Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FÁTIMA BERNARDES | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO PRISÃO SUBSIDIÁRIA CUMPRIMENTO SIMULTÂNEO | ||
Data do Acordão: | 11/08/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | I - A circunstância de o condenado se encontrar a cumprir pena privativa da liberdade, em estabelecimento prisional, ligado a outro processo, não constitui impedimento legal, a que possa beneficiar da suspensão da execução da prisão subsidiária, por conversão da pena de multa não paga, ao abrigo do disposto artigo 49º, n.º 3, do Código Penal. II - A suspensão da execução da prisão subsidiária, nos termos sobreditos, tem obrigatoriamente de ser subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico, por imposição legal, decorrente do n.º 3 do artigo 49º do Código Penal, as quais, obviamente, têm de ser conciliáveis com a situação de reclusão do condenado. III - Por conseguinte, não existe qualquer impedimento legal à execução simultânea da prisão subsidiária da multa que foi suspensa na sua execução, com subordinação ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, nos temos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do CP e de uma pena de prisão que o condenado esteja a cumprir, em estabelecimento prisional, à ordem de outro processo. IV - Donde, em nosso entender, o início do decurso do período de suspensão da execução da prisão subsidiária resultante da conversão da multa não paga, não pode ser sustado até que se mostre cumprida a pena de prisão à ordem de outro processo ou até que o condenado seja restituído à liberdade, por não existir fundamento legal para que tal aconteça. V - Este entendimento em nada colide com o regime da prescrição da pena, que prevê como causa de suspensão do respetivo prazo, o facto de o condenado estar a cumprir outra pena privativa da liberdade (cf. artigo 125º, n.º 1, al. c), do Código Penal), isto mesmo na perspetiva dos defensores da orientação no sentido de que tal causa de suspensão se aplica também à pena de multa. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nestes autos de processo comum n.º 219/19.0PAVRS, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António – Juiz 2, o arguido AA, melhor identificado nos autos, foi julgado e condenado, por sentença proferida em 03/12/2020, transitada em julgado em 15/01/2021, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de €9 (nove euros), perfazendo o montante global de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros). 1.2. Não tendo o arguido/condenado procedido ao pagamento da multa, foi esta pena convertida em 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, determinando-se a suspensão da execução dessa mesma prisão, pelo período de um ano, nos termos do disposto no artigo 49º, n.º 3, do Código Penal, subordinada à obrigatoriedade de cumprimento do plano que viesse a ser elaborado pela DGRSP. 1.3. Na sequência da comunicação da DGRSP dando conta da dificuldade em elaborar o pano de reinserção social, em virtude de o arguido se encontrar desde 11/01/2022, em cumprimento de pena de prisão, à ordem do Processo n.º 96/21...., cujo termo está previsto para 11/01/2023, o Ministério Público requereu que se aguardasse pelo cumprimento de tal pena, o que foi indeferido por despacho judicial proferido em 09/03/2022. 1.4. Inconformado, o Ministério Público recorreu de tal despacho, apresentando a respetiva motivação e extraindo as seguintes conclusões: «1. O despacho recorrido determinou que o arguido cumprisse a pena de prisão com execução suspensa à ordem destes autos enquanto cumpre uma pena de prisão efectiva no Proc. 96/21.... do Juízo de Competência Genérica .... 2. Para tal alegou que tal pena destes autos não é uma pena substitutiva e que o que foi determinado não é uma sobreposição de execução de penas. 3. Ora, verifica-se, efectivamente, o contrário, ou seja, a pena de prisão com execução suspensa é substitutiva da pena de prisão efectiva que, por seu turno, substituiu a pena primária de multa em que o arguido foi condenado nestes autos, e que o cumprimento de tal pena ao mesmo tempo da pena de prisão efectiva referida em 1 é uma sobreposição de penas. 4. O sistema jurídico-penal português, como, aliás, decorre do disposto no art.º 125º, nº 1, al.s a) e c) do C.P. no que se reporta à suspensão do prazo de prescrição da pena, não admite a sobreposição do cumprimento de penas, muito menos de prisão. 5. É por isso mesmo que a jurisprudência, designadamente a desse Douto Tribunal, tem afirmado que o cumprimento da pena de prisão com execução suspensa, mesmo que subsidiária a uma pena de multa, pressupõe que o arguido se encontre em liberdade. 6. A natureza e a especificidade de tal tipo de pena, com execução suspensa, apenas em liberdade permite que sejam atingidas a educação do arguido para o direito e a sua reintegração na comunidade que norteiam a opção por aquela. 7. A decisão recorrida violou o disposto no normativo referido em 4. 8. Deve, assim, ser revogada e substituída por outra que determine que os presentes autos aguardem a libertação do arguido para que se inicie o cumprimento da pena de suspensão da execução da pena de prisão susbsidiária, assim se fazendo JUSTIÇA.» 1.5. O arguido não respondeu ao recurso. 1.6. O recurso foi regularmente admitido. 1.7. Neste Tribunal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de o recurso dever merecer provimento, o que fundamentou da seguinte forma (transcrição): «(...) Nos autos foi determinada a suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º do Código Penal. A questão objeto do presente recurso é a de saber se a concomitante prisão do arguido para cumprimento de pena no âmbito de outro processo tem algum efeito na execução e no computo da suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária. A decisão judicial é no sentido de que nenhum efeito se produz, havendo que considerar em cumprimento a suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária com adaptação às condições de reclusão supervenientes. Vejamos: A consideração subjacente à decisão sob recurso parte do pressuposto de que a execução do tempo de prisão subsidiária transitou em julgado e que o despacho que a determinou é imodificável, restando aplicar a condição a que alude o artigo 49.º do Código Penal. Porém, desconsiderou o mesmo raciocínio no que se refere às condições a que sujeitou essa suspensão da execução do tempo de prisão subsidiária, que modificou e que decidiu subordinar “à obrigatoriedade do arguido manter bom comportamento disciplinar durante todo o tempo em que estará a cumprir pena de prisão, condição essa que deverá ser objeto de monitorização pelo EP – caso, durante o decurso do tempo de reclusão, o arguido apresente qualquer incidência disciplinar “deve aquele EP comunicar a ocorrência a estes autos”. Seja como for, a consideração de que a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária se deve manter em execução, mesmo quando o arguido esteja a cumprir pena de prisão no âmbito de outro processo, ou seja, sem estar em liberdade, tem por consequência que o prazo de prescrição da pena em execução (suspensão) se interrompe com a sua execução, iniciando–se o prazo de prescrição com o trânsito em julgado da decisão condenatória, voltando apenas a correr termos – iniciando-se um “novo prazo” de prescrição – a partir do termo do período de suspensão. Há, porém, razões para distinguir suspensão da pena de prisão subsidiária da suspensão da pena de prisão principal, no que se refere ao regime de execução e prescrição, pois aquela é uma “sanção de constrangimento”, segundo F. Dias, que visa apenas dar consistência e eficácia à pena de multa, pelo que se deve considerar que a sua prescrição corre segundo o inerente prazo de prescrição da pena de multa principal (cf. Ac. do TRP, de 26.03.2014, Proc. 419/08.0GAPRD-B.P1). Lê–se no mesmo aresto o seguinte: (…) Esta pena subsidiária, não está abrangida por qualquer prazo de prescrição, dependendo, do prazo de prescrição da pena principal, no caso, pena de multa, pelo que o arguido apenas foi condenado numa pena, a pena de multa. O condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa em que foi condenado (artigo 49.º n.º 2 do Código Penal), o que evidencia que a prisão subsidiária é, em substância, uma sanção penal de constrangimento, tendente a obter a realização de certo efeito preferido pelo legislador, e que consiste, inequivocamente, no pagamento da multa (cfr. Código Penal, Actas e projecto da Comissão de revisão, Ministério Da Justiça, 1993, página 30). Não pode, assim, considerar-se que é com o trânsito em julgado do despacho que determinou o cumprimento da prisão subsidiária, que se inicia o prazo de prescrição. Ora, o que aqui está em causa é a pena de multa aplicada, e não a conversão da mesma em prisão subsidiária, que se traduz numa forma de execução da pena de multa, conforme decorre ainda do disposto nos artigos 40.º, n.s 1 e 2, e 70.º do Código Penal. Assim, entendendo-se que a prescrição da pena se deve reportar à pena de multa e não à prisão subsidiária, vejamos se a mesma se encontra prescrita, conforme foi promovido nos autos, dado que só em relação à pena de multa se pode colocar a questão da prescrição. Nos autos, foi o arguido condenado numa pena de 150 dias de multa. De acordo com o disposto no artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Código Penal o prazo de prescrição da pena é de 4 anos. Esse prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a aplicou, conforme decorre do n.º 2 desse mesmo artigo, o que ocorreu em 22 de Setembro de 2008. E ao prazo de contagem da prescrição aplica-se o disposto art.º 279.º do Código Civil, por remissão do artigo 296.º do mesmo Código. Não tendo ocorrido qualquer causa de interrupção ou de suspensão da prescrição, a pena de multa aplicada ao arguido nos autos tem de se considerar prescrita em 22 de Setembro de 2012, nos termos do disposto nos artigos nos termos do disposto no artigo 122.º n.º 1 alínea d) do Codigo Penal.”. Sendo este o quadro a atender, e sendo a pena de multa principal aquela a que se deve aplicar o regime da suspensão, interrupção e extinção, o despacho sob recurso não viola esse regime, apenas centra a decisão em aspetos extravagantes em relação ao que deveria ter sido considerado. Na verdade, à pena de multa aplicam–se as regras da suspensão da prescrição e da sua interrupção estabelecidos nos artigos 122.º e ss. do Código Penal, designadamente ditando o artigo 125º, n.º 1 alínea c) que a prescrição da pena se interrompe quando o condenado estiver a cumprir outra pena privativa de liberdade. Assim, não deveria o despacho recorrido ter deixado de declarar suspensa a execução da pena de multa principal aplicada e, por inerência, a ineficácia temporária da suspensão da execução da pena de prisão subsidiária. 2.3. Conclusão Nos termos expostos, por razões diferentes, deve o recurso interposto pelo Ministério Público merecer provimento e ser determinada a revogação do despacho recorrido e determinada a prolação de despacho em consonância com o aqui defendido.» 1.8. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta. 1.9. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência. Cumpre agora apreciar e decidir: 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.2. Despacho recorrido 2.3. Factos e ocorrências processuais com relevância para a decisão a proferir: 2.4. Conhecimento do mérito do recurso 3. DECISÃO Fátima Bernardes Fernando Pina Maria Beatriz Marques _______________________________________ [1] In Direito penal Português, As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, págs. 146 e 147. [2] Cf., por todos, André Lamas Leite, “Algumas considerações em torno do art. 49.º , n.º 3, do CP (...)», in Revista do Ministério Público 142, Abril-Junho 2015, págs. 172-173 e Miguez Garcia e Castela Rio, in Código penal. Parte Geral e Especial, Almedina, 2014, pág. 317. [3] Vide, entre muitos outros, Ac. da RE de 20/11/2009, proc. n.º 65/03.3PBBJA.E1, Ac. da RG de 24/05/2021, proc. n.º 2228/16.2T9GMR.G1, Ac.s da RP de 26/03/2014, proc. n.º 419/08.0GAPRD-B.P1 e de 23/06/2021, proc. n.º 746/16.1PWPRT.P1, acessíveis in www.dgsi.pt. [4] Neste sentido, cf., entre outros, Ac. da RE de 19/05/2015, proc. n.º 1388/08.0GFSTB-B.E1 e Ac. da RG de 16/12/2021, proc. n.º 1726/18.8PBBRG-A.G1, acessíveis in www.dgsi.pt [5] Neste sentido, cf., por todos, Ac.s da RP de 07/01/2015, proc. n.º 55/13.8PDPRT-B.P1 e de 11/11/2020, proc. n.º 105/14.0T9FLG.P2, disponíveis in www.dgsi.pt [6] In ob. cit., pág. 180 [7] A questão de saber se a causa de suspensão da prescrição da pena, prevista na al. c) do n.º 1 do artigo 125º do Código Penal, apenas se aplica às penas privativas da liberdade ou é também aplicável às penas não privativas da liberdade, especialmente à pena de multa, é objeto de acesa controvérsia na doutrina e na jurisprudência, não cabendo aqui tomar posição acerca dessa matéria, na medida em que, tal como se conclui, não tem implicações no objeto do recurso em apreciação. |