Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1336/16.4T9BJA-A.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: ACTO PROCESSUAL
EXTEMPORANEIDADE
MULTA
DISPENSA DO PAGAMENTO
Data do Acordão: 03/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I – A concessão do apoio judiciário, por um lado, e a dispensa do pagamento da multa devida pela prática tardia do acto têm subjacente a formulação de juízos substancialmente distintos entre si.

II - O juízo de insuficiência económica subjacente à concessão de apoio judiciário não pressupõe o da dispensa de pagamento de multa. Na verdade, é perfeitamente concebível que alguém seja economicamente insuficiente para suportar as despesas gerais inerentes a um processo judicial e, no entanto, no momento de pagar a multa devida pela prática do acto processual fora de prazo, disponha de liquidez suficiente para o fazer sem colocar em perigo a sua subsistência ou a do seu agregado familiar.

III - Inversamente, podemos também configurar a possibilidade de alguém que disponha normalmente de meios económicos suficientes para enfrentar as despesas inerentes ao pleito judicial, possa ser acometido por uma situação de carência pontual, que o impeça da satisfazer a multa processual do art. 107º-A do CPP, na altura em que esta tenha de ser cumprida.

IV – A demonstração da impossibilidade de pagamento da multa devida pela prática tardia do acto processual não se basta com a alegação e a prova da concessão do benefício do apoio judiciário, antes incumbindo ao sujeito processual alegar e provar autonomamente os factos, que fundamentam a impossibilidade económica de pagar a multa, no lapso temporal previsto para o efeito.

V – Tal interpretação não ofende o direito de acesso à Justiça, por quem não possui meios económicos, consagrado no n.º 1 do art. 20.º da CRP.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
Na instrução nº 1336/16.4T9BJA, que corre termos no Juízo Local Criminal de Beja do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, a Exº Juiz do referido Juízo proferiu, em 2/4/17, um despacho com o seguinte teor:

«A ofendida D, tendo apresentado o requerimento de abertura de instrução de fls. 114 a 124 durante o prazo de 3 dias após o prazo normal, veio requerer a dispensa da multa devida uma vez que não tem meios económicos para pagar a multa, pleiteando com apoio judiciário que lhe foi deferido.

Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 139°, n° 8 do Código de Processo Civil dispõe que, " o juiz pode excepcionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas acções que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado directamente pela parte".

No presente caso, a requerente alega que esta a passar uma fase económica muito difícil e que não tem meios económicos para pagar a multa mas de tal não faz prova, sendo que, o facto de a requerente gozar do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos não significa que esteja em situação "de manifesta carência económica".

Se assim fosse, o legislador teria ressalvado expressamente essa situação na norma supra transcrita, o que não sucedeu.

Aliás, como se diz no Acórdão do Tribunal Constitucional n° 197/2006[2] "Para obter apoio judiciário basta a "insuficiência de meios económicos" (n.º 1 do artigo 1º), a prova da "insuficiência económica" provada ou presumida (artigos 19.º e 20.º da Lei n.º 30-E/2000). Para que o pagamento da multa seja dispensado ou esta seja reduzida é necessário que o interessado esteja em situação de "manifesta carência económica" para suportá-la. Há aqui a exigência de uma situação de mais acentuada incapacidade económica, o que bem se compreende porque no primeiro caso se trata de viabilizar o acesso aos tribunais e no segundo de corrigir a desproporção de um obstáculo às condições desse acesso que tem a sua causa imediata no incumprimento do prazo, (processualmente) imputável ao requerente".

Pelo exposto, indefere-se o requerido.

Notifique, sendo a requerente, nos termos do disposto na alínea c) do n° 5 do artigo 139° do Código de Processo Civil, a fim de, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da muita aí prevista».

Do enunciado despacho veio a ofendida, entretanto constituída assistente, D. interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:

1 - A recorrente vive em Lisboa, tem grandes dificuldades económicas, pelo que só em 20/2/2017 obteve cópia integral dos processos, como resulta de Fls. 110 e 111 dos autos.

2 - Pelo que não houve qualquer atraso do seu mandatário na elaboração e remessa do requerimento de abertura da instrução, pois a procuração foi outorgada em 21/2/2017, estando datado de 17/2/2017 o oficio de deferimento do apoio judiciário e o requerimento de abertura de instrução foi enviado no dia 23/2/2017;

3 - A recorrente fundamentou o pedido de dispensa do pagamento da multa alegando «não tendo meios para pagar a multa" pleiteando com pedido de protecção jurídica que já foi deferido ".

4 - A recorrente é farmacêutica de profissão mas não exerce desde 2006 quando ficou impossibilitada de continuar a explorar a Farmácia S, em Brinches.

5 - A recorrente, pelo facto de estar degradado o edifício, pondo em perigo a qualidade dos medicamentos, iniciou as obras de remodelação, em 2005, mas não foram aprovadas pelo INFARMED, conforme cópia do ofício de 16/11/2006, que se junta, iniciando-se um processo que determinou a cassação do alvará, também por outras vicissitudes, que estão para julgamento no Proc. ---/14.8TBSRP, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, do qual foram extraídas as cópias dos documentos de Fls. 9 a 42 do processo crime que ora nos ocupa;.

6 - O INFARMED não aprovou o projecto de remodelação da Farmácia S e a Câmara Municipal de Serpa não deu autorização para reabrir a Farmácia, como se verifica do requerimento da ora recorrente e do oficio de resposta da Câmara Municipal de Serpa que se juntam;

7 - Ou seja, para além dos outros factos em discussão no Proc. --/14. 8TBSRP, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Central Cível e Criminal de Beja, a não aprovação do projecto de arquitectura implicou a impossibilidade de funcionamento da Farmácia S., em Brinches, tendo tudo entrado num circulo vicioso;

8 - A recorrente tinha outra Farmácia em Relíquias, Concelho de Odemira, mas também esta encerrou, estando pendente no Tribunal Central Administrativo l Sul processo contra o INFARMED;

9 - Estes processos levaram ao empobrecimento da recorrente, a vários processos de credores, ao colapso da vida económica da recorrente, que nunca mais teve actividade profissional, envolvida como executada em vários processos executivos e outros;

10 - A recorrente vive do recebimento de rendas de imóveis, no valor de cerca de 277,740 € mensais, mas que só lhe pertencem em 1/6 por serem imóveis de herança ainda não partilhados, ou seja em bom rigor a recorrente vive com 1/6 de 277,74 € por mês;

11 - Todos os imóveis que a recorrente tinha foram penhorados e vendidos nos processos executivos instaurados pelos credores, sociedades fornecedoras de medicamentos, bancos credores de empréstimos e outros.

12 - Esta situação é uma clara situação de "manifesta carência económica" a que a recorrente chamou de "não tendo meios para pagar a multa ", o que em bom rigor tem o mesmo significado.

13 - O facto de a recorrente ser "farmacêutica" pode impressionar, mas uma "farmacêutica" com a idade da recorrente, sem meios económicos, está na miséria;

14 - A lei deve ser interpretada de forma a não inviabilizar o acesso ao tribunal e o exercício dos seus direitos e defesa dos seus interesses, devendo a norma do art. 139º n° 8 do CPC ser interpretada "cum grano salis ", de forma a optimizar o acesso ao direito aos que não têm meios económicos.

14 - E com o devido respeito pelo Acórdão do TC citado na decisão recorrida, geralmente os nossos tribunais judiciais interpretam o art. 139º n° 8 de forma mais ampla, concedendo a dispensa do pagamento da multa nas situações como a relatada pela recorrente.

15 - E assim foi no Tribunal Administrativo de Circulo de Lisboa, Unidade Orgânica 2, Proc. ----/11.5BELSB, onde a recorrente e requereu a dispensa do pagamento da multa, tendo sido deferida a dispensa, e noutro processo, o Proc. ---/05.3BELRA, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria foi deferido o pedido de dispensa de multa, como se alcança pelas cópias dos despachos que infra se juntam;

16 - Salvo o devido respeito, o despacho recorrido é ilegal porque interpretou erradamente os factos e fez incorrecta interpretação da norma do art. 139° n° 8 do CPC, aplicável ao processo penal ex vi art. 4° e 107º-A , ambos do CPP.

17 - Por outra via, a norma do art. 139º n° 8 do CPC, se interpretada no sentido de quem não tem meios para a multa não está em "manifesta carência económica" ofende o direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20° n° 1 da Constituição da República Portuguesa, cuja norma não exige sequer "manifesta carência económica", mas "insuficiência de meios económicos ", sendo certo que o interprete tem de presumir que o legislador constitucional expressou correctamente o que quis dizer, sendo por isso a interpretação que o despacho recorrido faz da norma do art. 139º n° 8 do CPC materialmente inconstitucional, não podendo ser aplicado no sentido em que o foi, inconstitucionalidade que expressamente se argui para todos os efeitos legais;

18 - Acresce que o Ministério Público também pode praticar os actos nos termos do 107º-A do CPP e está isento do pagamento de multa, não podendo haver diferença de tratamento entre o MP e os outros sujeitos processuais, por ofender também o art. 6° n° 1 e 14° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

19 - Pelo que deve ser revogado e substituído por outro que dispense a recorrente do pagamento da multa, cujo montante é muito elevado para a recorrente, que o não pode pagar, por estar em situação de "manifesta carência económica" a que a recorrente chamou "não tendo meios para pagar a multa ", o que é mesmo, bem vistas as coisas.

NESTES TERMOS, deve ser concedido provimento a este recurso e em consequência revogado o despacho recorrido para ser substituído por outro que defira o requerimento de dispensa do pagamento da multa.
FAZENDO-SE ASSIM A BOA E COSTUMADA JUSTIÇA

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

O MP respondeu à motivação da recorrente, tendo, por seu turno, formulado as seguintes conclusões:

1º - Inconformada com o douto despacho que indeferiu a requerida dispensa de pagamento da multa prevista no art.º 139º, nº 5, alínea c) do Código de Processo Civil pela apresentação de requerimento de abertura de instrução durante o prazo de 3 dias após o prazo normal vem a Assistente interpor o presente recurso pugnando pelo deferimento do requerido alegando, em síntese, que o douto despacho recorrido fez errada interpretação da norma legal contida no art.º 138º, nº 8 do Código de Processo Civil e considera materialmente inconstitucional tal interpretação por violação do direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado.

2º - Da leitura do requerimento apresentado pela Assistente constata-se que esta alega estar a passar uma fase económica muito difícil e que não tem meios económicos para pagar a multa devida pela apresentação do requerimento de abertura de instrução nos três dias seguintes ao termo do prazo legal e estatuída pelo art.º 139º, nº 5, alínea c) do Código de Processo Civil.

3º - Com esse requerimento a Assistente, ora recorrente, não junta qualquer documento comprovativo da sua situação económica apenas justificando tal insuficiência económica com o deferimento do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido pois, na verdade, os factos que fundamentam a requerida dispensa de pagamento da multa processual só agora na petição de recurso são alegados tendo a recorrente junto também agora os documentos que entendem comprovar tal dispensa.

4º - Perante a falta de factos que fundamentassem a requerida dispensa de pagamento da multa processual pela apresentação tardia do requerimento de instrução e a total ausência de documentos comprovativos da alegada fase difícil, não tendo meios económicos outra não poderia ser a decisão senão a de indeferimento de tal dispensa em estrita obediência ao exigido pelo art.º 139º, nº 8 do Código de Processo Civil.

5º - O douto despacho recorrido fundamentou correctamente tal decisão uma vez que a referida norma legal estabelece como requisito para a dispensa de pagamento da multa a manifesta carência económica que no caso dos presentes autos não foi comprovada mas, mais do que isso, nem sequer foi alegada.

6º - E não pode afirmar-se que tal decisão violou o direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais uma vez que foi o próprio Tribunal Constitucional no douto Acórdão referido e transcrito no despacho ora recorrido e que distingue expressamente as situações de concessão do benefício de apoio judiciário e de dispensa de pagamento da multa, afirmando que na segunda há uma exigência de uma situação de mais acentuada incapacidade económica que o douto Acórdão considera que se explica uma vez que na concessão de apoio judiciário está em causa o acesso aos tribunais e na dispensa de pagamento de uma multa processual está em causa um incumprimento de um prazo processual que é imputável ao requerente. Como também refere o douto despacho recorrido se a intenção do legislador fosse dispensar do pagamento de tal multa processual todos os que beneficiam de apoio judiciário tê-lo-ia dito claramente mas tal assim não fez, pelo contrário utilizou um critério muito mais exigente do que na concessão daquele benefício e caracterizou a possibilidade de tal dispensa como excepcional.

7º - O que a recorrente pretende com o presente Recurso é fundamentar agora o seu pedido de dispensa com factos e documentos quando não o fez em momento próprio, não podendo o Tribunal de Recurso revogar uma decisão que foi correctamente proferida porque a Assistente/Requerente não alegou nem juntou prova com o seu requerimento.

Por todo o exposto, deverá ser negado provimento ao recurso e mantido na íntegra o douto despacho recorrido.

Assim se fazendo JUSTIÇA!

O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o recurso admitido, tendo pugnado pela respectiva improcedência.

Tal parecer foi notificado aos sujeitos processuais, a fim de se pronunciarem, querendo, não tendo eles exercido o seu direito de resposta.

Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância do despacho recorrido, tal como emerge das conclusões da assistente, dirige-se à reversão do pedido de dispensa de pagamento da multa processual devida pela apresentação do seu requerimento de abertura de instrução, no terceiro dia posterior ao fim do prazo legalmente previsto.

A prática de actos em processo penal depois do termo do respectivo prazo, mediante pagamento de multa, vem regulada no art. 107º-A do CPP:

Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, à prática extemporânea de actos processuais penais aplica-se o disposto nos n.os 5 a 7 do artigo 145.º do Código de Processo Civil, com as seguintes alterações:

a) Se o acto for praticado no 1.º dia, a multa é equivalente a 0,5 UC;

b) Se o acto for praticado no 2.º dia, a multa é equivalente a 1 UC;

c) Se o acto for praticado no 3.º dia, a multa é equivalente a 2 UC.

No texto do actual CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/6, a remissão operada pelo normativo agora transcrito deve considerar-se feita para o respectivo art. 139º, cujo nº 8 dispõe:

O juiz pode excecionalmente determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respetivo montante se revele manifestamente desproporcionado, designadamente nas ações que não importem a constituição de mandatário e o ato tenha sido praticado diretamente pela parte.

A recorrente mobiliza em apoio da sua pretensão os normativos do art. 20º nº 1 da CRP e dos art. 6º nº 1 e 14º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), cujo teor passamos também a reproduzir:

- Nº 1 do art. 20º da CRP
A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.

- Nº 1 do artº 6º da CEDH
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

- Art. 14º da CEDH
O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.

No seu requerimento de abertura de instrução, certificado a fls. 48 a 54 destes autos de recurso, a ora recorrente peticionou a dispensa do pagamento da multa processual devida sua apresentação tardia, nos seguintes termos:

«4 – Uma vez que este requerimento é entregue durante o prazo de 3 dias após o prazo normal a assistente deveria pagar a multa. Porém, a arguida está a passar uma fase muito difícil, não tendo meios económicos para pagar a multa, pleiteando com pedido de protecção jurídica, que já foi deferido, como se prova pelo ofício que infra se junta, pelo que requer a V. Eª nos termos do art.º 139º nº 8 do CPC, aplicável ao processo penal que V. Eª a dispense do pagamento da multa».

Juntou documento comprovativo do deferimento do pedido de protecção jurídica (apoio judiciário), na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (fls. 56).

Foram estes os termos da pretensão formulada pela assistente sobre a qual recaiu o despacho sob recurso, indeferindo-a.

Pensamos que tem constituído entendimento pacífico dos Tribunais que as dispensas concedidas no âmbito do apoio judiciário, não abrangem o pagamento das multas processuais devidas pela prática tardia de actos do processo, que, actualmente, se regem pelo art. 107º-A do CPP.

Em todo o caso, afigura-se-nos de algum modo implícita à pretensão formulada pela assistente e indeferida pelo despacho em crise a ideia, segundo a qual a reunião dos pressupostos da concessão do apoio judiciário seria condição suficiente da dispensa de pagamento de multa prevista no nº 8 do art. 139º do CPC.

Ora, em nosso entender, a concessão do apoio judiciário, por um lado, e a dispensa do pagamento da multa devida pela prática tardia do acto têm subjacente a formulação de juízos substancialmente distintos entre si.

Nos termos da Lei nº 34/2004 de 29/7, alterada pela Lei nº 47/2007 de 28/8, a concessão do apoio tem como pressuposto a insuficiência económica do interessado, de acordo com definição estabelecida pelo nº 1 do art. 8º desse diploma:

Encontra-se em situação de insuficiência económica aquele que, tendo em conta o rendimento, o património e a despesa permanente do seu agregado familiar, não tem condições objectivas para suportar pontualmente os custos de um processo.

Trata-se, pois, de uma insuficiência que tem ser aferida em função dos custos inerentes ao pleito judicial, na sua globalidade.

Diferentemente, a dispensa de multa prevista no nº 8 do art. 139º do CPC vise acorrer àquelas situações em que o sujeito processual vinculado ao seu pagamento esteja afectado por uma impossibilidade objectiva e concreta de o fazer, devido a falta de meios económicos, no momento em que o pagamento tenha de ser satisfeito.

Ora, o juízo de insuficiência económica subjacente à concessão de apoio judiciário não pressupõe o da dispensa de pagamento de multa.

Na verdade, é perfeitamente concebível que alguém seja economicamente insuficiente para suportar as despesas gerais inerentes a um processo judicial e, no entanto, no momento de pagar a multa devida pela prática do acto processual fora de prazo, disponha de liquidez suficiente para o fazer sem colocar em perigo a sua subsistência ou a do seu agregado familiar.

Inversamente, podemos também configurar a possibilidade de alguém que disponha normalmente de meios económicos suficientes para enfrentar as despesas inerentes ao pleito judicial, possa ser acometido por uma situação de carência pontual, que o impeça da satisfazer a multa processual do art. 107º-A do CPP, na altura em que esta tenha de ser cumprida.

Nesta ordem de ideias, convergimos com o Tribunal «a quo» no sentido de a demonstração da impossibilidade de pagamento da multa devida pela prática tardia do acto processual não se basta com a alegação e a prova da concessão do benefício do apoio judiciário.

Assim sendo, incumbe ao sujeito processual alegar e provar autonomamente os factos, que fundamentam a impossibilidade económica de pagar a multa, no lapso temporal previsto para o efeito.

Dado que a assistente do processo principal não o fez, no seu requerimento de abertura de instrução, o Tribunal «a quo» não poderia ter deixado de decidir como decidiu, indeferindo o pedido por ela formulado, no sentido de ser dispensada do pagamento da multa devida pela apresentação tardia dessa peça processual.

Na motivação do presente recurso, a assistente veio alegar todo um conjunto de factos, que, em seu entender, seriam demonstrativos da sua invocada insuficiência económica da multa processual a que está vinculada, e que não havia invocado perante o Tribunal, que proferiu o despacho recorrido, tendo oferecido prova documental dos novos factos alegados, que tão pouco havia carreado para o processo até então.

Nos recursos ordinários, vigora o princípio da identidade de objecto entre a decisão recorrida e aquela que conheça do recurso, pelo que estão necessariamente subtraídos a cognição deste Tribunal da Relação os factos e os documentos, que não haviam sido levados ao conhecimento do Tribunal «a quo», até à prolação do despacho recorrido.

A recorrente invoca que o despacho recorrido assenta numa interpretação materialmente inconstitucional do nº 8 do art. 139º do CRP, por violadora do direito consagrado no nº 1 do art. 20º da CRP.

Ora, na pretensão formulada pela assistente, sobre a qual recaiu o despacho em crise, não está em causa o direito de acesso à Justiça, mas sim a prerrogativa de praticar actos processuais além do termo do prazo legalmente previsto, o que não é o mesmo.

Tanto quanto julgamos saber, ninguém estará disposto a sustentar, incluindo a recorrente que o princípio, vigente na generalidade dos ramos do direito processual, do condicionamento da prática de actos pelos sujeitos do processo a prazos temporais peremptórios seja incompatível com o direito de acesso à Justiça.

A não ser assim, cada processo correria o risco de se tornar ingovernável, em termos de poder inviabilizar a prolação de uma decisão com conteúdo útil, já para não dizer materialmente justa.

De todo o modo, o sistema processual penal contém suficientes válvulas de segurança no sentido de acautelar as situações, não imputáveis ao sujeito processual interessado, em que a observância do prazo possa obstar à prática eficaz o acto, como seja a figura do justo impedimento, a que se refere o nº 2 do art. 107º do CPP, quando uma causa anómala impeça que acto seja atempadamente praticado, ou a prorrogação excepcional do prazo, devido à excepcional complexidade do processo, prevista no nº 6 do mesmo artigo.

Dado que, na tese da recorrente, nos encontramos perante uma denegação do direito de acesso à justiça, por falta de meios económicos, cumpre-nos dizer não vislumbramos que exista alguma relação necessária entre as maiores ou menores disponibilidades económicas e uma maior ou menor capacidade para praticar os actos do processo dentro do prazo normal previsto por lei.

Nesta conformidade, teremos de concluir que a interpretação da norma do nº 8 do art. 139º do CP, em que se baseou o despacho recorrido, isto é, que incumbe ao sujeito processual interessado alegar e provar os factos concretos integradores da incapacidade económica, que pode justificar a atribuição da dispensa prevista na referida disposição legal, não bastando para o efeito a alegação e a prova da concessão do apoio judiciário, não ofende o direito de acesso à Justiça, por quem não possui meios económicos, consagrado no nº 1 do art. 20º CRP.

Consequentemente, impõe-se julgar improcedente a arguição pela recorrente a inconstitucionalidade dessa interpretação normativa.

Quanto à invocação da transgressão das normas dos arts. 6º nº 1 e 14º da CEDH em razão de o MP poder praticar actos nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, sem estar sujeito ao pagamento de multa, importa que tenhamos presente o Acórdão nº 5/2012 do Supremo Tribunal de Justiça (publicado em DR, 1ª série, 21/5/2012), que veio uniformizar jurisprudência no seguinte sentido:

O Ministério Público, em processo penal, pode praticar acto processual nos três dias úteis seguintes ao termo do respectivo prazo, ao abrigo do disposto no artigo 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil, sem pagar multa ou emitir declaração a manifestar a intenção de praticar o acto naquele prazo.

Na fundamentação do identificado Aresto Uniformizador, o nosso mais Alto Tribunal discutiu explicitamente questão de saber se a não exigência ao MP do pagamento de multa pela prática de actos processuais nos três dias úteis subsequentes ao termo do respectivo prazo, a que estão vinculados os sujeitos processuais «particulares» (arguido, assistente e partes civis), ofende ou não princípio da igualdade de armas, enquanto integrante do princípio constitucional (art. 20º nº 4 da CRP) da garantia de processo equitativo, nos termos que a seguir reproduzimos (transcrição com diferente tipo de letra):

Analisando o quadro legal aplicável, em processo penal, ao direito à prática de acto processual fora de prazo, independentemente de justo impedimento, primeira observação a fazer é a de que, ao longo da sua existência de décadas, o legislador (civil e penal) nunca nele incluiu qualquer disposição de discriminação relativamente a qualquer das partes ou sujeitos intervenientes no processo, ou seja, nunca excluiu do seu âmbito de aplicação qualquer das partes ou sujeitos processuais, razão pela qual sempre se entendeu abarcar na sua previsão todos eles, incluindo, obviamente, o Ministério Público[21].

Segunda observação a fazer é a de que o ónus imposto pelo exercício do direito, ou seja, o ónus de que depende a validade do acto praticado fora de prazo não é igual em todos os casos nem para todos os intervenientes processuais, sendo variável, quer em função do modo como o direito é exercido, quer em função da parte que o exerce e da adequação do ónus ao acto praticado, mais concretamente da capacidade económica da parte e do montante do ónus, podendo até ser objecto de dispensa ou de exclusão. Com efeito, não só é distinto quantitativamente aquele ónus consoante o acto é praticado no primeiro, segundo ou terceiro dias após o termo do respectivo prazo (artigo 107º-A, do Código de Processo Penal – em processo civil, alíneas a) a c) do n.º 5 do artigo 145º), como é susceptível de redução ou mesmo de dispensa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revelar manifestamente desproporcionado (n.º 8 do artigo 145º do Código de Processo Civil ex vi artigos 107º, n.º 5 e 107º-A, do Código de Processo Penal) [22], bem como de exclusão no caso do Ministério Público, por o Ministério Público estar isento de multas (n.º 1 do artigo 522º do Código de Processo Penal).

Terceira observação a fazer é a de que o legislador nunca estabeleceu qualquer outro ónus ou procedimento para o exercício do direito em causa, para além do pagamento da multa, concretamente nunca previu ou impôs qualquer (diferente) procedimento para o exercício do direito pelo Ministério Público, conquanto tenha introduzido várias alterações ao regime legal aplicável àquele direito, alterações que atrás referenciámos, cinco no Código de Processo Civil e duas no Código de Processo Penal, alterações que tiveram lugar conhecendo o legislador as diferentes posições jurisprudenciais sobre a utilização daquele direito pelo Ministério Público, o que não pode deixar de ser entendido no sentido de que a sua vontade é a de considerar não exigível ao Ministério Público qualquer ónus ou procedimento, posto que se assim não fosse teria incluído na lei a exigência de um qualquer ónus ou procedimento tido por necessário e conveniente, designadamente o procedimento imposto pelo acórdão ora recorrido.

Ademais, a verdade é que o legislador quando em 1995 alterou o regime então vigente (DL 329º-A/95) para, como consta do respectivo preâmbulo, assegurar plenamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade substancial das partes, limitou-se a prever a redução ou a dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado, o que reforça o entendimento exposto, tanto mais que a corrente jurisprudencial que entende o Ministério Público estar obrigado à emissão de declaração a manifestar a vontade de praticar o acto fora de prazo, fundamenta a sua posição no princípio da proibição de discriminação das partes no processo, ou seja, no princípio da igualdade. Caso o legislador entendesse ter o Ministério Público tratamento privilegiado, violador do princípio da igualdade, obviamente que seria aqui a ocasião apropriada para resolver essa anomia, isto é, para impor ao Ministério Público procedimento adequado a compensar ou contrabalançar a isenção do pagamento da multa[23].

A verdade é que o não fez e a verdade é que aquela anomia não se verifica.

Vejamos.

A procura da verdade material e a realização da justiça, a declaração do direito (penal) do caso concreto, constituem o fim último do processo penal, asserção claramente assumida por Figueiredo Dias[24], com o que fica excluída qualquer concepção processual penal dominada por uma qualquer oposição de interesses, designadamente entre a vítima e o arguido.

Como diz aquele insigne penalista[25], colocando em confronto o processo civil e o processo penal, enquanto o processo civil tem como causa uma relação de direito privado e pertence aos sujeitos desta, quer no seu se quer no seu como, o processo penal deriva juridicamente de um crime, tende à aplicação de uma pena e pertence à sociedade. Isto é, enquanto em direito civil o objecto do processo está na quase total disponibilidade dos respectivos sujeitos, em direito penal o objecto do processo é praticamente indisponível pelos sujeitos processuais, pois que é função do processo penal dar realização a um interesse da comunidade e do próprio Estado.

Processo em que, por isso, não há partes e em que o Ministério Público exerce funções próprias, com plena autonomia na sua fase inicial (inquérito), constitucionalmente consagradas, através das quais se assume como órgão da administração da justiça e colaborador do tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, funções que exerce sob critérios de estrita legalidade e objectividade, que compartilha com o juiz – artigos 219º, n.º 1, da Constituição Política e 53º, n.º 1, do Código de Processo Penal[26] – e que justificam lhe seja concedido um regime procedimental diferenciado relativamente aos demais sujeitos do processo, onde se inclui a já referida isenção de custas e multas.

Isenção que se mostra em consonância com os princípios constitucionais de processo penal, designadamente com o princípio da igualdade enquanto proibição do arbítrio e da identidade de armas, tanto mais que este princípio não deve nem pode ser entendido de forma absoluta, em termos tais que impeça o legislador de estabelecer uma disciplina diferente quando diversas forem as situações que as disposições normativas visam regular ou distintos os destinatários a que se dirigem.

Na sua dimensão material ou substancial, o princípio da igualdade, como vem defendendo o Tribunal Constitucional[27], vincula em primeira linha o legislador ordinário, no entanto, não o impede de definir as circunstâncias e os factores tidos como relevantes e justificadores de uma desigualdade de regime jurídico, dentro da sua liberdade de conformação legislativa, visto que este princípio, enquanto limitador da discricionariedade legislativa, apenas proíbe a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional.

O princípio da igualdade como proibição de arbítrio não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, ao invés, que se tratem por igual situações essencialmente desiguais e, obviamente, a discriminação, para além de que, não constitui um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial, tratando-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou a discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui, assim, um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade, não também a solução mais adequada ao fim, mais razoável ou mais justa, controle este vedado ao juiz.

A igualdade de armas não pode, por sua vez, como é unanimemente considerado pela jurisprudência constitucional[28], na esteira do entendimento de há muito defendido por Figueiredo Dias[29], sob pena de erro crasso, ser entendida como obrigando ao estabelecimento de uma igualdade matemática ou sequer lógica, devendo ser considerada, em processo penal, como instrumento de realização dos direitos estabelecidos a favor da acusação e da defesa, através da atribuição à acusação e à defesa de meios jurídicos igualmente eficazes para tornar efectivos aqueles direitos, razão pela qual uma concreta conformação processual só poderá ser recusada, como violadora do princípio da igualdade de armas, quando infundamentada, desrazoável, arbitrária ou substancialmente discriminatória à luz das finalidades do processo penal, do programa político-criminal que àquele está assinado ou dos referentes axiológicos que o comandam.

Em processo penal, mais do que em qualquer outro, a igualdade de armas, como elemento essencial do processo equitativo, tal qual este é configurado na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6º, n.º 1), constitui garantia de um processo justo, no entanto, como salienta Irineu Cabral Barreto[30], a igualdade de armas não é mais a igualdade perante a lei, mas a igualdade através da lei. Daí que, como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004 (processo n.º 230/04), os elementos de integração da garantia do processo equitativo e a natureza equitativa do processo devem ser apreciados na consideração conjunta do processo, e não estratificadamente, acto a acto ou fase a fase.

Presente dever-se-á ter também que a igualdade de armas, como elemento intrínseco do processo equitativo, é uma exigência de natureza material, e não mera igualdade formal ou de forma. Caso assim não fosse ficariam feridos de morte princípios estruturantes do processo penal, tais como o da presunção de inocência, o da inviolabilidade do direito de defesa e do in dubio pro reo, bem como inúmeros direitos concedidos exclusivamente à defesa, entre eles o direito ao silêncio e à última palavra. Feridos de morte ficariam também inúmeros deveres impostos exclusivamente à acusação, dos quais se destaca o dever (estrito) de objectividade imposto ao Ministério Público (dever que implica, por vezes, actue no interesse da defesa), a menos que se impusesse ao arguido dever correspondente[31]. Por isso, a igualdade de armas só pode e deve ser entendida quando contextualizada e analisada à luz do processo como um todo.

Ora, a verdade é que o estatuto constitucional do Ministério Público a que fizemos referência, com destaque para as funções que lhe são cometidas no processo penal e a posição que nele assume do início ao fim, a par da natureza e estrutura deste processo, que segundo Figueiredo Dias[32], não é seguramente, sob qualquer perspectiva, um processo de partes, justificam o tratamento diferenciado que o legislador lhe confere no exercício do direito à prática de acto processual fora de prazo, independentemente de justo impedimento, sendo certo que as normas conjugadas dos artigos 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil e 107º, n.º 5 e 522º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao permitirem ao Ministério Público o exercício daquele direito sem exigência de pagamento de multa ou de qualquer outro acto procedimental, à luz das considerações expostas, não violam o princípio da igualdade em qualquer das suas vertentes. A pretensa desigualdade resultante da isenção de multa de que beneficia o Ministério Público no exercício do direito à prática de acto fora do respectivo prazo é meramente formal, visto que não atinge os direitos processuais dos demais sujeitos, nem afecta o seu exercício ou a sua realização, tanto mais que a lei prevê a possibilidade de redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente desproporcionado (n.º 8 do artigo 145º do Código de Processo Civil), possibilidade que em processo penal, atentas as suas específicas finalidades, deve ser equacionada e admitida sem o rigor exigível em processo civil, particularmente no que concerne ao arguido, atenta a parte final do n.º 5 do artigo 107º do Código de Processo Penal, que manda aplicar o n.º 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.

Aliás, a verdade é que a assunção de posição contrária, exigindo ao Ministério Público a apresentação de declaração a manifestar a intenção de praticar o acto fora de prazo, acto processual, como assumem os seus próprios defensores, meramente simbólico, traduz-se na imposição de um procedimento inútil, redundante, visto que coloca o Ministério Público a declarar que vai praticar o próprio acto que está a praticar, para além de que se trata de uma exigência ilegal (uma vez que não prevista na lei), constituindo uma revisão do conteúdo da lei, sem qualquer apoio na sua letra, violadora do princípio constitucional da separação de poderes.

As referências feitas ao art. 145º do CPC vigente ao tempo da prolação do Acórdão citado deverão ser entendidas como válidas para o art. 139º do novo CPC

No trecho de fundamentação acabado transcrever, o Colendo STJ explica de forma, que se nos afigura convincente, as razões pelas quais se deve entender que a possibilidade reconhecida ao MP de praticar actos processuais nos três dias subsequentes ao termo do prazo previsto por lei sem ter de pagar a multa, a cujo pagamento estão vinculados os restantes sujeitos processuais, não contraria o postulado da igualdade de armas como elemento integrante do princípio do processo equitativo, valores que são também tutelados pelas normas dos arts. 6º nº 1 e 14º da CEDH, cuja violação pela decisão recorrida a recorrente invoca.

Concordamos com tais razões e a elas nos permitimos aderir, nada se nos oferecendo acrescentar a tal respeito.

Consequentemente, a pretensão recursiva terá de improceder também quanto à questão agora em apreço, fracassando o recurso por completo.

III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça.

Notifique.

Évora 20/3/18 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)

(João Manuel Monteiro Amaro)