Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
219/19.0PAVRS.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO
Data do Acordão: 11/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A circunstância de o condenado se encontrar a cumprir pena privativa da liberdade, em estabelecimento prisional, ligado a outro processo, não constitui impedimento legal, a que possa beneficiar da suspensão da execução da prisão subsidiária, por conversão da pena de multa não paga, ao abrigo do disposto artigo 49º, n.º 3, do Código Penal.
II - A suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos sobreditos, tem obrigatoriamente de ser subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico, por imposição legal, decorrente do n.º 3 do artigo 49º do Código Penal, as quais, obviamente, têm de ser conciliáveis com a situação de reclusão do condenado.
III - Por conseguinte, não existe qualquer impedimento legal à execução simultânea da prisão subsidiária da multa que foi suspensa na sua execução, com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, nos temos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do CP e de uma pena de prisão que o condenado esteja a cumprir, em estabelecimento prisional, à ordem de outro processo.
IV - Donde, em nosso entender, o início do decurso do período de suspensão da execução da prisão subsidiária resultante da conversão da multa não paga, não pode ser sustado até que se mostre cumprida a pena de prisão à ordem de outro processo ou até que o condenado seja restituído à liberdade, por não existir fundamento legal para que tal aconteça.
V - Este entendimento em nada colide com o regime da prescrição da pena, que prevê como causa de suspensão do respetivo prazo, o facto de o condenado estar a cumprir outra pena privativa da liberdade (cf. artigo 125º, n.º 1, al. c), do Código Penal), isto mesmo na perspetiva dos defensores da orientação no sentido de que tal causa de suspensão se aplica também à pena de multa.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. RELATÓRIO
1.1. Nestes autos de processo comum n.º 219/19.0PAVRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António – Juiz 2, o arguido AA, melhor identificado nos autos, foi julgado e condenado, por sentença proferida em 03/12/2020, transitada em julgado em 15/01/2021, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €9 (nove euros), perfazendo o montante global de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros).
1.2. Não tendo o arguido/condenado procedido ao pagamento da multa, foi esta pena convertida em 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, determinando-se a suspensão da execução dessa mesma prisão, pelo período de um ano, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do Código Penal, subordinada à obrigatoriedade de cumprimento do plano que viesse a ser elaborado pela DGRSP.
1.3. Na sequência da comunicação da DGRSP dando conta da dificuldade em elaborar o pano de reinserção social, em virtude de o arguido se encontrar desde 11/01/2022, em cumprimento de pena de prisão, à ordem do Processo n.º 96/21...., cujo termo está previsto para 11/01/2023, o Ministério Público requereu que se aguardasse pelo cumprimento de tal pena, o que foi indeferido por despacho judicial proferido em 09/03/2022.
1.4. Inconformado, o Ministério Público recorreu de tal despacho, apresentando a respetiva motivação e extraindo as seguintes conclusões:
«1. O despacho recorrido determinou que o arguido cumprisse a pena de prisão com execução suspensa à ordem destes autos enquanto cumpre uma pena de prisão efectiva no Proc. 96/21.... do Juízo de Competência Genérica ....
2. Para tal alegou que tal pena destes autos não é uma pena substitutiva e que o que foi determinado não é uma sobreposição de execução de penas.
3. Ora, verifica-se, efectivamente, o contrário, ou seja, a pena de prisão com execução suspensa é substitutiva da pena de prisão efectiva que, por seu turno, substituiu a pena primária de multa em que o arguido foi condenado nestes autos, e que o cumprimento de tal pena ao mesmo tempo da pena de prisão efectiva referida em 1 é uma sobreposição de penas.
4. O sistema jurídico-penal português, como, aliás, decorre do disposto no art.º 125º, nº 1, al.s a) e c) do C.P. no que se reporta à suspensão do prazo de prescrição da pena, não admite a sobreposição do cumprimento de penas, muito menos de prisão.
5. É por isso mesmo que a jurisprudência, designadamente a desse Douto Tribunal, tem afirmado que o cumprimento da pena de prisão com execução suspensa, mesmo que subsidiária a uma pena de multa, pressupõe que o arguido se encontre em liberdade.
6. A natureza e a especificidade de tal tipo de pena, com execução suspensa, apenas em liberdade permite que sejam atingidas a educação do arguido para o direito e a sua reintegração na comunidade que norteiam a opção por aquela.
7. A decisão recorrida violou o disposto no normativo referido em 4.
8. Deve, assim, ser revogada e substituída por outra que determine que os presentes autos aguardem a libertação do arguido para que se inicie o cumprimento da pena de suspensão da execução da pena de prisão susbsidiária, assim se fazendo JUSTIÇA.»
1.5. O arguido não respondeu ao recurso.
1.6. O recurso foi regularmente admitido.
1.7. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever merecer provimento, o que fundamentou da seguinte forma (transcrição):
«(...)
Nos autos foi determinada a suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º do Código Penal.
A questão objeto do presente recurso é a de saber se a concomitante prisão do arguido para cumprimento de pena no âmbito de outro processo tem algum efeito na execução e no computo da suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária.
A decisão judicial é no sentido de que nenhum efeito se produz, havendo que considerar em cumprimento a suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária com adaptação às condições de reclusão supervenientes.
Vejamos:
A consideração subjacente à decisão sob recurso parte do pressuposto de que a execução do tempo de prisão subsidiária transitou em julgado e que o despacho que a determinou é imodificável, restando aplicar a condição a que alude o artigo 49.º do Código Penal.
Porém, desconsiderou o mesmo raciocínio no que se refere às condições a que sujeitou essa suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária, que modificou e que decidiu subordinar “à obrigatoriedade do arguido manter bom comportamento disciplinar durante todo o tempo em que estará a cumprir pena de prisão, condição essa que deverá ser objeto de monitorização pelo EP – caso, durante o decurso do tempo de reclusão, o arguido apresente qualquer incidência disciplinar “deve aquele EP comunicar a ocorrência a estes autos”.
Seja como for, a consideração de que a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária se deve manter em execução, mesmo quando o arguido esteja a cumprir pena de prisão no âmbito de outro processo, ou seja, sem estar em liberdade, tem por consequência que o prazo de prescrição da pena em execução (suspensão) se interrompe com a sua execução, iniciando–se o prazo de prescrição com o trânsito em julgado da decisão condenatória, voltando apenas a correr termos – iniciando-se um “novo prazo” de prescrição – a partir do termo do período de suspensão.
Há, porém, razões para distinguir suspensão da pena de prisão subsidiária da suspensão da pena de prisão principal, no que se refere ao regime de execução e prescrição, pois aquela é uma “sanção de constrangimento”, segundo F. Dias, que visa apenas dar consistência e eficácia à pena de multa, pelo que se deve considerar que a sua prescrição corre segundo o inerente prazo de prescrição da pena de multa principal (cf. Ac. do TRP, de 26.03.2014, Proc. 419/08.0GAPRD-B.P1).
Lê–se no mesmo aresto o seguinte: (…) Esta pena subsidiária, não está abrangida por qualquer prazo de prescrição, dependendo, do prazo de prescrição da pena principal, no caso, pena de multa, pelo que o arguido apenas foi condenado numa pena, a pena de multa. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado (artigo 49.º n.º 2 do Código Penal), o que evidencia que a prisão subsidiária é, em substância, uma sanção penal de constrangimento, tendente a obter a realização de certo efeito preferido pelo legislador, e que consiste, inequivocamente, no pagamento da multa (cfr. Código Penal, Actas e projecto da Comissão de revisão, Ministério Da Justiça, 1993, página 30). Não pode, assim, considerar-se que é com o trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária, que se inicia o prazo de prescrição. Ora, o que aqui está em causa é a pena de multa aplicada, e não a conversão da mesma em prisão subsidiária, que se traduz numa forma de execução da pena de multa, conforme decorre ainda do disposto nos artigos 40.º, n.s 1 e 2, e 70.º do Código Penal. Assim, entendendo-se que a prescrição da pena se deve reportar à pena de multa e não à prisão subsidiária, vejamos se a mesma se encontra prescrita, conforme foi promovido nos autos, dado que só em relação à pena de multa se pode colocar a questão da prescrição. Nos autos, foi o arguido condenado numa pena de 150 dias de multa. De acordo com o disposto no artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Código Penal o prazo de prescrição da pena é de 4 anos. Esse prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a aplicou, conforme decorre do n.º 2 desse mesmo artigo, o que ocorreu em 22 de Setembro de 2008. E ao prazo de contagem da prescrição aplica-se o disposto art.º 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 296.º do mesmo Código. Não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido nos autos tem de se considerar prescrita em 22 de Setembro de 2012, nos termos do disposto nos artigos nos termos do disposto no artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Codigo Penal.”.
Sendo este o quadro a atender, e sendo a pena de multa principal aquela a que se deve aplicar o regime da suspensão, interrupção e extinção, o despacho sob recurso não viola esse regime, apenas centra a decisão em aspetos extravagantes em relação ao que deveria ter sido considerado.
Na verdade, à pena de multa aplicam–se as regras da suspensão da prescrição e da sua interrupção estabelecidos nos artigos 122.º e ss. do Código Penal, designadamente ditando o artigo 125º, n.º 1 alínea c) que a prescrição da pena se interrompe quando o condenado estiver a cumprir outra pena privativa de liberdade.
Assim, não deveria o despacho recorrido ter deixado de declarar suspensa a execução da pena de multa principal aplicada e, por inerência, a ineficácia temporária da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.
2.3. Conclusão
Nos termos expostos, por razões diferentes, deve o recurso interposto pelo Ministério Público merecer provimento e ser determinada a revogação do despacho recorrido e determinada a prolação de despacho em consonância com o aqui defendido.»
1.8. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.9. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir:

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cf. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cf. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões da motivação do recurso a questão suscitada é a de saber se a execução da prisão subsidiária da pena de multa, que foi suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 49º, n.º 3, do Código Penal, quando o condenado se encontre a cumprir pena de prisão efetiva, à ordem de outro processo, só pode ter início após o termo do cumprimento dessa pena de prisão.

2.2. Despacho recorrido
É o seguinte o teor do despacho recorrido:
«A DGRSP vem aos autos comunicar dificuldade de elaboração de mapa / plano em virtude da atual situação de reclusão do arguido. Reclusão essa que apenas terminará em Janeiro de 2023.
Foi determinada a suspensão do cumprimento de prisão subsidiária pelo prazo de 1 ano.
Esta suspensão de cumprimento não é pena substitutiva. É, sim, suspensão do verdadeiro meio coercitivo de cumprimento da pena principal de multa. Não é, pois, possível suspender a execução do meio coercitivo quando ele está já suspenso! Não se trata, sequer, de sobreposição de execução de penas!
Assim, porquanto já foi determinada a suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária, com trânsito em julgado, haverá que concluir que o despacho que a determinou é imodificável. Assim, resta aplicar a condição a que alude o artº. 49º do CP. Concomitantemente, determina-se que a suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária se subordine à obrigatoriedade do arguido manter bom comportamento disciplinar durante todo o tempo em que estará a cumprir pena de prisão.
Esta condição deverá ser objecto de monitorização pelo EP – caso, durante o decurso do tempo de reclusão, o arguido apresente qualquer incidência disciplinar deve aquele EP comunicar a ocorrência a estes autos.
Notifique.
(...).»

2.3. Factos e ocorrências processuais com relevância para a decisão a proferir:
a) Por despacho proferido em 02/09/2021, sob a Ref.ª ...22, em virtude de o arguido/condenado, ora recorrente, não procedido ao pagamento da multa de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €9 (nove euros), perfazendo o montante global de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros), em que foi cominado nos presentes autos, por sentença transitada em julgado em 15/01/2021, foi essa pena convertida em 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária;
b) Por despacho proferido em 23/01/2022, sob a Ref.ª ...92, mediante promoção do Ministério Público, por se entender que o não pagamento da aludida multa não se ficou a dever a culpa do condenado, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do CP, decidiu-se suspender a execução da prisão subsidiária pelo período de 1 ano, subordinando-se tal suspensão à obrigatoriedade de cumprimento de mapa/plano que viesse a ser elaborado pela DGRSP e subsequentemente homologado pelo Tribunal.
c) Tendo-se oficiado à DGRSP, para os fins determinados no despacho referenciado na al. b), veio a mesma entidade comunicar aos autos existir dificuldade em elaborar o solicitado pano de reinserção social, em virtude de o condenado se encontrar desde 11/01/2022, a cumprir a pena de prisão de 1 ano, no EP ..., à ordem do Processo n.º 96/21...., estando o termo do cumprimento da mesma pena previsto para 11/01/2023;
d) Perante a comunicação da DGRSP aludida em c), o Ministério Público promoveu/requereu que se aguardasse pelo cumprimento de tal pena;
e) Sobre a promoção/requerimento do MP mencionado em d), recaiu o despacho ora recorrido

2.4. Conhecimento do mérito do recurso
Conforme supra referimos a questão suscitada no recurso é a de saber se a execução da prisão subsidiária da pena de multa, que foi suspensa, ao abrigo do disposto no artigo 49º, n.º 3, do Código Penal, quando o condenado se encontre a cumprir pena de prisão efetiva, à ordem de outro processo, só pode ter início após o termo do cumprimento dessa pena de prisão.
Dito de outro modo, trata-se de saber se o condenado em pena de multa convertida em prisão subsidiária, cuja execução foi suspensa, por determinado período, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 49º do CP e que se encontre a cumprir pena privativa da liberdade, à ordem de outro processo, tem de aguardar o terminus do cumprimento desta pena, para que tenha início a execução daqueloutra.
O recorrente Ministério Público defende que a execução da prisão subsidiária, ainda que haja sido determinada a respetiva suspensão, nos termos do artigo 49º, n.º 3, do CP, observando o regime da pena principal de multa e atento o disposto no artigo 125º, n.º 1, al. c), do Código Penal, deve ficar suspensa, durante o tempo em que o condenado se encontre a cumprir pena de prisão, à ordem de outro processo.
O Tribunal a quo, no despacho recorrido, perfilhou entendimento em sentido contrário.
Vejamos:
A prisão subsidiária da pena de multa, a que alude o artigo 49º, n.º 1, do Código Penal, na senda da posição defendida pelo Prof. Figueiredo Dias[1], tem sido caraterizada, entre nós, como «sanção penal de constrangimento», que visa dotar a pena de multa da efetividade que deve revestir para se assumir como verdadeira pena capaz de satisfazer os fins estabelecidos no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal.
O aludido entendimento, largamente maioritário, quer na doutrina[2], quer na jurisprudência[3] e que perfilhamos, leva a considerar que a prisão subsidiária resultante da conversão da multa não paga, não é uma pena de substituição, em sentido formal, mantendo a natureza da pena de multa, originária, o que releva, designadamente, em termos de regime do respetivo prazo de prescrição, que se conta a partir da data do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Relativamente à suspensão da execução da prisão subsidiária, por conversão da pena de multa não paga, dispõe o n.º 3 do artigo 49º do Código Penal: «Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.».
Tem sido objeto de controvérsia, doutrinária e jurisprudencial, a questão e saber se o condenado que esteja a cumprir pena privativa da liberdade, à ordem de outro processo, pode ou não beneficiar da suspensão da execução da prisão subsidiária e em caso afirmativo, se tal suspensão deve ser decretada com subordinação ao cumprimento de deveres e regras de conduta, nos termos previstos no artigo 49º, n.º 3, do CP ou se apenas pode ser determinada na modalidade de suspensão simples.
Atualmente, o entendimento que, na jurisprudência, se vem afirmando como maioritário e o qual perfilhamos, é no sentido de que a circunstância de o condenado se encontrar a cumprir pena privativa da liberdade, em estabelecimento prisional, à ordem de outro processo, não constitui impedimento legal, a que possa beneficiar da suspensão da execução da prisão subsidiária, por conversão da pena de multa não paga, ao abrigo do disposto artigo 49º, n.º 3, do Código Penal[4].
No referente à segunda vertente da questão, que se prende com a controvérsia sobre se, na descrita situação de reclusão do condenado, a suspensão da execução da prisão subsidiária, deve, ou não, ser subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico, sufragamos o entendimento de que tal suspensão tem obrigatoriamente de ser subordinada naqueles termos, por imposição legal, decorrente do n.º 3 do artigo 49º do Código Penal[5].
Como bem refere André Lamas Leite[6], o legislador previu «que essa suspensão não seria simples, mas sempre condicionada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico. O que releva em tais injunções é que as mesmas não importem para o condenado a disposição de quantias pecuniárias, na medida em que, como é evidente, foi exatamente a sua falta que o impediu, antes de mais, a liquidar a multa a que fora sentenciado. Retirando essa limitação, abre-se um amplo campo decisório que – nunca podendo violar a dignidade do agente – esbarra não raras vezes na falta de «imaginação judicial». Assim, cabem no conceito, acções de formação profissional ou de outro tipo, frequência de programas destinados a combater a dependências (v.g., álcool, estupefacientes: veja-se o lugar paralelo com o art. 52.º, n.º 3) – aqui sempre com o consentimento do condenado, por imperativo constitucional –, ou outro tipo de programas destinados a melhorar/(re)adquirir competências, inter alia, psicológicas, sociais ou de relacionamento interpessoais.».
Por conseguinte, consideramos não existir qualquer impedimento legal à execução simultânea da prisão subsidiária da multa que foi suspensa na sua execução, com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, nos temos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do CP e de uma pena de prisão que o condenado esteja a cumprir, em estabelecimento prisional, à ordem de outro processo.
Salvo o devido respeito pela posição contrária, em nosso entender, o início do decurso do período de suspensão da execução da prisão subsidiária resultante da conversão da multa não paga, não pode ser sustado até que se mostre cumprida a pena de prisão à ordem de outro processo ou até que o condenado seja restituído à liberdade, por não existir fundamento legal para que tal aconteça.
Afigura-se-nos que este entendimento em nada colide com o regime da prescrição da pena, que prevê como causa de suspensão do respetivo prazo, o facto de o condenado estar a cumprir outra pena privativa da liberdade (cf. artigo 125º, n.º 1, al. c), do Código Penal), isto mesmo na perspetiva dos defensores da orientação no sentido de que tal causa de suspensão se aplica também à pena de multa[7].
Aplicando estas considerações ao caso dos autos, forçoso será concluir que não merece censura o despacho recorrido.
O Tribunal a quo, por despacho de 23/01/2022, decretou a suspensão da execução da prisão subsidiária de 200 (duzentos) dias, resultante por conversão da pena de multa em que o arguido foi condenado neste processo, por sentença transitada em julgado em 15/01/2021, determinando, então, que tal suspensão ficasse subordinada à obrigatoriedade de cumprimento de mapa/plano que viesse a ser elaborado pela DGRSP.
Tendo-se oficiado à DGRSP para que elaborasse aquele mapa/plano, veio a mesma entidade a comunicar aos autos, a dificuldade em satisfazer o solicitado, em virtude de o condenado se encontrar, desde 11/01/2022, a cumprir a pena de prisão de 1 ano, no EP ..., à ordem de outro processo, perante o que o Tribunal a quo, no despacho recorrido, decidiu alterar os deveres a cujo cumprimento ficou subordinada a suspensão da execução da prisão subsidiária, por forma a serem compatíveis com a situação de reclusão do condenado. Assim, a suspensão da execução da prisão subsidiária ficou subordinada à obrigatoriedade de o arguido manter bom comportamento disciplinar durante todo o tempo em que estará a cumprir pena de prisão.
Não cabendo aqui discutir se a regra de conduta a que o Tribunal a quo subordinou a suspensão da execução da prisão subsidiária, é ou não adequada, a assegurar a prossecução das finalidades da pena principal de multa, estabelecidas no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, especialmente, neste âmbito, a reintegração do condenado na sociedade, entendemos que a decisão recorrida, permitindo conciliar a suspensão da execução da prisão subsidiária – subordinada ao cumprimento de regra de conduta, nos termos previstos no artigo 49º, n.º 3, do CP –, com a situação de reclusão em que o condenado se encontra, a cumprir pena de prisão, à ordem de outro processo, não existindo qualquer impedimento legal, ao cumprimento, em simultâneo, dessas duas penas, é conforme à lei, pelo que, não merece reparo.
A solução contrária, preconizada pelo Ministério Público recorrente, que implicaria que estando o condenado a cumprir pena, no estabelecimento prisional, à ordem de outro processo, o período de suspensão da execução da prisão subsidiaria, resultante da conversão da pena de multa, não paga, em que foi cominado nestes autos, só pudesse ter início, depois de cumprida aquela pena de prisão, ressalvado o devido respeito, carece de fundamento legal.
Impõe-se, pois, negar provimento ao recurso.

3. DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência, confirmar o despacho recorrido.
Sem tributação.
Notifique.
Évora, 8 de novembro de 2022

Fátima Bernardes
Fernando Pina
Maria Beatriz Marques

_______________________________________
[1] In Direito penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 146 e 147.
[2] Cf., por todos, André Lamas Leite, “Algumas considerações em torno do art. 49.º , n.º 3, do CP (...)», in Revista do Ministério Público 142, Abril-Junho 2015, págs. 172-173 e Miguez Garcia e Castela Rio, in Código penal. Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, pág. 317.
[3] Vide, entre muitos outros, Ac. da RE de 20/11/2009, proc. n.º 65/03.3PBBJA.E1, Ac. da RG de 24/05/2021, proc. n.º 2228/16.2T9GMR.G1, Ac.s da RP de 26/03/2014, proc. n.º 419/08.0GAPRD-B.P1 e de 23/06/2021, proc. n.º 746/16.1PWPRT.P1, acessíveis in www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. da RE de 19/05/2015, proc. n.º 1388/08.0GFSTB-B.E1 e Ac. da RG de 16/12/2021, proc. n.º 1726/18.8PBBRG-A.G1, acessíveis in www.dgsi.pt
[5] Neste sentido, cf., por todos, Ac.s da RP de 07/01/2015, proc. n.º 55/13.8PDPRT-B.P1 e de 11/11/2020, proc. n.º 105/14.0T9FLG.P2, disponíveis in www.dgsi.pt
[6] In ob. cit., pág. 180
[7] A questão de saber se a causa de suspensão da prescrição da pena, prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 125º do Código Penal, apenas se aplica às penas privativas da liberdade ou é também aplicável às penas não privativas da liberdade, especialmente à pena de multa, é objeto de acesa controvérsia na doutrina e na jurisprudência, não cabendo aqui tomar posição acerca dessa matéria, na medida em que, tal como se conclui, não tem implicações no objeto do recurso em apreciação.