Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
420/14.3T8TMR-D.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
MONTANTE SUPERIOR AO DEVIDO PELO PROGENITOR
Data do Acordão: 06/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A prestação de alimentos a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, em caso de incumprimento, pelo progenitor, da obrigação previamente fixada judicialmente, não pode ser estabelecida em montante superior a esta.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: P. 420/14.3T8TMR-D.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

O Ministério Público, em representação de (…), nascido em 27 de Maio de 2000 e de (…), nascido em 16 de Junho de 2005, requereu a fixação do montante de € 120,00 mensais a cada um dos menores, a título de prestação social de alimentos a pagar pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, em substituição do devedor e ao abrigo do disposto nos arts. 1º e 2º da Lei 75/98, de 19.11 e 3º do D.L. 164/99, de 13.5, invocando a impossibilidade de cobrança coerciva dos montantes de alimentos em dívida, em virtude de não serem conhecidos bens ou rendimentos ao progenitor obrigado ao seu pagamento.
A M.ma Juiz “a quo” veio a proferir decisão, ao abrigo do disposto nos arts.1.º, 2.º, 3.º, da Lei n.º 75/98, de 9.11, na versão dada pela Lei n.º 66-B/2012, e 2.º, 3.º e 4.º, do D.L. n.º 164/99, de 13.05, na versão dada pela Lei n.º 64/2012, de 20.12, por referência ao disposto no DL n.º 70/2010, de 16.06, na qual fixou em € 140,00 mensais os alimentos devidos ao menor (…) e em € 120,00 mensais os alimentos ao menor (…), a suportar provisoriamente, de futuro, pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores.
Analisados os autos verifica-se que, por decisões judiciais, já transitadas em julgado, ficou o requerido obrigado a pagar, a título de alimentos devidos ao seu filho (…), a quantia mensal de € 75,00 e ao seu filho (…), a quantia mensal de € 50,00.
Inconformado com a decisão supra referida, no que se reporta ao valor mensal a pagar a título de alimentos devidos aos menores (…) e (…), veio o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, na qualidade de gestor do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, interpor recurso de apelação de tal decisão, apresentando para o efeito as suas alegações e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
A. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, na parte em que condenou o FGADM a proceder ao pagamento de prestação de alimentos em valor superior ao que foi o valor judicialmente determinado ao progenitor devedor [em concreto, € 140,00 em substituição de € 75,00 referente ao menor (…) e € 120,00 em substituição de € 50,00 referente ao menor (…).
B. Sobre a impossibilidade de ser fixada ao FGADM uma prestação superior a que se encontrava vinculado o progenitor em incumprimento, já se pronunciaram os Tribunais Superiores, referindo-se entre outros, os acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2014, Proc. N.º 1414/05.TMLSB-B.L1 (6.ª Secção), de 30/01/2014, Proc. N.º 130/06.5TBCLD-E.L1-6; de 30/01/2014, Proc. N.º 306/06.5TBAGH-A.L1-6; de19/12/2013, Proc. N.º 122/10.0TBVPV-B.L1-6; de 12/12/2013, Proc. N.º 2214/11.9TMLSB-A.L1-2; de 08/11/2012, Proc. N.º 1529/03; o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19/02/2013, Proc. N.º 3819/04; o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 10/10/2013, Proc. N.º 3609/06.5; de 25/02/2013, Proc. N.º 30/09; e o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, de 14/11/2013, Proc. N.º 292/07.4.
C. Mas também, já o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou recentemente nesse sentido, através do Acórdão de Revista n.º 257/06.3TBORQ-B.E1.S1, proferido em 29/05/2014, transcrevendo-se o sumário do mesmo: «Na hipótese de ser determinada a obrigação do FGADM de prestar ao menor alimentos, por ter deixado de ser cumprida essa obrigação, pelo respectivo devedor, a obrigação do Fundo não pode ser fixada em montante superior àquele que constituía a prestação incumprida.»
D. A intervenção do FGADM visa apenas que seja o Estado a colmatar a falta de pagamento da prestação de alimentos por parte do progenitor que foi judicialmente condenado a cumprir tal obrigação e, refira-se, por determinado e concreto valor (judicialmente fixado).
E. Com efeito, a obrigação de prestação de alimentos pelo FGADM é autónoma da prestação alimentícia decorrente do poder paternal e não decorre automaticamente da lei, sendo necessária uma decisão judicial que a imponha, ou seja, até essa decisão não existe qualquer obrigação.
F. Ao pretender o Tribunal a quo fixar o aumento da prestação que foi judicialmente fixada ao progenitor, deveria em primeiro lugar, fixar o aumento ao progenitor devedor, e nessa medida, aquando da intervenção do FGADM em regime de sub-rogação, poderá o FGADM assumir o (novo) valor fixado.
G. Aliás, o n.º 1 do artigo 3.º da Lei n.º 75/98 não deixa dúvidas que o montante que o tribunal fixa a cargo do Estado é para este prestar "em substituição do devedor".
H. Existe uma "substituição", apenas enquanto houver a obrigação original, por se verificarem os seus pressupostos e ocorrer incumprimento da mesma, o que seria diferente se estivéssemos perante uma obrigação diversa, desligada da originária.
I. Assim, a manter-se a decisão recorrida, a obrigação e a responsabilidade de prestar alimentos deixará de ser imputável ao progenitor obrigado, passando a ser única e exclusivamente da responsabilidade do FGADM.
J. Face ao exposto, verifica-se a violação do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 164/99, de 13 de Maio, uma vez que o FGADM não é o obrigado à prestação de alimentos, assumindo apenas a obrigação, como interveniente acidental que se substitui ao progenitor [obrigado judicialmente] incumpridor.
L. Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso e, consequentemente, revogada a douta decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que determine o montante da prestação de alimentos em valores inferiores ou iguais àqueles que foram fixados judicialmente ao progenitor devedor. Decidindo-se assim, far-se-á a costumada Justiça.
Pelo Ministério Público foram apresentadas contra alegações de recurso nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGADM), prevista no artigo 1.º, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro (Garantia de Alimentos Devidos a Menores), não pode ser superior à prestação judicialmente fixada ao devedor de alimentos.
Apreciando, de imediato, a questão supra referida importa referir a tal propósito que sobre a mesma já se veio a pronunciar, em caso análogo ou similar ao dos presentes autos, o Ac. da R.C. de 19/2/2013, disponível in www.dgsi.pt, sendo que, desde já, adiantamos que aderimos integralmente às razões e fundamentos sufragados em tal aresto, os quais, de seguida, passamos a transcrever:
- Nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, a prestação a cargo do Fundo depende da existência de uma «…pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor…» que não pagou «…as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto -Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro».
Por conseguinte, ainda que um menor esteja carecido de alimentos, o Estado não lhe garante uma prestação de alimentos a não ser que tal prestação esteja já fixada judicialmente a cargo do devedor de alimentos e estejam verificados os requisitos previstos na indicada lei.
É este o sentido da lei e a razão de ser da sua existência na ordem jurídica.
Sendo assim, a obrigação do Fundo consiste apenas em assegurar que os menores receberão os alimentos fixados judicialmente a seu favor.
Enquanto interpretação meramente literal não se afigura susceptível de objecções.
A letra da lei (Lei n.º 75/98 de 19 de Novembro e Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio) e o sentido das soluções legais que constam da mesma, indicam também que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior à prestação fixada judicialmente ao devedor dos alimentos.
Assim, na al. a), do n.º 1, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, determina-se que o Fundo assegurará o pagamento da prestação de alimentos quando, a «A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro».
Ora, as quantias em dívida aqui mencionadas só podem ser aquelas que estão fixadas judicialmente.
Poderá objectar-se que a lei se refere apenas à prestação de alimentos como categoria jurídica e não ao seu montante concreto, isto é, o Fundo assegurará a prestação de alimentos de que o menor está carecido a partir do momento em que haja incumprimento da prestação de alimentos fixada ao devedor e impossibilidade de cobrança coerciva.
Por outro lado, no n.º 3 do artigo 6.º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro determina-se que «O Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores fica sub-rogado em todos os direitos dos menores a quem sejam atribuídas prestações, com vista à garantia do respectivo reembolso».
Face a esta norma pode argumentar-se, como o faz o recorrido, que a lei mostra que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior ao montante devido pelo devedor de alimentos porque o Fundo só fica sub-rogado nos direitos do menor relativamente aos alimentos fixados.
Com efeito, como referiu Antunes Varela, a sub-rogação consiste na «… substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento» ([3]).
A sub-rogação constitui, por isso, uma faceta do regime legal que corrobora a ideia de que a prestação do Fundo não pode ser superior àquela que é devida pelo obrigado.
Porém, dir-se-á, este argumento não é decisivo, pois poderá objectar-se que o instituto da sub-rogação não impede a fixação de quantia superior à prestação de alimentos devida pelo devedor, sucedendo apenas, como já atrás se referiu, que acima desta quantia não há sub-rogação do Fundo.
Pesando os argumentos a favor e contra que ficaram referidos, afigura-se que a prestação a cargo do Fundo não pode ser superior à prestação colocada a cargo do devedor de alimentos ([4]).
Com efeito, a lei existe para garantir que a prestação de alimentos fixada a favor do menor seja recebida por este, ainda que seja uma terceira entidade a pagá-la, substituindo o devedor.
É esta a finalidade.
A prova de que a finalidade é esta, retira-se desta simples constatação: se o devedor pagar a quantia de alimentos a que está obrigado, por exemplo, os €125,00 euros do caso dos autos, a intervenção do Fundo nunca ocorre.
Sendo assim, não há justificação material para o Fundo suportar uma prestação de, por exemplo, €170,00 euros, que o menor nunca receberia se o obrigado a prestar os alimentos cumprisse a sua obrigação.
Resulta desta constatação que o Fundo apenas substitui o devedor no pagamento da obrigação concreta fixada judicialmente, não se tratando de uma substituição legal genérica, passando o Estado a assumir o papel de obrigado a alimentos.
Cumpre também observar que quando uma hipótese de solução é correcta, isto é, corresponde à realidade, neste caso à realidade jurídica, tal solução é coerente com quaisquer situações com que se confronte, mas se se tratar de uma solução inadequada revelar-se-á, face a determinados testes, incoerente.
Ora, o exemplo que a seguir se indica mostra que a solução sustentada pelo recorrente leva a um resultado incoerente.
Vejamos.
No artigo 1.º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, na redacção em vigor à data da instauração da acção, referia-se o seguinte:
«Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos a menor residente em território nacional não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentado não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, o Estado assegura as prestações previstas na presente lei até ao início do efectivo cumprimento da obrigação».
E, nos termos do n.º 1, do artigo 10.º, do Decreto-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, «Se o representante legal ou a pessoa a cuja guarda o menor se encontre receberem indevidamente prestações do Fundo, designadamente porque o devedor iniciou o cumprimento da obrigação de prestações de alimentos, deverão aqueles proceder de imediato à sua restituição».
Sendo assim, servindo de exemplo a hipótese factual colocada no recurso, seria deveras incoerente a verificação de uma situação como esta:
O Fundo estava a pagar ao menor uma prestação mensal de € 170,00 euros, por ter havido um aumento da prestação a cargo do Fundo, que inicialmente era igual à do devedor, no montante de € 125,00 euros, a qual em relação a este último não sofreu qualquer alteração.
Como o devedor iniciou o pagamento dos € 125,00 euros, e a mais não estava obrigado, cessava a prestação do Fundo e o menor passava a receber apenas do devedor de alimentos os € 125,00 euros e não os € 170,00 euros que estava a receber do Fundo.
Pergunta-se, então:
Por que razão o obrigado a prestar alimentos não há-de pagar € 170,00 euros?
Responder-se-á que tal não é possível porque o devedor só está obrigado por sentença a pagar € 125,00 euros.
Mas, se é assim, na tese do recorrente, por que razão o Fundo não continua a pagar a diferença entre € 125,00 euros e € 170,00 euros, isto é, € 45,00 euros, uma vez que o menor necessita desta quantia?
Responder-se-á que a lei impede esta solução, pois se o obrigado retoma o pagamento dos alimentos, cessa a obrigação do Fundo.
Mas, se é assim, como efectivamente é, então este impedimento no sentido do Fundo pagar aquela diferença, também mostra que o Fundo não deve pagar em caso algum quantia superior àquela que o obrigado está condenado a pagar.
É que, se a prestação a suportar pelo Fundo pudesse ser superior à prestação do devedor dos alimentos, então a lei devia prever a hipótese, mas não prevê, que, tendo o devedor retomando o pagamento da prestação de alimentos, se porventura esta prestação fosse inferior à que vinha sendo paga pelo Fundo, esta entidade continuaria vinculada a pagar alimentos ao menor, agora no montante equivalente à diferença entre a prestação que o Fundo estava a pagar e aquela que o devedor recomeçou a pagar, ao invés de prever simplesmente, nesta hipótese, a cessação da obrigação a cargo do Fundo.
Na mesma linha de raciocínio e orientação do aresto supra transcrito veja-se também o Ac. da R.L. de 8/11/2012, disponível in www.dgsi.pt, onde, a dado passo, é afirmado o seguinte:
- Poderia porém pensar-se que, quando se concluísse pela verificação dos pressupostos de intervenção do FGADM, acentuando-se a natureza de prestação social de tal intervenção, a definição do montante da prestação alimentar a favor do menor, sendo uma obrigação nova e autónoma da do progenitor obrigado, deveria atender apenas aos critérios enunciados no artigo 2º da Lei 75/98, de19 de Novembro, renovadas no artigo 3º do diploma regulamentar (o Decreto Lei 164/99, de 13 de Maio):
“1. As prestações atribuídas nos termos da presente lei são fixadas pelo tribunal e não podem exceder, mensalmente, por cada devedor, o montante de 4 Uc.
2. Para a determinação do montante referido no número anterior o tribunal atenderá à capacidade económica do agregado familiar, ao montante da prestação de alimentos fixada e às necessidades específicas do menor”.
Não é esse, porém, o entendimento que perfilhamos, não só porque nos situamos ainda no âmbito de um incidente de incumprimento, no qual o obrigado passou a não ter intervenção, mas também pelas razões que passam a expor-se.
Importa que se tenha presente que a obrigação de prestação de alimentos por parte do progenitor – a obrigação tal como previamente fixada pelo tribunal – se mantêm a par da obrigação da prestação que vier a ser determinada para ser suportada pelo FGADM, mantendo-se esta enquanto durar aquela obrigação principal, de que ela é dependente.
Por outro lado, não pode olvidar-se que o FGADM fica sub rogado em todos os direitos dos menores a quem seja atribuída a prestação, com vista à garantia do respectivo reembolso e que este reembolso pode ser judicialmente exigido ao progenitor obrigado a alimentos.
Isto é, o Estado, através do FGADM “não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos, apenas assegura o pagamento efectivo duma prestação, desde que o menor deles careça e enquanto o devedor não inicie o seu pagamento ou não cesse essa obrigação, ficando este onerado com o reembolso dessa prestação” (Tomé d’Almeida Ramião in “Organização Tutelar de Menores – Anotada e Comentada – Jurisprudência e Legislação Conexa” – 10ª edição a página 200).
Sendo assim os direitos do menor em que o FGADM fica sub rogado têm como referência e limite precisamente o direito de crédito que o menor tinha em relação ao progenitor obrigado nos termos previamente estabelecidos pelo tribunal no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Dito de outro modo, a prestação do FGADM, podendo ser fixada – tendo sempre em conta o disposto no artigo 2º da Lei 75/98, de19 de Novembro e os parâmetros nele estabelecidos – pelo tribunal em montante não coincidente com o que foi fixado para o progenitor obrigado, terá sempre como referência e limite máximo (() Para além do limite de 4 UC previsto na parte final do nº 1 do artigo 2º da Lei 75/98, de 19 de Novembro.), o montante da prestação de alimentos incumprida pelo obrigado originário.
È nesse sentido que aponta a vontade do legislador ao criar um mecanismo de garantia de prestação de alimentos a menores, desde que a pessoa judicialmente obrigada a prestá-los os não satisfaça.
Com mediana clareza se extrai do artigo 1º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, que o FGADM só intervêm para garantir os alimentos devidos a menor quando tenha sido previamente fixada pelo tribunal uma concreta – e incumprida – obrigação de prestação de alimentos a favor de determinado menor.
Coerentemente não pode o intérprete abstrair desse elemento na interpretação da norma constante do artigo 2º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, o que releva para efeito do disposto no artigo 9º, nº 1, do Código Civil.
Neste contexto, o que o artigo 2º da Lei 75/98, de 19 de Novembro, estabelece são critérios de determinação do montante dos alimentos a suportar pelo FGADM, tendo como limite o valor da obrigação que o progenitor do menor não cumpriu.
Em conclusão, estando em causa o incumprimento das responsabilidades parentais na vertente da obrigação de prestação de alimentos e, concluindo-se que estão reunidas as condições para a intervenção do FGADM, não pode, ao abrigo da Lei 75/98, de 19 de Novembro, determinar-se que o valor da prestação a suportar por este seja superior ao que está prévia e judicialmente definido para o obrigado.
Acresce que sobre esta mesma questão se veio a pronunciar, no mesmo sentido dos arestos anteriores, o acórdão do STJ de 29/5/2014, disponível in www.dgsi.pt, onde se sustentou, nomeadamente, que:
- Na hipótese de ser determinada a obrigação do FGADM de prestar ao menor alimentos, por ter deixado de ser cumprida essa obrigação, pelo respectivo devedor, a obrigação do Fundo não pode ser fixada em montante superior àquele que constituía a prestação incumprida – sublinhado nosso.
E, também em sentido idêntico, pode ver-se o acórdão do STJ de 13/11/2014, disponível in www.dgsi.pt, onde é afirmado o seguinte:
- A prestação do FGAM, no caso de ser declarado o incumprimento do progenitor obrigado a alimentos não pode ser fixada em montante superior ao que tiver sido fixado pelo Tribunal e objecto do processo incidental, porque a tal se opõem as disposições insertas na Lei 75/98, de 19 de Novembro e do seu Decreto regulamentar, DL 164/99, de 13 de Maio.
- O FGAM intervém a titulo de sub-rogação, ficando investido por via do seu cumprimento, na posição do credor (o menor), adquirindo, assim, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam, não pode, deste modo, exceder a medida da obrigação devida e que é satisfeita em substituição do devedor originário.
- O FGAM foi gizado para prever situações de carência específica, não estando configurado como um mecanismo universal de assistência a menores, circunscrevendo a sua actuação às situações de falta de pagamento das pensões de alimentos pelos progenitores a tal obrigados - sublinhado nosso.
Também o aqui relator já se havia pronunciado sobre esta questão, nos mesmos termos dos arestos acabados de transcrever, o que veio a fazer no P.488/08.1TBBJA-C.E1, por acórdão datado de 4/12/2014 e no P.1929/06.8TBEVR.E1, por acórdão com data de 5/12/2013.
Todavia, posteriormente aos arestos supra transcritos, veio a ser proferido pelo STJ o recente Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, datado de 19/3/2015, disponível in www.dgsi.pt, o qual veio a colocar um ponto final na querela que até aí vinha a dividir a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, acórdão esse no qual se decidiu Uniformizar a Jurisprudência da seguinte forma:
- «Nos termos do disposto no artigo 2° da Lei n. 75/98, de 19 de Novembro, e no artigo 3° n° 3 do DL n.º 164/99, de 13 de Maio, a prestação a suportar pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores não pode ser fixada em montante superior ao da prestação de alimentos a que está vinculado o devedor originário» – sublinhado nosso.
Assim sendo, atentas as razões e fundamentos acima expostos - com os quais, não será demais repetir, concordamos inteiramente - forçoso é concluir que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, fixa-se em 75,00 € mensais os alimentos devidos ao menor Sérgio e fixa-se em 50,00 € mensais os alimentos devidos ao menor Rúben, quantias essas a suportar provisoriamente, de futuro, pelo Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores (sendo os valores de 75,00 €/mês e de 50,00 €/mês aqueles que, respectivamente, vieram a ser fixados nos processos de regulação das responsabilidades parentais dos menores (…) e (…), por decisões judiciais já transitadas em julgado).

***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida nos exactos e precisos termos supra referidos.
Sem custas.
Évora, 11 de Junho de 2015
Rui Machado e Moura
Conceição Ferreira
Mário Serrano

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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).