Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
48/14.8T8PSR-A.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: AVAL
RELAÇÃO CAMBIÁRIA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- O avalista embargante, não sendo sujeito da relação subjacente à subscrição de uma livrança, não pode deduzir defesa, ou oposição à execução com base na relação extracartular a que é alheio.
II- O aval é um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal, que se constitui como uma garantia cambiária com as características imanentes às relações cartulares, donde, a eventual circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz.
Decisão Texto Integral: AA deduziu embargos de executado contra o exequente BANCO, S.A..
Alega, em síntese, e para além do mais, que a livrança não é suficiente, como título executivo, para a execução dos autos principais, quando é necessário esclarecer da sua existência e mormente como foi preenchida e da informação que lhe estava subjacente, bem como, em especial, da consciência e da reserva de quem a subscreveu. Mais refere que o valor indicado na livrança não corresponde ao valor reivindicado na execução, sendo este último superior àquele.
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O exequente contestou, impugnando, em síntese, o alegado em sede de oposição à execução, referindo que a obrigação cartular é um direito independente do direito subjacente.
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Proferido saneador sentença foram os embargos julgados improcedentes e em consequência deles se absolveu o exequente.
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Inconformada recorreu a embargante tendo concluído nos seguintes termos:
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No entender da executada, como embargante e ora recorrente na fase em que se encontra o presente processo, não estão apurados todos os factos essenciais que permitem conhecer da acção.
Desde logo recorda-se que, em sede de oposição, foram indicados argumentos, factos, e documentos que poderão perigar o pedido executivo, a exigibilidade da livrança, da boa-fé do portador da dita livrança, bem como, opostas excepções que poderão por em causa / decisivamente a perfeição e valência do próprio titulo de crédito.
A junção de documentos torna-se essencial e relevante, requisitados na Petição de Embargos, aceites e ordenados em D. Despacho judicial. Ou seja, o que se revelou desde logo pertinente no entender do Douto Julgador ao ter expressamente ordenado a sua junção, não é prescindido pela Embargante, nem tal se pode deduzir, corno uma posição por este assumida, que na verdade a embargante nunca tomou.
Tendo a embargante reforçado a necessidade da junção de documentos, após conhecer a contestação e a junção de documentos, por parte do embargado, (que inclusive em parte foram impugnados expressamente) o Douto Julgador apenas refere que face à resposta (explicação) do Exequente os elementos que não foram juntos nos autos não se mostram, por ora, essenciais.
Neste sentido, denota-se a ausência de pronúncia sobre requerimento da embargante ao reforçar em requerimento autónomo a necessidade dos documentos, sendo que tão pouco houve qualquer notificação para pronúncia sobre esta resposta do exequente. Por outro lado, acresce que a expressão «por ora» implicava necessariamente uma provisoriedade, aguardando-se pois uma resposta definitiva e por outro lado, não pode o Douto Julgador, não conhecendo os documentos saber se os mesmos são, ou não, essenciais. Afectou-se irremediavelmente o principio do contraditório e bem como da igualdade das partes.
Na realidade, ficou a Embargante, sem qualquer esclarecimento (claro, coerente e suficiente) e perspectiva do Douto Julgador, por falta de fundamentação, mormente, porque foi valorada apenas a explicação do exequente, porque não se mostram essenciais esses documentos, naquele espaço e contexto de tempo e porque não eram os documentos - que o Douto julgador desconhecia no seu conteúdo – essenciais. Ora, a obrigação de fundamentação, conforme resulta do art.º 205 da Constituição da Republica Portuguesa, art.º 5.º do CPC, além dos n.ºs 4 e 5 do art. 607, alínea d) do n.º 1 do art.615 do mesmo Diploma.

Na realidade as questões envolvidas nos embargos de executado, são demasiado amplas, decisórias e pertinentes, apenas concretizáveis e esclarecidas em sede de apresentação da prova em sede de julgamento em conexão com a prova documental.
Estas mesmas questões são também por sua vez susceptíveis de alterar a decisão da causa sendo que na oposição à execução podia a executada alegar quaisquer fundamentos que seria lícito deduzir corno defesa no processo de declaração (artigo 731.ª do CPC).
Ou seja, os avalistas (onde se englobam a recorrente) acreditaram que com a sua assinatura, concediam e assinavam um documento do Banco, porque pedido e preparado pelo Banco, apresentado e revelado pelo representante do Banco, para o Banco.
A assinatura do documento inserido nos docs. 2 e 3 da Petição de Embargos, envolveu os avalistas.
Como se verifica pois na pendência deste contexto fáctico e das situações em concreto, por uma questão de justiça e de direito, e os princípios que se lhes impõe, devia o D. Julgador ter continuado com o processo pelas diversas questões e factos que mereciam apreciação e averiguação em concreto, que podiam levar a outra decisão, afectando irremediavelmente, a alínea d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.
Por outro lado, até pelo numero de processos e pela sua exacta similitude, pela ligação intrínseca e justificação do aparecimento do aval e a concessão do mesmo, quer pelo próprio título, quer em carta dirigida a BB, quer ainda pelo facto das duas decisões semelhantes foram proferidas pela CMVM, revela-se, por evidência também a conexão inerente com a circunstância fáctica da venda da campanha acções Banco.
Para além destas questões, que deveriam ser avaliadas, outras questões, mormente suscitadas em sede de oposição, inclusive na própria contestação, nomeadamente da razão porque foram concedidos os avales e porque foram dadas soluções diversas às mesmas situações, do facto de haver numerosos avalistas para a mesma situação de facto, do relacionamento entre o Banco directamente com os avalistas através do seu representante, BB.
Sem que se tome também a devida importância a outras questões, mormente; a quem foi concedido o aval, se foi directamente ao Banco, pese embora conste da livrança o nome do representante, BB, da consciência da assinatura e dos pressupostos dessa assinatura no documento executivo, se inclusive, o próprio exequente contratou com a executada, conforme ordenado pela CMVM, para que as situações das livranças e empréstimos no âmbito da campanha Banco, fossem efectivamente colmatadas, se houve efectivamente o acordo de preenchimento e se o mesmo foi respeitado de harmonia, a existir, se a livrança foi preenchida de forma regular, se houve uma relação directa entre o Banco – como se acredita – numa relação directa e imediata, directa e próxima com a avalista e mormente se a concessão do aval foi concedida com plena consciência, conhecimento de todos os factos e inclusive, no âmbito de intervenção directa do Banco com a ora avalista, e se o portador da livrança, actua, como portador e exequente, de boa-fé ou com falta grave, ao conhecer o modo como promoveu a assinatura da avalista e do contexto que rodeou a mesma.
Por outro lado ainda interessaria conhecer todos os documentos, apreciando-os, no sentido de verificar essa prova documental, por cartas endereçadas da própria instituição bancária ao avalisado, das declarações deste e da posição que teve, quer para com o Banco, quer para com a avalista, como representante e actuando em nome do próprio Banco, quer inclusive o documento elaborado pelo dito gerente, BB.
Perante o que acima foi referido não parece haver qualquer duvida que existiu uma relação directa e imediata, entre avalista(s), independentemente de a classificarmos como material ou meramente formal entre exequente e a embargante.
Mesmo o art.º 47.º da Oposição, mencionado na D. Sentença – deve ser conectado, interpretado e obviamente relacionado com todo o texto do articulado. Se assim for, verificar-se-á que o que se pretendia era referir que o empréstimo em causa foi negociado, exclusivamente com o sacado e aceitante para cobrir a venda das acções Banco que foi realizada aos avalistas pelo próprio Banco, sendo que o dito BB assumiu integral e pessoalmente esse empréstimo. Tal facto, não obstou por exigência do próprio Banco que o acordo de preenchimento fosse subscrito, dele consta a sua assinatura, formalmente pela avalista.
Não nos parece haver qualquer duvida que estarmos na pendência de relações imediatas, o que permite suscitar todas as questões mencionadas na oposição, avaliar das mesmas e após a prova em sede de julgamento, conceder a decisão final, em relação aos portadores imediatos e aos terceiros portadores de má fé, o devedor pode deduzir qualquer defesa.
Mas mesmo que entendemos que apenas se estabeleceram mediatas e daí prevalecer a independência do título formal, corno parece entender a Douta Sentença. não poderia ser tomada, sem apuramento total da matéria de facto (vide testemunhal e documental).
O carácter autónomo e literal da letra só produz efeitos quando o título entra em circulação e se encontra em poder de terceiros de boa-fé.
Nada impede que mesmo aceitando a literalidade da livrança não haja outras matérias em apreciação, deduzíveis da petição de embargos e das alegações da matéria de facto que foram produzidas, mormente relacionadas com o erro sobre os motivos.
No caso, foram invocados factos que, se provados, serão extintivos, ou pelo menos relevantes, na apreciação do crédito reclamado pela exequente. Sendo tais factos controvertidos, a prova poderá e deverá – ter lugar em julgamento, sob pena de afectação irremediável do artigo 571.º alínea d) do n.º 1, do art.º. 615. (quando o D. julgador não se pronuncia sobre questões que deveria apreciar) e arts.ºs 728.º e 731.º do CPC. Avalista (ora executada e embargante) e Sacador, como exequente e portador, são também sujeitos da relação extracartular, pelo que entre ambos a livrança se encontra no domínio das relações imediatas.
O estado do processo não permite a apreciação da oposição à execução, porquanto permanecem controvertidos diversos factos alegados pela executada e porque foi tomada pela embargante meios de prova essenciais, mormente documentos, que o exequente deveria juntar. Não o tendo feito, tendo sido ordenados pelo Tribunal, que em 1.º momento os considerou não essenciais, em 2° momento, sem qualquer alteração substancial ou articular no processo, não pode apenas, sem justificação e fundamentação, considerar a sua desnecessidade “tout court”.
Os autos deverão prosseguir para julgamento.
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Não se mostram juntas contra-alegações.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
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O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:
1-Nos autos principais de execução, serve como título executivo a livrança junta aos autos a fls. 7, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2-Na livrança é referendado o «contrato de empréstimo CLS n.º 091933701».
3-O acordo referido em 2. foi celebrado entre o exequente e BB.
4-No verso da livrança. por debaixo da expressão «Dou o meu aval ao Subscritor», está aposta a assinatura da embargante.
5-Na parte da frente da livrança é indicada a quantia de vinte e nove mil, cento e oitenta euros e oitenta e oito cêntimos.
6-No requerimento executivo dos autos principais, é peticionado o valor indicado na livrança, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% e respectivo imposto de selo, no montante de Euros 130.26 (cento e trinta euros e ‘vinte e seis cêntimos).
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É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.(art.º 639.º, CPC).

A questão que nuclearmente se discute é a de saber se, no caso em apreço, poderia e deveria ter sido proferida sentença, na fase do saneador sem ser produzida mais prova do que a documental já existente nos autos, o que poderá ter conduzido (do ponto de vista da recorrente) ao conhecimento intempestivo do pedido.
Os recorrentes entendem em face do por si alegado deveria ter-se avaliado as relações entre os intervenientes no título – livrança – com a produção de prova testemunhal por si arrolada, bem como com a junção por parte do embargado de mais documentação como requereram. Concluem que o conhecimento “prematuro” nos termos em que foi efectuado põe em causa os princípios do contraditório e da igualdade das partes.
A decisão proferida não se apresenta como decisão surpresa. As partes tinham, ou pelo menos deviam ter, o conhecimento e a percepção de que o Julgador podia (ia) proferir decisão de mérito na fase do saneador. Isso se evidenciava pelo facto de, previamente, terem sido decididas todas as questões prévias suscitadas pelos embargante e de se ter designado a audiência prévia prevista no art.º 591° do CPC com a finalidade de facultar às partes a discussão de facto e de direito, a qual tem como subjacente e decorre da própria norma, que o Juiz tencione conhecer imediatamente no todo ou em parte do mérito da causa.
A discussão de facto e de direito foi feita pelos ilustres mandatários das partes, conforme resulta da ata de audiência prévia, não podendo os embargantes virem agora invocar que não tiveram oportunidade de exercerem o contraditório e que foi violado o princípio da igualdade das partes no âmbito do processo.
É certo que em 9-6-2015 foi emitida pronúncia sobre a pretendia junção de documentos, no sentido de se julgar que tais documentos «não se ‘mostram por ora essenciais para a boa decisao da causa da causa, sendo certo que, quanto ao original da livrança, o mesmo já consta dos autos principais, indefere-se o requerido pela embargante a este propósito.»
Como sustenta a recorrente tal despacho aponta para uma provisoriedade da decisao. A expressão «por ora», aponta para uma decisao posterior a julgar pertinente ou não a junção de tais documentos.
Todavia tal decisão, pelo menos implicitamente, ocorreu aquando da designação de data para a audiência previa com a finalidade de facultar às partes a discussão de facto e de direito, discussão essa que tem subjacente que o Juiz tenciona conhecer imediatamente no todo ou em parte do mérito da causa.
A embargante/executada aceitou que a livrança em execução na qual deram o seu aval ao subscritor, foi subscrita por BB no âmbito de um empréstimo “exclusivamente realizado” por este junto do exequente.
Torna-se, pois inócuo o apuramento do circunstancialismo factual relativo às relações existentes entre subscritor e avalistas, mesmo que o subscritor fosse à data gerente do exequente, da filial, e tivesse a executada, por sugestão deste, que também era seu amigo, adquirido acções através de empréstimos concedidos pelo próprio banco, sendo que da matéria alegada não resulta caracterizada qualquer situação de erro ou dolo, enquanto vício da vontade, nem tal foi expressamente invocado, que pudesse pôr em causa a aposição do aval no titulo dado à execução.
Mesmo que se pudessem apurar mais factos alegados pela embargante, caso fossem ouvidas as testemunhas por si arroladas e juntos mais documentos, sempre os mesmos, em face das posições das partes e conteúdo do título dado à execução, não seriam idóneos a alterar a relação cambiária, nem a eximir a embargante/executada, enquanto avalista, das responsabilidades assumidas com a aposição da sua assinatura no título, pois não se poderia concluir que o aval foi concedido directamente ao exequente e não ao subscritor da livrança BB, pondo em causa a validade e eficácia da garantia de caucionar a obrigação do avalizado, sendo que temos por comummente aceite que os avalistas embargantes não sendo sujeitos da relação subjacente à subscrição de uma livrança, não podem deduzir defesa, ou oposição à execução com base na relação extracartular a que são alheios. (v. Ac. do TRP de 26/04/2004 no processo 0450927 disponível em www.dgsi.pt).
Do exposto decorre que nada há que censurar quando o julgador decidiu prescindir de mais provas e apreciou o mérito na fase do saneador.
O aval, apesar de economicamente visar um fim semelhante à fiança, representa uma obrigação pessoal de garantia dotada de um regime jurídico próprio, apresentando duas diferenças essenciais: i) contrariamente ao que se passa com a fiança, que é uma garantia de natureza acessória, nos termos do artigo 627.º, n.º 2 do Código Civil, a obrigação do avalista é autónoma, subsistindo mesmo no caso de a obrigação do avalizado ser nula por qualquer razão que não um vício de forma, nos termos do artigo 32.°, n.º 2 da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças (LULL); ii) enquanto a fiança tem natureza subsidiária – benefício da prévia excussão do fiador (artigo 638.° do Código Civil) -, a obrigação do avalista é solidária, respondendo a par dos demais subscritores pelo pagamento integral do título – artigo 47.°, n.º 1 da LULL.
O aval é um acto jurídico unilateral, não receptício, autónomo, independente e formal, que se constitui como uma garantia cambiária com as características imanentes às relações cartulares, a saber: a abstracção, a literalidade e a autonomia, donde, a eventual circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista, para obter a satisfação da quantia titulada na livrança (Ac. do ST J de 10/05/2011 in www.dasi.pt. no Processo 5903/09.34TVLS.L1.S1.)
O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada. A sua obrigação mantém-se, mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma conforme expressamente prevê o art.º 32° da LULL. No entanto, a expressão responsável da mesma maneira que a pessoa afiançada tem de ser entendida em termos hábeis. O subscritor avalizado, que esteja em relação imediata com o portador, poderá opor-lhe todos os meios de defesa que se baseiem na relação fundamental, ao passo que o avalista, apesar de obrigado da mesma maneira da pessoa avalizada, não poderá invocar esses meios, porque não é sujeito de tal relação e não estará, assim, em relação imediata com o portador, pelo só facto de ser avalista de um obrigado imediato do portador” (v. PINTO FURTADO in Títulos de Crédito, Almedina, 153-154).
Sendo a obrigação decorrente do aval materialmente autónoma da obrigação do avalizado, embora dependente quanto ao aspecto formal, não se apresenta como curial e razoável que o banco recorrido, enquanto credor do executado Carlos Tojo decorrente do empréstimo que lhe concedeu ficasse inibido de accionar concomitantemente ou exclusivamente a recorrente/avalista.
No mesmo sentido decidiu o recente Acórdão. desta Relação proferido no processo n.º 471/14.0T8PSR-A.E1 (2.ª Secção Cível) num quadro factual absolutamente idêntico aos dos presentes autos.
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Improcedem pois as conclusões da recorrente.
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Pelo exposto acordam os Juízes da Secção Cível do tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e em consequência confirmam a decisao recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Évora, 7 de Abril de 2016

Jaime Pestana

Paulo Amaral

Rosa Barroso