Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA JOÃO SOUSA E FARO | ||
Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO IMPUGNAÇÃO DE DOCUMENTOS APERFEIÇOAMENTO DA PETIÇÃO | ||
Data do Acordão: | 03/02/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | Se na narração da petição de embargos, o embargante afirma que a assinatura constante da livrança exequenda não lhe pertence mas na conclusão da mesma peça refere que “segundo a sua versão pessoal dos factos, não se recorda de em momento algum a ter assinado”, há uma incongruência entre estas duas afirmações que não deveria ter, sem mais, conduzido ao indeferimento liminar mas, sim, a um despacho de aperfeiçoamento, prolatado à luz do nº4 do art.º590º do CPC. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | I. RELATÓRIO 1. AA, Executado nos autos de execução ordinária instaurados por Cabot Securisation (Europe) Limited, deduziu embargos de executado, com fundamento na nulidade do título executivo – livrança - impugnando a genuinidade do documento, nos termos do art.º444.º, do Código de Processo Civil. Requereu, também, que o recebimento dos embargos tenha efeito suspensivo, sem prestação de caução, ao abrigo do art.º 733.º, n.º1, al.c), do Código de Processo Civil. Alegou, para tanto e em suma, a factualidade seguinte:
3. É desta decisão que o embargante recorre, formulando, na sua apelação, as seguintes conclusões: 1º- O ora Executado – Embargante -confrontando com a existência de um (Documento) com a designação Livrança: - No valor de € 13.826, 06 2º-Alega, segundo a sua versão pessoal, que não foi subscrita por si. 3º- Não recebeu qualquer valor titulado dessa livrança 4º- Não reconhece essa assinatura como sua , impugnação da assinatura do documento particular. 5º- Não se responsabiliza pelo valor, alegadamente, suportada, no título executivo 6º - Incluindo juros vencidos e vincendos 7º- Estamos perante um caso que o Executado alega a falsidade da sua assinatura, em caso de comprovação pericial, gera a nulidade do documento. 8º- Para além do crime de falsificação de documentos Artigo 256.º Falsificação ou contrafação de documento. B)- Impugnando o Executado- Embargante AA a genuinidade do título executivo, uma vez segundo a sua versão pessoal dos factos, não se recorda de em momento algum o ter assinado. C)- Segundo a sua versão pessoal dos factos, acresceu dizendo que «não se recorda de em momento algum o ter assinado», é uma mera força de expressão, que habitualmente se diz, meramente conclusiva e que não inquina ou é incompatível com os factos alegados. D) A realidade factual concretamente alegada foi que a assinatura não foi elaborada por si. E)) Uma expressão conclusiva, não encerra em si uma dúvida sobre se elaborou a assinatura, F) Esta afirmação não contém a possibilidade de ter assinado, e não abre uma hipótese para que a elaboração da assinatura tenha sido levada a cabo pelo Executado, é um erro interpretativo, fora do contexto- G) Não é contraditória com a descrição da causa de pedir. H))Com todo o respeito o Embargante, Executado, não declara em momento algum em concreto que não sabe se aquele determinado facto é real . I) A expressão que não se recorda de ter assinado a livrança, não constitui em si matéria de facto contraditória – com os factos concretos alegados - J) O Tribunal recorrido faz uma interpretação subjetiva e errónea de uma expressão, meramente conclusiva K)O tribunal recorrido violou na sua interpretação a aplicação ao caso concreto o art.º574.º, n.º1, do Código de Processo Civil e: deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem causa de pedir invocada pelo autor e foi bem definida na matéria facto alegada e não numa mera frase de natureza conclusiva e de força de expressão. L)O Tribunal recorrido violou a aplicação e interpretação do princípio dispositivo que impõe que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, que têm o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções, invocadas – art.º5.º, n.º1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo dos factos atendíveis ao abrigo da previsão do n.º2- » Os factos concretos foram, alegados pelo Embargante – Nestes termos e nos demais de direito, requer-se a V.Ex.ª que julguem o presente recurso procedente e por provado em conformidade com as suas conclusões, ordenando a revogação da Douta sentença recorrida. Em face do exposto deve ser revogada a douta sentença que determinou a improcedência dos presentes embargos de executado, o que, nos termos do art.º732.º, n.º1, al.c), do Código de Processo Civil, que constitui causa de indeferimento liminar, e assim deve ordenar a admissão dos embargos liminarmente, seguindo-se os ulteriores termos até final.”.
4. Não houve contra-alegações.
5. Ponderando que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – a única questão cuja apreciação as mesmas convocam – consiste em saber se havia fundamento para indeferir liminarmente os embargos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
“ (…) Apreciando, em sede liminar. O título dado à execução trata-se de uma livrança, nomeadamente na qual o Executado e ora Embargante intervém na qualidade de subscritor. Os fundamentos da oposição à execução são os permitidos no âmbito da previsão do art.º731.º, do Código de Processo Civil. O princípio dispositivo impõe que o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, que têm o ónus de alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções, invocadas – art.º5.º, n.º1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo dos factos atendíveis ao abrigo da previsão do n.º2. No caso, não consegue apurar-se, à partida e com a necessária solidez, o fundamento essencial pelo qual a parte embarga de executado. As afirmações de que a livrança não foi subscrita por si, nem reconhece a assinatura como sendo de sua autoria, integram a manifestação da negação da elaboração da assinatura. Contudo, e concomitantemente com estas afirmações, consigna que não se recorda de, em momento algum, ter assinado o título executivo, que é a livrança. Sendo neste quadro factual que o Embargante assenta a procedência da sua pretensão, por via da demonstração da nulidade do título executivo, desde logo se apresenta como contraditória a descrição da causa de pedir. É que uma realidade factual é saber que a assinatura não foi elaborada por si. Outra realidade factual, diversa e incompatível, é a dúvida sobre se elaborou a assinatura, pois esta afirmação tanto contém a possibilidade de não ter assinado, como já abre uma hipótese para que a elaboração da assinatura tenha sido levada a cabo pelo Executado. Ou seja, o Executado, aparentando, primeiramente, comprometer-se com a afirmação de que a elaboração da assinatura não foi feita por si, alega depois haver, afinal, a possibilidade de o ter sido, pois, se não se recorda, tanto pode acontecer que não tenha, efectivamente, subscrito a livrança, como que o tenha feito. Este é, portanto, um facto cuja invocação tem de estar - porque ele é essencial à causa de pedir -, perfeitamente definida à partida, e não está. No limite, e se avançássemos, quanto a esta declaração equívoca, para o plano probatório, o art.º574.º, n.º1, do Código de Processo Civil, aplicável no âmbito dos embargos de executado, estabelece que, ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem causa de pedir invocada pelo autor. Atentando na disciplina do n.º3, deste mesmo art.º574.º, o resultado também deixa antecipar a improcedência. É que o Embargante, Executado, ao declarar que não sabe se aquele determinado facto é real – que é o que faz ao afirmar que não se recorda de ter assinado a livrança, o que não é o mesmo do que afirmar que sabe que não o fez -, a declaração equivale a confissão, por tratar-se de facto pessoal e de que o réu deveria ter conhecimento. Por conseguinte, por um lado, o Executado afirma que não sabe se é aquela (assinatura da livrança) a realidade dos factos, mas simultaneamente impugna a assinatura, o que são realidades incompatíveis entre si e viciam, de forma insanável, a descrição da causa de pedir; por outro lado, e ainda que não impugnasse, não poderia valer-se da dúvida sobre um facto pessoal e de que deveria ter conhecimento para fundar a sua pretensão. Estas situações, porque não configuram a exigida posição definida, não podem coexistir na alegação como causa de pedir da defesa, sob pena de colocar o tribunal em situação de ter de decidir não sobre mérito da causa, mas sobre que realidade objectiva a parte quis, afinal, alegar. E, para mais, no caso concreto, qualquer uma das pretendidas fundamentações conduziria à improcedência da oposição. É por todo o exposto que se conclui pela manifesta improcedência dos presentes embargos de executado, o que, nos termos do art.º732.º, n.º1, al.c), do Código de Processo Civil, constitui causa de indeferimento liminar.”.
7. Do mérito do recurso Como se extrai do relato antecedente, foi dada à execução uma livrança subscrita pelo ora embargante. |