Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3200/19.6T8LLE-C.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Pretendendo o executado obter a extinção da execução mediante a invocação de fundamento taxativamente previsto no artigo 729.º do CPC – no caso: contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, nos termos da alínea h) –, decorre do n.º 1 do artigo 728.º do mesmo Código que o meio processual adequado para o efeito consiste na dedução de embargos;
II – A defesa do executado no âmbito do processo executivo, mediante a invocação de fundamento taxativamente previsto no artigo 729.º, deve ser deduzida em sede de embargos, o que impõe se considere precludida a posterior invocação nesse processo de fundamento de defesa previsto no citado preceito e não invocado naquela sede.
(Sumário da Relatoras)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3200/19.6T8LLE-C.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro
Juízo de Execução de Loulé


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa movida por (…) e (…) contra (…), baseada em sentença condenatória, o executado deduziu, a 24-06-2021, o presente incidente, no qual invoca a titularidade de um contracrédito no montante de € 610.774,95 sobre os exequentes, pretendendo obter a compensação de créditos.
Alega, para o efeito, factualidade na qual baseia o peticionado reconhecimento do crédito que invoca, sustentando que o mesmo decorre do contrato que constitui fundamento da respetiva condenação no âmbito da sentença apresentada como título executivo. Acrescenta que, pelos motivos que expõe, não se defendeu na ação declarativa que lhe foi intentada pelos ora exequentes e no âmbito da qual foi proferida a sentença exequenda, pelo que intentou contra os mesmos uma ação declarativa que se encontra pendente – correndo termos sob o n.º 1464/21.4T8PTM no Juízo Central Cível de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro –, na qual invoca o aludido contracrédito, emergente do contrato que constitui fundamento da anterior condenação, e pede a condenação dos réus no pagamento das quantias que indica. Sustentando que o contracrédito que invoca é judicialmente exigível, pretende obter o seu reconhecimento, visando a compensação com o crédito exequendo, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Por despacho de 11-08-2021, foi indeferido liminarmente o incidente e condenado o executado nas custas respetivas.

Inconformado, o executado interpôs recurso desta decisão, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que determine o prosseguimento do incidente, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I - A sentença apelada, indeferiu liminarmente o novo articulado, ou incidente denominado de “compensação de créditos”.
II - Com tal decisão o apelante, (…) não se conforma.
III - O apelante em fase posterior à apresentação de embargos no processo executivo 3200/19.6T8LLE, intentou ação declarativa de condenação que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 2, sob o processo n.º 1464/21.4T8PTM, e que deu entrada no dia 21/06/2021, em que o pedido consiste no seguinte: “Deve a presente ação ser julgada integralmente procedente e serem os Réus condenados, solidariamente”.
IV - Tal ação intentada pelo aqui apelante tem um pedido no valor de € 610.774,95.
V - Tal ação tem como fundamento o contrato-promessa de permuta, celebrado a 1/6/2007, na sua Cláusula Décima, em que os Apelados responsabilizaram-se pelos encargos derivados da limpeza e corte de vegetação no prédio sito em (…), (…), Aljezur.
VI - Além do contrato celebrado, na mesma data, os Apelados obrigaram-se a “Na sequência do contrato-promessa de permuta, celebrado entre os aqui primeiro e segundos outorgantes e tendo em conta a extração da madeira de eucalipto, prevista no n.º 1 (um) da cláusula décima daquele contrato, os Segundos Outorgantes, quando extraíram a madeira de eucalipto, comprometem-se a arrancar as respectivas cepas daquelas árvores e a removê-las, juntamente com a folhagem e restos de madeira que eventualmente resultem da colheita”.
VII - Perante a ação declarativa intentada pelo apelante, veio o mesmo requerer incidente, por apenso à execução e embargos que correm termos sob o n.º 3200/19.6T8LLE, a pedir que seja declarada a compensação de créditos.
VIII - Tal incidente foi requerido com base em factos supervenientes, extintivos ou modificativos do pedido dos Apelados, ou seja, na interposição da ação declarativa de condenação pelo aqui Apelante, a 21/06/2021.
IX - Ao alegar a compensação, o apelante pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa ´executar´ aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo.
X - A compensação pode ser deduzida no âmbito do processo de embargos, sem qualquer necessidade de o respectivo crédito estar previamente reconhecido judicialmente, sendo errado o entendimento contrário, o qual pode prejudicar, a vários títulos, o executado/embargante/apelante que pretende ver reconhecida a compensação (no caso, alegadamente operada antes de ter sido requerida a execução).
XI - Devendo o presente recurso ter provimento revogando-se na sua totalidade a sentença recorrida, e prosseguindo o incidente de compensação de créditos os seus trâmites normais.»
Notificados para os termos do incidente e do recurso, os exequentes não apresentaram contra-alegações.

Face às conclusões das alegações do recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- da oportunidade da invocação pelo executado de contracrédito sobre os exequentes, visando obter a compensação de créditos;
- dos requisitos da compensação de créditos entre o executado e os exequentes.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Com relevo para a apreciação das questões suscitadas na apelação, extraem-se dos autos, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda os seguintes:
a) na ação executiva para pagamento de quantia certa que constitui o processo principal, intentada, a 06-11-2019, por (…) e (…) contra (…), foi formulado pedido de cobrança da quantia de € 450.000,00, acrescida da quantia de € 122.252,05, a título de juros vencidos desde 16-01-2013, e de juros vincendos até integral pagamento, sendo apresentado como título executivo sentença proferida na ação declarativa que correu termos sob o n.º 3151/18.1T8FAR no Juízo Central Cível de Faro do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, transitada em julgado;
b) o executado deduziu, a 10-12-2019, por apenso à execução que constitui o processo principal, embargos de executado, em que cumulou oposição à penhora, autuados como apenso A, invocando, no âmbito da oposição à execução, os fundamentos seguintes: i) a falta de intervenção do réu no processo de declaração no âmbito do qual foi proferida a sentença apresentada como título executivo, alegando a falta ou a nulidade da citação; ii) a infidelidade do translado; iii) a incerteza, a inexigibilidade e a iliquidez da obrigação exequenda;
c) o executado apresentou no apenso A, a 29-06-2021, articulado superveniente no qual invoca a titularidade de um contracrédito no montante de € 610.774,95 sobre os exequentes, pretendendo obter a compensação de créditos;
d) consta da ata da audiência prévia realizada a 01-07-2021, no âmbito do apenso A, além do mais, a prolação das decisões seguintes:
i) despacho no qual se decidiu:
a) Não admitir o articulado superveniente apresentado pelo Embargante / executado (…);
b) Absolver o Embargante / executado (…) do pedido de condenação como litigante de má-fé contra ele deduzido pelos Embargados / exequentes.
ii) sanador-sentença, no qual se decidiu o seguinte:
a) Julgar os embargos de executado totalmente improcedentes por não provados e, em consequência, deverá a execução prosseguir os seus trâmites normais, o que se determina;
b) Julgar a oposição à penhora improcedente por não provada e, em consequência, mantêm-se, na integra, as penhoras efectuadas nos autos de execução;
c) Declarar que não estão preenchidos os pressupostos legais para condenação dos Embargados / exequentes como litigantes de má-fé;
d) Condenar o Embargante / executado (…) no pagamento das custas e demais encargos com o processo.
e) consta da fundamentação do despacho a que alude a alínea d)-i), que rejeitou o articulado superveniente apresentado pelo executado, além do mais, o seguinte:
(…) Preceitua o artigo 588.º do Código de Processo Civil, na parte que ora interessa, que “1- Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. 2- Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência (…) 4- O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior….”
Ora, no caso em apreço não estamos perante factos supervenientes, já que a obrigação de limpeza que impendia sobre os exequentes resulta do contrato promessa de permuta celebrado em 01/06/2007 e deveriam ter sido executados até 2010, pelo que aquando da dedução dos embargos de executado e oposição à penhora, o Embargante já sabia que os Embargados não tinham cumprido aquilo a que se obrigaram no contrato promessa de permuta outorgado em 1/6/2007 e no escrito denominado “Acordo” da mesma data e se queria exigir dos mesmo o pagamento do preço correspondente e esses trabalhos não executados, então deveria tê-lo feito desde logo.
Aliás, é o próprio Embargante que no articulado ora apresentado alega “do ano de 2009 até à data, as partes trocaram correspondência, a fim de serem realizados os trabalhos prometidos, o que de todo, os Réus não executaram os trabalhos prometidos” (cfr. artigo 10.º) e “ao longo dos anos, (…) tentou que os embargados compreendessem que a cláusula inserta no contrato promessa de permuta tinha que ser respeitada e manutenção do terreno era de suma importância (cfr. artigo 14.º), pelo que a nossos ver, inexistem quaisquer dúvidas de que não estamos perante quaisquer factos supervenientes, o que determina a rejeição do articulado superveniente.
Acresce que, a nosso ver, em sede de processo executivo a compensação de créditos apenas é admissível quando a parte que dela se quer prevalecer (o executado), está também munido de título executivo, pelo que mesmo que se admitisse como facto superveniente relevante a instauração da acção declarativa contra os exequentes no Juízo Central Cível de Portimão, ainda assim não estariam reunidos os pressupostos legais para implementação da compensação de créditos, já que o Embargante não dispõe ainda, nem iria dispor em tempo útil de sentença transitada em julgado condenando os aqui exequentes.
Porque é assim, a final, não poderá deixar de ser rejeitado o articulado superveniente apresentado pelo Embargante.
f) não foi impugnado o despacho a que alude a alínea d)-i), que rejeitou o articulado superveniente apresentado pelo executado no apenso A;
g) o executado interpôs recurso do saneador-sentença a que alude a alínea d)-ii), o qual foi admitido como apelação por despacho de 30-10-2021.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posto em causa na apelação o despacho que indeferiu liminarmente o incidente deduzido pelo apelante, por apenso à execução para pagamento de quantia certa que lhe é movida com base em sentença, no qual invoca a titularidade de um contracrédito no montante de € 610.774,95 sobre os exequentes, pretendendo obter a compensação de créditos.
Entendeu a 1.ª instância, em síntese, que incumbia ao executado deduzir toda a defesa à execução em sede de embargos de executado, sendo que o mesmo não invocou, no âmbito da oposição que deduziu à execução, o contracrédito de que alega ser titular sobre os exequentes e que sustenta ter sido constituído pelo menos em 2009, o que preclude a respetiva dedução posterior com vista a obter a compensação; mais se considerou que a falta de reconhecimento judicial do crédito invocado pelo executado sempre impediria se considerassem preenchidos os requisitos exigidos para que operasse a compensação com o crédito exequendo.
Discordando deste entendimento, o apelante sustenta que a ação declarativa que corre termos sob o n.º 1464/21.4T8PTM no Juízo Central Cível de Portimão do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, que intentou com vista ao reconhecimento do contracrédito ora invocado e à condenação dos exequentes ao respetivo pagamento, foi interposta em data posterior à dedução dos embargos de executado, sendo que o aludido contracrédito, no montante de € 610.774,95, decorre do contrato que constitui fundamento da respetiva condenação no âmbito da sentença apresentada como título executivo. Mais sustenta que a interposição da aludida ação declarativa constitui um facto superveniente, extintivo ou modificativo do pedido formulado pelos apelados na execução, acrescentando que pretende fazer valer no presente incidente um facto extintivo do direito exequendo, não dependendo a compensação do prévio reconhecimento judicial do contracrédito invocado.
Vejamos se lhe assiste razão.
Respeita a presente apelação ao indeferimento liminar de incidente, deduzido pelo executado após a apresentação de oposição à execução através de embargos, no qual invoca contracrédito sobre os exequentes, com vista a obter a compensação de créditos.
Face ao objeto da apelação, cumpre averiguar se se mostra oportuna a invocação pelo executado de contracrédito sobre os exequentes, visando obter a compensação de créditos, bem como, em caso afirmativo, se se encontram preenchidos os requisitos legais para o efeito.
Consiste a compensação numa causa de extinção das obrigações, diversa do cumprimento, prevista e regulada nos artigos 847.º a 856.º do Código Civil.
Os requisitos da compensação encontram-se previstos no artigo 847.º do Código Civil, preceito que dispõe o seguinte:
1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos: a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material; b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.
Conforme explica Mário Júlio de Almeida Costa[1], a “compensação traduz-se fundamentalmente na extinção de duas obrigações, sendo o credor de uma delas devedor na outra, e o credor desta última devedor na primeira”. Esclarecem[2] Pires de Lima e Antunes Varela que a “compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de acção directa”.
A compensação de créditos configura uma causa de extinção das obrigações baseada na reciprocidade de créditos e débitos, a qual exige uma declaração unilateral de vontade, impondo-se apreciar, face ao objeto da apelação, os termos em que a lei admite a invocação desta forma de extinção das obrigações no âmbito da ação executiva.
Estando em causa execução baseada em sentença, prevê o artigo 729.º do Código de Processo Civil, entre as diversas situações que podem constituir fundamento de oposição à execução, a invocação, nos termos da alínea h), de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos.
Face à alínea h) do citado artigo 729.º, a invocação de contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação, constitui um dos fundamentos de oposição à execução baseada em sentença expressamente previstos, facultando ao executado a obtenção da compensação no âmbito da ação executiva através da dedução de embargos.
Os embargos de executado consistem num incidente de natureza declarativa que corre por apenso à ação executiva, no qual é facultada ao executado a possibilidade de invocar fundamentos de oposição à execução, nos termos regulados nos artigos 728.º e seguintes do Código de Processo Civil. Estando em causa uma execução de sentença, poderá a oposição basear-se nos fundamentos elencados nas diversas alíneas do artigo 729.º do CPC. Ora, este regime mostra-se imperativo, devendo a oposição à execução ser deduzida nos termos previstos nos artigos 728.º e seguintes do CPC.
Regulando a oposição à execução mediante embargos, no âmbito da execução para pagamento de quantia certa com processo ordinário, dispõe o artigo 728.º do CPC, no n.º 1, que o executado pode opor-se à execução por embargos no prazo de 20 dias a contar da citação; acrescenta o n.º 2 do preceito que, quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado. Tratando-se de processo sumário, dispõe o n.º 1 do artigo 856.º do CPC que feita a penhora, é o executado citado para a execução e, em simultâneo, notificado do ato da penhora, podendo deduzir, no prazo de 20 dias, embargos de executado e oposição à penhora.
Pretendendo o executado obter a extinção da execução mediante a invocação de fundamento taxativamente previsto no artigo 729.º – a saber: contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos, nos termos da alínea h) –, decorre do n.º 1 do artigo 728.º que o meio processual adequado para o efeito consiste na dedução de embargos. Se a matéria da oposição for superveniente, esclarece o n.º 2 do indicado preceito que o prazo para a dedução dos embargos se conta a partir da data em que ocorra o facto ou em que dele teve o executado conhecimento.
É certo que nem sempre assistirá ao executado a faculdade de invocar em embargos um contracrédito com vista a obter a compensação, não sendo tal invocação admissível, designadamente, nos casos em que o mesmo pudesse ter invocado a compensação no âmbito da ação declarativa e não o tenha feito, o que preclude a respetiva invocação na oposição à execução baseada em sentença proferida nessa ação.
O novo Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06), impõe no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), ao réu que pretenda o reconhecimento de um crédito para obter a compensação, a dedução de reconvenção. Como tal, nos casos em que o contracrédito pudesse ter sido invocado no âmbito da ação declarativa, incumbindo ao réu que pretenda o reconhecimento de um crédito para obter a compensação o ónus de deduzir reconvenção, se a não deduzir, fica precludida a posterior invocação do contracrédito em sede de embargos de executado, com vista à obtenção da compensação no âmbito da execução.[3][4]
Porém, a apreciação desta questão não assume pertinência no caso presente, em que a invocação de contracrédito com vista a obter a compensação da compensação não foi deduzida em sede de oposição à execução através de embargos, mas em incidente posterior, o que impõe se aprecie a oportunidade de tal invocação.
Extraindo-se da análise do estatuído nos n.ºs 1 e 2 do citado artigo 728.º que a defesa do executado no âmbito do processo executivo, mediante a invocação de fundamento taxativamente previsto no artigo 729.º, deve ser deduzida na oposição à execução, tal impõe se considere precludida a posterior invocação no processo executivo de fundamento de defesa previsto no citado preceito e não invocado em sede de embargos.
No caso presente, em que o executado não invocou, nos embargos que intentou, o fundamento de oposição à execução no qual baseia o incidente em apreciação, a admissibilidade da posterior invocação de tal fundamento depende da verificação do circunstancialismo previsto no n.º 2 do artigo 728.º, isto é, da superveniência da matéria da oposição, situação em que o prazo de 20 dias para a dedução de embargos se conta a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.
Da alegação do executado, constante do requerimento que deu início ao incidente em apreciação, não decorre qualquer elemento que permita considerar verificada a superveniência dos factos constitutivos do contracrédito invocado ou do respetivo conhecimento por parte do apelante, o que afasta o preenchimento da previsão do n.º 2 do citado artigo 728.º.
Nesta conformidade, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao considerar que, não tendo o executado invocado, no âmbito da oposição que deduziu à execução, o contracrédito de que alega ser titular sobre os exequentes, se mostra precludida a respetiva invocação posterior nos presentes autos, com vista a obter a compensação.
Aqui chegados, sempre se dirá que a questão da superveniência da matéria ora invocada pelo executado visando obter a extinção da execução – titularidade de contracrédito sobre os exequentes com vista a obter a compensação –, foi apreciada e decidida pela 1.ª instância no despacho a que alude a alínea d)-i) de 2.1., que rejeitou o articulado superveniente apresentado pelo executado no apenso A e do qual não foi interposto recurso.
Conforme decorre da alínea e) de 2.1., consta da fundamentação do aludido despacho, além do mais, o seguinte:
(…) no caso em apreço não estamos perante factos supervenientes, já que a obrigação de limpeza que impendia sobre os exequentes resulta do contrato promessa de permuta celebrado em 01/06/2007 e deveriam ter sido executados até 2010, pelo que aquando da dedução dos embargos de executado e oposição à penhora, o Embargante já sabia que os Embargados não tinham cumprido aquilo a que se obrigaram no contrato promessa de permuta outorgado em 1/6/2007 e no escrito denominado “Acordo” da mesma data e se queria exigir dos mesmo o pagamento do preço correspondente e esses trabalhos não executados, então deveria tê-lo feito desde logo.
Aliás, é o próprio Embargante que no articulado ora apresentado alega “do ano de 2009 até à data, as partes trocaram correspondência, a fim de serem realizados os trabalhos prometidos, o que de todo, os Réus não executaram os trabalhos prometidos” (cfr. artigo 10.º) e “ao longo dos anos, (…) tentou que os embargados compreendessem que a cláusula inserta no contrato promessa de permuta tinha que ser respeitada e manutenção do terreno era de suma importância (cfr. artigo 14.º), pelo que a nossos ver, inexistem quaisquer dúvidas de que não estamos perante quaisquer factos supervenientes, o que determina a rejeição do articulado superveniente.
Conforme decorre do excerto transcrito, a questão da superveniência dos factos constitutivos do contracrédito invocado ou do respetivo conhecimento por parte do executado, objeto da decisão recorrida, fora anteriormente colocada pelo ora apelante no âmbito do apenso A, tendo sido apreciada e decidida, sendo considerada não verificada a superveniência da matéria invocada. Tal questão prejudicial foi decidida por despacho transitado em julgado, o que sempre vincularia o apelante no âmbito da ação executiva e respetivos incidentes, designadamente no âmbito do presente incidente.
Em conclusão, tendo-se considerado acertada a decisão recorrida, ao julgar precludida a invocação pelo executado, no incidente em apreciação, da titularidade do aludido contracrédito sobre os exequentes com vista a obter a compensação, impõe-se a confirmação do indeferimento liminar decretado pela 1.ª instância e a consequente improcedência da apelação.
Mostra-se, assim, prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada, relativa à verificação dos requisitos da invocação de contracrédito com vista à compensação de créditos entre o executado e os exequentes, motivo pelo qual não será apreciada.
Improcede, assim, a apelação.


Em conclusão: (…)


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.
Évora, 13-01-2022
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
(1.ª Adjunto)
José Manuel Barata
(2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed. revista e atualizada, 2.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2013, p. 1099.
[2] Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, volume II, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra, Coimbra Editora, 1986, p. 135.
[3] Neste sentido, em anotação ao citado artigo 729.º, explicam António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Coimbra, Almedina, 2020, p. 85.) o seguinte: “(…) o sentido da alínea h), que foi introduzida pelo CPC de 2013, é inseparável do regime que ficou consagrado no artigo 266.º, n.º 2, alínea c), onde foi estabelecida a solução segundo a qual a invocação de um contracrédito em processo declarativo pendente, independentemente do seu valor, deve ser feita por via reconvencional”. Sintetizam estes autores (ob. cit., p. 85-86) o quadro seguinte: “a) Se o réu, no momento em que contesta na ação declarativa, estiver em condições de invocar crédito de que seja titular sobre o autor, deverá fazê-lo por via reconvencional, assegurando a sua apreciação e o (eventual) reconhecimento nessa ação, com o inerente efeito compensatório (…). b) Se o réu, no cenário que antecede, não tiver agido nos termos indicados e vier a ser condenado, fica impedido de invocar o contracrédito em sede de embargos de executado, o que significa que, neste contexto, a reconvenção tem carácter necessário, mas não propriamente preclusivo quanto ao direito de crédito, isto é, o impedimento de invocação do contracrédito em embargos de executado não obsta à invocação desse direito em ação declarativa que o tenha por objeto. c) Porém, se o contracrédito apenas se constituir ou puder ser invocado depois do oferecimento da contestação na precedente ação declarativa, poderá constituir fundamento de embargos ao abrigo desta alínea h), nos mesmos termos em que poderia ser invocado em ação própria, sem sujeição a quaisquer requisitos diferentes dos aplicáveis numa ação declarativa que vise o reconhecimento de um crédito e a fixação dos efeitos decorrentes, ainda que no caso dos embargos de executado tal efeito seja somente o compensatório (…)”.
[4] No mesmo sentido, defendendo a inadmissibilidade da invocação da compensação em sede de embargos de executado quando ela já era possível à data da contestação da ação declarativa, cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 7.ª edição, 2017, Coimbra, Gestlegal, p. 204-205.