Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
287/19.5GFSTB.E1
Relator: MARIA CLARA FIGUEIREDO
Descritores: VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA
INFRAÇÃO DE REGRAS DE CONSTRUÇÃO
CAUSALIDADE ADEQUADA
DECLARAÇÕES DOS COARGUIDOS
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Pese embora a teoria da causalidade adequada limite o estabelecimento do nexo de causalidade entre o facto e o dano aos danos que sejam consequência apropriada do facto, a mesma não pressupõe a exclusividade do facto determinante do dano. De outra sorte, de acordo com a formulação negativa de tal teoria, os factos que contribuíram para a produção do dano só não serão causa adequada do mesmo quando se verifique que se revelaram totalmente irrelevantes para a sua produção. Isto é, serão causas adequadas todos os factos, ou seja, todas as condições que, uma vez suprimidas, afastam a produção do dano: são as denominadas “conditio sine qua non”.
II - As declarações dos coarguidos, constituem um meio de prova absolutamente válido – ainda que não se encontre corroborado por qualquer outro meio de prova – garantido que seja o direito ao contraditório quanto ao seu conteúdo e desde que valorado com respeito do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CPP. A valoração de tais declarações mostra-se conforme às regras de direito probatório acolhidas no nosso processo penal, quer em termos de aquisição da prova, quer do ponto de vista da sua valoração, não prevendo a lei de processo qualquer regra de corroboração necessária.

III - Não obstante existir entre os crimes de violação das regras de segurança e de infração de regras de construção, previstos nos artigos 152.º-B do CP e 277.º do CP, uma relação de subsidiariedade, descortinando-se nas respetivas previsões uma relevante zona de sobreposição e uma convergência quanto ao bem jurídico protegido – qual seja a integridade física e a vida do trabalhador por conta de outrem – sendo os dois crimes imputados a pessoas diferentes, os mesmos são autónomos e não se excluem reciprocamente.

IV - Nos termos e para os efeitos da previsão do artigo 277º do CP, na noção de execução da construção inclui-se toda a atividade que contribui para a sua realização e executante da mesma será todo aquele que toma parte nos trabalhos, tornando-se responsável no âmbito da atividade que decide executar.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de processo comum singular coletivo que correm termos no Juízo Local Criminal de … - J…, do Tribunal Judicial da Comarca de …, com o n.º 287/19.5GFSTB, foram os arguidos AA, Ldª., com NIPC … e sede na Rua …, …, BB, nascido a … de 1958 em …, filho de MM e de NN, casado, empresário e residente na Rua …, …, CC Ldª., com NIPC … e sede no …, …, e DD, nascido a … de 1975 em …, …, filho de OO e de PP e residente no …, …, condenados da seguinte forma:

- O arguido DD pela prática de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte, p. e p. pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea a) e 285º do Código Penal e ainda aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b) do DL nº 50/2005, de 25/02, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo;

- A sociedade arguida CC, Ldª. pela prática de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte, p. p. pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea a) e 285º do Código Penal e ainda aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b) do DL nº 50/2005, de 25/02 e ainda nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 240 dias de multa, à taxa diária de € 120,00, perfazendo um total de € 28.800,00;

- O arguido BB pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b) do DL nº 50/2005, de 25/02, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo;

- A sociedade arguida AA, Ldª. pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b) do DL nº 50/2005, de 25/02 e ainda nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, na pena de 360 dias de multa, à taxa diária de € 110,00, perfazendo um total de € 39.600,00;

*

Inconformados com tal decisão, vieram os arguidos interpor recurso da mesma, tendo apresentado, após a motivação, as conclusões que passamos a transcrever:

- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelos arguidos DD e CC Ldª.:

“I -No processo comum, com intervenção do tribunal singular, n.º287/19.5GFSTB, da Comarca de …, Juízo Local Criminal de …- Juíz …, por sentença de 21 de novembro de 2022, foi decidido:(…)

III - No texto da sentença proferida o Tribunal a quo considerou provada a seguinte matéria de facto:(…)

IV-Relativamente aos factos não provados, no texto da decisão proferida consta o seguinte: (…)

V - Da Motivação de facto da sentença, no texto da decisão proferida, consta o seguinte: (…) (1)

VI - O Tribunal a quo deu como provados os elementos objectivo e subjectivo daquele tipo de crime imputado aos recorrentes.

VII - Salvo o devido respeito, a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece dos seguintes vícios:

i) Ausência de prova ou de divergência da sentença com a prova que foi produzida relativamente à matéria de facto constante dos pontos 4, 21, 23 25, 30, 31 e 33 dos factos provados;

ii) Contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e entre os factos provados e os não provados;

iii) Insuficiencia para a decisão da matéria de facto provada.

iv) Medida da pena desproporcional.

VIII - Com base na prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento nunca o Tribunal " a quo " poderia dar como provados os factos constantes nos pontos 4, 21, 23 25, 30, 31 e 33 da matéria de facto provada, e por isso, vai impugnada a decisão proferida;

IX - A prova documental e as declarações prestadas pelo arguido DD e depoimento pela testemunha EE, legal representante da CC, impõem decisão diversa em relação à matéria de facto descrita no ponto 4.

X- Na análise critica da prova produzida o Tribunal " a quo " deu como provado que o objecto social da sociedade arguida CC, é o descrito no ponto 3 da matéria de facto, desde a data da sua constituição, com base na respectiva certidão comercial permanente junta aos autos de fls. 266 a 272.

XI-Naquela certidão comercial permanente consta que o objecto daquela sociedade consiste no transporte rodoviário de mercadorias, armazenagem frigorífica e não frigorífica, manuseamento de cargas e transporte e comércio de carnes frescas.

XII- Se assim é nunca podia o Tribunal a quo dar como provada a matéria de facto descrita no ponto 4 porque as funções aí descritas e atribuídas ao recorrente DD, na qualidade de gerente da CC estão fora do âmbito do objecto desta sociedade comercial.

XIII- A sociedade não tem a seu cargo a realização de obras, mas sim o transporte de mercadorias.

XIV- Nesse sentido vão as declarações prestadas por EE, no ficheiro informático com o registo nº 20220926100557, com inicio aos 0 minutos e 45 segundos e termo aos 30 minutos e 38 segundos onde a instâncias da Senhora Doutora Juíz, a legal representante da CC declarou que a actividade da CC consistia no transporte de mercadorias e que por isso recorriam aos serviços da coarguida AA sempre que necessitavam de qualquer reparação ou manutenção, com quem vinham mantendo relação comercial há pelo menos três anos;

XV-E que a obra onde ocorreu o acidente foi adjudicada pela CC á AA em regime de empreitada, mediante um simples contrato verbal, conforme também resulta das facturas junto aos autos de fls 252, 253 e 254.

XVI- Consequentemente, a recorrente, CC delegou na AA, através do seu legal representante, por força do contrato que celebraram, a responsabilidade de supervisão, controlo e execução da obra, bem como, a supervisão e controlo das condições de segurança em que os trabalhadores da AA desempenham as suas funções.

XVII- Não fazem parte das atribuições do gerente, DD, a supervisão, controlo e execução de toda a actividade realizada em beneficio da pessoa colectiva CC.

XVIII- Ao gerente, DD apenas compete supervisionar e controlar a execução da actividade dos seus trabalhadores, que se insere no objecto da pessoa colectiva, CC, incluindo, a aquisição das máquinas e utensilios necessários para o efeito,

XIX- Bem como, supervisionar e controlar as condições de segurança em que os trabalhadores da CC, desempenham as suas funções.

XX- Nesse sentido vão também as declarações prestados pelo recorrente DD, no ficheiro informático com o registo nº 20220926103657, com inicio aos 0 minuto e 16 segundos e termo aos 25 minutos e 14 segundos, cujo teor não corrobora com a matéria de facto dada como provada no ponto 4, porque a instâncias do Senhor Procurador do Ministério Público, DD, retorquiu:

P- Além de ser gerente era o senhor que estava a acompanhar aquela obra? R- Não…eu não acompanho obras!

P- então o que estava ali a fazer? Então quem é que adjudicou o serviço? R- Fui eu…

P- quando eu digo acompanhar não é fazer a obra…quero dizer pedir, solicitar, adjudicar… R- quando eu peço uma obra ou edificação, eu peço… mas não acompanho porque não percebo nada de obras!

P- quando pede a obra planifica? Ou delega em algúem?

R- Eu entrego à empresa em causa a ação, seja ela reparação ou construção e eles é que tratam dos equipamentos necessários….eu não disponibilizo equipamentos para obra nenhuma!

P- Mas em relação aos cuidados necessários a ter… em relação ao planeamento… ao tipo de trabalho que vai ser feito… se tem alguma formação ou se vai buscar esse know how a alguém? Ou adjudica a obra e são eles que tratam de tudo?

R- adjudico a obra e são eles que tratam de tudo!

XXI- Pelo que não se fez prova de um dos requisitos do elemento objectivo do tipo incriminador, que é a qualidade especial dos recorrentes, que tinham que actuar no exercício de uma actividade profissional que implique, além do mais, planeamento, direção ou execução de uma obra ou construção, para que ficassem investistidos no dever jurídico, decorrente da norma incriminadora, de evitarem a produção do resultado lesivo que ocorreu.

XXII- Vai também impugnada, a matéria de facto supra descrita nos pontos 21 e 23 porque não se fez prova, que DD tivesse conhecimento dos riscos que envolvia a actividade profissional de FF e só tem conhecimento dos riscos, quem simultaneamente conhece as regras de segurança daquela actividade profissional e tem a possibilidade e capacidade de as fazer cumprir, por forma a evitar o risco.

XXIII- No caso concreto, não resultou provado que DD tivesse tido conhecimento com a devida antecedência que a reparação subjacente áquela obra envolvia a realização de trabalhos em altura e que por isso, ele tivesse o dever e a capacidade e possibilidade de planear a execução da obra por forma a evitar o risco de queda em altura que ocorreu.

XXIV- Através das declarações prestadas pelo recorrente DD no ficheiro informático com o registo nº 20220926103657 com inicio aos 0 minutos e 5 segundos e termo aos 2 minutos e 30 segundos, e depois, com inicio aos 18 minutos e 32 segundos e termo aos 29 minutos e 54 segundos resulta que este se limitou a comunicar o código da avaria à coarguida, AA, detectada num dispositivo montado nas instalações da recorrente, CC mas só teve conhecimento que iriam ser realizados trabalhos em altura dois dias depois e já com a intervenção no local de FF.

XXV- Por outro lado, através das declarações prestadas pelo recorrente DD no ficheiro informático com o registo nº 20220926103657 com inicio aos 14 minutos e 00 segundos e termo aos 17 minutos e 53 segundos, e mais tarde, com inicio aos 35 minutos e 55 segundos e termo aos 52 minutos e 30 segundos resultou provado que quem definia as condições de trabalho e de segurança em que o trabalhador, FF desempenhava as suas funções era a coarguida, AA, sua entidade empregadora, na pessoa do seu legal representante, BB, e não o recorrente DD.

XXVI- A qualidade de gerente de BB na referida sociedade, resultou provada através da certidão comercial permanente de fls 119 a 126.

XXVII- Igualmente, resultou provado, através do contrato de trabalho junto aos autos de fls. 134 e 135 que a entidade empregadora de FF era a AA.

XXVIII-Era sobre a AA, na pessoa do seu legal representante, quem recaía o dever de garantir a segurança daquele trabalhador, por força do contrato de trabalho que subscreveram;

XXIX- E, tinha a possibilidade e capacidade de agir, por forma a evitar o resultado que ocorreu, porque resultou provado que era ela, AA quem tinha conhecimento dos trabalhos a realizar e do risco de queda em altura que envolvia a sua execução, e era ela, enquanto entidade empregadora que conhecia as regras de segurança próprias da sua actividade e lhe competia promover o cumprimento dessas regras de segurança, quando definia as condições de trabalho e as causas de perigo resultantes da inobservância das regras de segurança.

XXX- Resultou ainda provado pelos motivos já enunciados supra e que aqui se dão por reproduzidos, com base na prova documental e testemunhal ali descrita que a AA interveio nesta obra na qualidade de empreiteira, e, como tal, era ela que tinha a responsabilidade de planear, dirigir executar a obra, e foi sobre ela, que recaíu o dever contratual de adoptar os procedimentos de segurança necessários a evitar o resultou que ocorreu e que consistiu na morte do seu trabalhador, FF.

XXXI- Pelo que resultou provado que era sobre o arguido BB, legal representante da AA, e não sobre DD, que recaía o dever contratual de promover o cumprimento das regras de segurança, próprias da actividade da pessoa colectiva que representa, por forma a evitar que o seu trabalhador, FF corresse riscos no desempenho das suas funções e na execução daquela obra, nomeadamente o risco de queda em altura, como veio a ocorrer.

XXXII- E, do depoimento prestado pelas testemunhas, GG e HH no ficheiro informático com o registo nº20220926135834 e nº 20220926142830, respectivamente, com inicio aos 0 minuto e 9 segundos e termo aos 28 minutos e 30 e segundos e inicio aos 0 minuto e 10 segundos e termo aos 52 minutos e 35 segundos, respectivamente, não resulta provado que essas funções competissem a qualquer outra pessoa que não fosse o arguido BB.

XXXIII-Atento ao teor dos documentos de fls. 371 e os factos que ficaram provados nos pontos 33, 34 e 35 duvidas não existem que BB conhecia as medidas de segurança necessárias aos trabalhos em altura, já que existia uma informação redigida pela sociedade arguida AA a determinar que os trabalhos em altura acima de dois metros fossem realizados com recurso a plataforma elevatória,e,no caso concreto, sabia que a obra a realizar implicava a realização de trabalhos em altura porque foi a ele que a avaria foi reportada por DD, conforme resutou provado nas declarações prestadas por este, no ficheiro informático com o registo nº20220926103657 com inicio aos 0 minutos e 16 segundos e termo aos 9 minutos e 30 segundos.

XXXIV-Isso só prova que aquele arguido tinha consciência dos riscos que envolvia a execução daquela obra e do dever que sobre ele impendia de disponibilizar os meios de segurança necessários para realizar a obra adjudicada pela CC sem riscos para os trabalhadores envolvidos na sua execução, nomeadamente, para o malogrado FF.

XXXV- Pelo que, o Tribunal " a quo ", nunca poderia ter dado como provados os factos vertidos nos pontos 21 e 23 da matéria de facto porque não resultou provado que os arguidos, aqui recorrentes, sejam os sujeitos activos/ os agentes do crime em que foram condenados.

XXXVI-Vai também impugnada a matéria de facto vertida no ponto 25 porque não resultou provado o nexo de causalidade que tem que existir entre a morte de FF e a conduta do arguido, DD.

XXXVII-E isto porque não resultou provado que o arguido, DD tenha omitido um comportamento a que estava legalmente obrigado e que tivesse capacidade para evitar o resultado que ocorreu.

XXXVIII-Conforme se deixou exposto DD com a sua conduta não infringiu nenhuma regra legal, regulamentar ou técnica que devesse observar porque resultou provado que agiu em nome e no interesse da pessoa colectiva que representa, CC, e no âmbito de uma actividade que nada tem que ver com o planeamento, direção e execução de uma obra ou construção,

XXXIX-E, no âmbito da actividade da CC o empilhador utilizado por DD e envolvido no acidente cumpria as regras regulamentares e tecnicas porque destinava-se exclusivamente ao transporte de mercadorias, conforme resultou provado através das declarações prestadas pela legal representante, EE, vide ficheiroinformático comregistonº20220926100557 com inicio aos 2minutos e 5 segundos e termo aos 2 minutos e 25 segundos.

XL-Consequentemente, não estava investido no dever de praticar a conduta indicada na norma incriminadora nem se fez prova que tivesse essa possibilidade e capacidade porque conforme supra exposto não resultou provado que DD tivesse conhecimento do risco que envolvia a execução da obra e que soubesse como evitá-lo.

XLI-E porque a conduta do arguido DD não preenche o elemento objectivo do ilicito criminal em que foi condenado, não se fez prova da imputação objectiva da morte de FF à conduta de DD.

Sem concede, sempre se dirá que,

XLII-Não resultou provado o motivo da queda e da morte de FF e a prova desse motivo teria interesse na decisão da causa porque levaria o Tribunal a proferir uma decisão diferente e que não podia ter sido outra senão a absolvição dos recorrentes.

XLIII- Das declarações prestadas por DD no ficheiro informático com o registo nº 20220926103657 com inicio aos 9 minutos e 30 segundos e termo aos 11 minutos resulta que a queda de FF no solo se deu antes do cesto e que foi FF que quando caiu arrastou consigo o cesto.

XLIV- Além disso, a instâncias do Senhor Procurador no ficheiro informático com o registo nº 20220926103657 com inicio aos 20 minutos e 48 segundos e termo aos 26 minutos e 24 segundos quando foi perguntado a DD se ele planeou a subida do trabalhador em altura em segurança ou se confiou que nada de mal iria acontecer este respondeu que não planeou porque em função das características do empilhador nomeadamente, o peso, a sua dimensão e o funcionamento electrico nada o fazia prever que algo de mal pudesse suceder ao trabalhador.

XLV- E a instância da mandatária da CC no ficheiro informático 20220926103657 com inicio aos 41 minutos e 40 segundos e termo aos 43 minutos e 50 segundos, o recorrente declarou ainda que foi ele quem manobrou o empilhador tanto na subida do trabalhador FF até à área técnica como na descida deste quando foi buscar a botija de gás acetileno, que mediou cerca de duas horas entre a manobra de subida e de descida e que antes de descer esteve na zona técnica a soldar com o seu colega.

XLVI- Mais tarde a instâncias da mesma mandatária a testemunha, II no ficheiro informático com o registo nº 20220926113055 com inicio aos14 minutos e 33segundos e termo aos 25 minutos e 21 segundos confirmou a versão dos factos de DD tendo confirmado que antes de descer da área técnica FF esteve consigo a soldar.

XLVII- O ponto 15 dos factos, resultou provado que FF e II usaram efectivamente uma garrafa gás acetileno para executarem a soldadura.

XLVIII- O relatório da autopsia de fls. 49 a 53 refere que a queda sofrida pelo sinistrado provocou-lhe a morte por que lhe causou lesões traumáticas profundas que pela sua violência foram causa directa e necessária da sua morte.

XLIX- Porém, do relatório químico e toxicológico forense de fls. 52 e 53 consta, em sede de conclusões o seguinte: ” O exame toxicológico de sangue não revelo a presença de álcool e revelou a presença de canabinóides e das substancias medicamentosas: Diazepam, Nordiazepam, Efedrina e Fentanil em concentrações consideradas terapêuticas.”

L- São conhecidos os efeitos secundários destas substâncias no organismo ao nível do sistema nervoso central e peturbações mentais, provocando cansaço, sonolência e fraqueza muscular e descoordenação de movumentos (problemas de motricidade).

LI- Pelo que a causa da queda pode ter sido o consumo de canabinóides e das substâncias medicamentosas já mencionadas, que tenham provocado ao malogrado FF uma sonolência subida ou desequilíbrio provocando a sua queda.

LII- Também, não é de excluir como causa da queda a inalação de gases tóxicos, concretamente, do gás acetileno porque conforme supra exposto resultou provado através das declarações prestadas pelo arguido, DD e através do depoimento da testemunha, II, que minutos antes da morte FF tinha estado a soldar e usou e inalou este gás.

LIII- Trata-se de um gás asfixiante que pode causar dores de cabeça, sonolência, vertigem, náusea, vômito, excitação, excesso de salivação e inconsciência. O vapor liberado pelo líquido pode também causar a falta de coordenação de movimentos e dores abdominais.

LIV- Pelos efeitos que provocam no organismo, a causa da morte pode ter sido o consumo das substâncias reveladas no exame toxicológico do sangue ou à inalação deste gás tóxico.

LV- O consumo daquelas substâncias ou a inalação daquele gás pode ter provocado ao malogrado FF uma sonolência subida ou desequilíbrio, provocando a sua queda, e consequentemente, a sua morte.

LVI- Até porque resultou provado no ponto 24, que FF já tinha acedido à zona técnica, noutras ocasiões, usando o mesmo equipamento elevatório envolvido no acidente, e, tudo correu na normalidade;

LVII- Das declarações prestadas por DD e do depoimento da testemunha II resultou provado que no dia do acidente foi só quando FF subiu pela segunda vez à zona técnica, usando o mesmo equipamento elevatório e depois de ter inalado o gás acetileno, é que ocorreu a sua queda para o solo.

LVIII- O Tribunal a quo manifestou dúvidas ao condenar os recorrentes, duvidas essas que estão patentes no texto da sentença recorrida em sede de motivação de facto na passagem que se transcreve:

“Em suma, cotejados todos os elementos probatórios entre si e com as regras da experiência comum e da lógica, o Tribunal entendeu que a prova produzida era suficiente para dar como provados os factos constantes em 19. a 23. e 30. a 32.

É verdade que, no que concerne a tais factos, o Tribunal formou a sua convicção através do recurso a prova indirecta, o que se mostra legalmente admissível. Com efeito, para a prova dos factos em processo penal, é legítimo o recurso à prova indirecta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial, com virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência. Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º, do Cód. Proc. Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções, em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. – Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 2012, processo n.º 443/09.4PEOER.L1-5, disponível in dgsi.pt.

Assim sendo, o juízo formado pelo Tribunal com recurso à chamada prova indiciária é tão sólido quanto aquele a que chegaria caso dispusesse de prova directa, o que consabidamente nem sempre está ao alcance do julgador.”

LIX-E, na dúvida o Tribunal a quo deveria ter absolvido os recorrentes e não condená-los.

LX-Não obstante, o Tribunal a quo acabou por condenar os arguidos porque partiu de uma permissa errada quando se socorreu da teoria da adequação.

LXI-O Tribunal partiu da permissa que o recorrente, DD interveio na execução da obra, a partir do momento, em que decidiu auxiliar os trabalhadores da AA, e consequentemente, ficou obrigado a partir desse momento, a implementar as medidas de segurança, necessarias para evitar a queda, e a morte de FF.

LXII- Partindo daquela permissa e socorrendo-se da teoria da adequação o Tribunal usou do raciocinio que o motivo subjacente à queda não era relevante porque a queda teria sido evitada se tivessem sido implementadas as medidas de segurança necessarias à realização de trabalhos em altura, mormente, a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês;

LXIII- E, decidiu condenar os recorrentes porque concluíu que a queda e a morte só ocorreram por causa das condutas levadas a cabo pelos arguidos envolvidos nos presentes autos, entre os quais DD.

LXIV- Ora, com o devido respeito o Tribunal a quo partiu de uma permissa errada porque não resultou provado pelos motivos já enunciados e que aqui se dão por reproduzidos que o arguido DD tenha intervido na execução da obra e consequentemente tivesse omitido uma conduta a que estivesse legalmente obrigado.

LXV- E nem se diga que o arguido desenvolveu uma actividade auxiliar na execução da obra porque para isso era necessário ter conhecimento das regras técnicas e do saber e arte daquela actividade económica e não resultou provado, conforme supra exposto, que o arguido, DD tivesse conhecimentos nessa área.

Se assim se não entender, o que não se concebe, por dever de patrocinio, sempre se dirá,

LXVI- A ação devida e alegadamente omitida por DD não teria evitado o resultado que ocorreu porque a morte de FF não ficou a dever-se à omissão do comportamento de quem estava legalmente obrigado, mas à propria actuação do sinistrado, conforme resultou provado através do depoimento das testemunhas supra indicadas e nomeadamente através do relatório da autopsia e do exame toxicologico do sangue.

LXVII- Se o arguido, DD tivesse implementado as medidas de segurança necessárias à realização de trabalhos em altura, mormente, a colocação de uma plataforma elevatória e o uso do arnês pelo trabalhador sinistrado, não teria evitado o resultado que ocorreu.

LXVIII- De nada serviria ao arguido, DD colocar uma plataforma elevatória de segurança e implementar o uso do arnês, quando é o próprio Tribunal que concluiu que o uso daquelas medidas de segurança só por si não é eficaz sem o a formação adequada dos trabalhadores em matéria de trabalhos em altura, conforme passagem do texto da sentença recorrida que aqui se transcreve: “Impõe-se referir que, neste caso, as medidas segurança essenciais seriam a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual – arnês –não bastando apenas um desses equipamentos, para além de ser igualmente essencial a promoção de formação aos trabalhadores para trabalhos em altura. Com efeito, a entrega de um arnês sem a respectiva formação não se mostra suficiente e eficaz.

Ou seja, a simples entrega ao trabalhador de um arnês sem a disponibilização de uma plataforma elevatória e sem a promoção da formação seria sempre insuficiente para se considerarem cumpridas as medidas de segurança necessárias ao trabalho em causa.”

LXIX- E, tendo resultado provado, que a AA era a unica que podia dar formação aos seus trabalhadores porque tinha conhecimento das regras de segurança da sua actividade profissional e tinha a possibilidade e capacidade de as fazer cumprir deverá concluir-se que caso DD entregasse o arnês ao trabalhador e disponibilizasse uma plataforma elevatória, sem promover a formação, que ele não estava habilitado a dar, estes equipamentos de segurança só por si, sem a formação dos trabalhadores, não evitariam a queda e a morte do trabalhador.

LXX- Contrariamente ao alegado pelo Tribunal a quo não é indiferente o motivo da queda para se concluir ou não que a causa da queda e da morte de FF se ficou a dever à conduta do recorrente, DD.

LXXI- Pelo que não resultou provado o nexo de causalidade entre a morte do trabalhador FF e a conduta de DD e o Tribunal julgou mal a matéria de facto constante no ponto 25.

LXXII- E não tendo resultado provado o elemento objectivo do crime imputado aos recorrentes forçoso será de concluir que nunca poderiam ter sido responsabilizados criminalmente.

LXXIII- Neste crime é a qualidade especial do agente que fundamenta a sua responsabilidade criminal, e, no caso concreto, conforme supra exposto, não resultou provado que o recorrente DD reunisse a qualidade especial indicada na previsão do art° 277°, n.º1 al. a) do Código Penal.

LXXIV-O Tribunal “a quo” andou mal quando julgou provada a matéria de facto descrita nos pontos 30, 31 e 32 porque não resultou provado o elemento subjectivo do tipo criminal sub judice.

LXXV- Assim, em relação aos factos vertidos nos pontos 4, 21, 23, 25, 30 a 32 da matéria de facto provada que se impugnaram, os elementos de prova de que o Tribunal se socorreu para formar a sua convicção apontaram em sentido inverso do decidido, pelo que, deveriam os mesmos ter sido dados como não provados, com as consequencias legais daí decorrentes.

LXXVI-Na douta sentença recorrida estão, também, patentes contradições insanáveis entre a matéria de facto dado como provada nos pontos 4 e 24 e os fundamentos da decisão proferida.

Senão vejamos,

LXXVII- O Tribunal a quo deu como provada na matéria de facto descrita no ponto 4 que ao arguido, DD, na qualidade de gerente “ (…) competia-lhe a supervisão, controlo e execução de toda a actividade realizada em beneficio e no interesse da pessoa colectiva (…) competindo-lhe ainda supervisão e controlo das condições de segurança em que os respectivos trabalhadores desempenham as suas funções.”

LXXVIII- Como fundamento dessa decisão o Tribunal alegou na primeira página da Motivação de Facto e por referência ao objecto social da arguida CC o seguinte:

“Na verdade, o Arguido DD admitiu ser sócio gerente da sociedade Arguida CC, Lda., incumbindo-lhe a administração de toda a sua organização e funcionamento, motivo pelo qual se deu como provado o facto constante em 4.”

LXXIX- Porém, o fundamento invocado para a decisão tomada teve por referência o objecto social da arguida CC indicado na certidao comercial permanente de fls. fls. 266 a 272 pelo que as funções atribuidas ao gerente no ponto 4 da matéria de facto provada extravasam o âmbito do objecto social daquela pessoa colectiva e estão em contradição com os fundamentos invocados.

LXXX- Trata-se de uma contradição insanável porque aquela fundamentação levaria o Tribunal a tomar uma decisão diferente daquela que foi tomada e que consiste em afastar a responsabilidadedo arguido, DD com fundamento no facto de não resultar provada a sua intervenção na execução da obra onde ocorreu o acidente e consequentemente não estar preenchido o elemento objectivo do ilicito criminal imputado ao arguido.

LXXXI- Deu-se também como provada a matéria de facto descrita no ponto 24 cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido.

LXXXII- Porém, o mesmo facto foi dado como não provado na alinea k) da matéria de facto não provada, o que configura uma contradição insanavel porque tendo resultado provado no ponto 9 que foi FF quem solicitou a DD que o transportasse ao local onde iria proceder à reparação tal facto levaria o Tribunal a tomar uma decisão diferente daquela que foi tomada e que consiste em afastar a responsabilidade criminal de DD com fundamento no facto de ser do conhecimento do sinistrado as carateristicas do equipamento e nomeadamente o facto deste ser desadequado para elevar pessoas.

LXXXIII-Pelo que em relação aos pontos 4 e 24 a sentença recorrida padece do vício previsto na alínea b), n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

LXXXIV-Acresce que pelos motivos supra expostos nos artigos 58, 66, 67º, 68º, 69º, 70, 71º, 72º, 73º, 74º e que aqui se dão por reproduzidos a douta sentença peca por omissão de pronuncia sobre factos constantes dos artigos 59º, 60º, 61º, 62º, 63º e 65º e que resultaram da discussão da causa mas que não foram tidos em consideração na decisão final, sendo relevantes para o efeito.

LXXXV- Em função da conclusão a que se chegou nos artigos nos artigos 82º, 83º, 84º, 85º e 86º e que aqui se dá por reproduzida interessaria averiguar se o motivo da queda e da morte de FF foi endógeno ou exógeno nomeadamente se foram as substancias reveladas no relatório químico e toxicológico forense de fls. 52 e 53 ou o gás tóxico que o trabalhador utilizou e inalou durante a execução da soldadura ???

LXXXVI-A prova do motivo da queda e da morte teria assim interesse na decisão da causa porque levaria o Tribunal a proferir uma decisão diferente e que não podia ter sido outra senão a absolvição dos recorrentes.

LXXXVII-Pelo que contrariamente ao alegado pelo Tribunal a quo não é indiferente o motivo da queda para se concluir ou não que a causa da queda e da morte de FF se ficou a dever à conduta do recorrente, DD.

LXXXVIII- Os factos suscitados em audiência de discussão e julgamento e que resultaram provados através das declarações prestadas pelo recorrente, DD, através do depoimento da testemunha II e ainda da prova pericial subjacente ao relatório químico e toxicológico forense de fls. 52 e 53 teriam interesse para se apurar o motivo da queda e para a decisão da causa, mas não foram tidos em consideração pelo Tribunal que proferiu a sentença.

LXXXIX- O Tribunal fundou a sua convicção na determinação da matéria de facto provada, entre outros no principio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do CPP, porém, sobrepõe-se e constitui uma limitação à livre convicção do julgador, o juízo que resulta da prova pericial e a necessidade de descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

XC- Pelo que a sentença recorrida padece do vicio de insuficiencia da matéria de facto para a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a que alude a al. a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.

XCI-Nos termos do disposto no artigo 71º n.º 2, alinea d) do C. Penal a pena imposta à sociedade recorrente revela-se manifestamente desproporcional em relação à situação económica e financeira da CC.

XCII- Porque na determinação do montante a aplicar a cada dia de multa fixado à sociedade recorrente o tribunal a quo não teve em conta os seus encargos com os trabalhadores.

XCIII-Porém, em igualdade de circunstancias e em relação à sociedade co-arguida AA, na determinação do quantitativo da multa a aplicar áquela sociedade, o tribunal ponderou que a mesma tem no seu quadro de pessoal 15 trabalhadores.

XCIV- E, em relação à CC bastaria ao Tribunal consultaras bases de dados oficiais nomeadamente a base de dados da Segurança Social e da Autoridade Tributária para concluir que esta sociedade tem encargos com 12 ( doze ) trabalhadores.

XCV- Ora, considerando agora esta circunstância atenuante para além daquelas que já foram ponderadas pelo tribunal "a quo " é nosso entendimento que a pena de multa a aplicar à sociedade recorrente nunca poderia ser superior a 240 dias de multa, à taxa diária de € 100,00, perfazendo um total de € 24.000,00.

XCVI- Pelo que, ao condenar a sociedade em 240 dias de multa, à taxa diária de € 120,00 num total de € 28.800,00, o tribunal "a quo" violou, nomeadamente, os principios da igualdade previsto no artigo 13º n.º 2 da CRP e o principio da proporcionalidade previsto no artigos 71º 90º-B n.º 5 ambos do C.P.

XCVII- Assim, entende-se que a sentença sub-judice enferma de vícios que põem em crise a bondade e a justiça da sentença proferida.

XCVIII - Ao decidir da forma constante da douta sentença, ora em crise, o Tribunal a quo violou, os entre outros:

- o artigo 32.º, n.º 2 (principio in dutio pro reo) da CRP (Constituição da República Portuguesa);

- os artigos 127.º (principio da livre apreciação da prova) e 340.º todos do CPP (Código de Processo Penal);

- os artigos 13º n.º 2 (principio da igualdade) da CRP (Constituição da República Portuguesa) e os artigos 71º e 90º-B n.º 5 (principio da proporcionalidade ) ambos do C.P ( Código Penal).

XCIX- Pelo que deverá proceder-se à reapreciação da prova gravada, dando como não provados os elementos constitutivos do crime imputado aos Recorrentes e absolvendo os mesmos pela prática do mesmo, em conformidade, nos termos do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Penal.”

Terminam pedindo a absolvição de ambos.

- Conclusões apresentadas no recurso interposto pelos arguidos BB e AA, Ldª.:

“1ª - O recurso tem por objecto as seguintes questões:

I-IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO;

- Violação dos Principios do InDubioProReo , da Presunção de Inocência e da Corroboração II – INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO PROFERIA PELO TRIBUNAL RECORRIDO

III - CONTRADIÇÃO INSANÁVEL ENTRE A FUNDAMENTAÇÃO E A DECISÃO E ENTRE OS FACTOS PROVADOS E OS NÃO PROVADOS

2ª - Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Juizo Local Criminal de … – Juiz … que condenou os arguidos, respetivamente pela prática de:

O Arguido BB pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo;

A sociedade Arguida AA, Lda. pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02 e ainda nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Penal, na pena de 360 dias de multa, à taxa diária de € 110,00, perfazendo um total de € 39.600,00.

3ª - A responsabilidade criminal da sociedade arguida resultou da condenação do seu sócio gerente, pessoa fisica que actuou em seu nome e no seu interesse.

4ª - Da matéria de facto dada como provada na recorrida, e com interesse para o presente ponto do recurso, indicam-se os pontos 19º, 20º . 25º , 30º e 31º vertidos no texto da sentença recorrida:

5ª - Entendeu ao Tribunal a quo que ficou provado que o Arguido BB, actuando também em nome e no interesse da sociedade Arguida AA, estava consciente que, por força dos trabalhos levados a cabo por FF e II, nas instalações da arguida CC, havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros e que dessa queda poderia resultar a morte daqueles, o que veio a suceder com FF.

6ª - Segundo o Tribunal recorrido, não obstante tal consciência, o Arguido BB, actuou convicto de que esta não sobreviria, omitindo os procedimentos a que estava obrigado e que se impunha, tendo em vista evitar aquele resultado.

7ª - O Arguido BB previu e quis não proceder com o cuidado devido, a que estava obrigado e de que era capaz, atentos os conhecimentos que tinha da actividade profissional desempenhada por FF e II e os riscos a que estes estavam expostos, nomeadamente, de queda em altura, riscos esses que não foram adequadamente valorizadas por aqueles. Mais conhecia o carácter proibido da sua conduta e, não obstante ter capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiu de a levar a cabo.

8ª - A impugnação de facto questiona a livre convicção do Tribunal, o incorrecto julgamento da matéria de facto por força da ausência de prova direta, e no facto da prova indiciária existente apontar no sentido contrário ao decidido, com violação dos principios do in dubio pro reo, da presunção de inocência e da corroboração.

9ª - Os recorrentes entendem que o Tribunal a quo julgou incorrectamente os factos vertidos nos pontos acima expostos – 19º, 20º, 30 e 31º , porquanto em relação aos mesmos, não tendo sido produzida prova direta dos elementos constitutivos do crime em que os recorrentes foram condenados, a prova indiciária a que o Tribunal a quo recorreu foi indevidamente apreciada à luz das regras da lógica e da experiênca comum, e com violação dos principios do in dubio pro reo, da presunção de inocência e da corroboração.

10ª - A convição do Tribunal recorrido , que o arguido BB tinha consciência de que havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros nos trabalhos realizados nas instalações da arguida CC e que dessa queda poderia resultar a morte dos trabalhadores envolvios nesses trabalhos é meramente indiciária em causa, e resulta EXCLUSIVAMENTE dos depoimentos prestados pelos outros dois co-arguidos DD e CC através das sua representante legal.

11ª - A conviçao do Tribunal recorrido não é corroborada por mais nenhuma prova,e é desmentida pelo testemunho de II, e pelas restantes declarações prestadas pelo arguido DD, bem como do depoimento da testemunha HH, depoimentos que imporiam decisão diversa, em relação à matéria de facto acima descrita.

12ª - Na falta de prova direta, o Tribunal a quo viu-se portanto obrigado a apelar ao critério genérico das regras da experiência comum e da lógica, para valorar prova que qualifica como indiciária , consubstanciada, então, na relação comercial existente entre as duas sociedades Arguidas (3 anos), na circunstância de FF já estar familiarizado com o acesso ao local das reparações, e no facto de o Arguido BB se ter deslocado na véspera do acidente à CC, onde terá discutido a reparação com a vitima.

13ª – Aquele último ponto é verdadeiramente o pilar que sustenta a conclusão do Tribunal recorrido, de que estão devidamente preenchidos os elementos subjetivos e objetivos do tipo de crime pelo qual os recorrentes foram condenados, mormente a existência de negligência de perigo ( nº 2 do Artº 152-B do CP) , e a previsibilidade da produção do evento lesivo e a possibilidade do agente prever ou prever corretamente a realização do tipo legal.

14ª - Os recorrentes impugnam o facto que sustenta a prova dos factos tidos como provados nos pontos 20º, 30º e 31º dos factos tidos como provados, ou seja que arguido BB discutiu com o falecido a reparação em causa , e que se deslocou às instalações da CC na véspera do acidente.

15ª - Efetivamente, foi do depoimento conjugados dos dois co-arguidos que o Tribunal a quo concluiu que o arguido BB tinha estrado nas instalações da CC na vespera do acidente e que tinha discutido com a vitima o trabalho que estava a ser feito, tal como se retira do ficheiro informático nº 20220926103657 relativo às declarações do arguido DD, a partir do respetivo minuto [00:02:06] em diante e do minuto [00:14:15] em diante.

16ª - Aoo ter sustentado a sua convição sobre uma questão tão importante ao apuramento da verdade, exclusivamente no depoimento de dois co-arguidos, o Tribunal a quo, não só errou gravemente na apreciação da prova, como violou o principio da presunção de inocência dos aqui recorrentes, e ainda o principio do in dubio pro reo.

17ª A apreciação do valor probatório do depoimento do arguido feito contra um seu co-arguido no mesmo processo ou em processo conexo deve suscitar especiais cautelas ao julgador. De forma a garantir o respeito pelo principio da presunção de inocência, tal prova deve ser corroborada por outras provas. – Cfr. Nesse sentido os doutos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12-7-2006 e 7-12-2005, na Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos daquele tribunal, respectivamente de 2006, II-241 e de 2005, III-227.

18ª - No caso sub judice, não só não existe outra prova que corrobore a versão dos dois outros co-arguidos , como, pelo contrário, essa versão é desmentida pelo depoimento de uma outra testemunha, sem qualquer interesse na causa, mormente na exculpação à custa de outro interveniente processual.

19ª - Efetivamente, do depoimento da testemunha II, resulta que o mesmo esteve a prestar serviço nas instalações da arguida CC o dia todo na véspera do acidente, conforme se comprova do ficheiro informático nº 20220926113055 , a partir do minuto [00:03:15] em diante.

20ª - Mais adiante, nesse mesmo ficheiro, a partir do minuto [00:13:02], a testemunha II demonstra nem sequer saber se o recorrente BB esteve nas instalações.

21º - E nesse mesmo ficheiro, a partir do minuto[00:33:13] mais esclarece a testemunha II que na vèspera do acidente esteve lá o dia todo.

22ª - A pergunta que o Tribunal recorrido deveria ter feito quando formou a sua convição relativamente ao alegado conhecimento que o arguido BB tinha sobre o que se estava a passar na obra em curso na CC, era como é que era possivel, aquele ter estado presente nas instalações na véspera do acidente, ter estado em diversos pontos da mesma, no local dos trabalhos e discutido os mesmos com a vitima, e a testemunha II que lá estava, nunca o ter visto por lá?

23ª - Mesmo que a testemunha II não estivesse já a trabalhar nas instalações da arguida CC na véspera do acidente , a verdade é que a conjugação do resto do depoimento do co-arguido DD e demais testemunhas impediriam o Tribunal de sustentar a sua convição exclusivamente nas versões daqueles quanto à propalada consciência do arguido BB quanto à existência do risco de queda na execução dos trabalhos nas instalações daquela.

24ª - Do teor dos respetivos depoimentos, constata-se desde logo, que o diagnóstico da avaria só resulta do decorrer da assistência técnica, pelo que, o acesso ao piso técnico instalado por cima da câmara frigorifica, com a consequente necessidade de meios de elevação para ali aceder , só aconteceu ao fim de alguns dias após o inicio da assistência técnica.

25ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926103657, a instâncias do Dgmº Procurador, o arguido DD, com inicio aos [00:19:40], até [00:20:47] , confirma o referido no ponto anterior.

26ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926113055, a instâncias do defensor dos arguidos, com inicio aos [00:43:19] e fim aos [00:43:53] e fim aos, a testemunha II também esclarece essa realidade.

27ª - Do teor destes depoimentos, também não pode resultar provado que o arguido BB foi devidamente informado que a reparação em causa teria de ser realizada com recurso a trabalho em altura que exigiria meios de elevação adequados.

28ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926103657, a instâncias da MMª Juiz, o arguido DD, com inicio aos [00:02:02] e fim aos [00:02:26] esclarece que não assistiu à alegada discussão entre o arguido BB e o sinistrado na véspera do acidente.

29ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926113055, a instâncias da MMª Juiza , com inicio aos [00:13:26] é possivel ouvir a tetemunha II explicar o seguinte que não saboa onde é que era o acesso ao piso técnico.

30ª - Mais adiante, no mesmo ficheiro informático, desta feita a instâncias do Digno Procurador, a mesma testemunha reconfirma a partir do minuto [00:33:06] até ao minuto [00:33:14] que no primeiro dia em que trabalhou nas instalações da CC não subiu ao piso técnico.

31ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926113055, a instâncias do mandatário dos arguidos BB e AA, com inicio aos [00:43:52] e término aos [00:44:27], é possivel ouvir a testemunha II esclarecer que não sabe se o sinistrado informou o arguido BB que a avaria era no piso técnico.

32ª - A testemunha HH , enquanto coordenador técnico da arguida AA, à data do acidente, tinha como funções coordenar as equipas técnicas da arguida, tanto nas montagens como nas assistências técnicas. Tal pode ser confirmado a partir do minuto [00:00:15] em diante do ficheiro informático com o registo nº 20220926142830

33ª - Atenta a sua categoria de coordenador, era à testemunha HH que eram dirigidos todos os contactos que chegavam à arguida AA a solicitar assistência técnica e não ao arguido BB. O mesmo se passava com o arguido DD e com a CC. Era tudo dirigido a si e não ao arguido BB, conforme se pode retirar do respetivo depoimento a partir do minuto [00:02:42] até ao minuto [00:05:53] do supra citado ficheiro informático.

34ª - No mesmo ficheiro informático a partir do minuto [00:06:32] até ao minuto [00:09:16], pode ouvir-se a testemunha HH a esclarecer que o trabalhador sinistrado nunca lhe reportou que ia necessitar de realizar trabalho em altura.

35ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926103657, a instâncias da Mmª Juiza, com inicio aos [00:02:20] e fim aos [00:02:28] é possivel a própria Mmª Juiza , na sequência do depoimento do arguido DD, afirmar que aquele não sabe o que foi falado entre a vitima e o Sr. BB, pelo que não poderia ter concluido, como concluiu, que o objeto da discussão foi a reparação em causa.

36ª - Tal erro notório na apreciação da prova contraria inclusivamente as regras da experiência comum e da lógica. É que o Tribunal a quo dá como provados os seguintes factos:

33. Desde 2015 que o sócio gerente da Arguida AA – o Arguido BB – impôs internamente a seguinte regra no que concerne à realização de trabalhos em altura por parte dos seus funcionários:

Não podem ser executados trabalhos em alturas acima de um corpo de andaime (2mts). Para tal deve o colaborador previamente contatar a empresa, que enviará os meios adequados de segurança e elevação (Ex. Plataforma elétrica) para execução do trabalho.

34. Tal regra é transmitida a todos os funcionários da Arguida AA com funções técnicas no início da sua laboração por parte do sócio gerente da empresa, e é reiterada regularmente sempre que há trabalhos em altura.

35. A regra acima indicada está transcrita para papel e afixada na entrada da sede da Arguida AA e em mais dois locais no interior das instalações da mesma.

36.Por ocasião de um serviço prestado a um cliente em … e havendo necessidade de efectuar um trabalho em altura, FF informado pela funcionária GG que deveria aguardar pelos meios adequados de elevação para concluir esse serviço, para o qual havia sido destacado, não aguardou pela chegada dos meios adequados para a realização do trabalho em altura em segurança e conclui-o com recurso a um andaime que improvisou para o efeito.

37. Confrontado com tal situação, FF informou a referida GG que “não estava para estar à espera da plataforma”, ao que esta se sentiu na obrigação de advertir o sinistrado para o incumprimento das ordens da Arguida AA nessa matéria e para os graves riscos que correu ao ter concluído o serviço dessa forma.

37ª - Perante a prova destes factos, o Tribunal a quo, apelando às regras da lógica e da experiência comum, podia e deveria ter concluido, na falta de prova direta sobre o teor da alegada discussão entre a vitima e o arguido BB, que aquele o alertara para o dever de não realizar o qualquer trabalho em altura sem os meios adequados, em cumprimento das regras de segurança internamente em vigor na AA e que eram , amiúde , recordadas aos seus funcionários.

38ª - Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face ás regras da experiência comum.

39ª - Afigura-se que estamos perante opções do julgador a quo, verdadeiramente inadmissiveis à luz dessa experiência comum.

40ª - O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”.

41ª - A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência, o que no caso concreto não sucedeu.

42ª - Não se podendo provar que os ora recorrentes sabiam que o acesso ao local daquela reparação impunha a realização de trabalho em altura, e a consequente necessidade de utilizar meios de elevação adequados, o Tribunal a quo não poderia valorar negativamente a alegada inexistência de medidas formativas e de protecção, individuais e colectivas, adequadas a prevenir ou impedir a queda em altura dos trabalhadores.

43ª - Ao dar como provados os factos vertidos nos pontos 19, 20, 30 e 31 da matéria de facto e ao dar como não provado que em momento algum a Arguida AA foi informada que o acesso ao armazém frigorifico da CC ia ser feito pelo exterior do, o Tribunal a quo, sustentando tal convição esclusivamente no depoimento de outros dois co-arguidos, não só incorre num erro notório da apreciação da prova, como, por consequência, viola o principio da presunção de inocência e do in dúbio pro reo.

44ª - O erro notório da apreciação da prova, e a violação daqueles principios, é substancialmente acentuado quando se constata que o Tribunal a quo não valorizou parte fundamental do depoimento do arguido DD para considerar que a questão do acesso ao local da reparação é de molde a suscitar forte dúvidas relativamente ao conhecimento do arguido BB, relativamente ao acesso ao local da reparação, mesmo considerando que aquele conhecia as instalações CC.

45ª - Efetivamente, no ficheiro informático com o registo nº 20220926103657, a instâncias do defensor dos arguidos, com inicio aos [00:33:26] e fim aos [00:34:32] é possivel ouvir o arguido DD explicar que existe uma porta de acesso ao interior da câmara frigorica que não corresponde ao local por onde o sinistrado fez o acesso ao piso técnico da câmara.

46ª - Esta parte do depoimento do arguido DD, em que o mesmo confirma taxativamente que houve outras intervenções de manutenção e reparação em que os trabalhadores da AA utilizaram um acesso à câmara distinto do que foi utilizado por ocasião do acidente ( a porta da câmara), um acesso para o qual não é necessária a utilização de meios de elevação, podia e deveria ter sido valorizado pelo Tribunal a quo no sentido de questionar se o arguido BB, não teria ficado convencido que a reparação estaria a ser realizada através desse acesso, apelando ao principio do in dúbio pro reo, para afastar a responsabilidade criminal dos recorrentes.

47ª - Na prova testemunhal acima descrita não houve qualquer momento, em que alguma das testemunhas afirmasse que, quando se deu o acidente, o arguido BB tinha conhecimento da causa da avaria, do local onde estava instalado o equipamento a reparar , e muito menos que era necessário aceder ao mesmo através de um alçapão colocado a seis metros de altura, cujo acesso implicaria a realização de trabalho em altura, e a utilização de meios de elevação adequados, pelo que, o Tribunal aquo, nunca poderia ter dado como provados os factos vertidos nos pontos 19, 20, 30 e 31 da matéria de facto, porque não resultou provado que os arguidos, aqui recorrentes, sejam os sujeitos activos/ os agentes do crime em que foram condenados.

48ª - Salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal a quo não foi cauteloso quando considerou que o arguido, no momento de pronunciar uma condenação baseada somente nas declarações do co-arguido, acabando por violar o principio da corroboração.

49º - A violação do principio da corroboração em que incorre a sentença recorrida, ocorre não só por força do acima descrito, mas também pelo facto da credibilidade dessa versão ser suficientemente contrariada pela demais prova testemunhal produzida, inclusivamente pelo próprio arguido, conforme acima exposto.

50ª – O principio da corroboração fpo também ofendido porque manifestamente, a versão dos co-arguidos foi impulsionada por razões inerentes a uma estratégia de defesa baseada no anseio de obter um trato judicial favorável, e com o interesse em auto-exculparem-se mediante a incriminação dos aqui recorrentes.

51ª - Tal realidade foi absolutamente visivel durante as instâncias das Ilustres Defensoras dos co-arguidos e nas doutas alegações finais, num posicionamento que secundou à saciedade a posição do Ministério Público quanto à condenação dos recorrentes.

52ª - A título exemplificativo, sugere-se a audição da parte do ficheiro informático nº 20221026142952 relativo ao depoimento da testemunha JJ, Inspetor da ACT, nas instâncias das Ilustres Defensoras dos arguidos DD e CC , com inicio ao minuto [00:12:46] e fim ao minuto [00:14:55] , sendo patente que a respetiva instância se esgotou exclusivamente com questões que visavam tentar infirmar a alegada violação de regras de segurança pelos arguidos BB e CC.

53ª - Essa estratégia de auto-exculpação dos arguidos mediante a incriminação dos aqui recorrentes, é integralmente assumida nas alegações finais das respetivas Ilustres Defensoras, conforme se poderá constatar pela audição do ficheiro informático nº 20221110162329, respeitante às doutas alegações da Ilustre Defensora da arguida CC, e no ficheiro informático nº 20221110164557, relativo às doutas alegações da Ilustre Defensora do arguido DD.

54ª - A prova que tem por base as declarações dos arguidos, admitida que é em nome do ilimitado direito de defesa do arguido, não pode deixar de ser valorada. No entanto e na esteira daquela que é a jurisprudência uniforme do STJ, deverá sê-lo de forma cautelar, no âmbito da situação concreta, com um esforço de análise tendente a averiguar se a co-acusação se ancora, de forma complementar, em quaisquer outros meios de prova - Cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 31/01/2000, proferido no processo n.º 3574/00, de 29/03/2000, proferido no processo n.º 1134/99; de 10/12/1996, proferido no processo n.º 486/97; de 30/11/2000, proferido no processo n.º 2828/00; de 12/03/2008, proferido no processo n.º 694/08, todos disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.

55ª - O Tribunal não está, pois, impedido de valorar esse meio de prova, livremente como os demais, mas deverá introduzir um crivo mais exigente. O princípio da corroboração, ou a uma preocupação acrescida de corroboração, avançada na construção então pioneira de Medina de Seiça, que alguma jurisprudência, em maior ou menor medida, tem vindo a acolher.

56ª - A jurisprudência do STJ tem revelado diferentes acolhimentos do princípio da corroboração. Como exemplo vejam-se: “a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação”- Cfr. Cfr. Ac. do STJ 12.06.2008, Rel. Santos Carvalho, www.dgsi.pt

57ª - Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.

58ª - A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição.

59ª - Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido incrimina o outro, para se defender ou para dividir a sua responsabilidade.

60ª - Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena.

61ª – É prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações.

62ª - O depoimento de co-arguido pode ser suficiente para desvirtuar a presunção de inocência desde que ocorram as seguintes notas: a) ausência de incredibilidade subjetiva derivada das relações entre co-arguidos que possam conduzir à dedução da existência de um móbil de ressentimento, inimizade ou tentativa de exculpação; b) verosimilhança: as declarações hão-de estar rodeadas de certas corroborações periféricas de carácter objetivo que as dotem de aptidão probatória e; c) persistência na incriminação, prolongada no tempo e reiteradamente expressa e exposta sem ambiguidades ou contradições.

63ª - No caso em apreço, resulta evidente que os co- arguidos CC e DD assumiram em julgamento uma postura intencional, reiterada de auto-exculpação e de incriminação dos aqui recorrentes, minando irremediavelmente a credibilidade dos seus depoimentos, os quais, em respeito pelo citado principio da corroboração não deviam ter sido valorizados pelo Tribunal recorrido no que concerne a consideração de que estão provados os factos referidos nos artigos – 19º, 20º, 30 e 31º dos factos tidos como provados na sentença recorrida.

64ª - Não foi feita prova de que o evento lesivo podia ocorrer, e que os mesmos tenham tido a possibilidade de, segundo as circunstâncias do caso e as suas capacidade pessoais, de prever corretamente a realização do tipo legal em causa, estando portanto afastados os elementos objetivos e subjectivos do crime de violação de regras de segurança p.e p pelo Artº 152º-B do Código Penal. Ao considerar como provados os factos referidos nos artigos – 19º, 20º, 30 e 31º dos factos tidos como provados na sentença recorrida, o Tribunal recorrido erra grosseiramente na deisão proferida sobre a matéria de facto, e viola os principios da presunção de inocência, do in dubio pro reo, e da corroboração.

65ª - Os recorrentes impugnam igualmente a matéria de facto vertida no ponto 25, porque não resultou provado o nexo de causalidade que tem que existir, entre a morte de FF e a conduta dos mesmos.

66ª - A douta sentença admite que não se conseguiu apurar o motivo da queda, refirando a esse propósito, e citando: “Na verdade, e conforme referido supra, dúvidas não restam que a morte de FF se deveu à sua queda. Também não restam dúvidas que FF caiu, pese embora não se tenha aferido o motivo da sua queda, nomeadamente, se endógena ou exógena.”

67ª - Acontece que, nas conclusões do relatório químico e toxicológico forense, de fls. 52 e 53, consta e citado “O exame toxicológico de sangue não revelou a presença de álcool e revelou a presença de canabinóides e das substancias medicamentosas: Diazepam, Nordiazepam, Efedrina e Fentanil em concentrações consideradas terapêuticas.”

68ª - Tais substâncias, para além de aditivas, influem diretamente no sistema nervoso central, sendo causa de alterações nos padrões comportamentais, provocando cansaço, sonolência e fraqueza muscular e descoordenação de movimentos. Assim sendo, a causa da morte pode ter tido origem nas substâncias detetadas no organismo da vitima e ter sido causa direta de um desiquilibrio que pode ter estado na causa da sua queda.

69ª - No ficheiro informático com o registo nº 20220926103657, com inicio aos [00:10:12], a instâncias da Mmª Juiza, o arguido DD refere que a queda de FF no solo, se deu antes do cesto, e que foi FF, que quando caiu, arrastou consigo o cesto.

70ª - Contudo, e ao invés de considerar não estar estar provado um elemento objetivo do tipo legal de crime em apreço, ou seja o nexo de causalidade entre o acidente e a omissão de dever de observar disposições legais ou regulamentares em matéria de segurança, quanto mais não fosse pela aplicação do principio do in dubio pro reo, o Tribunal a quo, sem qualquer rede probatória, realiza um salto “quântico”, e admite que, independentemente do motivo subjacente à queda, a mesma teria sido evitada se fossem implementadas as medidas de segurança supra referidas supra, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês.

71ª - Tal conclusão não radica em qualquer prova pericial que permita concluir que, em função das circusntâncias de facto e do contexto, havendo uma causa endógena, o acidente e a morte teria sido evitado se tivesse sido utilizada uma plataforma elevatória e o arnês.

72ª - Os factos suscitados em audiência de discussão e julgamento e que resultaram provados através das declarações prestadas pelo recorrente, DD, através do depoimento da testemunha II e ainda da prova pericial subjacente ao relatório químico e toxicológico forense de fls. 52 e 53 teriam interesse para se apurar o motivo da queda e para a decisão da causa.

73ª - Contudo não foram tidos em consideração pelo Tribunal que proferiu a sentença.

74ª - O Tribunal fundou a sua convicção na determinação da matéria de facto provada, entre outros no principio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do CPP, porém, sobrepõe-se e constitui uma limitação à livre convicção do julgador, o juízo que resulta da prova pericial e a necessidade de descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

75ª - Pelo que a sentença recorrida também padece do vicio de insuficiencia da matéria de facto para a decisão proferida pelo Tribunal aquo, a que alude a al. a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.

76ª - A douta sentença recorrida incorre também em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e entre os factos provados e os não provados, quando conclui que a actuação do trabalhador sinistrado não é de molde a afastar a existência de omissão relevante em termos de responsabilidade criminal do Arguido BB, mas por outro lado, dá como provado que os aqui recorrentes tinham dado instruções precisas aos seus trabalhadores, e que aqueles estavam amplamente informados e avisados pela sua entidade patronal, que só poderiam realizar trabalhos em altura utilizando plataformas elevatórias , conforme a douta sentença conclui nos pontos 33º a 37º da matéria de facto tida como provada.

77ª - Porém, , o tribunal não dá como provado, que o sinistrado, à semelhança do que já ocorrera noutro serviço, não contactou a Arguida AA, preferindo ceder à pressão do Arguido DD, arriscando assim a sua integridade física e a do colega, desobedecendo às ordens da sua entidade patronal no que respeita à forma de execução desse serviço, seja quanto à obrigatoriedade de utilização do arnês, seja quanto ao meio de elevação utilizado. – Cfr. alínea p) da matéria de facto tida como não provada.

78ª - Perante as regras comprovadamente impostas pelos recorrentes em matéria de realização de trabalhos em altura, a conduta do trabalhador sinistrado, ao aceitar ser elevado num cesto colcocado numa empilhadora, assume obvia natureza temerária.

79ª - Nem se diga que para tal opção do sinistrado, contribuiu alegada falta de formação do trabalhador em matéria de realização de trabalhos em altura , pois , não sendo o sinistrado inexperiente nesse tipo de situações, conforme se infere dos pontos 36º e 37º da matéria de facto tida como provada pela douta sentença recorrida, dizem as regras do bom senso, da experiência comum e da lógica, que , para qualquer pessoa colocada no lugar do sinistrado, aceitar ser elevado num cesto colocado em cima dos garfos de um empilhadora, constitui uma opção com riscos óbvios.

80ª - Não é necessário ter qualquer formação em matéria de realização de trabalhos em altura ou em segurança no trabalho para se percepcionar o risco de uma elevação feita nessas condições.

81ª - Foi atenta essa evidência de risco, que o STJ em Acordão proferido em 12.07.2007 (Recurso 1444/07) disponivel nos Cadernos Temáticos do STJ, decidiu dever ser descaracterizado um acidente de trabalho sofrido pelos trabalhadores sinistrados que, não obstante terem instruções precisas da sua entidade empregadora no sentido de não utilizarem os empilhadores para fazer subir pessoas, resolveram fazer-se elevar num empilhador para fazer a limpeza de um telhado, colocando um caixote num empilhador, introduziram-se nele, e ao atingirem o telhado, desiquilibraram-se e fizeram cair o cesto, fazendo cair os sinistrados.

82ª - A sentença recorrida, ao considerar provados os factos vertidos nos pontos 33º a 37º da matéria de facto tida como provada, incorre numa contradição insanável ao dar como não provado o facto constante da alínea p) da matéria de facto não provada, contradição que impõe uma decisão, diferente daquela que foi tomada, e que consiste, em afastar a responsabilidade criminal dos recorrentes, com fundamento no facto, de ser do conhecimento do sinistrado, quais as regras internas da sua entidade patronal em matéria de realização de trabalho em altura, e evidente insegurança que envolve a elevação num equipamento com as carateristicas do equipamento usado para tal.”

Terminam pedindo a absolvição de ambos.

*

Os recursos foram admitidos.

Na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu aos recursos apresentados pelos arguidos, tendo pugnado pela sua improcedência e tendo apresentado na resposta as seguintes conclusões:

“1.A douta decisão não merece qualquer reparo.

2. O tribunal a quo fez uma correcta ponderação e apreciação da prova e, efectuou uma correcta qualificação jurídica dos factos.

3. Inexiste na sentença qualquer erro notório na apreciação da prova, contradição na fundamentação ou de outro vício, que possa ter condicionado a demostração dos factos que se encontram propugnados no presente recurso.

4. O tribunal apreciou a prova dentro dos limites do artigo 127.º do Código de Processo Penal, isto é, com observância das normas da experiência comum, da lógica e regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório procurando alcançar a verdade material.

5. No caso vertente, o tribunal a quo não descurou o princípio da imediação e da oralidade, pois com a sua observância, apreendeu os factos atinentes valorando a prova, razão pela qual inexiste qualquer erro de julgamento na sua apreensão, porquanto, ao concatenar a prova as conclusões retiradas pelo julgador são conforme as regras da lógica e da experiência comum.

6. A realização dos trabalhos, isto é, a execução daquela obra foi feita com a participação do arguido DD, porquanto, este manobrou a máquina que elevou o cesto onde seguia o trabalhador falecido FF.

7. A realização daquela reparação (obra) naquelas circunstâncias foi no interesse da sociedade CC, ou seja, possibilitando vantagem económica desobstruindo a actividade económica da sociedade arguida, e para tanto, o arguido DD socorreu-se da utilização de uma máquina e cesto (empilhador e cesto para elevar mercadorias que a sociedade CC detinha no interior do armazém) que eram tituladas por si.

8. O arguido DD ao elevar o trabalhador FF da sociedade AA num cesto que não se encontrava preparado para o efeito, aliás, referiu ter pleno conhecimento que o referido empilhador se destinava exclusivamente ao transporte de mercadorias e que não possuíam autorização por escrito do fabricante para colocar um elemento adicional, mormente o cesto metálico utilizado para elevar os trabalhadores da sociedade Arguida AA, no decurso da reparação da câmara frigorifica elevando o trabalhador FF a uma altura de seis metros que exponha a risco de queda em altura, com consequências severas, que não valorizou, não obstante quis levar tal propósito avante.

9. O crime de violação de regras de segurança configura um crime de perigo concreto (visto que pressupõe a sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto para a vida, o corpo ou a saúde, com violação das disposições legais ou regulamentares vigentes à data do facto), de resultado (pois a sua consumação exige a "(efetiva) «sujeição" do trabalhador à realização da atividade fora das indispensáveis condições de segurança», embora não exija a lesão dos bens jurídicos tutelados) específico próprio (segundo a qualidade dos autores), omissivo próprio (omissão de um dever de agir e independente do resultado) e de violação de dever.

10. Para o preenchimento dos elementos do tipo objectivo e subjectivo, é desnecessário apurar se houve algum processo fisiológico endógeno do trabalhador lesado que, eventualmente, fosse contemporâneo momentos antes da queda porque tal não faria afastar tal preenchimento do tipo objectivo e subjectivo do ilícito penal, não sendo necessário que o tribunal apurasse quaisquer factos endógenos do malogrado trabalhador apontadas pelos recorrentes, particularmente quando desses factos, aliás, inexistem sinais nos autos.

11. As penas aplicadas aos arguidos são proporcionais à culpa dos arguidos tendo sido realizada com a observância do artigo 71.º do Código Penal e nenhuma censura nos merece, sopesando as consequências do crime e as necessidades de prevenção geral e especial, nomeadamente o resultado morte do trabalhador FF.

12. Da prova produzida resulta que o arguido BB estava consciente que, por força dos trabalhos levados a cabo por FF e II, nas instalações da arguida CC, havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros e que dessa queda poderia resultar a morte daqueles, o que veio a suceder com FF.

13. O tribunal concluiu que a prova dos factos descritos no ponto 12 dos factos provados resultam do cotejo das declarações de EE e DD e das demais testemunhas, nomeadamente HH, de GG, da testemunha II asseverou que FF estava familiarizado com o acesso ao local das reparações, daqui se extraindo que o mesmo já acedera por aquele local (zona técnica) noutras ocasiões que, aliás, o arguido BB não as contrariou.

14. O raciocínio tecido pelos recorrentes para a descaracterização de um acidente de trabalho em abstracto cede perante os elementos do tipo objectivo e subjectivo que resultaram provados nos presentes autos.

15. Não afasta a tipicidade da conduta de violação das regras segurança a mera circunstância de a entidade empregadora, ora arguida, afixar um papel à vista dos trabalhadores com os dizeres que só poderiam realizar trabalhos em altura utilizando plataformas elevatórias quando o empregador sabe que o trabalhador tem um histórico de comportamentos temerários quanto a estrita observância das regras em trabalhos em altura conjugado com a circunstância de, precisamente, aquele trabalhador ir realizar trabalhos em altura sem que a entidade empregadora providencie por equipamento necessário para a realização daqueles trabalhos numa altura de seis metros!”

*

A Exmª. Procuradora Geral Adjunta neste Tribunal da Relação teve vista do processo, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 416º, nº 2 do CPP.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos e tendo sido realizada a audiência, com observância dos requisitos legais previstos no artigo 423º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

***

II – Fundamentação.

II.I Delimitação do objeto do recurso.

Nos termos consignados no artigo 412º nº 1 do CPP e atendendo à Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95 de 19.10.95, publicado no DR I-A de 28/12/95, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na sua motivação, as quais definem os poderes cognitivos do tribunal ad quem, sem prejuízo de poderem ser apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

Em obediência a tal preceito legal, a motivação do recurso deverá enunciar especificamente os fundamentos do mesmo e deverá terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, nas quais o recorrente resume as razões do seu pedido, de forma a permitir que o tribunal superior apreenda e conheça das razões da sua discordância em relação à decisão recorrida.

No presente recurso e considerando as conclusões extraídas pelos recorrentes das respetivas motivações, são as seguintes as questões a apreciar e a decidir, a saber:

A) - Determinar se a decisão recorrida enferma dos vícios consagrados nas alíneas a) e b) do no nº 2 do artigo 410º do CPP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a)) e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b). (ambos os recursos) B) - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de facto, por errada valoração da prova produzida em audiência, em desrespeito pelo princípio da livre apreciação da prova consagrado no art.º 127º do CPP. (ambos os recursos) C) - Determinar se ocorreu erro de julgamento da matéria de direito em virtude de a determinação do quantitativo diário da pena de multa aplicado à arguida CC não ter respeitado o princípio da proporcionalidade. (recurso dos arguidos DD e CC, Ldª)

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II.II - A decisão recorrida.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, deu por provados e não provados os seguintes factos:

“1. A Arguida AA é uma sociedade por quotas constituída em 20 de Março de 2013, cujo objecto é a comercialização, venda e instalação de sistemas frigoríficos comerciais e industriais, máquinas e equipamentos e consultoria técnica na área da refrigeração.

2. O Arguido BB, desde a sua constituição, tem sido o seu gerente e representante legal, sendo que, à data dos factos e também por força dessa qualidade competia-lhe, em nome e no interesse da empresa, a celebração dos contratos de trabalho, a determinação das funções desempenhadas por cada trabalhador, a determinação do local e da forma como o trabalho era prestado, organizar o serviço de segurança e saúde no trabalho, avaliar os riscos de segurança e saúde por cada trabalhador no âmbito das actividades por eles desenvolvidas providenciar pela formação em segurança e saúde de todos os trabalhadores, em conformidade com tal avaliação de riscos no trabalho e assegurar o cumprimento de todas as regras necessárias para o desempenho das funções de cada trabalhador em condições de segurança.

3. A Arguida CC é uma sociedade por quotas constituída em 02 de Agosto de 2000, cujo objecto é o transporte rodoviário de mercadorias, armazenagem frigorífica e não frigorífica, manuseamento de cargas e transporte e comércio de carnes frescas.

4. O Arguido DD, desde a sua constituição, tem sido o seu gerente e representante legal, sendo que à data dos factos e também por força dessa qualidade, competia-lhe a supervisão, controlo e execução de toda a actividade realizada em benefício e no interesse da pessoa colectiva, incluindo aquisição, utilização, manutenção e conservação das instalações, equipamentos, máquinas e utensílios de trabalho, necessários à realização da laboração em fábrica e nas obras a cargo da pessoa colectiva, competindo-lhe ainda supervisão e controlo das condições de segurança em que os respectivos trabalhadores desempenhavam as suas funções.

5. A sociedade AA, representada pelo seu sócio gerente, o Arguido BB celebrou, em 04 de Julho de 2016, um contrato de trabalho a termo resolutivo com FF, admitindo-o ao seu serviço com a categoria profissional de técnico de frio, contrato esse que se encontrava em vigor à data de 09 de Maio de 2019.

6. Nessa data, na sequência de uma avaria no sistema de refrigeração de uma câmara frigorífica da Arguida CC, esta contratou verbalmente a Arguida AA para a respectiva reparação, como era procedimento habitual.

7. A equipa que se deslocou para efectuar a referida reparação era constituída por FF - doravante FF - e II – doravante II,

8. tendo chegado ao local – …, em … -, cerca das 10h30, para colocar os tubos de cobre e as válvulas na zona técnica, que haviam sido previamente soldados e montados.

9. FF contactou então o Arguido DD, para que os transportasse ao local onde iriam proceder à reparação, que se situava na parte de trás da unidade, sendo o único acesso efectuado pela parte externa, através de uma pequena entrada, a cerca de 6 metros de altura.

10. DD chegou ao local, onde se encontravam FF e II, manobrando um empilhador eléctrico de marca …, modelo …, com o nº de série …, com um cesto metálico montado nos seus garfos de equipamento de elevação, ambos da propriedade da Arguida CC.

11. O aludido empilhador, dotado de um mastro retráctil, destina-se ao transporte e à elevação de cargas no interior ou no exterior, sendo certo que o cesto metálico utilizado – com cerca de 124 centímetros de cumprimento para 90 centímetros de altura -, não faz parte integrante do equipamento de utilização, não sendo também elemento adicional autorizado, já que apenas se destina ao transporte de materiais.

12. Acresce que o aludido cesto apenas se encontrava apoiado nos garfos do equipamento de elevação (empilhador), sem qualquer fixação adequada, não apresentando, em consequência, estabilidade.

13. De acordo com o respectivo manual de utilização, “a montagem de equipamento adicional que interfira nas funções do veículo industrial ou que a elas acresça só é permitida mediante autorização por escrito do fabricante. Eventualmente será necessário obter uma autorização das autoridades locais.” Autorizações que não existiam.

14. No local, FF e II colocaram o material de que iriam necessitar – uma mala de ferramentas, um maçarico pequeno, uma parafusadora eléctrica, o trabalho de solda anteriormente efectuado, umas varas de tubo de cobre com cerca de dois metros -, no cesto referido e subiram ambos também para o seu interior, solicitando ao Arguido DD que os elevasse para a entrada da zona técnica.

15. Porque se aperceberam que a botija de gás acetileno que utilizavam não era suficiente, FF solicitou outra botija, tendo descido do local onde se encontrava, utilizando sempre o cesto do empilhador, manobrado pelo Arguido DD.

16. Cerca das 12h00, FF tornou a aceder à zona técnica, mais uma vez utilizando o cesto do empilhador, que DD manobrava, levando consigo material adicional (pontas de cobre) e a botija de gás acetileno.

17. Quando o Arguido DD procedia à elevação do cesto metálico, a uma altura superior a quatro metros, ocorreu a queda de FF para o solo.

18. Em consequência dessa queda, FF sofreu fractura cominutiva com afundamento das esquirolas dos ossos temporal e parietal esquerdos, com traços de fracturas lineares estendendo-se para ossos parietal e occipital esquerdos na abóboda e todos os ossos da base, hemorragias epidural, subdural e subaracnoides focais na região parietal direita e na base do cerebelo, múltiplos focos de contusão corticais e intra-parenquimatosos, nos lobos temporal e parietal direitos, frontal esquerdo e no lobo direito do cerebelo, fracturas da 2ª à 6ª costelas pelos arcos posteriores com extensas infiltrações hemorrágicas, fractura da clavícula, fracturas da 1ª à 4ª costelas pelos arcos posteriores e da 4ª à 6ª pelos arcos anteriores com extensas infiltrações hemorrágicas, hemorragias sub-endocárdicas noventrículo esquerdo, lesões traumáticas essas que, pela sua violência, foram causa directa e necessária da sua morte.

19. Uma vez que a Arguida AA era habitualmente contratada para aquele tipo de reparação por parte da Arguida CC e FF já o havia efectuado anteriormente, o Arguido BB conhecia o espaço e as condições de trabalho e de segurança em que aquele desempenhava as suas funções, mormente o risco de queda em altura.

20. Não obstante, na qualidade de representante legal da sociedade AA, entidade empregadora daquele e actuando em seu nome e interesse, não cuidou de promover qualquer acção de formação em matérias de Segurança e Saúde no Trabalho a FF e II, não os informando dos riscos a que estavam expostos no desempenho da sua actividade profissional, nomeadamente o risco de queda em altura, não implementando a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual adequado – arnês -, não tendo disponibilizados as primeiras, não tendo promovido a formação aos trabalhadores para trabalhos em altura e utilização de plataformas elevatórias.

21. Por seu turno, o Arguido DD, actuando em nome e no interesse da sociedade CC, conhecedor também dos riscos que envolviam a actividade profissional de FF, até por saber a altura a que se encontrava a zona técnica – a cerca de 6 metros - e o único acesso à mesma, não se inibiu de utilizar equipamento elevatório desadequado, porque destinado apenas e só ao transporte de materiais, acoplando um cesto metálico nos garfos do equipamento, apesar de tal elemento adicional não ter sido autorizado pelo fabricante ou pelas autoridades locais, não cuidando ainda de proceder à sua fixação,

22. sendo certo que tal equipamento de elevação, adquirido pela sociedade CC, da qual é representante legal – e, por conseguinte, conhecedor da sua finalidade e da falta de aptidão para o transporte e elevação de pessoas, sabendo ainda que o cesto metálico utilizado não fazia parte integrante do equipamento e não era um elemento adicional autorizado - não se encontrava certificado de acordo com a legislação em vigor,

23. não cuidando de instalar plataforma elevatória certificada para acesso à zona técnica.

24. O equipamento elevatório mencionado em 11. e 12., já havia sido utilizado anteriormente por DD, em circunstâncias idênticas, para a elevação de FF à zona técnica.

25. A queda de FF e as lesões consequentemente sofridas pelo mesmo, que causaram a sua morte, só aconteceram por causa das descritas condutas levadas a cabo pelo Arguido BB e pelo Arguido DD, levadas a cabo de forma voluntária e consciente.

26. À data de 09 de Maio de 2019, a Arguida AA tinha os seus serviços de segurança organizados na modalidade de serviços externos, com a empresa KK, Lda..

27. Da análise do Relatório dos Riscos Profissionais elaborado por esta empresa em 13 de Maio de 2019, foi verificado que o Risco de Queda em Altura está identificado e avaliado para as actividades desenvolvidas pelos Técnicos de Frio nos Clientes,

28. sendo a medida preventiva a ser implementada no caso de Risco de Queda em Altura, a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual – arnês -, devendo ainda ser promovida formação aos trabalhadores para trabalhos em altura e utilização de plataformas elevatórias,

29. registando também como uma das possíveis causas, a utilização de um equipamento de elevação desadequado.

30. Conscientes que, por força dos trabalhos levados a cabo por FF e II, nas instalações da Arguida CC, havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros e que dessa queda poderia resultar a morte daqueles, o que veio a suceder com FF, actuaram convictos de que esta não sobreviria, omitindo cada um dos Arguidos BB e DD os procedimentos a que estavam obrigados e que se impunham, tendo em vista evitar aquele resultado.

31. Os Arguidos BB e DD, actuando também em nome e no interesse das sociedades por si representadas – AA e CC, respectivamente -, previram e quiseram não proceder com o cuidado devido, a que estavam obrigados e de que eram capazes, atentos os conhecimentos que tinham da actividade profissional desempenhada por FF e II e os riscos a que estes estavam expostos, nomeadamente, de queda em altura, riscos esses que não foram adequadamente valorizadas por aqueles.

32. Conhecia cada um deles o carácter proibido da sua conduta e, não obstante terem capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiram de a levar a cabo.

(Da contestação)

33. Desde 2015 que o sócio gerente da Arguida AA – o Arguido BB – impôs internamente a seguinte regra no que concerne à realização de trabalhos em altura por parte dos seus funcionários: Não podem ser executados trabalhos em alturas acima de um corpo de andaime (2mts). Para tal deve o colaborador previamente contatar a empresa, que enviará os meios adequados de segurança e elevação (Ex. Plataforma elétrica) para execução do trabalho.

34. Tal regra é transmitida a todos os funcionários da Arguida AA com funções técnicas no início da sua laboração por parte do sócio gerente da empresa, e é reiterada regularmente sempre que há trabalhos em altura.

35. A regra acima indicada está transcrita para papel e afixada na entrada da sede da Arguida AA e em mais dois locais no interior das instalações da mesma.

36. Por ocasião de um serviço prestado a um cliente em … e havendo necessidade de efectuar um trabalho em altura, FF informado pela funcionária GG que deveria aguardar pelos meios adequados de elevação para concluir esse serviço, para o qual havia sido destacado, não aguardou pela chegada dos meios adequados para a realização do trabalho em altura em segurança e conclui-o com recurso a um andaime que improvisou para o efeito.

37. Confrontado com tal situação, FF informou a referida GG que “não estava para estar à espera da plataforma”, ao que esta se sentiu na obrigação de advertir o sinistrado para o incumprimento das ordens da Arguida AA nessa matéria e para os graves riscos que correu ao ter concluído o serviço dessa forma.

38. O Arguido DD: - é sócio-gerente da sociedade Arguida CC, Lda., auferindo mensalmente a quantia aproximada de € 1.300,00; - vive com a companheira – que se encontra de baixa médica, auferindo subsídio de doença de valor não concretamente apurado – em casa própria, pagando, para o efeito, a quantia de € 400,00 a título de prestação para amortização de um crédito contraído para a sua aquisição; - tem dois filhos de 12 e 9 anos de idade; - tem o 12.º ano completo de escolaridade; - não tem quaisquer antecedentes criminais registados.

39. A sociedade CC, Lda.: - tem actividade aberta, obtendo lucros anuais, no valor de € 50.000,00; - não tem quaisquer dívidas ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributária; - não tem quaisquer antecedentes criminais registados.

40. A sociedade Arguida AA, Lda: - tem dívidas à Banca num valor de € 175.000,00, que se encontram a ser regularizadas em prestações; - não tem quaisquer dívidas ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributária; - teve um lucro anual - paga mensalmente a quantia de € 1.500,00 a título de contrapartida pelo gozo temporário de um espaço comercial;- paga mensalmente a quantia global de € 865,00 a título de prestações para amortização de créditos contraídos para aquisição de viaturas; - tem 15 funcionários; - não tem quaisquer antecedentes criminais registados.

41. O Arguido BB: - é sócio gerente da sociedade Arguida AA, Lda., auferindo mensalmente a quantia de € 1.600,00; - vive com uma companheira – que se encontra reformada – em casa própria desta, pagando a quantia de € 700,00 a título de participação nas despesas domésticas; - tem filhos maiores e independentes; - tem o 9.º ano completo de escolaridade; - não tem quaisquer antecedentes criminais registados.

2. Factos não provados

Com interesse para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que:

a) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 17., o cesto metálico deslocou-se do local onde estava apoiado pelos garfos, provocando a queda de FF.

b) O Arguido BB, na qualidade de representante legal da sociedade AA, entidade empregadora de FF e actuando em seu nome e interesse, não disponibilizou a este último arnês.

c) Uma vez que a sociedade Arguida CC dispunha de uma empilhadora e de um cesto adequado para a elevação de pessoas para a realização de trabalhos em altura, e que o respetivo gerente – o Arguido DD – estava habilitado a operar essa máquina, a Arguida AA optou por utilizar sempre os meios de elevação daquela empresa em todos os trabalhos que ali realizou, por os considerar adequados.

d) A adequação do cesto em causa para a realização do trabalho foi verificada pelo sócio gerente da Arguida AA, pelo coordenador dos técnicos da empresa , Sr. HH e pela própria empresa que assessorava a Arguida AA em matéria de Saúde e Segurança no trabalho a quem foi exibida a

e) O cesto habitualmente disponibilizado pela CC, Ldª. era de cor preta e dispõe de um sistema de encaixe nos garfos/forquilhas da empilhadora na sua base, que assegura que o cesto fica devidamente encaixado nas forquilhas, evitando assim riscos da sua queda por desprendimento ou até a sua oscilação, sendo portanto um elemento adicional à empilhadora adequado à elevação de pessoas.

f) Tal cesto foi utilizado pelos funcionários da Arguida AA nas diversas ocasiões em que anteriormente prestaram outros serviços na CC, sem que houvesse qualquer anomalia que pusesse em risco a integridade de quem subia no mesmo.

g) Para a realização do serviço em causa, os funcionários da Arguida AA contavam com os meios de elevação habitualmente fornecidos pela CC e com os arnês fornecidos pela Arguida, cujo uso era expressamente imposto aos seus funcionários conforme supra referido.

h) Nesse dia os arnês foram entregues ao sinistrado pelo HH, o qual reiterou àquele a necessidade de o usar e de não facilitar no que respeita à execução do trabalho de forma segura.

i) Nas instalações da CC, o sinistrado e o colega foram confrontados com duas situações completamente inesperadas e desconhecidas da Arguida AA.

j) Por um lado, com a exigência do Arguido DD, gerente da sociedade Arguida CC, para que o acesso ao armazém frigorifico para recolocação dos vaporizadores fosse realizado pelo exterior e não pelo seu interior como tinha sido acordado com a Arguida AA.

k) Por outro lado, com a utilização de um equipamento para elevação que nunca havia sido utilizado nos serviços prestados anteriormente pela Arguida AA à CC e que consistia num cesto de cor amarela, sem estrutura de encaixe nos garfos da empilhadora e que estava simplesmente colocado em cima das forquilhas.

l) Confrontado com esta realidade, e na presença do Arguido DD, gerente da sociedade Arguida CC, o funcionário II informou o sinistrado que deveria imediatamente dar cumprimento às instruções da Arguida AA no que respeita à realização de trabalhos em altura em condições de segurança, contactando a sede da Arguida para solicitar o envio de equipamento de elevação adequado.

m) Tal reação do II indispôs o Arguido DD, gerente da sociedade Arguida CC, que, dirigindo-se ao sinistrado e ao II, retorquiu de forma brusca e assertiva que sabia o que estava a fazer pois há muitos anos que fazia aquilo e que não podia esperar pela chegada de outros meios de elevação pois tinha muita urgência na utilização do armazém frigorifico em causa.

n) Em resposta, o sinistrado disse ao seu colega II que não valia a pena pedir meios de elevação, pois para além de ser um trabalho simples, ele tinha muita experiência naquele tipo de trabalhos e que podia confiar no Arguido DD, pois conhecia-o bem e que confiava nele, tendo acrescentado que assim não teriam de interromper aquele serviço até à disponibilização dos meios de elevação adequados até porque o cliente que tinha muita urgência na utilização da câmara frigorifica.

o) Perante a pressão do Arguido DD e do sinistrado, e uma vez que era um funcionário recente na Arguida AA, o II não se sentiu com autoridade para criar uma situação de potencial conflito com o cliente e com o colega, até porque se apercebeu que havia muita confiança entre ambos.

p) O sinistrado, à semelhança do que já ocorrera noutro serviço, não contactou a Arguida AA, preferindo ceder à pressão do Arguido DD, arriscando assim a sua integridade física e a do colega, desobedecendo às ordens da sua entidade patronal no que respeita à forma de execução desse serviço, seja quanto à obrigatoriedade de utilização do arnês, seja quanto ao meio de elevação utilizado.

q) Para além de não ter dado cumprimento a essa ordem, o sinistrado também não atendeu à sugestão do seu colega II, que ao se aperceber da precaridade dos meios de elevação disponibilizados pela sociedade Arguida CC, lhe sugeriu o contacto com a sede da Arguida AA a fim de darem cumprimento às instruções recebidas.

r) Em momento algum a Arguida AA foi informada que o acesso ao armazém frigorifico da CC ia ser feito pelo exterior do mesmo e que o cesto usado para elevar os seus funcionários não era o mesmo cesto que tinha sido usado nos serviços prestados anteriormente e que era adequado a tal fim, e que os arnês disponibilizados não estavam a ser usados.”

*** II.III - Apreciação do mérito do recurso.

A) Dos vícios da decisão consagrados nas alíneas a) e b) do no nº 2 do artigo 410º do CP: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a)) e contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (al. b).

Invocam os arguidos nas suas motivações de recurso e nas conclusões que da mesma extraíram, a existência de dois dos vícios consagrados no nº 2 do artigo 410º do CPP. Importa ter presente que a invocação dos vícios consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP, que denominamos de impugnação restrita, não se confunde com a invocação de um erro de julgamento, ou seja, com a impugnação da matéria de facto em sentido amplo com observância dos ónus impostos pelo artigo 412.º, n.ºs 3 e 4. Na impugnação restrita, diferentemente do que sucede na impugnação da matéria de facto em sentido amplo, os vícios da decisão, consagrados no n.º 2 do art.º 410.º do CPP e invocados nos recusos, deverão resultar do próprio texto da decisão recorrida e a sua verificação pelo tribunal de recurso prescinde da análise da prova concretamente produzida e atém-se à conexão lógica do texto da decisão, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum.

Analisemos, então, os vícios da sentença invocados pelos recorrentes.

a) Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada

O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ocorre nas situações em que a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir que a matéria de facto provada na sentença não suporta a decisão de direito, quer quanto à culpabilidade quer quanto à determinação da pena. Ou seja, dito de outro modo, tal vício verifica-se quando a conclusão a que se chega não é suportada pelas respetivas premissas, isto é, quando a matéria de facto apurada não é a suficiente para fundamentar a solução de direito encontrada. E tal sucede não só quando os factos dados como provados não permitem concluir se o arguido praticou ou não um crime, mas também quando de tais factos não constam todos aqueles que foram tidos em consideração para a verificação de causas de exclusão da ilicitude, da culpa ou da imputabilidade do arguido ou para a graduação da medida da pena. (2) Vertendo ao caso concreto, diremos que, considerando o elenco dos factos provados e a sua subsunção ao direito, não descortinamos a existência do aludido vício, uma vez que a matéria de facto apurada se revela suficiente para fundamentar a decisão final na construção apresentada na decisão. Efetivamente, o Tribunal “a quo” deu como provados todos os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos dos dois ilícitos penais pelos quais os arguidos foram condenados, tendo a respetiva subsunção às normas penais sido realizada nos termos claramente explicitados na sentença. Para sustentar a invocação da insuficiência da matéria de facto para a decisão, alegam os recorrentes que: (recurso dos arguidos BB e AA) “Os factos suscitados em audiência de discussão e julgamento e que resultaram provados através das declarações prestadas pelo recorrente, DD, através do depoimento da testemunha II e ainda da prova pericial subjacente ao relatório químico e toxicológico forense de fls. 52 e 53 teriam interesse para se apurar o motivo da queda e para a decisão da causa, mas não foram tidos em consideração pelo Tribunal que proferiu a sentença. O Tribunal fundou a sua convicção na determinação da matéria de facto provada, entre outros no principio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127.º do CPP, porém, sobrepõe-se e constitui uma limitação à livre convicção do julgador, o juízo que resulta da prova pericial e a necessidade de descoberta da verdade e a boa decisão da causa. Pelo que a sentença recorrida também padece do vicio de insuficiencia da matéria de facto para a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a que alude a al. a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.” e (recurso dos arguidos DD e CC) “100º Acresce que, pelos motivos supra expostos, nos artigos 58, 66, 67º, 68º, 69º, 70, 71º, 72º, 73º, 74º e que aqui se dão por reproduzidos, a douta sentença, peca por omissão de pronuncia, sobre factos constantes dos artigos 59º, 60º, 61º, 62º, 63º e 65º, e que resultaram da discussão da causa, mas que não foram tidos em consideração na decisão final, sendo relevantes para o efeito. 101º Em função da conclusão a que se chegou, nos artigos 82º, 83º, 84º, 85º e 86º e que aqui se dá por reproduzida, interessaria averiguar, se o motivo da queda e da morte de FF foi endógeno ou exógeno, nomeadamente, se foram as substancias reveladas no relatório químico e toxicológico forense de fls. 52 e 53, ou o gas tóxico que o trabalhador utilizou e inalou durante a execução da soldadura ??? 102º A prova do motivo da queda e da morte, teria assim interesse para a decisão da causa, porquanto levaria o Tribunal, a proferir uma decisão diferente, e que não podia ter sido outra, senão a de Absolvição dos ora recorrentes. 103º Pelo que, contrariamente ao alegado pelo Tribunal a quo, não é indiferente o motivo da queda, para se concluir ou não, que a causa da queda e da morte de FF, se ficou a dever à conduta do recorrente, DD. 104º Os factos suscitados em audiência de discussão e julgamento, e que resultaram provados através das declarações prestadas pelo recorrente, DD, através do depoimento da testemunha II, e ainda, da prova pericial, subjacente ao relatório químico e toxicológico forense, de fls. 52 e 53, teriam interesse para se apurar o motivo da queda, e para a decisão da causa, mas não foram tidos em consideração pelo Tribunal, que proferiu a sentença. 105º O Tribunal fundou a sua convicção, na determinação da matéria de facto provada, entre outros, no princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 127.º do CPP, porém, sobrepõe-se e constitui uma limitação à livre convicção do julgador, o juízo que resulta da prova pericial e a necessidade de descoberta da verdade e a boa decisão da causa. 106º Pelo que a sentença recorrida, padece do vicio de insuficiencia da matéria de facto, para a decisão proferida pelo Tribunal a quo, a que alude a al. a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP.” A argumentação dos recorrentes que subjaz à invocação do vício da insuficiência da matéria de facto assenta na defesa de que o apuramento do concreto motivo da queda do falecido FF assumiria relevância para o estabelecimento do nexo de causalidade entre as condutas imputadas aos arguidos e o resultado verificado e, consequentemente, para a subsunção das mesmas aos ilícitos penais pelos quais foram condenados. A sentença tratou expressamente esta questão da seguinte forma: “Ora, dúvidas não restam que caso os Arguidos tivessem implementadas as medidas de segurança adequadas para o efeito, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês, dando a FF a devida formação, ter-se-ia evitado a sua queda e, consequentemente, a sua morte. Na verdade, e conforme referido supra, dúvidas não restam que a morte de FF se deveu à sua queda. Também não restam dúvidas que FF caiu, pese embora não se tenha aferido o motivo da sua queda, nomeadamente, se endógena ou exógena. Independentemente do motivo subjacente à queda, a mesma teria sido evitada se fossem implementadas as medidas de segurança supra referidas supra, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês. Assim sendo, tendo FF caído e não tendo sido implementadas as medidas de segurança necessárias para o evitar – medidas estas que incumbiam ao Arguido BB na qualidade de entidade patronal e ao Arguido DD a partir do momento em que decidiu participar na execução da obra –, impõe-se concluir que a queda de FF e as lesões consequentemente sofridas por este, que causaram a sua morte, só aconteceram por causa das condutas levadas a cabo pelos Arguido.

(…) Da factualidade dada como provada resultou inequívoco que competia ao Arguido BB os deveres de vigilância e controlo dos riscos, bastando que o mesmo tenha violado um dever de cuidado relativamente aos mesmos, uma vez que se trata de um crime omissivo que não exige o domínio do facto. Da factualidade dada como provada resulta, assim, que o Arguido BB, na qualidade de legal representante da sociedade Arguida AA – que detinha uma posição de domínio sobre FF e sobre o qual recaia a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho – não implementou qualquer medida formativa e de protecção, individual e colectiva, adequada a prevenir ou a impedir a queda em altura de FF, o qual, no dia 9 de Maio de 2019, pelas 12h00, enquanto exercia as funções de técnico de frio, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade Arguida AA, num local situado a cerca de 6 metros de altura, caiu de forma desamparada e directamente, para e contra o solo, tendo sofrido as lesões dadas como provadas, que foram causa directa e necessária da sua morte. Dúvidas não restam que o Arguido BB, na qualidade de legal representante da sociedade Arguida AA, sujeitou FF à realização de uma actividade manifestamente perigosa para a sua vida, integridade física ou saúde sem serem observadas as respectivas regras ou condições de segurança. Tanto basta para se concluir pelo preenchimento do elemento objectivo do presente tipo de ilícito. É verdade que resultou provado que FF contactou o Arguido DD para que o transportasse ao local onde iria proceder à reparação. Impõe-se analisar a conduta adoptada pelo falecido FF por forma a aferir se a mesma afasta a responsabilidade criminal do Arguido BB. A questão da conduta do trabalhador tem vindo a ser abordada, com reflexos laborais e penais, havendo que distinguir várias situações, em particular as seguintes: a) a existência de acção “imprudente” do trabalhador; b) a acção “imprudente” do trabalhador em conjugação com a conduta omissiva do empregador ao não fornecer os meios de segurança necessários e exigíveis ao caso; c) a acção do trabalhador que contraria as ordens expressas do empregador quanto às regras a cumprir e aos meios de protecção a utilizar (conduta temerária). No entanto, a conduta do trabalhador deve ser analisada e enquadrada com as condições gerais em que a actividade laboral é prestada, na medida em que recai sobre a entidade empregadora o dever de vigiar o cumprimento das regras de segurança, facultando os meios necessários a tal, sob pena de se criarem mecanismos de “desresponsabilização” inaceitáveis.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04/04/2013, processo n.º 58/08.4GCSTB-E1, disponível in www.dgsi.pt. Urge referir que, independentemente da forma de actuação do falecido, existe uma situação de omissão por parte do Arguido BB, na medida em que o mesmo não implementou as medidas de protecção individuais e colectivas necessárias ao trabalho em altura, mormente, a formação aos seus trabalhadores. Ora, dúvidas não existem que se tivesse sido implementada a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual bem como a respectiva formação para trabalhos em altura, teria sido evitado o embate do trabalhador FF ao solo, e, consequentemente, a sua morte. (…) Em face do supra referido, dúvidas não restam que a falta de implementação das medidas acima aludidas contribuiu para a queda do trabalhador e a sua consequente morte, verificando-se assim o nexo de causalidade. Por outro lado, a actuação do trabalhador não é de molde a afastar a existência de omissão relevante em termos de responsabilidade criminal do Arguido BB, na medida em que a conduta omissiva do referido Arguido ao não fornecer os meios de segurança necessários e exigíveis ao caso já existia antes do facto criminoso. Com efeito, a conduta omissiva existia antes do comportamento da vítima, pelo que a conduta do trabalhador, neste caso, não afasta o dever de cuidado que se impunha ao Arguido BB no sentido de criar as condições para que a prestação de trabalho se desenrolasse de acordo com as regras, impondo-se a sua alteração perante as condições em que o trabalho se desenvolvia. Neste contexto, a conduta do trabalhador deve ser analisada e enquadrada com as condições em que a actividade é desenvolvida, na medida em que impende sobre a entidade empregadora o dever de vigiar pelo cumprimento das regras de segurança, facultando os meios necessários para tal. – idem. Em face de tudo o que se deixou exposto, considera-se que a conduta do trabalhador não afasta a responsabilidade do Arguido BB. (…) Analisada a conduta adoptada pelo Arguido DD à luz do que se deixou ora explanado, dúvidas não restam que o mesmo interveio na execução da obra a partir do momento em que decidiu auxiliar os trabalhadores da sociedade Arguida AA, elevando-os com recurso a um empilhador por forma a que os mesmos atingissem o local onde a reparação devia ser efetuada. Ao agir desta forma, o Arguido DD desenvolveu uma actividade auxiliar, sendo responsável por essa actividade. Ora, conforme referido supra, o empilhador a que recorreu o Arguido DD destinava-se ao transporte e à elevação de cargas no interior ou no exterior, não tendo autorização para a montagem de equipamento adicional. Da factualidade dada como provada extrai-se que o equipamento utilizado pelo Arguido DD é inadequado para proceder à elevação dos trabalhadores, devendo ter sido implementada a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual – arnês –, devendo ainda ser promovida a formação aos trabalhores para trabalhos em altura. Ao utilizar um equipamento inadequado para proceder à elevação dos referidos trabalhadores, o Arguido DD contribuiu para a queda de FF e, consequentemente, para a sua morte. A morte da vítima, neste caso, é uma “agravação pelo resultado”, prevista expressamente no art. 285º do C. Penal. Nestas condições, a morte deve resultar, em termos de causalidade adequada, da violação das regras de segurança, pois é esta violação a acção típica. Quer isto dizer que a morte deve ser uma consequência (em termos de causalidade adequada) da violação das regras de segurança imputadas ao agente. – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/05/2020, processo n.º 6359/17.3T9VNG.P1, disponível in www.dgsi.pt. A teoria da causalidade adequada limita, é certo, a existência de nexo de causalidade aos danos que, em abstracto, sejam consequência apropriada do facto. Na falta de opção explícita sobre o critério da “adequação”, a Jurisprudência tem vindo a entender, com o apoio da Doutrina (vide ANTUNES VARELA, “Das Obrigações Em Geral”, 10ª ed., p. 900) que os tribunais gozam de liberdade interpretativa para optar pela teoria mais criteriosa, que é a formulação negativa correspondente ao ensinamento de ENNECCERUS-LEHMAN. Esta é também a posição adoptada, pelo Supremo Tribunal de Justiça (vide, entre outros, os acórdãos de 2003.06.11, rec. nº 03A3883 e de 2004.06.29, rec. nº 05B294). – idem. Nesta formulação, demonstrado que um facto (ainda que omissivo) foi uma condição do dano (no caso, o incumprimento de regras de segurança), esse facto só deixa de ser causa adequada se for de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano. Ou, dito de outro modo, nas palavras de ANTUNES VARELA (ob., cit., p. 894) “só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano”. – idem. Daí que, nesta vertente, a causalidade adequada não pressuponha a exclusividade do facto condicionante do dano. Como escreve o mesmo Autor (ob. cit. pp. 894-895), “ (…) Para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. (…)”“(…)” “(…) Nada impede mesmo que as outras condições do efeito danoso consistam num facto fortuito ou até num acto doloso ou negligente de terceiro” [p. 895. nota 1)]. – idem. Em suma, a pedra de toque de tal teoria é a de que toda a condição do dano (e, neste sentido, é condição todo o facto que, uma vez suprimido, também afasta a produção do dano - “conditio sine qua non”) só deixa de ser causa adequada quando essa condição seja totalmente indiferente ou irrelevante para a produção do dano. – idem. Conforme resulta do supra exposto, no presente caso, ocorreu uma violação das regras de segurança, na medida em que não foram implementadas as medidas protectivas individuais e colectivas para impedir a queda dos trabalhadores, que executavam uma obra em altura. Ora, dúvidas não restam que, se tais regras tivessem sido implementadas, não teria ocorrido a queda do trabalhador FF ao solo e, consequentemente, a sua morte. Assim sendo, a violação das regras de segurança foi seguramente uma condição “sine qua non” da morte de FF, pois se as mesmas tivessem sido cumpridas não se teria dado a queda, independentemente do motivo subjacente a tal queda. Acresce que essa condição da morte é uma condição adequada à produção do evento, na medida em que a queda e as suas consequências ocorreram no âmbito de protecção da regra de segurança violada, sendo certo que não resultou provado que a morte se tenha ficado a dever a qualquer circunstância alheia à violação das regras de segurança. Em face de tudo o que se deixou exposto impõe-se concluir pela existência do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a morte de FF. É verdade que foi FF quem solicitou a DD que o transportasse ao local onde iriam proceder à reparação. No entanto, tal facto não afasta a responsabilidade do arguido DD, na medida em que este decidiu recorrer a um equipamento desadequado para elevar o trabalhador, não tendo resultado provado que tal era do conhecimento do referido trabalhador. Assim sendo, o simples facto de FF ter solicitado a DD que o transportasse ao local onde iria proceder à reparação e ter entrado no cesto metálico acoplado ao empilhador não permite afastar o dever de cuidado que incumbia sobre o segundo a partir do momento em que decide participar na execução da obra com recurso a um equipamento desadequado para o efeito.”

É clara, completa e assertiva a fundamentação da sentença recorrida relativamente à questão convocada pelos recorrentes para sustentar a arguição do vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, de tal forma que tudo o que pudéssemos aditar a tal respeito se revelaria tautológico. Como síntese conclusiva e apenas com o intuito de reforçar a absoluta suficiência da matéria de facto para a decisão, da qual decorre a inexistência do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP invocado pelos recorrentes, diremos que: ainda que para a queda do sinistrado tivesse contribuído qualquer outro fator não apurado, decorrente, ou não, da conduta do sinistrado (fatores que poderiam ter figurado como concausas) é inequívoco que a não implementação por parte da entidade empregadora das medidas de segurança legalmente impostas – concretamente a formação do trabalhador em matéria de segurança na realização de trabalhos em altura e a disponibilização da plataforma elevatória adequada para elevação de pessoas e do arnês – e a utilização de um equipamento inadequado por parte do legal representante da sociedade que decidiu intervir na execução da obra auxiliando os seus executantes, se revelaram causas determinantes da queda do sinistrado da qual decorreu a sua morte, sendo ainda certo que a não adoção das mencionadas condutas teria permitido evitar a queda e a consequente morte do trabalhador. Sufragando-se as considerações explicitadas na explanação teórica realizada na sentença relativamente à teoria da causalidade adequada, reiteramos que, pese embora tal teoria limite o estabelecimento do nexo de causalidade entre o facto e o dano aos danos que sejam consequência apropriada do facto, a mesma não pressupõe a exclusividade do facto determinante do dano. De outra sorte, de acordo com a formulação negativa da teoria da causalidade adequada que tem vindo a ser adotada na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores, os factos que contribuíram para a produção do dano só não serão causa adequada do mesmo quando se verifique que se revelaram totalmente irrelevantes para a sua produção. Isto é, serão causas adequadas todos os factos, ou seja, todas as condições que, uma vez suprimidas, afastam a produção do dano: são as denominadas “conditio sine qua non”. Ora, conforme resulta da factualidade provada, no presente caso a supressão das condutas omissivas violadoras das regras de segurança imputadas aos recorrentes BB e AA e da conduta ativa igualmente violadora das regras da construção imputada aos arguidos DD e CC – manifestamente incrementadoras do risco para o bem jurídico, tutelado pelos tipos penais – teriam permitido evitar a queda do sinistrado e, consequentemente, a sua morte. Nenhuma dúvida pode, pois, restar de que se encontra estabelecido o nexo de causalidade adequado não só entre as condutas típicas e a queda, mas também entre aquelas e o resultado verificado, uma vez que o risco proibido incrementado se veio a materializar no resultado morte, emergindo esta como uma “agravação pelo resultado”, nos termos previstos no artigo 285º do C. Penal (3). Por último, acresce que, conforme bem se refere na sentença recorrida, o facto de o trabalhador sinistrado ter solicitado ao arguido DD que o elevasse ou ainda a circunstância de a sua entidade empregadora ter divulgado na empresa as regras de segurança para a realização de trabalhos em altura, não permite afastar a responsabilidade dos arguidos.

Impendendo sobre a entidade empregadora não só o dever de vigiar o cumprimento das regras de segurança por parte dos seus trabalhadores, mas também o dever de disponibilizar as condições e os meios para que tal cumprimento se verifique e impendendo igualmente sobre aquele que decide participar na execução da construção ou instalação o dever de respeitar as regras de segurança legalmente estabelecidas, a conduta do trabalhador sinistrado na situação que nos ocupa não afasta a responsabilidade criminal dos arguidos BB e DD. Na verdade, aquela conduta deverá ser analisada e valorada no contexto em que se verificou, levando em conta as condições que foram proporcionadas para a realização da atividade. A propósito da valoração da conduta do trabalhador em situações como a dos autos, referiu com pertinência o acórdão desta Relação de 04.04.2013, também citado na sentença, que “(…) A questão da conduta do trabalhador tem vindo a ser abordada, com reflexos laborais e penais, havendo que distinguir várias situações, em particular as seguintes: a) a existência de acção “imprudente” do trabalhador; b) a acção “imprudente” do trabalhador em conjugação com a conduta omissiva do empregador ao não fornecer os meios de segurança necessários e exigíveis ao caso; c) a acção do trabalhador que contraria as ordens expressas do empregador quanto às regras a cumprir e aos meios de protecção a utilizar (conduta temerária). No entanto, a conduta do trabalhador deve ser analisada e enquadrada com as condições gerais em que a actividade laboral é prestada, na medida em que recai sobre a entidade empregadora o dever de vigiar o cumprimento das regras de segurança, facultando os meios necessários a tal, sob pena de se criarem mecanismos de “desresponsabilização” inaceitáveis.”(…) Contudo, o dever cuja violação a negligência conjectura no facto do agente não ter usado aquela diligência que era exigida segundo as circunstâncias concretas para evitar o evento, é o decorrente quer de normas legais, quer do uso e experiência comum. O essencial é que a produção desse resultado seja previsível e que o facto de se ter omitido aquele dever tenha impedido a sua previsão ou a sua justa previsão e causado o resultado.(…)” (4)

Tendo presente a reflexão jurídica que antecede sobre a infração de regras de segurança no trabalho, constatamos que no caso em análise, para além do apuramento da violação de tais regras por parte da entidade empregadora e do executante da obra, nos termos sobreditos, foi igualmente possível estabelecer o necessário nexo de causalidade adequada entre tal violação e o acidente que veio a ocorrer, pois que foi a total falta de implementação de regras de segurança levada a cabo pelos arguidos que determinou a utilização pelo sinistrado de um sistema de elevação totalmente desadequado e que veio a causar o acidente. Efetivamente, apurado que foi: - A verificação da queda do trabalhador, ocorrida durante a sua elevação dentro de um cesto colocado, sem fixação, em cima dos garfos de um empilhador elétrico, sendo este destinado apenas à elevação de cargas, nos termos constantes dos pontos 10. a 17.; - Que não haviam sido avaliados os riscos do trabalho que se encontrava a ser realizado, que o sinistrado não havia recebido qualquer formação sobre as regras de segurança do mesmo e que não se encontrava a utilizar cinto ou arnês, equipamento que não lhe havia sido disponibilizado (pontos 20. a 23.); - E ainda que o referido procedimento já havia sido utilizado anteriormente pelo arguido DD para elevar FF à zona técnica em anteriores trabalhos solicitados pela CC à AA (ponto 24.), dúvidas não poderiam restar, como não restaram ao tribunal recorrido, de que foram tais circunstâncias as causas diretas do acidente. Assim se conclui, desde logo porquanto – na formulação do juízo hipotético que aqui cabe realizar – a disponibilização da plataforma elevatória adequada e do arnês, acompanhadas da devida formação por parte do empregador (o arguido BB) e, bem assim, a não utilização por parte do participante na obra (o arguido DD) do descrito sistema de elevação (sistema que não se destina, de todo, à elevação de pessoas), teria impedido que o sinistrado o tivesse utilizado e teria, consequentemente, evitado a queda do mesmo. Ficou, pois, provado que o acidente e a consequente morte do trabalhador resultaram das identificadas condutas desenvolvidas pelos arguidos, que constituem a ação típica, ou, dito de outro modo, que foi a inobservância das regras de segurança que provocou o acidente e a morte, pelo que sufragamos integralmente a conclusão extraída na sentença relativamente à existência da causalidade adequada subjacente às incriminações. É tanto quanto baste para se concluir que a factualidade apurada nos autos, no silogismo judiciário subjacente à sua subsunção aos tipos penais em causa, suporta as condenações dos recorrentes. Improcede, pois, claramente o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelos arguidos.

*

b) Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão

A propósito do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão alegam os recorrentes que:

(recurso dos arguidos BB e AA)

“Por fim, ainda se dirá que a douta sentença recorrida incorre em contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e entre os factos provados e os não provados, quando conclui que a actuação do trabalhador sinistrado não é de molde a afastar a existência de omissão relevante em termos de responsabilidade criminal do Arguido BB, mas por outro lado, dá como provado que os aqui recorrentes tinham dado instruções precisas aos seus trabalhadores, e que aqueles estavam amplamente informados e avisados pela sua entidade patronal, que só poderiam realizar trabalhos em altura utilizando plataformas elevatórias , conforme a douta sentença conclui nos pontos 33º a 37º da matéria de facto tida como provada.

Porém, o tribunal não dá como provado, que o sinistrado, à semelhança do que já ocorrera noutro serviço, não contactou a Arguida AA, preferindo ceder à pressão do Arguido DD, arriscando assim a sua integridade física e a do colega, desobedecendo às ordens da sua entidade patronal no que respeita à forma de execução desse serviço, seja quanto à obrigatoriedade de utilização do arnês, seja quanto ao meio de elevação utilizado. – Cfr. alínea p) da matéria de facto tida como não provada.

É que, perante as regras comprovadamente impostas pelos recorrentes em matéria de realização de trabalhos em altura, a conduta do trabalhador sinistrado, ao aceitar ser elevado num cesto colocado numa empilhadora, assume obvia natureza temerária.

E, nem se diga que para tal opção do sinistrado, contribuiu a alegada falta de formação do trabalhador em matéria de realização de trabalhos em altura , pois , não sendo o sinistrado inexperiente nesse tipo de situações, conforme se infere dos pontos 36º e 37º da matéria de facto tida como provada pela douta sentença recorrida, dizem as regras do bom senso, da experiência comum e da lógica, que , para qualquer pessoa colocada no lugar do sinistrado, aceitar ser elevado num cesto colocado em cima dos garfos de um empilhadora, constitui uma opção com riscos óbvios. Não é necessário ter qualquer formação em matéria de realização de trabalhos em altura ou em segurança no trabalho para se percepcionar o risco de uma elevação feita nessas condições.(…) A sentença recorrida, ao considerar provados os factos vertidos nos pontos 33º a 37º da matéria de facto tida como provada, incorre numa contradição insanável ao dar como não provado o facto constante da alínea p) da matéria de facto não provada, contradição que impõe uma decisão, diferente daquela que foi tomada, e que consiste, em afastar a responsabilidade criminal dos recorrentes, com fundamento no facto, de ser do conhecimento do sinistrado, quais as regras internas da sua entidade patronal em matéria de realização de trabalho em altura, e evidente insegurança que envolve a elevação num equipamento com as carateristicas do equipamento usado para tal.” (recurso dos arguidos DD e CC) “92º Na douta sentença recorrida estão, também, patentes contradições insanáveis entre a matéria de facto dada como provada, nos pontos 4 e 24 e a fundamentação da decisão proferida. Senão vejamos, 93º O Tribunal a quo, deu como provada, na matéria de facto descrita no ponto 4, que ao arguido, DD, na qualidade de gerente “(…) competia-lhe a supervisão, controlo e execução de toda a actividade realizada em beneficio e no interesse da pessoa colectiva (…) competindo-lhe ainda supervisão e controlo das condições de segurança em que os respectivos trabalhadores desempenham as suas funções.” 94º Como fundamento dessa decisão, o Tribunal alegou, na primeira página da Motivação de Facto e por referência ao objecto social da arguida CC o seguinte: “Na verdade, o Arguido DD admitiu ser sócio gerente da sociedade Arguida CC, Lda., incumbindo-lhe a administração de toda a sua organização e funcionamento, motivo pelo qual se deu como provado o facto constante em 4.” 95º Porém, o fundamento invocado para a decisão tomada, teve por referência o objecto social da arguida CC, indicado na certidao comercial permanente, de fls. 266 a 272, pelo que as funções atribuidas ao gerente, no ponto 4 da matéria de facto provada, extravasam o âmbito do objecto social daquela pessoa colectiva, e, estão em contradição com os fundamentos invocados. 96º Trata-se de uma contradição insanável, porque aquela fundamentação levaria o Tribunal a tomar uma decisão diferente daquela que foi tomada, e que consiste, em afastar a responsabilidade do arguido, DD, com fundamento no facto, de não resultar provada a sua intervenção, na execução da obra onde ocorreu o acidente, e consequentemente, não estar preenchido o elemento objectivo do ilicito criminal imputado ao arguido. 97º Deu-se também, como provada, a matéria de facto descrita no ponto 24, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. 98º Porém, o mesmo facto foi dado como não provado, na alínea k) da matéria de facto não provada, o que configura uma contradição insanavel, porque tendo resultado provado no ponto 9 que foi FF quem solicitou a DD que o transportasse ao local onde iria proceder à reparação, tal facto, levaria o Tribunal a tomar uma decisão, diferente daquela que foi tomada, e que consiste, em afastar a responsabilidade criminal de DD, com fundamento no facto, de ser do conhecimento do sinistrado, as carateristicas do equipamento, e nomeadamente, o facto deste ser desadequado para elevar pessoas. 99ª Pelo que em relação aos pontos 4 e 24 a sentença recorrida padece do vício previsto na alínea b), n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.”

O vício da contradição insanável, tal como os demais previstos no nº 2 do artigo 410º, ocorre nas situações em que a simples leitura da decisão, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, permite concluir ter-se verificado a referida contradição insanável. Ora, na situação vertente, não detetamos tal contradição. Efetivamente, confrontando a sentença recorrida, nele se não descortina qualquer contradição lógica entre os factos provados, entre os factos provados e não provados – designadamente entre os identificados pelos recorrentes – nem entre aqueles e a decisão. Dito de outra forma, a conexão entre a factualidade que o tribunal recorrido julgou provada e não provada, os meios de prova em que se baseou e a criteriosa valoração que fez dos mesmos, não se apresenta como logicamente inaceitável, nem manifestamente errada.

Analisando mais de perto as situações sinalizadas pelos recorrentes – alegada contradição entre dar como provado que o sinistrado havia sido informado pela sua entidade empregadora relativamente às regras de segurança na realização de trabalhos em altura e a decisão de considerar que a conduta temerária daquele não exclui a responsabilidade dos arguidos BB e da empresa AA e alegada contradição entre os factos provados consignados nos pontos 33º a 37º e a alínea p) da matéria de facto tida como não provada (recurso dos arguidos BB e AA); alegada contradição entre o facto consignado no ponto 4º e a motivação da respetiva convicção probatória e entre o facto consignado no ponto 24º e a alínea k) dos factos não provados (recurso dos arguidos DD e CC) – parece-nos evidente que as invocadas contradições se não verificam.

Vejamos.

No que diz respeito às contradições invocadas pelos arguidos BB e AA, na verdade, referir-se, por um lado, que o sócio gerente da arguida AA impôs internamente uma regra específica de segurança para a realização de trabalhos em altura, regra que transmitiu a todos os seus funcionários e ainda que, numa anterior situação concreta, FF não observou tal regra (pontos 33. a 37.dos factos provados) e, por outro, que o sinistrado, na situação em causa neste autos, “não contactou a arguida AA, preferindo ceder à pressão do Arguido DD, arriscando assim a sua integridade física e a do colega, desobedecendo às ordens da sua entidade patronal no que respeita à forma de execução desse serviço, seja quanto à obrigatoriedade de utilização do arnês, seja quanto ao meio de elevação utilizado” (alínea p) dos factos não provados), não se nos afigura incompatível; não se trata da alegação de um facto e do seu contrário, trata-se, outrossim, da referência a realidades diversas, uma tida por provada (a referente às informações fornecidas pela entidade empregadora e à atitude do sinistrado numa situação concreta anterior, consignadas nos pontos 33. a 37.dos factos provados) e outra considerada não provada (a referente à concreta atitude do sinistrado na situação em causa nos presentes autos, que se consignou na alínea p) dos factos não provados).

Igualmente compaginável é a decisão de se considerar provado que o sinistrado havia sido informado pela sua entidade empregadora relativamente às regras de segurança na realização de trabalhos em altura e a decisão de considerar que a conduta temerária daquele não exclui a responsabilidade dos arguidos BB da empresa AA, uma vez que, independentemente da causa concreta da queda e do caráter temerário da conduta do sinistrado, a conduta omissiva da sua entidade empregadora, consubstanciada na violação das regras de segurança, sempre constituiu condição “sine qua non” do dano. Valem a este propósito as considerações acima expendidas acerca da teoria da causalidade adequada para sustentar a suficiência da matéria de facto provada para a decisão.

Quanto às contradições assinaladas no recurso dos arguidos DD e CC é, quanto a nós, igualmente manifesta a sua não verificação. Sustentam tais recorrentes que, consistindo o objeto social daquela sociedade no transporte rodoviário de mercadorias, armazenagem frigorífica e não frigorífica, manuseamento de cargas e transporte e comércio de carnes frescas, conforme resulta da certidão comercial permanente junta aos autos, ao dar como provado, com base em tal certidão e nas declarações do arguido DD, a matéria de facto descrita no ponto 4., o tribunal incorreu numa contradição insanável, uma vez que, alegadamente, as funções aí descritas, e atribuídas ao recorrente DD, na qualidade de gerente da CC, estarão fora do âmbito do objeto desta sociedade comercial. É, porém, a nosso ver, equívoco tal raciocínio, uma vez que, conforme expressamente se consignou na sentença “(…) o Arguido DD admitiu ser sócio gerente da sociedade Arguida CC, Lda., incumbindo-lhe a administração de toda a sua organização e funcionamento, motivo pelo qual se deu como provado o facto constante em 4.”. Ou seja, o tribunal recorrido sustentou o seu juízo probatório relativo às funções atribuídas ao arguido DD não na descrição do objeto social da empresa constante da certidão de registo comercial, mas sim no facto de o mesmo ser o sócio gerente da mesma, circunstância da qual, compreensivelmente e por recurso às regras da experiência comum, fez decorrer a convicção de que, à semelhança do que sucede com qualquer sócio gerente, lhe competia supervisionar, controlar e executar toda e qualquer atividade realizada em benefício e no interesse da pessoa coletiva, pelo que, legitimamente e sem incorrer em qualquer contradição, deu como provado que “4. O Arguido DD, desde a sua constituição, tem sido o seu gerente e representante legal, sendo que à data dos factos e também por força dessa qualidade, competia-lhe a supervisão, controlo e execução de toda a actividade realizada em benefício e no interesse da pessoa colectiva, incluindo aquisição, utilização, manutenção e conservação das instalações, equipamentos, máquinas e utensílios de trabalho, necessários à realização da laboração em fábrica e nas obras a cargo da pessoa colectiva, competindo-lhe ainda supervisão e controlo das condições de segurança em que os respectivos trabalhadores desempenhavam as suas funções.” Finalmente, no que diz respeito à alegada contradição entre o facto consignado no ponto 24º (“24. O equipamento elevatório mencionado em 11. e 12., já havia sido utilizado anteriormente por DD, em circunstâncias idênticas, para a elevação de FF à zona técnica.”) e a alínea k) dos factos não provados (“k) Por outro lado, com a utilização de um equipamento para elevação que nunca havia sido utilizado nos serviços prestados anteriormente pela Arguida AA à CC e que consistia num cesto de cor amarela, sem estrutura de encaixe nos garfos da empilhadora e que estava simplesmente colocado em cima das forquilhas.”), afigura-se-nos que a sua arguição só pode ter ficado a dever-se a mero lapso decorrente de uma deficiente leitura dos factos em causa, pois que nenhuma contradição pode existir entre dar-se como provado um facto (o equipamento elevatório já havia sido anteriormente por DD, em circunstâncias idênticas, para a elevação de FF à zona técnica) e como não provado o seu contrário (o equipamento nunca havia sido utilizado nos serviços prestados anteriormente pela Arguida AA à CC). Contradição existiria se ambos tivessem sido dados como provados, o que se não verificou.

E é tanto quanto se refere no acórdão recorrido nos pontos assinalados pelos recorrentes, quanto a nós sem qualquer contradição.

Não se verifica, pois, na sentença recorrida o apontado vício de contradição insanável a que se reporta o artigo 410.º, nº 2.º, alínea b) do CPP.

*** B) Do invocado erro na apreciação da prova a apreciar nos termos do disposto no artigo 412º do CPP. Os poderes de cognição dos Tribunais da Relação encontram-se expressamente consignados no artigo 428.º do CPP, dispondo o mesmo que “As Relações conhecem de facto e de direito”. Sabendo-se que os recursos mais não são do que remédios jurídicos de natureza processual, que se encontram vocacionados para verificar e corrigir erros de julgamento – quer os que resultam da violação de normas direito processual, quer os emergentes da não aplicação ou da aplicação incorreta de normas de direito substantivo – importa ter presente que no caso dos recursos sobre a matéria de facto, ao tribunal de recurso não cabe julgar novamente, devendo respeitar a liberdade de apreciação da prova que o legislador concedeu ao “juiz a quo”. Na situação dos autos, para além da alegação dos vícios previstos nas alíneas a) e b) do artigo 410º do CPP, a que acima nos reportámos, encontramo-nos perante uma impugnação ampla da matéria de facto, realizada com respeito pelo disposto no artigo 412.º do CPP. (5) Conforme decorre de tal norma legal, o erro de julgamento ocorre quando o tribunal considera provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova bastante, pelo que deveria ter sido considerado não provado; ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado. Porém, para a arguição de um erro de julgamento não é suficiente a invocação de mera divergência de entendimento do recorrente relativamente à convicção formada pelo julgador, uma vez que é a este que a lei atribui o poder de apreciar livremente as provas, o que deverá fazer de acordo com o disposto no artigo 127.º CPP, ou seja, com respeito pelo princípio da livre apreciação da prova, mas segundo parâmetros racionais controláveis. Assim, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspeto da mesma foi incorretamente julgado, o recorrente deverá indicar expressamente: tal aspeto; a prova em que apoia o seu entendimento; e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. Tais indicações constarão, pois, da motivação do recurso, que deverá ser elaborada de forma a permitir apontar ao Tribunal ad quem o que, na perspetiva do recorrente, foi mal julgado, oferecendo uma proposta de correção que possa ser avaliada pelo tribunal de recurso. E foi isso que os recorrentes fizeram nos presentes autos, tendo assinalado os factos que, em concreto, consideram erradamente julgados e tendo apresentado as provas em que sustentam o seu entendimento, quer transcrevendo parte dos depoimentos que entenderam relevantes, quer indicando as passagens da gravação que registam tais depoimentos.

***

Em breve nota sobre o princípio da livre apreciação da prova, que encontra consagração legal no artigo 127.º CPP e cujo respeito se revela essencial para a apreciação da impugnação da matéria de facto, diremos que a prova deverá ser apreciada atendendo às regras da experiência e segundo a livre convicção da entidade competente. Tal liberdade de apreciação da prova assenta em pressupostos valorativos e obedece aos critérios da razão, da lógica, da experiência comum e dos conhecimentos científicos disponíveis, tendo por referência a pessoa média suposta pela ordem jurídica, pelo que, de forma alguma, poderá confundir-se com arbítrio. Encontra-se a referenciada liberdade orientada para a objetividade, com vista a lograr obter a verdade validamente adquirida. A formação da convicção do julgador só será válida se for fundamentada e, desse modo, se tiver a capacidade de se impor aos seus destinatários através da demonstração do processo intelectual e lógico seguido para a afirmação da verdade dos factos, para além de dúvida razoável. (6)

*

Nos presentes autos, os recorrentes afirmam não ter sido produzida prova bastante demonstrativa da autoria dos factos atinentes aos crimes de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços agravado pelo resultado morte e de violação de regras de segurança também agravado pelo resultado morte pelos quais, respetivamente, foram condenados. Pretendendo impugnar a matéria de facto considerada provada pelo tribunal a quo, os recorrentes observaram as exigências legais necessárias à impugnação da matéria de facto constantes do artigo 412º, n.ºs 3 e 4 do CPP acima explicitadas, pois que:

- Indicaram os pontos concretos da sua discordância, concretamente os factos constantes dos pontos 19., 20., 25., 30. e 31. dos factos provados indicados no recurso interposto pelos arguidos BB e AA e os factos constantes dos pontos 4., 21., 23., 25., 30., 31. e 32. dos factos provados indicados no recurso interposto pelos arguidos DD e CC;

- Especificaram os pontos do suporte informático em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados de que se socorreram, passagens que transcreveram parcialmente nas suas motivações de recurso;

- E explicam as razões pelas quais, no seu entendimento, tais provas levariam a decisão diversa da recorrida. Desde já se adianta que, pese embora tenhamos analisado cuidadosamente as considerações apresentadas pelos recorrentes para fundamentar a sua discordância quanto ao juízo probatório exposto na decisão recorrida, cremos que não lhes assiste razão, pois que a prova produzida nos autos permite, a nosso ver, confirmar os termos da fixação factológica daquela constante.

Realizemos então a análise crítica das provas sobre as quais os recursos assentaram o invocado erro de julgamento, para o que se revela essencial atentar na forma como o tribunal a quo justificou a sua decisão quanto aos factos provados: “(… ) O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, na análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, valorada à luz das regras de experiência comum, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Cód. Proc. Penal.

O Tribunal teve em consideração toda a prova documental junta aos autos, nomeadamente, o certificado de óbito de fls. 16, a certidão de óbito de fls. 17, as fotografias do local do acidente de fls. 74 verso , 75 verso e 84, as fotografias do equipamento de elevação e cesto metálico de fls. 75, 76 verso e 85, o certificado de conformidade do empilhador de fls. 88, o relatório de inspecção geral periódica do empilhador de fls. 89, o manual de instruções de fls. 90 a 94, a avaliação de riscos profissionais de fls. 95 e 96, o relatório de acidente de trabalho de fls. 97 a 101, a certidão permanente de fls. 119 a 126, o contrato de trabalho de fls. 134 e 135, as facturas de fls. 252 e 253, o comprovativo de pagamento de fls. 254, a certidão permanente de fls. 266 a 272, o relatório médico de fls. 359, o registo de entrega de EPI de fls. 370, o documento de fls. 371 e as fotografias de fls. 372 a 374. Mais se teve em consideração o relatório de autópsia médico-legal de fls. 49 a 51 e relatório de química e de toxicologia forenses de fls. 52 e 53. O Tribunal ponderou ainda as declarações da legal representante da sociedade Arguida CC, Lda. e do Arguido DD e o depoimento das testemunhas II, GG, HH e JJ. O Arguido BB fez uso da prerrogativa de se remeter ao silêncio. Os factos constantes em 1. e 3. resultaram provados com base nas respectivas certidões comerciais permanentes juntas aos autos a fls. 119 a 126 e 266 a 272, das quais se extrai a data de constituição das sociedades comerciais e os respectivos objectos sociais. Das referidas certidões comerciais permanentes resulta ainda a identidade dos respectivos gerentes e representantes legais, cujo teor se mostrou corroborado pela restante prova produzida. Na verdade, o Arguido DD admitiu ser sócio gerente da sociedade Arguida CC, Lda., incumbindo-lhe a administração de toda a sua organização e funcionamento, motivo pelo qual se deu como provado o facto constante em 4. No que diz respeito à sociedade AA, Lda., o Tribunal teve em consideração o depoimento das testemunhas GG e HH, ambos trabalhadores da referida sociedade Arguida, que descreveram as funções exercidas pelo Arguido BB. Em face do depoimento consonante destas duas testemunhas, que corroboram o teor da certidão comercial permanente, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provado o facto constante em 2. O Tribunal teve em consideração o contrato de trabalho junto aos autos a fls. 134 e 135 – cujo teor se mostrou reforçado pelo depoimento das testemunhas GG e HH, que demonstraram ter conhecimento pessoal destes factos em face das funções que desempenhavam na sociedade Arguida AA – para dar como provado o facto constante em 5.

No que diz respeito ao facto constante em 6., atenderam-se às declarações da legal representada da sociedade Arguida CC e do Arguido DD, que o admitiram de forma espontânea, declarações que se mostraram confirmadas pelo depoimento da testemunha HH, coordenador da equipa técnica da sociedade Arguida AAr. Os factos constantes em 7. e 8. foram dados como provados com base no depoimento da testemunha II, ex-trabalhador da sociedade Arguida AA que participou na execução da obra em curso no dia dos factos, tendo, por este motivo, revelado especial conhecimento dos factos aqui em discussão. Esta testemunha descreveu em sede de audiência de julgamento os trabalhos que deviam executar, os trabalhadores envolvidos, os trabalhos já executados por FF, a sua concreta participação na obra, o local onde os mesmos se realizaram, o local por onde acederam, o material usado e o equipamento utilizado para os elevar. O depoimento prestado por esta testemunha mostrou-se consonante com as declarações prestadas pelo Arguido DD, que admitiu de forma livre e espontânea ter sido contactado por FF a solicitar-lhe que o transportasse, a si e à testemunha II, ao local onde iriam proceder à reparação, o que este fez com recurso ao empilhador eléctrico melhor descrito em 10. O Arguido DD admitiu igualmente que o cesto se encontrava apoiado nos garfos do empilhador sem qualquer fixação. A testemunha II explicou em sede de audiência de julgamento que foi necessário solicitar à sociedade Arguida AA mais material, que foi levado ao local por outro trabalhador, tendo, por esse motivo, FF descido do local onde se encontrava a ser realizada a reparação para buscar o material em causa, com recurso ao empilhador supra referido, manobrado pelo Arguido DD. O Arguido DD confirmou o depoimento da testemunha II, tendo acrescentado que, quando voltou a elevar o sinistrado com o material em falta, FF caiu do empilhador. De igual modo, II afirmou ter ouvido um estrondo e ter visto FF caído no solo, não tendo, no entanto, presenciado a queda. Considerando a descrição consonante dos factos aqui efectuada pela testemunha II e pelo Arguido DD, cujo depoimento não se mostrou contrariado por qualquer outro, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como provados os factos constantes em 9., 10., 12., 14. a 17. e 24. Relativamente à descrição do empilhador e às suas funções, o Tribunal teve em consideração o manual de instruções do mesmo junto aos autos, sendo certo que a legal representante da sociedade Arguida CC e o Arguido DD afirmaram ter pleno conhecimento que o referido empilhador se destinava exclusivamente ao transporte de mercadorias e que não possuíam autorização por escrito do fabricante para colocar um elemento adicional, mormente o cesto metálico utilizado para elevar os trabalhadores da sociedade Arguida AA. Em face de tais elementos probatórios, que não se mostraram contrariados por quaisquer outros, o Tribunal deu como provados os factos constantes em 11. e 13. Relativamente ao acesso ao local onde se encontravam a ser realizados os trabalhos aqui em causa, a testemunha II referiu peremptoriamente que o acesso se fazia por um alçapão que se situava a cerca de 5/6 metros de altura, por onde os trabalhadores efectivamente entraram, conforme fotografias juntas aos autos a fls. 74 verso, 75 verso e 84. Veio a testemunha HH referir que existia outro acesso ao referido local, que fica do lado oposto ao local da reparação, sendo necessário ultrapassar vários obstáculos para aí chegar, tal como vigas, sendo eventualmente necessário, em certas zonas, rastejar em face da exiguidade da altura. Considerando a descrição efectuada pela testemunha HH do acesso alternativo ao local da reparação e o material que era necessário transportar para proceder à reparação, não se pode afirmar que tal acesso fosse uma alternativa viável, já que não se mostra plausível e exigível aos trabalhadores da sociedade Arguida AA que se deslocassem de um lado ao lado oposto do edifício onde iria ser realizada a reparação, transpondo vigas e rastejando, e transportando uma mala de ferramentas, um maçarico pequeno, uma parafusadora eléctrica, o trabalho de solda anteriormente efectuado e umas varas de tubo de cobre com cerca de dois metros. Aliás, dir-se-á que esse acesso não cumpria os requisitos previstos no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, mormente que o estabelecido no seu n.º 5, que dispõe que o acesso a postos de trabalho em altura deve permitir a evacuação em caso de perigo iminente. Em suma, da conjugação da descrição efectuada do acesso alternativa e do material que se impunha transportar para a realização da obra com as regras da experiência comum e da lógica apenas se pode extrair que o acesso aqui aludido pela testemunha HH não era praticável. Tanto assim é que a testemunha II, que efectuou o trabalho, não tinha conhecimento do referido acesso. Na verdade, esta testemunha afirmou peremptoriamente só ter conhecimento daquele acesso, não tendo sido feita referência a qualquer outro acesso por parte do Arguido DD. Esta testemunha acrescentou que FF estava familiarizado com o acesso em questão, levando a crer que o mesmo já teria entrado por aquele acesso em anteriores reparações. A legal representante da sociedade Arguida CC afirmou igualmente de forma peremptória que o acesso utilizado pelo sinistrado era o único existente para o local onde foram realizados os trabalhos, em consonância com o referido pelo Arguido DD ao inspector da ACT que se deslocou no dia dos factos ao local. Assim sendo, em face da prova produzida, impõe-se concluir que o único acesso possível e adequado era aquele que se fazia pela parte externa, através de uma pequena entrada, a cerca de 6 metros de altura, motivo pelo qual se deu como provado o facto constante em 9. (parte final). O facto constante em 18. resultou provado com base relatório de autópsia médico-legal de fls. 49 a 51, cujo teor não se mostrou contrariado por qualquer outro elemento probatório. Refira-se que o Arguido DD asseverou que FF estava inconsciente quando embateu no solo mas respirava, tendo vindo a falecer posteriormente. Assim sendo, o Tribunal não teve quaisquer dúvidas que FF morreu em consequências das lesões traumáticas que sofreu na sequência da queda ocorrida no dia dos factos, sendo certo que tal conclusão não foi infirmada por qualquer elemento probatório. A testemunha II referiu peremptoriamente que não lhe foi dada qualquer formação para a realização de trabalhos em altura nem lhes foi disponibilizado qualquer equipamento para o efeito, nomeadamente plataformas elevatórias. Com efeito, resulta do supra exposto que FF e II foram elevados à porta de acesso ao local onde iriam realizar os trabalhos com recurso a um empilhador da sociedade Arguida CC, manobrado por DD, não possuindo os mesmos quaisquer outros equipamentos, mormente, plataformas elevatórias e arnês. Ora, considerando as funções desempenhadas pelo Arguido BB na sociedade Arguida AA, competia ao mesmo promover pelo cumprimento das regras de segurança adequadas aos trabalhos em altura, sendo certo que do depoimento prestado pelas testemunhas GG e HH não resultou que tais funções competissem a qualquer outra pessoa. Resulta do depoimento da testemunha II que as medidas de segurança necessárias a evitar quedas em alturas não foram adoptadas nesta obra em concreta. Considerando o teor do documento junto aos autos a fls. 371 dúvidas não restam que o Arguido BB tinha conhecimento das medidas de segurança necessárias para os trabalhos em altura, já que existia uma informação redigida pela sociedade Arguida AA a determinar que os trabalhos em altura acima de dois metros deviam ser realizados com recurso a plataformas elevatórias, o que não sucedeu neste caso. Impõe-se referir que, neste caso, as medidas segurança essenciais seriam a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual – arnês –, não bastando apenas um desses equipamentos, para além de ser igualmente essencial a promoção de formação aos trabalhadores para trabalhos em altura. Com efeito, a entrega de um arnês sem a respectiva formação não se mostra suficiente e eficaz. Ou seja, a simples entrega ao trabalhador de um arnês sem a disponibilização de uma plataforma elevatória e sem a promoção da formação seria sempre insuficiente para se considerarem cumpridas as medidas de segurança necessárias ao trabalho em causa. Do supra exposto resulta que BB, na qualidade de legal representante da sociedade Arguida AA, tinha conhecimento, em abstracto, das medidas de segurança necessárias a implementar em caso de trabalhos em altura – já que o próprio assinou uma informação destinada aos trabalhadores nesse sentido –, competindo-lhe cumprir e fiscalizar o cumprimento de tais regras em face das funções que desempenhava, regras estas que não foram cumpridas na obra aqui em análise. A legal representante da sociedade Arguida CC referiu peremptoriamente que o Arguido BB esteve presente no local da obra na véspera do acidente. De igual modo, o Arguido DD asseverou que o Arguido BB esteve no local juntamente com o falecido a discutir a obra que estava a ser realizada, sendo certo que o sinistrado já tinha iniciado a obra 2/3 dias antes. Tendo o Arguido BB estado presente no local da obra na véspera do acidente e falado com o próprio sinistrado sobre a reparação que este estava a efectuar, o Arguido BB tinha forçosamente conhecimento da execução da obra, competindo-lhe, nessa ocasião, adoptar todos os cuidados necessários para aferir se as medidas de segurança estavam a ser cumpridas. Urge referir que a testemunha GG esclareceu em sede de audiência de julgamento que FF era um óptimo funcionário tecnicamente mas que já incumprira, numa outra obra, as medidas de segurança impostas pela sociedade Arguida AA quanto à utilização da plataforma elevatória, situação que foi comunicada ao Arguido BB. Considerando o anterior comportamento adoptado pelo trabalhador FF, que era do conhecimento do Arguido BB, impunha-se-lhe um maior cuidado no sentido de aferir se as medidas de segurança a implementar naquele caso em concreto estavam a ser cumpridas. Diga-se ainda que a sociedade CC já era cliente da sociedade AA há três anos, já tendo procedido a várias reparações, umas efectuadas em altura. Tanto assim é que a testemunha II asseverou que FF estava familiarizado com o acesso ao local das reparações, daqui se extraindo que o mesmo já acedera por aquele local noutras ocasiões. Uma vez que já tinham sido efectuadas várias reparações nas instalações da sociedade Arguida CC, umas delas em altura, era exigível ao legal representante da sociedade Arguida AA representar que esta obra era igualmente efectuada em altura, até porque o mesmo esteve no local, sendo visível a qualquer um o local de acesso à obra.

Considerando a relação comercial existente entre as duas sociedades Arguidas (3 anos), a circunstância de FF já estar familiarizado com o acesso ao local das reparações e o facto de o Arguido BB ter conhecimento das instalações da sociedade Arguida CC, tendo-se aí deslocado na véspera do acidente e discutido com o falecido a reparação em causa, terá forçosamente de se concluir que o Arguido BB tinha conhecimento da obra concreta em causa, competindo-lhe, assim, tomar todas as providências necessárias à verificação e ao efectivo cumprimento das normas de segurança. Tanto assim é que o Arguido BB solicitou a outro trabalhador que se deslocasse à obra aqui em causa para ajudar o sinistrado. Assim dúvidas não restam que os concretos termos da obra foram discutidos com o referido Arguido, o qual não podia deixar de ignorar o local onde a mesma se estava a realizar e o consequente risco de queda em altura. Acresce que, considerando o anterior comportamento adoptado pelo sinistrado e que era do seu conhecimento directo e pessoal, cabia-lhe um especial dever de cuidado para assegurar que o mesmo efectivamente cumpria todas as regras de segurança ali aplicáveis, o que, conforme referido supra, não o foram. Assim sendo, ao não implementar as medidas protectivas colectivas e individuais necessárias à realização da obra aqui em causa, apenas se pode concluir que o Arguido BB não agiu com o cuidado a que se encontrava adstrito. Da conjugação da factualidade dada como provada com as regras da experiência comum resulta igualmente que o Arguido DD não agiu com o cuidado a que estava adstrito, o que o próprio acabou por admitir em sede de audiência de julgamento, já que afirmou ter agido por facilitismo. Com efeito, o Arguido DD admitiu ter utilizado um empilhador que sabia não ser destinado ao transporte de pessoas para elevar o trabalhador FF ao único acesso ao local onde iriam realizar a reparação, que sabia ficar a uma altura de seis metros. Ao agir da forma descrita, sendo consabido o risco de queda a uma altura de cerca de seis metros e que dessa queda pode resultar a morte de uma pessoa – risco que o Arguido DD não podia ignorar – apenas se pode concluir que o mesmo não agiu com o cuidado a que estava adstrito. Da prova produzida em sede de audiência de julgamento nada indicia que os Arguidos não tivessem plena capacidade de entendimento. Tendo agido da forma descrita não obstante ter conhecimento que deviam implementar medidas legalmente obrigatórias e que colocavam em risco a vida de FF, apenas se pode concluir que os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Em suma, cotejados todos os elementos probatórios entre si e com as regras da experiência comum e da lógica, o Tribunal entendeu que a prova produzida era suficiente para dar como provados os factos constantes em 19. a 23. e 30. a 32. É verdade que, no que concerne a tais factos, o Tribunal formou a sua convicção através do recurso a prova indirecta, o que se mostra legalmente admissível. Com efeito, para a prova dos factos em processo penal, é legítimo o recurso à prova indirecta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial, com virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência. Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º, do Cód. Proc. Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções, em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. – Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 2012, processo n.º 443/09.4PEOER.L1-5, disponível in dgsi.pt. Assim sendo, o juízo formado pelo Tribunal com recurso à chamada prova indiciária é tão sólido quanto aquele a que chegaria caso dispusesse de prova directa, o que consabidamente nem sempre está ao alcance do julgador. Ora, dúvidas não restam que caso os Arguidos tivessem implementadas as medidas de segurança adequadas para o efeito, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês, dando a FF a devida formação, ter-se-ia evitado a sua queda e, consequentemente, a sua morte. Na verdade, e conforme referido supra, dúvidas não restam que a morte de FF se deveu à sua queda. Também não restam dúvidas que FF caiu, pese embora não se tenha aferido o motivo da sua queda, nomeadamente, se endógena ou exógena. Independentemente do motivo subjacente à queda, a mesma teria sido evitada se fossem implementadas as medidas de segurança supra referidas supra, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês. Assim sendo, tendo FF caído e não tendo sido implementadas as medidas de segurança necessárias para o evitar – medidas estas que incumbiam ao Arguido BB na qualidade de entidade patronal e ao Arguido DD a partir do momento em que decidiu participar na execução da obra –, impõe-se concluir que a queda de FF e as lesões consequentemente sofridas por este, que causaram a sua morte, só aconteceram por causa das condutas levadas a cabo pelos Arguido. Assim sendo, o Tribunal decidiu dar como provado o facto constante em 25. Os factos constantes em 26. a 29. resultaram provados com base na documentação junta aos autos a fls. 95 a 101.

No que concerne aos factos constantes em 33. a 38., o Tribunal teve em consideração o depoimento da testemunha GG, que se mostrou corroborado pelo teor dos documentos juntos aos autos a fls. 371 a 374. As condições socio económicas dos Arguidos e das sociedades Arguidas foram dados como provados com base nas declarações prestadas por estes e pelas declarações prestadas pela legal representante da sociedade Arguida CC, que nos pareceram sinceras e como tal credíveis. No que concerne aos antecedentes criminais registados, atendeu-se ao teor dos certificados do registo criminal juntos aos autos. O facto constante em a) resultou não provado em face da total ausência de prova, na medida em que não foi feita qualquer prova testemunhal quanto ao mesmo. No que diz respeito ao facto constante em b), o Tribunal entendeu que a prova produzida era insuficiente, na medida em que as testemunhas GG e HH referiram que o arnês é entregue individualmente a cada técnico e que é da sua responsabilidade, depoimentos que se mostraram reforçados pelo teor do documento junto aos autos a fls. 370. Os factos constantes em c) a r) foram dados como não provados em face da total ausência de prova, na medida em que não foi feita qualquer prova testemunhal quanto aos mesmos.(…)”

*

Na motivação transcrita, após anunciar que “(…) O Tribunal formou a sua convicção, para a determinação da matéria de facto dada como provada, na análise crítica e conjugada da totalidade da prova produzida, valorada à luz das regras de experiência comum, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Cód. Proc. Penal. (…)”, o julgador deu conta de que, para formação da sua convicção probatória, atendeu a todos os meios de prova disponíveis – documentos, declarações e depoimentos – tendo nos parágrafos subsequentes cuidado de definir o valor probatório conferido a cada um deles, quer em termos absolutos, quer articuladamente na sua relação como os demais. E fê-lo, de forma clara, completa, com exposição dos raciocínios subjacentes ao seu processo de convencimento, em termos absolutamente percetíveis e que não nos merecem reparo.

Efetivamente, analisado o conjunto da prova produzida nos autos – registando-se que procedemos à audição integral de todas as sessões da audiência de julgamento – criámos convicção segura de que os factos impugnados deverão manter-se nos factos provados em virtude de se encontrarem suportados por prova bastante.

Começamos por registar que a motivação transcrita reflete, de forma fidedigna, o que foi relatado em audiência por cada um dos intervenientes processuais que aí foram ouvidos, concretamente o arguido DD, a legal representante da empresa CC e as testemunhas. Nenhum dos arguidos assumiu a responsabilidade pela prática dos factos que lhes vêm imputados e que foram tidos por provados, pretendendo os mesmos atribuir relevância à conduta do sinistrado e afirmando, concomitantemente, que se não encontram provados os factos integradores dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos das condenações. Sucede, porém, que a análise atenta da prova produzida permite-nos constatar encontrar-se demonstrada a responsabilidade que os arguidos insistem em rejeitar, sufragando-se totalmente a convicção probatória a tal propósito exposta na motivação da sentença recorrida.

As questões colocadas pelos recorrentes reportam-se à alegada inexistência de prova suficiente para se formar convicção probatória, total ou parcial, quanto aos factos constantes dos seguintes pontos dos factos provados:

- “4. O Arguido DD, desde a sua constituição, tem sido o seu gerente e representante legal, sendo que à data dos factos e também por força dessa qualidade, competia-lhe a supervisão, controlo e execução de toda a actividade realizada em benefício e no interesse da pessoa colectiva, incluindo aquisição, utilização, manutenção e conservação das instalações, equipamentos, máquinas e utensílios de trabalho, necessários à realização da laboração em fábrica e nas obras a cargo da pessoa colectiva, competindo-lhe ainda supervisão e controlo das condições de segurança em que os respectivos trabalhadores desempenhavam as suas funções.(recurso dos arguidos BB e AA)

20. Não obstante, na qualidade de representante legal da sociedade AA, entidade empregadora daquele e actuando em seu nome e interesse, não cuidou de promover qualquer acção de formação em matérias de Segurança e Saúde no Trabalho a FF e II, não os informando dos riscos a que estavam expostos no desempenho da sua actividade profissional, nomeadamente o risco de queda em altura, não implementando a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual adequado – arnês -, não tendo disponibilizados as primeiras, não tendo promovido a formação aos trabalhadores para trabalhos em altura e utilização de plataformas elevatórias. (recurso dos arguidos BB e AA)

21. Por seu turno, o Arguido DD, actuando em nome e no interesse da sociedade CC, conhecedor também dos riscos que envolviam a actividade profissional de FF, até por saber a altura a que se encontrava a zona técnica – a cerca de 6 metros - e o único acesso à mesma, não se inibiu de utilizar equipamento elevatório desadequado, porque destinado apenas e só ao transporte de materiais, acoplando um cesto metálico nos garfos do equipamento, apesar de tal elemento adicional não ter sido autorizado pelo fabricante ou pelas autoridades locais, não cuidando ainda de proceder à sua fixação, (recurso dos arguidos DD e CC)

23. não cuidando de instalar plataforma elevatória certificada para acesso à zona técnica. (recurso dos arguidos DD e CC)

25. A queda de FF e as lesões consequentemente sofridas pelo mesmo, que causaram a sua morte, só aconteceram por causa das descritas condutas levadas a cabo pelo Arguido BB e pelo Arguido DD, levadas a cabo de forma voluntária e consciente. (ambos os recursos)

30. Conscientes que, por força dos trabalhos levados a cabo por FF e II, nas instalações da Arguida CC, havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros e que dessa queda poderia resultar a morte daqueles, o que veio a suceder com FF, actuaram convictos de que esta não sobreviria, omitindo cada um dos Arguidos BB e DD os procedimentos a que estavam obrigados e que se impunham, tendo em vista evitar aquele resultado. (ambos os recursos)

31. Os arguidos BB e DD, actuando também em nome e no interesse das sociedades por si representadas – AA e CC, respectivamente -, previram e quiseram não proceder com o cuidado devido, a que estavam obrigados e de que eram capazes, atentos os conhecimentos que tinham da actividade profissional desempenhada por FF e II e os riscos a que estes estavam expostos, nomeadamente, de queda em altura, riscos esses que não foram adequadamente valorizadas por aqueles. (ambos os recursos)

32. Conhecia cada um deles o carácter proibido da sua conduta e, não obstante terem capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiram de a levar a cabo.(…).” (recurso dos arguidos DD e CC)

Os recorrentes sustentam a invocação de erro de julgamento da matéria de facto na pretensa inexistência de prova demonstrativa da aludida factualidade ou na alegada existência de prova que a contraria. Mas não têm razão.

A leitura da sentença permite-nos apreender o que levou o tribunal a decidir no sentido da existência de prova bastante dos referidos factos, encontrando-se exposto o raciocínio racional e lógico dedutivo subjacente a tal decisão. Aí se encontra explicado por que razão o tribunal recorrido, por referência à lógica e por apelo racional às regras de experiência comum, entendeu que a prova documental, concatenada com o conteúdo das declarações dos arguidos e dos depoimentos das várias testemunhas ouvidas em julgamento, constituiu suporte adequado e suficiente para assentar no elenco factual agora posto em causa.

Ademais, não corresponde à verdade que “a prova indiciária a que o Tribunal a quo recorreu foi indevidamente apreciada à luz das regras da lógica e da experiência comum”, nem que o tribunal não tenha sido “cauteloso” quando valorou as declarações do coarguido DD para sustentar a prova dos factos que suportam a condenação dos arguidos BB e AA, conforme estes últimos referem no seu recurso, nem tão pouco que “o Tribunal a quo acabou por condenar os arguidos, porque partiu de uma premissa errada, quando se socorreu da teoria da adequação”, como alegam os arguidos DD e CC.

Subscrevemos integralmente a linha argumentativa exposta na decisão, concretamente no excerto contendo a motivação do juízo probatório, que transcrevemos – quer no que diz respeito à credibilidade das declarações e dos depoimentos aí identificados, quer no que tange à inverosimilhança das versões dos recorrentes, mormente atendendo às explicações que as contrariam assinaladas na decisão – para formar convicção probatória segura relativamente à veracidade dos factos tidos por provados e que se encontram impugnados nos recursos.

Na verdade, ao contrário do que referem os recorrentes BB e AA, não resulta do conjunto da prova produzida qualquer dúvida razoável que legitime a convocação do princípio do “in dubio pro reo” relativamente ao conhecimento por parte do primeiro no que diz respeito à natureza dos trabalhos a realizar pelo sinistrado no dia do acidente, máxime, no que diz respeito à circunstância de os mesmos deverem ser realizados em altura. Ficou claro, de outra sorte, que o arguido BB, atuando na qualidade de legal representante da arguida AA, devidamente informado acerca do trabalho técnico solicitado pela arguida CC a realizar a uma altura de cerca de seis metros do solo, a mais de não ter dado a formação adequada aos seus trabalhadores, consciente e deliberadamente, optou por não providenciar, como era seu dever, pela disponibilização aos mesmos dos equipamentos de proteção individual (EPI´s) e pelas medidas de proteção coletiva necessários à realização em segurança do trabalho em causa, não lhes tendo fornecido arnês nem a plataforma elevatória devidamente certificada e adequada para elevar pessoas.

É, quanto a nós, manifesta a prova de tais factos, atendendo não só à confirmação, por parte da legal representante da CC e do arguido DD, da presença do arguido BB no local onde os trabalhos foram realizados – o que terá ocorrido na véspera do sinistro – mas também atendendo à circunstância de ser usual a prestação de tal tipo de serviços pela AA à CC, serviços que implicavam a realização de trabalhos em altura, em cuja execução havia sido noutras ocasiões utilizado o sistema de elevação que deu causa ao sinistro. E nem se diga, como afirmam os recorrentes BB e AA para obstar a tal juízo probatório, que existia outra forma de aceder à zona técnica onde foram realizados os trabalhos, ou que as declarações dos coarguidos DD e EE (esta na qualidade de legal representante da CC) não se revelaram suficientes para sustentar a prova dos aludidos factos em virtude se enquadrarem numa estratégia de defesa baseada no interesse da sua exculpação mediante a incriminação dos demais arguidos.

Quanto ao acesso à zona técnica, o alegado acesso alternativo ao local da reparação referido pela testemunha HH não se mostra uma alternativa viável, como bem se explica na sentença recorrida, nos seguintes termos “(…)Relativamente ao acesso ao local onde se encontravam a ser realizados os trabalhos aqui em causa, a testemunha II referiu peremptoriamente que o acesso se fazia por um alçapão que se situava a cerca de 5/6 metros de altura, por onde os trabalhadores efectivamente entraram, conforme fotografias juntas aos autos a fls. 74 verso, 75 verso e 84.

Veio a testemunha HH referir que existia outro acesso ao referido local, que fica do lado oposto ao local da reparação, sendo necessário ultrapassar vários obstáculos para aí chegar, tal como vigas, sendo eventualmente necessário, em certas zonas, rastejar em face da exiguidade da altura.

Considerando a descrição efectuada pela testemunha HH do acesso alternativo ao local da reparação e o material que era necessário transportar para proceder à reparação, não se pode afirmar que tal acesso fosse uma alternativa viável, já que não se mostra plausível e exigível aos trabalhadores da sociedade Arguida AA que se deslocassem de um lado ao lado oposto do edifício onde iria ser realizada a reparação, transpondo vigas e rastejando, e transportando uma mala de ferramentas, um maçarico pequeno, uma parafusadora eléctrica, o trabalho de solda anteriormente efectuado e umas varas de tubo de cobre com cerca de dois metros. Aliás, dir-se-á que esse acesso não cumpria os requisitos previstos no artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, mormente que o estabelecido no seu n.º 5, que dispõe que o acesso a postos de trabalho em altura deve permitir a evacuação em caso de perigo iminente.

Em suma, da conjugação da descrição efectuada do acesso alternativa e do material que se impunha transportar para a realização da obra com as regras da experiência comum e da lógica apenas se pode extrair que o acesso aqui aludido pela testemunha HH não era praticável.

Tanto assim é que a testemunha II, que efectuou o trabalho, não tinha conhecimento do referido acesso. Na verdade, esta testemunha afirmou peremptoriamente só ter conhecimento daquele acesso, não tendo sido feita referência a qualquer outro acesso por parte do Arguido DD. Esta testemunha acrescentou que FF estava familiarizado com o acesso em questão, levando a crer que o mesmo já teria entrado por aquele acesso em anteriores reparações.

A legal representante da sociedade Arguida CC afirmou igualmente de forma peremptória que o acesso utilizado pelo sinistrado era o único existente para o local onde foram realizados os trabalhos, em consonância com o referido pelo Arguido DD ao inspector da ACT que se deslocou no dia dos factos ao local.

Assim sendo, em face da prova produzida, impõe-se concluir que o único acesso possível e adequado era aquele que se fazia pela parte externa, através de uma pequena entrada, a cerca de 6 metros de altura, motivo pelo qual se deu como provado o facto constante em 9. (parte final).(…)”.

Quanto à valoração das declarações dos coarguidos, nenhum mérito reconhecemos à argumentação dos recorrentes, não apenas porquanto nenhuma outra prova foi produzida em julgamento que contrariasse o conteúdo de tais declarações (7), mas também porque a incriminação dos coarguidos não retiraria a responsabilidade criminal dos declarantes. De facto – e pese embora entre os crimes de violação das regras de segurança e de infração de regras de construção, previstos nos artigos 152.º-B do CP e 277.º do CP, exista uma relação de subsidiariedade, descortinando-se nas respetivas previsões uma relevante zona de sobreposição e uma convergência quanto ao bem jurídico protegido, qual seja a integridade física e vida do trabalhador por conta de outrem (8) – no caso dos autos, sendo os dois crimes imputados a pessoas diferentes, os mesmos são autónomos e não se excluem reciprocamente, conforme aliás, se atesta pelas condenações constantes da sentença recorrida. Consideramos, pois, ao contrário do que parece entender o recorrente, e em linha com as posições que vêm sendo defendidas na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores, que o tribunal recorrido valorou, correta e cuidadosamente as declarações dos coarguidos, constituindo estas um meio de prova absolutamente válido – ainda que não se encontre corroborado por qualquer outro meio de prova – garantido que seja o direito ao contraditório quanto ao seu conteúdo e desde que valorado com respeito do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º do CP.(9)

Note-se que a valoração das declarações dos coarguidos se mostra conforme às regras de direito probatório acolhidas no nosso processo penal, quer em termos de aquisição da prova – uma vez que a lei processual penal não exclui a admissibilidade das declarações do coarguido contra o outro coarguido, prevendo apenas o artigo 133º do C.P.P. o impedimento do seu depoimento na qualidade de testemunha relativamente ao mesmo crime ou crime conexo – quer do ponto de vista da sua valoração, não prevendo a lei de processo qualquer regra de corroboração necessária – limitando-se o artigo 345º nº4 do CPP a acolher uma proibição de valoração das declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando se recuse a responder a perguntas ou esclarecimentos nos termos dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo 345º. Na situação dos autos, nenhum destes casos se verifica, nem os recorrentes os invocam.

Bem andou, pois, o tribunal a quo ao considerar provados os factos constantes dos pontos 19. e 20. da matéria de facto provada.

No que diz respeito à impugnação dos factos consignados nos pontos 4., 21. e 23. da matéria de facto provada, nenhuma razão assiste aos recorrentes DD e CC.

Quanto às funções e competências do primeiro descritas no ponto 4., recuperamos tanto quanto afirmámos já a propósito do conhecimento do vício da contradição insanável, ou seja, o tribunal recorrido sustentou o seu juízo probatório relativo às funções atribuídas ao arguido DD não na descrição do objeto social da empresa constante da certidão de registo comercial, mas sim no facto de o mesmo ser o sócio gerente da mesma, circunstância da qual, compreensivelmente e por recurso às regras da experiência comum, fez decorrer a convicção de que, à semelhança do que sucede com qualquer sócio gerente, lhe competia supervisionar, controlar e executar toda e qualquer atividade realizada em benefício e no interesse da pessoa coletiva.

A impugnação dos pontos 21. e 23. não faz, a nosso ver, qualquer sentido, conquanto em tais pontos apenas se consignou o que foi inclusivamente admitido pelo próprio arguido DD, ou seja, que o mesmo, atuando em nome e no interesse da sociedade CC, conhecendo os riscos que envolviam a atividade profissional de FF – até por saber que a zona técnica se encontrava a cerca de 6 metros do chão – não se inibiu de utilizar equipamento elevatório desadequado, que sabia ser destinado apenas e só ao transporte de materiais, acoplando um cesto metálico nos garfos do equipamento, apesar de tal elemento adicional não ter sido autorizado pelo fabricante ou pelas autoridades locais, não tendo cuidando de proceder à sua fixação, nem de instalar plataforma elevatória certificada para acesso à zona técnica. Nas declarações que prestou em julgamento admitiu, aliás, o arguido DD que, na execução do serviço que gerou o acidente, como na execução de outros serviços anteriores, se verificou o que apelidou de facilitismo. Manter-se-ão, pois, nos factos provados os factos constantes dos pontos 4. 21. e 23. da matéria de facto provada.

Finalmente, no que tange ao bloco de factos impugnados em ambos os recursos – os constantes dos pontos 25., 30., 31. e 32. da matéria de facto provada – respeitantes ao nexo de causalidade entre as condutas dos arguidos e a queda do sinistrado (ponto 25.), aos elementos subjetivos dos tipos (pontos 30. e 31.) e à consciência da ilicitude (ponto 32.), sufragamos o raciocínio lógico dedutivo explicitado na sentença, quer no que tange à aplicação da teoria da causalidade adequada – relativamente à qual nos pronunciámos já alongadamente acima – subjacente à motivação da convicção probatória do facto constante do ponto 25., quer no que diz respeito às inferências realizadas no âmbito da valoração da prova por presunção para sustentar a prova dos factos consignados nos pontos 30., 31. e 32.. De facto, tal como se refere na sentença “(…) Da prova produzida em sede de audiência de julgamento nada indicia que os Arguidos não tivessem plena capacidade de entendimento.

Tendo agido da forma descrita não obstante ter conhecimento que deviam implementar medidas legalmente obrigatórias e que colocavam em risco a vida de FF, apenas se pode concluir que os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Em suma, cotejados todos os elementos probatórios entre si e com as regras da experiência comum e da lógica, o Tribunal entendeu que a prova produzida era suficiente para dar como provados os factos constantes em 19. a 23. e 30. a 32.

É verdade que, no que concerne a tais factos, o Tribunal formou a sua convicção através do recurso a prova indirecta, o que se mostra legalmente admissível. Com efeito, para a prova dos factos em processo penal, é legítimo o recurso à prova indirecta, também chamada prova indiciária, por presunções ou circunstancial, com virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência. Uma vez que em processo penal são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei (artigo 125.º, do Cód. Proc. Penal), delas (das provas admissíveis) não pode ser excluída a prova por presunções, em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) alicerçado em regras da experiência comum que permite chegar, sem necessidade de uma averiguação casuística, a um resultado verdadeiro. – Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Julho de 2012, processo n.º 443/09.4PEOER.L1-5, disponível in dgsi.pt.

Assim sendo, o juízo formado pelo Tribunal com recurso à chamada prova indiciária é tão sólido quanto aquele a que chegaria caso dispusesse de prova directa, o que consabidamente nem sempre está ao alcance do julgador.

Ora, dúvidas não restam que caso os Arguidos tivessem implementadas as medidas de segurança adequadas para o efeito, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês, dando a FF a devida formação, ter-se-ia evitado a sua queda e, consequentemente, a sua morte.

Na verdade, e conforme referido supra, dúvidas não restam que a morte de FF se deveu à sua queda. Também não restam dúvidas que FF caiu, pese embora não se tenha aferido o motivo da sua queda, nomeadamente, se endógena ou exógena.

Independentemente do motivo subjacente à queda, a mesma teria sido evitada se fossem implementadas as medidas de segurança supra referidas supra, mormente a utilização de uma plataforma elevatória e de um arnês.

Assim sendo, tendo FF caído e não tendo sido implementadas as medidas de segurança necessárias para o evitar – medidas estas que incumbiam ao Arguido BB na qualidade de entidade patronal e ao Arguido DD a partir do momento em que decidiu participar na execução da obra –, impõe-se concluir que a queda de FF e as lesões consequentemente sofridas por este, que causaram a sua morte, só aconteceram por causa das condutas levadas a cabo pelos Arguido.

Assim sendo, o Tribunal decidiu dar como provado o facto constante em 25.(…)”

São tais as razões que justificam que os factos constantes dos pontos 25., 30., 31. e 32. sejam mantidos nos factos provados, sendo que a clareza e completude do excerto transcrito nos dispensa de aduzir quaisquer outras considerações no sentido de motivar a sua convicção probatória.

Comungamos, pois, da convicção exposta na sentença recorrida no sentido de entender que a prova documental e testemunhal produzida nos autos se revelou idónea e suficiente para sustentar a prova de todos os factos tidos por provados, restando concluir que as circunstâncias de facto reveladas pela prova existente no processo e enunciadas na decisão permitem estabelecer que os arguidos foram os autores das atuações ilícitas ali descritas, improcedendo totalmente as teses propugnadas nos recursos. Deverão, pois, manter-se nos factos provados os factos impugnados pelos recorrentes, nenhuma censura nos merecendo o juízo probatório realizado pelo tribunal “a quo”, nada havendo a alterar a tal respeito.

* Atentando na factualidade apurada nos autos, resulta evidente que a construção jurídica exposta na decisão recorrida é a correta, não podendo deixar de conduzir à condenação dos arguidos pela prática dos crimes de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte e de violação de regras de segurança previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea a), 285º e 11.º, n.º 2, alínea a) do Código Penal, 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b) do DL nº 50/2005, de 25/02 e pelos artigos 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a), 10º, nº 1 e 11.º, n.º 2, alínea a) todos do Código Penal e 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02, nos termos aí explicitados. Escusamo-nos neste ponto do juízo decisório a analisar com maior detalhe os elementos dos tipos legais imputados aos arguidos, não só atendendo à circunstância de a sentença recorrida conter uma ampla e exaustiva explanação teórica sobre os mesmos – pelo que se revelaria redundante e fastidioso repeti-la – mas também, e principalmente, porquanto a improcedência das impugnações da matéria de facto apresentada nos recursos, faz soçobrar a tese do não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos defendida pelos arguidos, conquanto a mesma assentava na alteração factual que não mereceu acolhimento. Fundamentou o tribunal “a quo” quanto à subsunção dos factos ao direito nos termos que passamos a transcrever: “(…) 4. Aspecto Jurídico da causa 4.1 Enquadramento jurídico-penal Apurado o quadro factual com interesse para a decisão da causa, importa subsumi-lo ao respectivo enquadramento jurídico, apurando, designadamente, se: - a conduta dos dois primeiros Arguidos preenche ou não a prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02 e ainda no que concerne à sociedade Arguida nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Penal; e - a conduta dos demais Arguidos preenche ou não a prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte, p. p. pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea b), in fine, e 285º, do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02 e no que concerne à sociedade Arguida nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Penal. *

1. Crime de violação de regras de segurança

Comete um crime de violação de regras de segurança quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde. Os bens jurídicos protegidos pela presente norma prendem-se com a vida, a integridade física e a saúde psíquica ou mental do trabalhador por conta de outrem. Estamos perante um crime específico próprio, pressupondo este tipo de crime uma relação de subordinação laboral. O agente deste crime é a pessoa que detém uma posição de domínio sobre o trabalhador, no âmbito da actividade (trabalho) por este exercida, e sobre a qual recai a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho, previstas pelas respectivas disposições legais, regulamentares ou técnico profissionais, sendo sujeito passivo o respectivo trabalhador/empregado. – Neste sentido, Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, página 543.

Trata-se de um crime de perigo concreto, já que supõe a sujeição do trabalhador a uma situação de perigo concreto de lesão da vida ou de lesão grave da integridade física ou da saúde do trabalhador, sendo que, neste caso, a sujeição do trabalhador à realização de uma actividade manifestamente perigosa (para a vida, integridade física ou saúde) sem serem observadas as respectivas regras ou condições de segurança (isto é, eliminadoras ou minimizadoras do perigo) já co-envolve e constitui um efectivo perigo; o que significa que basta provar a sujeição do trabalhador à pratica da actividade perigosa e a não observância das condições em que essa actividade pode ser exercida. – idem. Em suma, o crime de violação de regras de segurança é um crime de perigo concreto, específico, omissivo e de violação de dever de garante que que recai sobre a pessoa a quem incumbe directamente evitar a violação do bem jurídico penalmente protegido. – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04/04/2013, processo n.º 58/08.4GCSTB-E1, disponível in www.dgsi.pt. Importa referir que atentos os bens jurídicos protegidos em sede penal, a expressão “trabalhador” contida na tipicidade do ilícito agora em apreço, ultrapassa, sem dúvidas, o recorte jurídico da figura enquanto qualificativa de uma relação laboral típica, apurada em sede da jurisdição do trabalho, sendo suficiente, para o preenchimento da tipicidade que, na ocasião a vitima esteja no cumprimento de ordens, desenvolvendo uma actividade no interesse exclusivo ou seja sem qualquer altruísmo ou amizade ou qualquer outra motivação psicológica de cariz voluntário daquele que está obrigado a observar a necessidade de implementar as regras de segurança necessárias para o cabal desempenho da tarefa que solicitou. – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17/02/2016, processo n.º 169/12.1GBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt. O crime previsto no n.º 1 exige o dolo: dolo em relação à não observância das regras legais e regulamentares; e dolo em relação ao perigo que a actividade imposta ao trabalhador implica para a vida, integridade física ou saúde deste, quando não são cumpridas aquelas regras. - Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, página 543. Da factualidade dada como provada resulta que, no âmbito da sua actividade, a sociedade AA, representada pelo seu sócio gerente, o Arguido BB celebrou, em 4 de Julho de 2016, um contrato de trabalho a termo resolutivo com FF, admitindo-o ao seu serviço com a categoria profissional de técnico de frio, contrato esse que se encontrava em vigor à data de 9 de Maio de 2019. Considerando a natureza do contrato celebrado com a sociedade Arguida AA, dúvidas não restam que FF assume a qualidade de trabalhador da sociedade Arguida. Da prova produzida resulta que, no âmbito da sua actividade profissional, FF deslocou-se às instalações da sociedade Arguida CC para proceder à reparação do sistema de refrigeração de uma câmara frigorifica, cujo local se situava na parte de trás da unidade, sendo o único acesso efectuado pela parte externa, através de uma pequena entrada, a cerca de 6 metros de altura. Considerando que a altura da entrada de acesso do local onde devia ser feita a reparação, impunha-se a implementação de medidas protetivas colectivas e individuais para evitar riscos de queda. Com efeito, nos termos do disposto no artigo 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro, na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras. Os equipamentos de trabalho de elevação ou transporte de trabalhadores devem permitir evitar os riscos de queda do habitáculo, se este existir, por meio de dispositivos adequados e evitar os riscos de queda do utilizador para fora do habitáculo, se este existir (cfr. artigo 24.º, n.º 1, alíneas a) e b) do referido preceito lega). Resulta da factualidade dada como provada que as medidas a implementar no presente caso para evitar os riscos de queda consistiam na utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual – arnês –, devendo ainda ser promovida a formação aos trabalhadores para trabalhos em altura e utilização de plataformas elevatórias. Ora, conforme se extrai da factualidade dada como provada, não foi utilização para a elevação do referido trabalhador uma plataforma elevatória certificada, não possuindo o trabalhador arnês, a quem não foi dada qualquer formação sobre a sua utilização. Impõe-se referir que tais medidas deveriam ser utilizadas conjugadamente, sendo as mesmas isoladamente insuficientes para evitar os riscos de queda. Assim sendo, a circunstância de ter sido entregue um arnês ao trabalhador é insuficiente para se concluir que foram implementadas as medidas protectivas necessárias a evitar os riscos de queda.

Considerando a natureza da actividade desenvolvida pela sociedade Arguida, a sua execução impunha que o Arguido BB, na qualidade de legal representante da referida sociedade Arguida, implementasse, antes do início dos trabalhos, medidas formativas e de protecção, individuais e colectivas, adequadas a prevenir ou impedir a queda em altura dos trabalhadores, o que este não fez. No âmbito da chamada responsabilidade criminal da “empresa” podem encontra-se várias soluções, a saber: a) responsabilidade da pessoa colectiva; b) responsabilidade dos funcionários subalternos; c) responsabilidade dos órgãos colegiais que coordenam a actividade empresarial. Tudo está em saber se ocorre uma repartição dos deveres funcionais (deveres de vigilância e de controle dos riscos) de acordo com a posição que cada membro ocupa. Tudo dependerá da análise da estrutura da organização empresarial e das fontes legais ou instrumentais em que se baseiam esses deveres. Em suma, deve atender-se à estrutura da empresa em questão, aos deveres funcionais dos agentes e à sua omissão na implementação dos meios necessários para evitar o resultado. Há que considerar que se trata de crime omissivo de violação de dever no qual não se exige o domínio do facto, bastando a titularidade do dever violado no momento típico do domínio. Em particular quanto aos quadros superiores da empresa, a estes incumbe em primeiro lugar criar os mecanismos de articulação com os quadros inferiores, impendendo sobre eles o domínio funcional organizativo. A evolução do conceito de autoria imediata no âmbito das organizações, nomeadamente, na organizações empresariais, é matéria que tem vindo a ser desenvolvida por vários autores, nomeadamente por Roxin, propondo-se que os vários tipos de comportamentos no seio da empresa se possam enquadrar na figura da co-autoria. A estrutura empresarial com os seus mecanismos de comunicação permite concluir pela existência de um acordo, podendo ser autor aquele que intervém em todo o processo de decisão e de execução nas estruturas da segurança. Dito doutra forma, são os quadros intermédios nas grandes estruturas empresariais que possuem o conhecimento e a competência técnica necessárias para conformar a execução do facto de uma dada maneira. – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04/04/2013, processo n.º 58/08.4GCSTB-E1, disponível in www.dgsi.pt. Da factualidade dada como provada resultou inequívoco que competia ao Arguido BB os deveres de vigilância e controlo dos riscos, bastando que o mesmo tenha violado um dever de cuidado relativamente aos mesmos, uma vez que se trata de um crime omissivo que não exige o domínio do facto. Da factualidade dada como provada resulta, assim, que o Arguido BB, na qualidade de legal representante da sociedade Arguida AA – que detinha uma posição de domínio sobre FF e sobre o qual recaia a obrigação de garantir as condições de segurança no trabalho – não implementou qualquer medida formativa e de protecção, individual e colectiva, adequada a prevenir ou a impedir a queda em altura de FF, o qual, no dia 9 de Maio de 2019, pelas 12h00, enquanto exercia as funções de técnico de frio, sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade Arguida AA, num local situado a cerca de 6 metros de altura, caiu de forma desamparada e directamente, para e contra o solo, tendo sofrido as lesões dadas como provadas, que foram causa directa e necessária da sua morte. Dúvidas não restam que o Arguido BB, na qualidade de legal representante da sociedade Arguida AA, sujeitou FF à realização de uma actividade manifestamente perigosa para a sua vida, integridade física ou saúde sem serem observadas as respectivas regras ou condições de segurança. Tanto basta para se concluir pelo preenchimento do elemento objectivo do presente tipo de ilícito. É verdade que resultou provado que FF contactou o Arguido DD para que o transportasse ao local onde iria proceder à reparação. Impõe-se analisar a conduta adoptada pelo falecido FF por forma a aferir se a mesma afasta a responsabilidade criminal do Arguido BB. A questão da conduta do trabalhador tem vindo a ser abordada, com reflexos laborais e penais, havendo que distinguir várias situações, em particular as seguintes: a) a existência de acção “imprudente” do trabalhador; b) a acção “imprudente” do trabalhador em conjugação com a conduta omissiva do empregador ao não fornecer os meios de segurança necessários e exigíveis ao caso; c) a acção do trabalhador que contraria as ordens expressas do empregador quanto às regras a cumprir e aos meios de protecção a utilizar (conduta temerária). No entanto, a conduta do trabalhador deve ser analisada e enquadrada com as condições gerais em que a actividade laboral é prestada, na medida em que recai sobre a entidade empregadora o dever de vigiar o cumprimento das regras de segurança, facultando os meios necessários a tal, sob pena de se criarem mecanismos de “desresponsabilização” inaceitáveis.” – Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04/04/2013, processo n.º 58/08.4GCSTB-E1, disponível in www.dgsi.pt. Urge referir que, independentemente da forma de actuação do falecido, existe uma situação de omissão por parte do Arguido BB, na medida em que o mesmo não implementou as medidas de protecção individuais e colectivas necessárias ao trabalho em altura, mormente, a formação aos seus trabalhadores. Ora, dúvidas não existem que se tivesse sido implementada a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual bem como a respectiva formação para trabalhos em altura, teria sido evitado o embate do trabalhador FF ao solo, e, consequentemente, a sua morte. Como refere Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pg. 306: "Por isso, todas as condições que, de alguma forma, contribuíram para que o resultado se tivesse produzido são causais em relação a ele e devem ser consideradas em pé de igualdade, já que o resultado é indivisível e não pode ser pensado sem a totalidade das condições que o determinaram". Assim, cumpre proceder à supressão em teoria de cada uma das causas que contribuíram para o resultado; será relevante aquela que, suprimida, não tivesse produzido o evento. Após este exercício teórico, cumpre ainda assim proceder à valoração jurídica da conduta do agente, a fim de apurar se esta é penalmente relevante, conforme está estabelecido no art. ° 10° do Código Penal. Como explica Figueiredo Dias, ob. cit., pg. 309 e 310: "O critério geral da teoria da adequação.) reside em que para a valoração jurídica da ilicitude serão relevantes não todas as condições, mas só aquelas que, segundo as máximas da experiencia e a normalidade do acontecer e portanto segundo o segundo o que é em geral previsível são idóneas para produzir o resultado. (...) ". – idem. Em face do supra referido, dúvidas não restam que a falta de implementação das medidas acima aludidas contribuiu para a queda do trabalhador e a sua consequente morte, verificando-se assim o nexo de causalidade. Por outro lado, a actuação do trabalhador não é de molde a afastar a existência de omissão relevante em termos de responsabilidade criminal do Arguido BB, na medida em que a conduta omissiva do referido Arguido ao não fornecer os meios de segurança necessários e exigíveis ao caso já existia antes do facto criminoso. Com efeito, a conduta omissiva existia antes do comportamento da vítima, pelo que a conduta do trabalhador, neste caso, não afasta o dever de cuidado que se impunha ao Arguido BB no sentido de criar as condições para que a prestação de trabalho se desenrolasse de acordo com as regras, impondo-se a sua alteração perante as condições em que o trabalho se desenvolvia. Neste contexto, a conduta do trabalhador deve ser analisada e enquadrada com as condições em que a actividade é desenvolvida, na medida em que impende sobre a entidade empregadora o dever de vigiar pelo cumprimento das regras de segurança, facultando os meios necessários para tal. – idem. Em face de tudo o que se deixou exposto, considera-se que a conduta do trabalhador não afasta a responsabilidade do Arguido BB. Mais ficou provado que o Arguido BB, actuando também em nome e no interesse da sociedade Arguida AA, estava consciente que, por força dos trabalhos levados a cabo por FF e II, nas instalações da arguida CC, havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros e que dessa queda poderia resultar a morte daqueles, o que veio a suceder com FF. Não obstante, o Arguido BB, actuou convicto de que esta não sobreviria, omitindo os procedimentos a que estava obrigado e que se impunha, tendo em vista evitar aquele resultado. O Arguido BB previu e quis não proceder com o cuidado devido, a que estava obrigado e de que era capaz, atentos os conhecimentos que tinha da actividade profissional desempenhada por FF e II e os riscos a que estes estavam expostos, nomeadamente, de queda em altura, riscos esses que não foram adequadamente valorizadas por aqueles. Mais conhecia o carácter proibido da sua conduta e, não obstante ter capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiu de a levar a cabo.

Pelo exposto, a conduta do Arguido BB preencheu objectiva e subjectivamente o tipo incriminador, concluindo-se que o Arguido incorreu, em autoria e na forma consumada, na prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02.

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Nos termos do disposto no artigo 11.º, n.º 2, alínea a), do Cód. Penal, as pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 144.º-B, 152.º-A, 152.º-B, 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 203.º a 205.º, 209.º a 211.º, 217.º a 223.º, 225.º, 231.º, 232.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança. Daqui se extrai que o facto tem de ser cometido por quem nela ocupa uma posição de liderança, o que se verificava, in casu, na medida em que o Arguido BB era legal representante da sociedade Arguida AA. O facto tem ainda que ser praticado em nome da pessoa colectiva, ou seja, é preciso que o agente que constitui o pressuposto formal da imputação actue formalmente no exercício das suas funções, actuando no âmbito da sua competência. – Germano Marques da Silva, in Responsabilidade Penal das Sociedades e dos seus Administradores e Representantes, Verbo, 2009, página 259. Tal requisito mostra-se igualmente preenchido, na medida em que ficou provado que o Arguido BB agiu na qualidade de legal representante da sociedade Arguida. O facto só será imputado à sociedade se for praticado em seu nome e no interesse da sociedade. Deve considerar-se que age no interesse da sociedade o órgão ou representante que pratica o facto em ordem à organização, ao funcionamento ou à realização dos fins da sociedade, mesmo se desses factos não resulte para a sociedade qualquer proveito financeiro ou até acarrete dano. – idem, páginas 260 e 261. Deste modo ficam excluídas da responsabilidade das sociedades: - os crimes ligados à vida privada ou a uma outra actividade do titular do órgão ou do representante, ainda que eles se tenham servido materialmente dos meios postos à sua disposição pela sociedade; - os crimes praticados no interesse exclusivo dos sócios, de todos ou apenas de alguns, e não no interesse da sociedade e eventualmente em seu prejuízo; - os crimes cometidos contra o interesse da sociedade, visem ou não a satisfação de interesses alheios à sociedade. Assim, v.g., o acto praticado pelos administradores demissionários com o intuito de prejudicarem a sociedade, independentemente de favorecerem ou não terceiros. – idem, página 262. No que releva para efeitos de responsabilidade criminal das sociedades, o interesse da sociedade, ou interesse colectivo na expressão legal, é, como acima referimos, tudo o que importa à vida da sociedade, no quadro do seu objecto social, tudo o que importa para que a sociedade possa realizar os seus fins, ainda que se trate de actos meramente instrumentais. O interesse tutelado pela norma incriminadora e que foi violado por não ser o interesse imediatamente prosseguido para a sociedade pelo agente físico, pois o que verdadeiramente releva é que o bem jurídico lesado ou posto em perigo o foi na prossecução de um interesse da sociedade, ou seja, visando desenvolver a actividade da sociedade, prosseguir os seus fins sociais.– idem, página 263. Considerando que resultou provado que o Arguido omitiu um dever de cuidado que lhe era imposto em face das funções que desempenhava na sociedade Arguida AA, resulta evidente que tais actos dizem respeito à organização e funcionamento da sociedade Arguida. Cotejando o supra exposto com a factualidade dada como provada, entende-se que o Arguido em tudo agiu em nome e no interesse da sociedade Arguida AA. Encontram-se, assim, preenchidos, os requisitos legalmente exigidos para que a sociedade Arguida AA seja condenada pela prática de um crime de violação de regras de segurança, p. e p. pelo art.º 152.º-B, nºs 2 e 4, alínea b), por referência ao seu nº 2 e ao artigo 15º, alínea a) e 10º, nº 1, todos do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02.

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2. Crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços Comete um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbações de serviços quem: a) No âmbito da sua actividade profissional infringir regras legais, regulamentares ou técnicas que devam ser observadas no planeamento, direcção ou execução de construção, demolição ou instalação, ou na sua modificação ou conservação; b) Destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, aparelhagem ou outros meios existentes em local de trabalho e destinados a prevenir acidentes, ou, infringindo regras legais, regulamentares ou técnicas, omitir a instalação de tais meios ou aparelhagem; c) Destruir, danificar ou tornar não utilizável, total ou parcialmente, instalação para aproveitamento, produção, armazenamento, condução ou distribuição de água, óleo, gasolina, calor, electricidade, gás ou energia nuclear, ou para protecção contra forças da natureza; ou d) Impedir ou perturbar a exploração de serviços de comunicações ou de fornecimento ao público de água, luz, energia ou calor, subtraindo ou desviando, destruindo, danificando ou tornando não utilizável, total ou parcialmente, coisa ou energia que serve tais serviços; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. Os bens jurídicos protegidos pela presente norma prendem-se com a vida, a integridade física e o património de outrem. A acção típica centra-se na criação dum perigo para a vida ou integridade física de outrem decorrente da violação de regras legais, regulamentares ou técnicas na direcção ou na execução duma obra de construção demolição ou instalação, ou na sua modificação. – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/04/2018, processo n.º 368/09.3GBSXL.L1-3, disponível in www.dgsi.pt. Trata-se de um crime de perigo concreto e de resultado, que pode ser cometido por acção ou por omissão. O tipo incriminador positiva três situações distintas: acção dolosa e perigo doloso (n.º 1), acção dolosa e perigo negligente (n.º 2) e acção negligente (n.º 3). Tanto a violação das regras como a criação desse perigo podem ser dolosos ou negligentes. – idem.

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Da factualidade dada como provada resulta que, na sequência de uma avaria no sistema de refrigeração de uma câmara frigorífica da Arguida CC, esta contratou verbalmente a Arguida AA para a respectiva reparação, tendo-se deslocado para efectuar a referida reparação uma equipa constituída por FF e II. Mais resultou provado que FF contactou o Arguido DD para que os transportasse ao local onde iriam proceder à reparação, que se situava na parte de trás da unidade, seno o único acesso efectuado pela parte externa, através de uma pequena entrada, a cerca de 6 metros de altura. DD procedeu à elevação de FF e II com recurso a um empilhador eléctrico, com um cesto metálico montado nos seus garfos, empilhador que se destinava ao transporte e à elevação de cargas no interior ou no exterior, não tendo autorização para a montagem de equipamento adicional. Considerando a factualidade dada como provada, entendemos que FF e II estavam a realizar uma obra nas instalações da CC, adjudicada por esta à sociedade Arguida AA. Por construção entende-se uma obra com carácter não precário em que são reunidas e dispostas metodicamente as partes de um todo, e com uma dignidade mínima para nela serem aplicados os princípios básicos relativos às normas de construção, ou à arte de construção. – Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, página 913. Cotejando o conceito amplo de construção com a factualidade dada como provada, impõe-se concluir que, in casu, estava em causa uma obra humana de carácter duradouro, realizada sob o solo, que exige a aplicação de regras técnicas geralmente reconhecidas. O sujeito activo desta alínea é aquele que planeia, executa ou dirige a obra. Cada uma das pessoas que intervém nestas diferentes fases torna-se assim responsável pela violação de regras vigentes nos sectores respectivos, e apenas, e pela consequente criação de perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado. – idem, página 917.

Por execução de construção entende-se toda a actividade de construção civil devendo ser assinalado ao conceito um sentido amplo. Assim sendo, participa na execução da construção não apenas o diretamente envolvido no levantamento do edifício, mas também o que toma parte nos trabalhos de melhoramento e modificação em edifícios já existentes. (…) Por conseguinte, o legislador penal ao falar de execução da obra teve presente toda a actividade que contribui ou concorre para o ultimar da construção. Assim, é considerado executor da obra o pedreiro, o picheleiro, o electricista, o carpinteiro, e ainda quem desenvolve apenas uma actividade auxiliar, como a de colocar escadotes, ou de lavar o material utilizado, sendo cada um deles responsável no âmbito da actividade que lhes é confiada. – idem, página 915. Analisada a conduta adoptada pelo Arguido DD à luz do que se deixou ora explanado, dúvidas não restam que o mesmo interveio na execução da obra a partir do momento em que decidiu auxiliar os trabalhadores da sociedade Arguida AA, elevando-os com recurso a um empilhador por forma a que os mesmos atingissem o local onde a reparação devia ser efetuada. Ao agir desta forma, o Arguido DD desenvolveu uma actividade auxiliar, sendo responsável por essa actividade. Ora, conforme referido supra, o empilhador a que recorreu o Arguido DD destinava-se ao transporte e à elevação de cargas no interior ou no exterior, não tendo autorização para a montagem de equipamento adicional. Da factualidade dada como provada extrai-se que o equipamento utilizado pelo Arguido DD é inadequado para proceder à elevação dos trabalhadores, devendo ter sido implementada a utilização de plataformas elevatórias certificadas e a utilização de equipamento de protecção individual – arnês –, devendo ainda ser promovida a formação aos trabalhores para trabalhos em altura. Ao utilizar um equipamento inadequado para proceder à elevação dos referidos trabalhadores, o Arguido DD contribuiu para a queda de FF e, consequentemente, para a sua morte. A morte da vítima, neste caso, é uma “agravação pelo resultado”, prevista expressamente no art. 285º do C. Penal. Nestas condições, a morte deve resultar, em termos de causalidade adequada, da violação das regras de segurança, pois é esta violação a acção típica. Quer isto dizer que a morte deve ser uma consequência (em termos de causalidade adequada) da violação das regras de segurança imputadas ao agente. – Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27/05/2020, processo n.º 6359/17.3T9VNG.P1, disponível in www.dgsi.pt. A teoria da causalidade adequada limita, é certo, a existência de nexo de causalidade aos danos que, em abstracto, sejam consequência apropriada do facto. Na falta de opção explícita sobre o critério da “adequação”, a Jurisprudência tem vindo a entender, com o apoio da Doutrina (vide ANTUNES VARELA, “Das Obrigações Em Geral”, 10ª ed., p.900) que os tribunais gozam de liberdade interpretativa para optar pela teoria mais criteriosa, que é a formulação negativa correspondente ao ensinamento de ENNECCERUS- LEHMAN. Esta é também a posição adoptada, pelo Supremo Tribunal de Justiça (vide, entre outros, os acórdãos de 2003.06.11, rec. nº 03A3883 e de 2004.06.29, rec. nº 05B294). – idem. Nesta formulação, demonstrado que um facto (ainda que omissivo) foi uma condição do dano (no caso, o incumprimento de regras de segurança), esse facto só deixa de ser causa adequada se for de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano. Ou, dito de outro modo, nas palavras de ANTUNES VARELA (ob., cit., p. 894) “só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano”. –idem. Daí que, nesta vertente, a causalidade adequada não pressuponha a exclusividade do facto condicionante do dano. Como escreve o mesmo Autor (ob. cit. pp. 894-895), “ (…) Para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano. (…)”“(…)” “(…) Nada impede mesmo que as outras condições do efeito danoso consistam num facto fortuito ou até num acto doloso ou negligente de terceiro” [p. 895. nota 1)]. – idem. Em suma, a pedra de toque de tal teoria é a de que toda a condição do dano (e, neste sentido, é condição todo o facto que, uma vez suprimido, também afasta a produção do dano - “conditio sine qua non”) só deixa de ser causa adequada quando essa condição seja totalmente indiferente ou irrelevante para a produção do dano. – idem. Conforme resulta do supra exposto, no presente caso, ocorreu uma violação das regras de segurança, na medida em que não foram implementadas as medidas protectivas individuais e colectivas para impedir a queda dos trabalhadores, que executavam uma obra em altura. Ora, dúvidas não restam que, se tais regras tivessem sido implementadas, não teria ocorrido a queda do trabalhador FF ao solo e, consequentemente, a sua morte. Assim sendo, a violação das regras de segurança foi seguramente uma condição “sine qua non” da morte de FF, pois se as mesmas tivessem sido cumpridas não se teria dado a queda, independentemente do motivo subjacente a tal queda. Acresce que essa condição da morte é uma condição adequada à produção do evento, na medida em que a queda e as suas consequências ocorreram no âmbito de protecção da regra de segurança violada, sendo certo que não resultou provado que a morte se tenha ficado a dever a qualquer circunstância alheia à violação das regras de segurança. Em face de tudo o que se deixou exposto impõe-se concluir pela existência do nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança e a morte de FF.

É verdade que foi FF quem solicitou a DD que o transportasse ao local onde iriam proceder à reparação. No entanto, tal facto não afasta a responsabilidade do arguido DD, na medida em que este decidiu recorrer a um equipamento desadequado para elevar o trabalhador, não tendo resultado provado que tal era do conhecimento do referido trabalhador. Assim sendo, o simples facto de FF ter solicitado a DD que o transportasse ao local onde iria proceder à reparação e ter entrado no cesto metálico acoplado ao empilhador não permite afastar o dever de cuidado que incumbia sobre o segundo a partir do momento em que decide participar na execução da obra com recurso a um equipamento desadequado para o efeito. Mais ficou provado que o Arguido DD, actuando também em nome e no interesse da sociedade Arguida CC, estava consciente que, por força dos trabalhos levados a cabo por FF e II, nas suas instalações, havia um risco de queda a uma altura de cerca de 6 metros e que dessa queda poderia resultar a morte daqueles, o que veio a suceder com FF. Não obstante, o Arguido DD, actuou convicto de que esta não sobreviria, omitindo os procedimentos a que estava obrigado e que se impunha, tendo em vista evitar aquele resultado. O Arguido DD previu e quis não proceder com o cuidado devido, a que estava obrigado e de que era capaz, atentos os conhecimentos que tinha da actividade profissional desempenhada por FF e II e os riscos a que estes estavam expostos, nomeadamente, de queda em altura, riscos esses que não foram adequadamente valorizadas por aqueles. Mais conhecia o carácter proibido da sua conduta e, não obstante ter capacidade de determinação segundo as prescrições legais, não se inibiu de a levar a cabo. Pelo exposto, a conduta do Arguido DD preencheu objectiva e subjectivamente o tipo incriminador, concluindo-se que o Arguido incorreu, em autoria e na forma consumada, na prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte, p. p. pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea a), in fine, e 285º, do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02.

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Atentas as considerações supra expostas quanto à responsabilidade das pessoas colectivas, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, verifica-se que se encontram preenchidos os requisitos legalmente exigidos para que a sociedade Arguida CC seja condenada pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte, p. p. pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea a), in fine, e 285º, do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02.

Com efeito, DD é legal representante da sociedade Arguida CC e actou nessa qualidade no momento da prática dos factos. Mais resultou da factualidade dada como provada que omitiu um dever de cuidado que lhe era imposto em face da participação que teve na execução de uma obra adjudicada pela sociedade Arguida CC. Cotejando o supra exposto com a factualidade dada como provada, entende-se que o Arguido DD em tudo agiu em nome e no interesse da sociedade Arguida CC. Pelo exposto, a sociedade Arguida AA deverá ser condenada pela prática de um crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, agravado pelo resultado morte, p. p. pelos artigos 277º, nº 2, por referência ao seu nº 1, alínea a), in fine, e 285º, do Código Penal e ainda, aos artigos 36º, 14º, nº 1 e 29º, nº 1, alíneas a) e b), do DL nº 50/2005, de 25/02.

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A exaustiva fundamentação transcrita afigura-se-nos manifestamente adequada e suficiente para atestar a bondade da decisão quanto à subsunção dos factos aos tipos penais pelos quais os recorrentes foram condenados, nada de relevante se nos oferecendo acrescentar-lhe. Realça-se apenas – por se tratar de matéria jurídica que os recorrentes DD e CC associam, repetidamente, à impugnação da matéria de facto acima conhecida – que sufragamos em absoluto a construção explicitada na sentença acerca da noções abrangentes de obra ou construção e dos respetivos executantes pressupostas pelo tipo penal previsto no artigo 277º do CP, nas quais se integram, quer a atividade que se encontrava a ser realizada quando se verificou o acidente, quer a conduta do arguido DD, enquanto interveniente na sua execução. Em síntese conclusiva, a este respeito, diremos, pois, que na noção de execução da construção, nos termos e para os efeitos da referida norma, se inclui toda a atividade que contribui para a sua realização e executante da mesma será todo aquele que toma parte nos trabalhos, tornando-se responsável no âmbito da atividade que decide executar. De tal entendimento, resulta, pois evidente que o arguido DD com a sua conduta, a partir do momento em que decidiu auxiliar os trabalhadores da sociedade Arguida AA, interveio na execução da obra, tendo-se tornado responsável pelo cumprimento das regras de segurança estabelecidas para a atividade perigosa que decidiu executar e tendo-se, consequentemente, constituído como sujeito ativo do crime pelo qual veio a ser condenado.

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C) Do quantitativo diário da pena de multa aplicada à arguida CC.

A respeito do quantitativo diário da pena de multa que lhe foi aplicada, alega a recorrente CC que: “(…) 107º Nos termos do disposto no artigo 71º n.º 2, alinea d) do C. Penal, a pena imposta à sociedade recorrente, revela-se manifestamente desproporcional, em relação à situação económica e financeira da CC. 108º Na determinação do montante a aplicar a cada dia de multa, fixado à sociedade recorrente, o tribunal a quo não teve em conta, os seus encargos com os trabalhadores. 109º Porém, em igualdade de circunstancias, e em relação à sociedade co-arguida AA, na determinação do quantitativo da multa a aplicar áquela sociedade, o Tribunal ponderou que a mesma, tem no seu quadro de pessoal 15 trabalhadores. 110º E, em relação à CC bastaria ao Tribunal consultar as bases de dados oficiais, nomeadamente, a base de dados da Segurança Social e da Autoridade Tributária para concluir que esta sociedade, tem encargos com 12 (doze) trabalhadores. 111º Ora, considerando agora esta circunstância atenuante, para além daquelas que já foram ponderadas pelo Tribunal a quo, é nosso entendimento, que a pena de multa a aplicar à sociedade recorrente, nunca poderia ser superior a 240 dias de multa, à taxa diária de € 100,00, perfazendo um total de € 24.000,00. 112º Pelo que, ao condenar a sociedade em 240 dias de multa, à taxa diária de € 120,00 num total de € 28.800,00, o tribunal a quo violou, nomeadamente, os principios da igualdade previsto no artigo 13º n.º 2 da CRP e o principio da proporcionalidade, previsto no artigos 71º 90º-B n.º 5 ambos do C.P. 113º Assim, entende-se que a sentença sub-judice enferma de vícios que põem em crise a bondade e a justiça da sentença proferida. 114º Ao decidir da forma constante da douta sentença, ora em crise, o Tribunal a quo violou, os entre outros: - o artigo 32.º, n.º 2 ( principio in dutio pro reo ) da CRP ( Constituição da República Portuguesa ); - os artigos 127.º ( principio da livre apreciação da prova ) e 340.º ( principio da investigação ) todos do CPP ( Código de Processo Penal). - os artigos 13º n.º 2 ( principio da igualdade ) da CRP ( Constituição da República Portuguesa ) e os artigos 71º e 90º-Bn.º 5 ( principio da proporcionalidade ) ambos do C.P ( Código Penal). 115º Pelo que deverá proceder-se à reapreciação da prova gravada, dando como não provados os elementos constitutivos do crime imputado aos Recorrentes e absolvendo os mesmos pela prática do mesmo, em conformidade, nos termos do disposto no artigo 426.º do Código de Processo Penal. A respeito da determinação do quantitativo diário da pena de multa aplicada às sociedades arguidas, fundamentou a sentença nos seguintes termos: “Relativamente às sociedades Arguidas, considerando que os factos remontam ao ano de 2019, não existindo notícia da prática de quaisquer outros factos da mesma natureza desde então, entendemos que deve ser aplicada às mesmas uma pena de multa, assim se realizando de forma adequada as finalidades da punição.(…) Nos termos do disposto no artigo 90.º-B, n.º 5, do Cód. Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 100,00 e € 10.000,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores. Resultou provado que a sociedade Arguida CC tem actividade aberta, obtendo lucros anuais, no valor de € 50.000,00, não tendo quaisquer dívidas ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributárias. No que concerne à sociedade Arguida AA, ficou provado que tem dívidas à Banca num valor de € 175.000,00, que se encontram a ser regularizadas em prestações, não tendo quaisquer dívidas ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributária. Teve um lucro anual de € 8.000,00. Paga mensalmente a quantia de € 1.500,00 a título de contrapartida pelo gozo temporário de um espaço e a quantia global de € 865,00 a título de prestações para amortização de créditos contraídos para aquisição de viaturas. Tem 15 funcionários. Nestes termos, considerando a situação financeira das referidas sociedades Arguidas, fixa-se o quantitativo diário em € 120,00 para a sociedade Arguida CC e € 110,00 para a sociedade Arguida AA.(…)”

Vejamos.

No que diz respeito ao quantitativo diário da pena de multa aplicar às pessoas coletivas, preceitua o artigo 90º-B, nº 5 do CP que: “Artigo 90.º-B Pena de multa (…)5 - Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 100 e (euro) 10 000, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos com os trabalhadores, sendo aplicável o disposto nos n.ºs 3 a 5 do artigo 47.º. (…).”

* Dando aplicação aos critérios estritamente económicos fixados pela norma transcrita, afigura-se-nos absolutamente adequado e equitativo o quantitativo diário de 120,00 € estabelecido na sentença recorrida. De facto, tendo resultado provado, quanto às condições económicas da recorrente CC, que a mesma tem atividade aberta, que obtém lucros anuais no valor de € 50.000,00 e que não tem quaisquer dívidas ao Instituto da Segurança Social e à Autoridade Tributária, o valor de € 120,00 como quantitativo diário da pena de multa que lhe foi aplicada revela-se, a nosso ver, absolutamente justo e equilibrado. Discordamos totalmente da alegação da arguida recorrente na sua motivação de recurso que acima transcrevemos. De facto, e pese embora, não conste da matéria de facto provada o número de trabalhadores que atualmente a arguida CC tem ao seu serviço, a verdade é que não foram apuradas despesas fixas relevantes, tendo-se, ao invés, provado que a mesma obtém lucros anuais no valor de € 50.000,00. Assim, em nosso entender, a situação económica e financeira de tal sociedade não se compadece com a fixação de um quantitativo diário equivalente ao seu limite mínimo conforme reclamado no recurso. Não poderá a recorrente olvidar as muitas outras situações que chegam aos tribunais relativas a empresas com uma situação financeira bastante mais deficitária do que a sua e em que, justificadamente, se opta pela aplicação de uma quantia diária inferior à que lhe foi aplicada, o que, seguramente, se não justifica no caso em apreço. Acresce que a quantia diária fixada na decisão recorrida (120,00 €), sendo embora superior à pretendida pela arguida, continua a situar-se, ainda assim, muito próxima do limite mínimo de 100,00 € estabelecido pelo preceito acima transcrito e muitíssimo afastada sequer do ponto médio da moldura quantitativa aí prevista – entre 100,00 € e 10.000,00 €. Entendemos, pois, ajustada à situação económica e financeira da arguida CC a fixação do quantitativo diário da pena de multa em 120,00 € conforme estabelecido na sentença. No que concerne ao argumento relativo ao tratamento diferenciado concedido na sentença às duas sociedades arguidas quanto a esta matéria, o mesmo não merece acolhimento, pois que a decisão de fixação de taxas diárias diferentes assentou na consideração das suas situações económicas, que, de acordo com a matéria de facto provada – e que não foi objeto de impugnação – se revelam também diferentes. Basta atentar na circunstância de se ter apurado que a sociedade AA tem dívidas à Banca num valor de € 175.000,00, que se encontram a ser regularizadas em prestações, pagando mensalmente a quantia de € 1.500,00 a título de contrapartida pelo gozo temporário de um espaço e ainda a quantia global de € 865,00 a título de prestações para amortização de créditos contraídos para aquisição de viaturas e de apresentar um lucro anual de € 8.000,00, sendo que, quanto à recorrente CC, apenas se apurou que obtém lucros anuais no valor de € 50.000,00. A conclusão de que a menor taxa diária aplicada à AA teve por base a consideração dos encargos com os seus 15 trabalhadores é da recorrente, não se encontrando consignada na sentença. O que aí se consignou, isso sim, foi que, “considerando a situação financeira das referidas sociedades Arguidas, fixa-se o quantitativo diário em € 120,00 para a sociedade Arguida CC e € 110,00 para a sociedade Arguida AA.”, conclusão que a qual concordamos. A doutrina tem vindo a advertir que a taxa diária não dever ser “sufocante”, mas sim proporcional ao lucro líquido da empresa, sob pena de a pena de multa se converter numa pena dissimulada de confisco (10), proporcionalidade que se encontra assegurada na situação dos autos, não vulnerando a decisão os princípios da igualdade e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13º n.º 2 da CRP e 71º e 90º-B, n.º 5 do C.P.

O recurso é, assim, improcedente também nesta parte.

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Pelo exposto, considerando que o juízo realizado pelo tribunal a quo é, no seu todo, bem fundado e não merece reparo, impõe-se impõe julgar os recursos apresentados pelos arguidos totalmente improcedentes, mantendo-se integralmente a sentença recorrida.

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III- Dispositivo.

Por tudo o exposto e considerando a fundamentação acima consignada, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos apresentados pelos arguidos e, consequentemente, em confirmar integralmente a sentença recorrida.

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Custas pelos arguidos, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigos 513.º, n.º 1 e 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).

(Processado em computador pela relatora e revisto integralmente pelos signatários)

Évora, 18 de abril de 2023

Maria Clara Figueiredo

Fernanda Palma

Maria Margarida Bacelar

João Amaro

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1 Não transcrevemos os excertos das conclusões que reproduzem partes da sentença recorrida.

2 Neste sentido decidiram, entre muitos outros, os seguintes arestos: Acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020, proc. nº 5824/18.0T9LSB-3; Acórdão da Relação do Porto Lisboa, de 9.01.2020, proc. nº 1204/19.8T8OAZ.P1; Acórdão da Relação de Évora, de 07.05.2019, proc. nº 112/14.3TAVNO.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

3 No sentido de que, em termos de causalidade adequada, a morte deve resultar da violação das regras de segurança imputadas ao agente, em virtude de ser esta a ação típica, se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27.05.2020, relatado pela Desembargadora Élia São Pedro, disponível in www.dgsi.pt.

Também a este propósito se pronunciou o acórdão desta Relação de 12.05.2020, relatado pelo Desembargador Carlos Berguete Coelho, em cujo sumário, com pertinência para a situação dos autos, podemos ler “(…)VI - A ideia mestra da causalidade, ou teoria da adequação, é a de limitar a imputação do resultado àquelas condutas das quais deriva um perigo idóneo de produção do resultado, pelo que deve ser complementada pela análise da conexão do risco, no sentido de determinar os riscos a cuja produção pode ser razoavelmente referido o tipo objectivo do crime e concluir que o resultado só deve ser imputável à conduta quando esta tenha criado ou aumentado ou incrementado um risco proibido para o bem jurídico protegido pelo tipo de ilícito e esse risco se tenha materializado no resultado típico.(…)”.

4 Acórdão da Relação de Évora de 04.04.2013, relatado pela Desembargadora Maria Isabel Duarte, disponível em www.dgsi.pt.

5 Preceitua o art.º 412.º, nº 3 e 4 do CPP, com referência à motivação e às conclusões do recurso que:

“(…) 3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a ) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c ) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas , as especificações previstas nas alíneas b ) e c ) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 364.º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

6 Como assinala Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, 204 e ss., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a atividade meramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova), e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objetivável e motivável, capaz de se impor aos outros.

7 Registamos que o facto de a testemunha II ter afirmado não saber dizer se o arguido BB havia estado nas instalações da CC na véspera do sinistro, de forma alguma poderá ter a virtualidade de pôr em causa as declarações de DD e de EE nesse sentido. Não saber se esteve, é diferente de saber que não esteve. Tal depoimento não contraria as mencionadas declarações, apenas revela que a tal respeito a testemunha não possui conhecimentos.

8 No sentido da referida relação de subsidiariedade e convergência quanto ao bem jurídico protegido se pronunciou o acórdão da Relação de Lisboa, de 07.06.2022, relatado pelo Desembargador Fernando Ventura.

9 De acordo com este entendimento se pronunciaram, entre outros, os seguintes acórdãos: acórdãos da Relação de Évora de 07.07.2011, relatado pelo Desembargador António João Latas e de 14.07.2015, relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves; acórdão da Relação de Lisboa, de 29.01.2020, relatado pelo Desembargador Alfredo Costa; acórdãos da Relação do Porto de 05.02.2014, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo, de 12.06.2019, relatado pelo Desembargador Paulo Costa e de 12.02.2020, relatado pela Desembargadora Paula Natércia Rocha, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

10 Neste sentido Cavaleiro Ferreira e Nuno Brandão, citados por Paulo Pinto Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 3ª ed, Universidade Católica, nota 3 do comentário ao artigo 90º - B.