrou em vigor em 29 de abril de 2020.

O prazo de vigência da moratória foi prorrogado até 31 de março de 2021 (artigo 14.º da Lei n.º 27-A/2020, de 24/7 que alterou a Lei n.º 2/2020, de 31 de março – Orçamento de Estado para 2020).

Pelo que, estava em vigor quando se venceu a primeira prestação não paga (02/10/2020) e que motivou a resolução do mútuo pelo exequente.

Esta uma legislação de emergência, destinada a implementar um conjunto de medidas avulsas destinadas a limitar ou prevenir, tanto quanto possível, situações sociais dramáticas e uma cadeia de insolvências, por força da dificuldade extrema ou mesmo impossibilidade de serem cumpridas certas obrigações pecuniárias neste período de tempo, e que visou integrar tais medidas nos meios de reação gerais próprios da lei civil e em particular da lei comercial.

Ora, esses meios de reação gerais só têm lugar depois de cumpridos os deveres de informação que incumbem às instituições de crédito, dando objetivação ao princípio da transparência da informação que o Aviso Banco de Portugal n.º 2/2020, de 28/4 regulamentou de acordo com a competência que foi atribuída pela Lei n.º 8/2020, de 10/4, aditando o artigo 6.º-A ao Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/03, artigo esse que impõe aos concedentes de crédito amplos deveres de informação.

Deste modo, as instituições de crédito ficam obrigadas a divulgar e publicitar as medidas da moratória, incluindo os termos e datas-limite de acesso, nas suas páginas de Internet e através dos contactos habituais com os seus clientes, bem como dar conhecimento integral delas previamente à celebração de “qualquer contrato de crédito” sempre que o cliente seja uma entidade beneficiária (artigo 6.º-A, nºs. 1 e 2).

Tendo em conta o escopo desta legislação, o dever de informação em causa visando dar ao cliente a possibilidade de recorrer a mecanismos jurídicos que, verificadas determinadas condições, permitam uma moratória, passou a ter um estatuto de obrigação principal. A instituição bancária não deve informar apenas se contatada para o efeito, a instituição bancária tem o dever de informar à partida.

Desse modo, perante o dever de informação da instituição bancária cabe ao cliente alegar tão só que não foi informado, cabendo aquela a prova da informação.

Neste contexto normativo excecional deve ser exigido à instituição de crédito exequente que faça prova do cumprimento do dever de informação relativamente à apelante e marido, quanto à existência das referidas moratórias e os locais onde o cliente pode obter informação adicional, permitindo a estes avaliar, requerer e demonstrar estarem em condições de poder beneficiar das mesmas.

Só sendo permitido à instituição de crédito operar a resolução contratual a posteriori, caso as condições da moratória não se mostrem reunidas ou o cliente as não pretenda.

A exequente limitou-se a alegar que “a Embargante não solicitou ao Embargado a aplicação das medidas previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26/3”, mas nada referiu e menos provou quanto ao cumprimento prévio do seu dever de informação, por força da legislação específica criada no contexto da pandemia.

Não tendo feito tal prova, a resolução do contrato de mútuo não se mostra eficaz.

Inexiste, assim, título executivo válido, o que impede o prosseguimento da execução.

Síntese conclusiva:

(…)


V

Termos em que, acorda-se em julgar a apelação procedente, revogando a decisão recorrida que se substitui por outra que julga ineficaz a resolução do contrato de mútuo e, por consequência, declara inválido o título executivo.

Custas pelo apelado.

Évora, 12/01/2023

Anabela Luna de Carvalho (Relatora)

Mário João Canelas Brás (1º Adjunto)

Jaime Pestana (2º Adjunto)