Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
69/19.4JAPTM.E1
Relator: BEATRIZ MARQUES BORGES
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
ARMA
AGRAVANTE
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Estando previsto no artº 132º, nº 2, alínea h), do C.P. a utilização de meio particularmente perigoso como o uso de arma como elemento constitutivo do crime de homicídio qualificado e sendo o mesmo meio previsto como agravante de crimes de acordo com o nº 3 do artigo 86º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, o uso de arma não pode ser agravado, de novo, em função deste último dispositivo legal.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. Da decisão
No Processo Comum Coletivo n.º 69/19.4JAPTM da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão, Juiz 2, submetido a julgamento por acusação do MP, foi o arguido (...):
a) Condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do CP, agravado pelo artigo 86.º, n.ºs 3 e 4 da Lei 5/2006 de 23/02, na pena de dezasseis anos de prisão;
b) Absolvido do crime de detenção de arma proibida por que vinha acusado, por se encontrar em concurso aparente com o crime de homicídio em que foi condenado;
c) Obrigado a aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva, por não se terem alterado os pressupostos de facto e de direito que determinaram a sua aplicação em sede de 1.º interrogatório judicial, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea j) do CP e 191.º, 202.º, n.º 1, alínea a) e 204.º, alíneas a) e c), 213.º, alínea b) e 215.º do CPP;
d) Condenado a pagar ao assistente/demandante (...) a quantia global de cento e trinta e um mil e seiscentos e cinquenta euros a título de indemnização por danos, dos quais três mil seiscentos e cinquenta euros a título de danos patrimoniais e o restante a titulo de danos não patrimoniais;
e) Absolvido das restantes quantias peticionadas pelo demandante (...)(...);
f) Condenado a pagar à assistente/demandante (...), a quantia de quarenta mil euros a título de indemnização por danos não patrimoniais;
g) Condenado no pagamento dos juros vincendos, a acrescer às quantias arbitradas aos demandantes a titulo de indemnização por danos não patrimoniais à taxa legal dos juros civis, a partir da presente decisão e até integral pagamento;
h) Condenado no pagamento dos juros vincendos, a acrescer à quantia arbitrada ao demandante a título de indemnização por danos patrimoniais, à taxa legal dos juros civis, a partir do trânsito em julgado da presente decisão e até integral pagamento;
o) Obrigado, após trânsito, a sujeitar-se à recolha de ADN em conformidade com o disposto no artigo 8.º, n.º 2 da Lei 5/2008 de 12/2.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O recurso visa submeter à apreciação do tribunal superior o incorreto julgamento em matéria de facto, o erro de julgamento em matéria de direito – artºs.412º, nº2 e 3, do C.P.P, a redução da pena e a impugnação do quantum indemnizatório;
2. O recorrente considera incorretamente julgados os factos 1.3, 1.5, 1.6,1.12 e 1.13, não quanto à sua dinâmica mas quanto à autoria dos mesmos, requerendo o reexame da prova por declarações e testemunhal;
3. Enuncia a decisão recorrida que, para dar como provados os factos descritos em 1.3, 1.5,1.6, 1.12 e 1.13, o tribunal socorreu-se dos depoimentos das testemunhas (…) e declarações do assistente (...), conforme vem elencado a pág.29;
4. Quanto ao reconhecimento do arguido como autor do crime, extrai-se do texto da decisão que tribunal não retirou qualquer contributo, para a versão vertida na matéria de facto, dos depoimentos das testemunhas (…) –não estavam no local do crime;
5. A testemunha (…) estava no local do crime, mas o tribunal não retirou do seu depoimento qualquer consequência quanto ao reconhecimento da autoria dos factos (pág.17;
6. Quanto às circunstâncias em que o crime ocorreu o tribunal, no exame crítico, considerou que foram fundamentais os depoimentos das testemunhas (…) (págs.13 e 14) e…
7. não retirou quaisquer consequências desses depoimentos quanto ao reconhecimento do autor dos factos;
8. O tribunal concluiu que o assistente reconheceu o arguido como autor dos factos porque o conhecia de viverem na mesma comunidade (pág.12);
9. Quanto à autoria do crime, o tribunal considerou que as declarações do assistente encontraram suporte nos depoimentos das testemunhas (…) (pág.12);
10. Não foi feita qualquer interpretação conjugando e correlacionando entre si as declarações do assistente e daquelas testemunhas…
11. que permita saber qual o contributo dado pelos depoimentos de (…) quanto à autoria do crime;
12. Há uma contradição na fundamentação entre o exame crítico dos depoimentos daquelas testemunhas e do assistente…
13. Que não permite compreender a racionalidade e lógica do exame…
14. No exame crítico dos depoimentos dessas testemunhas, feito pelo tribunal extraiu-se que as mesmas não reconheceram o arguido como autor..
15. Tais depoimentos apenas foram considerados, pelo tribunal, importantes quanto às circunstâncias do crime;
16. Mas no exame crítico das declarações do assistente já considerou, quanto à autoria do crime, que essas declarações encontraram suporte nos depoimentos de (…);
17. A decisão recorrida é violadora do princípio da inocência e in dubio pro reo…
18. …ao considerar que as declarações do assistente encontraram suporte nos depoimentos daquelas testemunhas quanto à autoria do crime, porquanto…
19. …aquelas testemunhas não reconheceram o arguido.
20. Apenas (…) e o assistente (...) estavam no local do crime, como se extrai do texto da decisão;
21. Da leitura conjugada dos factos 1.12 e 1.13 extrai-se que o suposto atirador terá feito - a pé, a correr- o percurso entre o local dos factos e o restaurante (...).
22. Do exame crítico resulta que (…) viram o atirador abandonar o local dos factos a pé…
23. … que (…) estavam no restaurante (...)… e que o arguido também lá esteve…
24. Não foi feita prova do que aconteceu no percurso entre o local dos factos e o (...).
25. O arguido tinha por hábito correr, andar de bicicleta e andar a cavalo-depoimentos de (…).
26. Para julgar provados os factos 1.3,1.5 e 1.12, o tribunal fundamentou-se, entre outros, nos depoimentos das testemunhas (…) (gravação da audiência de 21/06/2019, pelas 10H56, entre 00:00 e 18:07 m), e (…) (gravação da audiência de 21/06/2019, pelas 10H15, entre 00:00 e 04:32 m e gravação do mesmo dia pelas 10H35, entre 00:00 e 20:23 m);
27. Estas testemunhas não reconheceram o arguido como autor dos factos pelo que…
28. o seu depoimento só pode relevar para prova da dinâmica dos factos;
29. Para prova do facto 1.5, o tribunal socorreu-se também do depoimento da testemunha (…) …
30. declarou ter visto uma pessoa alta de cara tapada e só dos ombros para cima porque tinha o balcão do bar à frente…; (gravação da audiência de 17/02/2020, pelas 11H32, entre 00:00 e 17:31 m)
31. Declarou residir na (...) há 8/9 ano e não obstante conhecer e conviver com o arguido…
32. …declarou não ter reconhecido o atirador como sendo o arguido…
33. Relativamente ainda à prova do facto 1.5 e também 1.6, o tribunal fundou-se nas declarações do assistente (...).
34. Declarou ter visto atirador da cintura para cima (porque tinha o balcão do bar à frente), todo vestido de preto e com uma máscara na cara.
35. Disse ter reconhecido o arguido como autor dos disparos pela característica física da “largura e altura” do atirador;
36. Mas a final, declarou que a primeira pessoa com quem falou foi o tio a quem relatou o que se passou, nos seguintes termos -“não disse concretamente que tinha sido o (...) (…)as palavras que eu disse ao meu tio foi que eu achava que era o (...)”;
37. Perante um atirador vestido de preto e de cara tapada e tudo tendo acontecido repentinamente não é credível reconhecer uma pessoa apenas com base na “altura e na largura;
38. Não se provou qual era a altura e largura do arguido;
39. Tanto mais que o assistente teve dúvidas quando disse que “achava que era o (...)”.
40. Não indicou um concreto sinal distintivo, uma sólida razão de ciência, que pudesse associar o atirador ao arguido;
41. O tribunal não discorreu sobre as razões de ciência que retirou das declarações do assistente para que possa ter reconhecido o encapuzado de cara tapada como sendo o arguido (pág.10).
42. Apenas descreve que o assistente reconheceu o arguido porque o conhecia de viverem na mesma comunidade (pág.12).
43. Tendo o assistente declarado que conheceu o arguido pela altura e largura, impunha-se que indicasse um claro sinal distintivo que naquelas circunstâncias…
44. …perante um encapuzado, permitisse distinguir o arguido de outras pessoas conhecidas com a mesma altura e largura.
45. Para além da altura e da largura o assistente não apresentou qualquer outra razão de ciência.
46. Mas expressou claramente que tinha dúvidas ao declarar: “não disse concretamente que tinha sido o (...) (…) as palavras que eu disse ao meu tio foi que eu achava que era o (...)”.
47. Como se extrai pode da audição das declarações, na questão concreta da identificação do autor dos factos, o assistente fez um discurso arrastado, enrolado e impreciso;
48. Tentando incriminar o arguido –pela altura e pela largura- embora sabendo que não reconheceu ninguém;
49. O assistente é parte interessada no desfecho do processo, tendo peticionado uma milionária indemnização;
50. E requereu abertura de instrução tendo em vista pronunciar o arguido pela prática de um crime de homicídio tentado contra o assistente (fls. ), não obstante ter declarado…
51. …com grande frieza,ter assistido ao 1º tiro, ter dado a volta e observado de outra perspectiva e “fiquei a assistir”! – ao 2º tiro que matou o pai.
52. E perante esta sua conduta ainda realizou ter sido objecto de uma tentativa de homicídio!
53. De acordo com princípio da investigação, recai sobre o acusador público e sobre o tribunal o ónus de investigar e esclarecer os factos submetidos a julgamento.
54. No caso concreto impunha-se que o tribunal extraísse do assistente uma sólida razão de ciência quanto à identificação do arguido como autor.
55. Sem sucesso, bem procurou o Tribunal e o Sr. Procurador, esse item, sinal ou razão de ciência que sustentassem as declarações do assistente, como bem ilustra a sua transcrição na motivação deste recurso;
56. Como disse o Sr. Procurador: Mas temos que produzir prova, embora eu saiba quando o assistente diz as coisas tem por detrás certas circunstâncias e é essas que eu quero que o Sr. refira a tribunal..
57. Essa prova não foi feita!
58. Perante a concreta dinâmica dos factos, que aconteceram repentinamente, não é verossímil reconhecer o atirador encapuzado, pela altura e largura.
59. (...) conhecia e convivia com o arguido.
60. Conhecia o arguido há mais tempo que o assistente
61. (...) e o assistente viram a mesma pessoa encapuzada e mascarada;
62. O primeiro declarou concludentemente não saber quem era o encapuzado e o assistente disse que pela altura e largura “achava que era o (...)”;
63. Impunha-se que o reconhecimento fosse credibilizado por um ou vários sinais distintivos, ou seja, uma razão de ciência que distinguisse o arguido de qualquer outra pessoa.
64. O tribunal na motivação de facto não indicou a razão de ciência do assistente;
65. Sendo manifestamente insuficiente, perante a dinâmica dos factos, o fundamento de que a convicção se formou, porque o assistente conhecia o arguido por viver na mesma comunidade;
66. Tanto mais porque o assistente declarou “não disse concretamente que tinha sido o (...) (…) as palavras que eu disse ao meu tio foi que eu achava que era o (...)”.
67. Para o cidadão comum essas expressões apontam para uma dúvida, interrogação, palpite, incerteza;
68. Dúvidas e incertezas legítimas no caso concreto tendo presente a dinâmica dos factos e a forma como o assistente discursou;
69. (…) declararam que pelas características que viram do atirador não podiam ter certezas quanto à identificação do autor;
70. Tantas dúvidas, interrogações e incertezas que deveriam ter alertado a tribunal no sentido de uma decisão diferente.
71. Surpreende que das incertezas das testemunhas e das dúvidas do assistente, o Tribunal recorrido tenha retirado tantas certezas;
72. Será pois de concluir, perante as incertezas das testemunhas e as dúvidas do assistente, que não foi produzida prova sólida quanto à autoria do crime;
73. Perante as incertezas supra apontadas a decisão recorrida é violadora do do princípio da inocência e do princípio in dubio pro reo.
74. Por outro lado, o tribunal deveria ter sido mais cauteloso na credibilidade que atribuiu às declarações do assistente.
75. Em primeiro lugar porque àquele discurso faltaram todos os aspectos que em regra são valorizados nos tribunais e sobram-lhe todos aqueles que em regra não credibilizam os depoimentos.
76. Em segundo lugar porque o assistente é parte interessada no desfecho do processo.
77. Fundamentos mais do que suficientes para que tivesse suscitado ao tribunal a dúvida quanto à fragilidade das razões de ciência invocadas pelo assistente quanto à identificação do autor.
78. Quanto à autoria do crime, deverão ser julgados não provados os factos 1.3, 1.5,1.6, 1.12 e 1.13, decaindo também a imputação subjectiva dos factos 1.16, 1.17 e 1.18.
79. Termos em que deverá o arguido ser absolvido da prática do crime a que foi condenado e assim se fazendo justiça.
Homicídio Qualificado - Errada qualificação jurídica dos factos-nº2, do artigo 412º, do C.P.P.
80. A verificação do “exemplo-padrão” – usar meio particularmente perigoso- não preenche automaticamente o tipo de homicídio qualificado – revela apenas um indício de culpa agravada.
81. O preenchimento da qualificação a que se refere o artigo 132º,nº.1 e 2, alínea h),do C.P., requer a verificação de dois elementos: o uso de meio particularmente perigoso e que a morte seja produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade.
82. Meios particularmente perigosos são os que: “dificultem significativamente a defesa da vítima e que (…) criem ou sejam susceptíveis de criar perigo de lesão de outros bens jurídicos importantes (…)- Figueiredo Dias-Comentário Conimbricense, I, pág.37.
83. Meio particularmente perigoso, é aquele meio : que, pela forma como é empregado, dificulte significativamente a defesa da vítima e que ameaça outros bens jurídicos importantes de um conjunto indeterminado de pessoas.
84. É caso do atentado há bomba ou do carro que se lança sobre a multidão ou o lançamento de uma granada.
85. Será o meio que se afasta ostensivamente daqueles com que habitualmente se praticam os homicídios, como será o caso das pistolas ou caçadeiras.
86. Utilizar uma caçadeira com munições de caça de pequenas espécies ou com munições de caça grossa (zagalotes) cria as mesmas dificuldades de defesa da vítima quando usada a não mais de 2 metros, praticamente à queima-roupa.
87. A diferença essencial será que a uma maior distância os zagalotes são mais suscetíveis de provocar a morte porque se tratam de munições de maior calibre.
88. No caso objeto deste processo com disparos de uma caçadeira de zagalotes a uma distância não superior a 2 metros revela-se um meio com a mesma perigosidade do que uma caçadeira com chumbo de caça menor ou de que uma pistola.
89. A essa distância qualquer dessas armas oferece escassas possibilidades de defesa e as mesmas possibilidades de consumação do crime.
90. Não haverá maior perigosidade ou censura num caso como nos outros.
91. A particular perigosidade não resulta da arma disparada à queima roupa-é algo exterior à arma.
92. O uso da arma a não mais de dois metros, municiada como foi, não dificultou mais a defesa da vítima do que se tivesse sido utilizada uma pistola ou munições de caça menor, sendo que no caso concreto a vítima ainda se tentou proteger (pontos 1.5 e 1.6, do factos provados).
93. Não se verificou a apontada dificuldade acrescida para a defesa da vítima a nem foi usado um meio que se afasta dos normais meios usados para matar.
94. Face à dinâmica do facto, não se pode concluir que a ameaça, sobre outros bens jurídicos importantes de um conjunto indeterminado de pessoas, tenha sido superior caso o crime tivesse sido praticado com uma caçadeira municiada com cartuchos de chumbo para caça menor.
95. Uma caçadeira municiada com cartuchos de zagalote não é suscetível de ameaçar em maior grau bens jurídicos importantes de um conjunto indeterminado de pessoas do que uma pistola (municiada com várias balas) ou de que uma caçadeira com cartuchos para caça menor.
96. A caçadeira com zagalotes não é comparável ao uso de uma bomba, uma granada ou o uso do carro dirigido contra a multidão.
97. A caçadeira usada nas circunstâncias concretas do caso não é um meio que ostensivamente se afaste dos normais meios usados para matar;
98. Não sendo por isso um meio particularmente perigoso- sendo de afastar a previsão da al. h), do nº2, do artº132º, do C.P.
99. É também requisito essencial à qualificação que a morte tenha sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.
100. Merecedora de especial censurabilidade será – a conduta profundamente distante dos valores vigentes na comunidade, traduzida num desprezo extremo pelo bem jurídico.
101. Deverá ser feita uma ponderação global das circunstâncias externas e internas presentes no facto concreto.
102. Após a descrição da dinâmica do facto e quanto ao meio utilizado, o tribunal concluiu nos seguintes termos: «impondo que se conclua que o arguido utilizou um meio particularmente perigoso, com isso, preenchendo a sua conduta a especial censurabilidade prevista da alínea h) do nº2 do artigo 132º do Código Penal.
103. A especial censurabilidade não integra a previsão da alínea h) do nº2 do artigo 132º do Código Penal, ao contrário do que transparece da decisão.
104. É ao nível do artigo 132º, nº1, do C.P. que se pondera a especial censurabilidade cuja prova que terá de ser feita de acordo com o princípio da culpa.
105. O tribunal não apreciou o facto ao nível do princípio da culpa, limitando-se a declarar que a conduta preencheu a especial censurabilidade.
106. Impunha-se que a decisão recorrida tivesse ponderado uma imagem global do facto e do autor.
107. Seria importante saber, para fundamentar um juízo de culpa agravada, se a arma era do arguido.
108. Se o arguido era caçador, se o arguido dominava o manuseio de armas.
109. Se foi o arguido que municiou a arma e se tinha presente a maior ou menor perigosidade dos vários tipos de munições que podem ser usados numa caçadeira.
110. Sabe-se apenas que o arguido levava consigo uma caçadeira municiada com dois cartuchos de zagalote (1.3 dos factos provados).
111. Sabe-se também que o arguido, na sua vivência, não apresentava comportamentos profundamente afastados dos valores comunitários (fls.1017 e fls.1062).
112. Face à prova produzida e das circunstâncias externas e internas presentes no facto não se pode extrair ao nível da atitude do agente um juízo de culpa fundamentado numa forma de realização do facto especialmente desvaliosa.
113. Nem em qualidades da personalidade do arguido especialmente desvaliosas que se traduzam num desprezo extremo pela vida humana e num profundo desvio dos valores comunitários.
114. O facto não foi praticado através do uso de meio particularmente perigoso, não se verificando a previsão da alínea h) do nº2, do artigo 132º, do C.P.
115. Nem se verificou a especial censurabilidade na prática do facto, pelo que também não se deu por verificada a previsão do artigo 132º, nº1, do C.P.
116. Em consequência deverá o arguido ser condenado pela prática de um homicídio simples, p.p. pelo artigo 131º, do C.P., agravado pelo artigo 86º,nºs.3 e 4 da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, fixando-se a moldura penal num mínimo de 10 anos e 8 meses e num máximo de 21 anos e 4 meses de prisão.
Dupla agravação da moldura penal – Homicídio Qualificado/ Lei das armas - Errada qualificação jurídica dos factos-nº2, do artigo 412º, do C.P.P.
117. O tribunal recorrido julgou praticado o crime de homicídio qualificado em conformidade com o disposto nos artigos 131º,nº1 e alínea h), 132º, nº2, do C. P.-utilização de arma caçadeira como meio particularmente perigoso;
118. Julgou também aplicável ao mesmo facto-utilização de arma na prática do crime- as normas dos nº3 e 4 da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro;
119. O artigo 131º,nº1 e 2, alínea h), prevê uma agravação da moldura penal em função do uso da arma como meio particularmente perigoso;
120. Prevendo a lei uma agravação mais elevada em função do uso da arma na prática do crime, não pode ser acionada a agravação do nº3 da Lei 5/2006;
121. A decisão recorrida fez uma dupla valoração do mesmo facto, com um cúmulo de qualificações jurídicas e um cúmulo de sanções
122. Mostra-se violado o princípio “ne bis in idem”;
123. Serão inconstitucionais, por violação do artigo 29º,nº5 e artigo 18º,nº2, da Constituição, as normas do artigo 132º,nº1 e 2, alínea h), do Código Penal e nºs.3 e 4, do artigo 86º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, quando interpretadas no sentido de que perante um crime qualificado por efeito do uso de uma arma, tais normas podem agravar duplamente a moldura penal abstrata aplicável ao caso concreto.
124. Mostra-se igualmente violado o artigo 4º, do Protocolo nº7 à Convenção Para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais;
125. É jurisprudência pacífica junto do STJ que a agravação prevista no nº3, do artigo 86º, da Lei 5/2006, não pode ser aplicada aquando da qualificação do crime ao abrigo da alínea h), do nº2, do artigo 132º, do C.P. (arma como meio particularmente perigoso);
126. Ao acionar a agravação do nº3, do artigo 86º, da Lei 5/2006, a decisão recorrida fez uma errada aplicação do direito aos factos;
Redução da pena concretamente aplicada
127. No caso de provimento do recurso em matéria de direito a pena concretamente aplicada deve ser reduzida;
128. Não obstante a ilicitude e a intensidade do dolo…
129. O arguido mostrou-se muito assustado, temendo pela sua vida e da sua família.
130. O arguido não tem antecedentes criminais.
131. É estimado na comunidade onde vive, protetor da família e pessoa com boa inserção social.
132. Foi colocado na situação em que está através de um acontecimento que apesar de grave não deixa de ser um “acidente de percurso” perfeitamente ocasional;
133. Na fixação da medida da pena deverá atender-se ao risco de suicídio que poderá ser exponenciado pela aplicação de uma pena mais pesada.
134. No caso concreto não se revelam especiais exigências de prevenção especial;
135. Requer que a pena seja fixada no limiar mínimo correspondente às necessidades de tutela dos bens jurídico-penais;
136. Ou seja, 10 anos e 8 meses no caso de homicídio simples agravado pela lei 5/2006, ou 12 anos no caso de homicídio qualificado.
Impugnação do quantum indemnizatório/compensação
137. Na fixação dos valores indemnizatórios, com recurso à equidade, deve observar-se o princípio da igualdade, da proporcionalidade e da segurança jurídica com apelo às situações jurisprudenciais mais recentes;
138. Caso os recursos relativos à desagravação da culpa e da ilicitude venham a merecer provimento esse facto deverá ter sido em conta na fixação das indemnizações;
139. É entendimento do recorrente que as quantias fixadas na decisão recorrida se afastam dos valores médios mais recentemente praticados em decisões judiciais;
140. Requer que decisão recorrida seja alterada fixando-se uma quantia não superior a €65.000 pelo dano morte e uma quantia não superior a € 25.000 para cada um dos demandantes.
Termos em que, o presente recurso deverá ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
a) Ser o arguido absolvido do crime de homicídio, ou
caso assim não se conceda,
b) Ser condenado pelo crime de homicídio simples, com a agravação prevista na lei 5/2006, de 23/2, na pena máxima de 10 anos e 8 meses, ou,
Caso também não se conceda,
c) Ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado sem a agravação prevista na lei 5/2006, de 23/2, na pena máxima de 12 anos.
d) Ser fixada em quantia não superior a €65.000,00 a compensação pelo dano morte.
e) Ser fixada em quantia não superior a €25.000,00 a indemnização devida ao demandante, pelos danos não patrimoniais.
f) Ser fixada em quantia não superior a €25.000,00, a indemnização devida à demandante pelos danos não patrimoniais.”.

2.2. Das contra-alegações do assistente (...)(...)
Motivou o assistente concluindo pela improcedência do recurso.
2.3. Das contra-alegações do Ministério Público
Motivou o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“ 1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi.pt,Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1.
2- “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso.
3- São assim, as conclusões quem fixam o objecto do recurso, artigo 417º, nº3, do Código de Processo Penal.
4- Não contém a douta decisão impugnada qualquer erro de julgamento da matéria de facto, ou outro vício que a inquine.
5- As provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento foram avaliadas pelo Tribunal “a quo” no seu todo e segundo o que preceituam os arts.124º a 127º, do Código de Processo Penal, entre outros preceitos legais.
6- O arguido (...) não tem antecedentes criminais.
7- Fez o Tribunal “a quo” um exame crítico da prova e explicou de modo detalhado as provas que considerou, como e porquê as valorizou, não procedendo os argumentos do recorrente.
8- Não padece o Douto Acórdão que o arguido impugna de erro notório na apreciação da prova ou de qualquer outro vício.
9-O arguido sabe que foi ele que nas circunstâncias referidas no Douto Acórdão tirou a vida ao (...).
10- Não foi violado pelo Douto Acórdão que o arguido impugna o disposto no art.32º, ou outro preceito da Constituição da República Portuguesa
11- O Tribunal “a quo” não teve dúvidas sobre a ocorrência dos factos dados como provados, e por tal razão não tinha de ser aplicado o princípio do “in dubio pro reo”.
12- Constam dos autos todos os elementos constitutivos do crime de homicídio qualificado, p. e p. nos artigos 131º e 132º nº1 e 2, alínea h), do Código Penal, sendo a qualificação jurídica que figura o Douto acórdão adequada e conforme à Lei Criminal.
13- Os factos praticados pelo arguido são muito graves, pois matou uma pessoa com a ajuda de uma arma de fogo, causando grande alarme social e perpetuando um conflito entre pessoas que podia ter sido resolvido com meios pacíficos..
14- A pena de 16 anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio, p. e p. no artigo 131º e 132º, do Código Penal, baseia-se na Lei Criminal, está em sintonia com a culpa do arguido e não olvidou a ressocialização do arguido.
15- Não enferma o Douto Acórdão de nenhum vício ou nulidade, dos previstos nos artigos 374º, 379 e 410º, nº2, do Código de Processo Penal, tendo sido acatados as disposições legais aplicáveis concernentes ao Direito Europeu, Direito Constitucional e Direito Criminal.
16- Deve manter-se na íntegra o Douto Acórdão.”.

2.4. Do parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser julgada a procedência parcial do recurso interposto pelo arguido, pela seguinte forma (transcrição):
“(…) A) Uma primeira nota se nos impõe aqui assinalar sobre o teor da Contestação oportunamente apresentada pelo Arguido, ora Recorrente.
Naquela peça processual, o Arguido, ainda que sem nunca o declarar expressamente, de algum modo admite ter sido ele o autor dos disparos que vitimaram (...), ainda que considerando que “só poderia ter sido acusado pela prática de um crime de homicídio privilegiado”.
Daí que não possa deixar de causar alguma perplexidade (ou talvez não) a circunstância de, ao impugnar a matéria de facto, pugnar, em primeira linha, pela sua absolvição.
B) Dito isto, no que à impugnação da matéria de facto diz respeito, afadiga-se o Recorrente em tentar demonstrar ter ocorrido erro de julgamento, posto que a prova produzida imporia decisão diversa, não consentindo a sua condenação.
C) Em boa verdade, o que do Recurso transpira, de forma insofismável, ao questionar o modo como o Tribunal apreciou livremente a prova (artº 127º, do CPP), mais não é do que o que o Recorrente gostaria que o Tribunal tivesse acolhido, como corolário da prova produzida, que não o que, acolhendo, deu como provado, no Acórdão de que recorre.
D) Como se o Tribunal estivesse obrigado a acolher, ou a enjeitar, em bloco, cada um dos depoimentos, designadamente, os que resultam da prova convocada (excertos dos depoimentos do Assistente (...), bem como das Testemunhas (…), estando-lhe vedado acolhê-los de forma, ponderada e fundamentadamente, casuística.
E) Como se o Tribunal não pudesse dar (maior) credibilidade a certos meios de prova, negando-a, ou desvalorizando-a, quanto a outros.
Como se os critérios de avaliação da prova não decorressem dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação, ainda que tributários de um raciocínio intrinsecamente coerente e extrinsecamente não desfasado.
F) O Recorrente, de uma maneira geral, pretende, “tão só”, que a leitura que, ele próprio faz da prova produzida, seja aquela que o Tribunal, inexoravelmente, haveria de adoptar, deixando subentendido que, ao Tribunal, estaria vedado acreditar em segmentos de determinados depoimentos, descrendo de outros.
G) Diga-se, ademais, que a impugnação da matéria de facto, tal como invocada pelo Recorrente, em nada belisca a fundamentação do Acórdão, posto que, do que se trata, mais não será do que avaliar se a concreta indicação das provas convocadas, impõe, ou não, decisão diversa da recorrida, para tanto não bastando que tais provas a consintam, na justa medida em que não a excluam.
H) É nesse quid que reside a diferença essencial entre a avaliação de quem, por um lado, adquiriu e formou a convicção, por meio de uma comunicação imediata e interactiva, coerentemente fundamentada e da qual dá conta, por apelo a elementos legitimamente adquiridos, produzidos e valorados (a Iª Instância) e, por outro lado, de quem, condicionadamente, assiste, mas não intervém, e a quem caberá, em última análise, determinar se o elenco probatório é, ou não, susceptível de sustentar a decisão, ou, se sendo-o, ela não deva ser derrogada, por força de uma avaliação da prova que imponha, inelutavelmente, decisão diversa (a Relação) - “Como a lei claramente hoje o indica, não basta à procedência da impugnação que as provas invocadas no recurso “permitam” a solução propugnada na motivação e conclusões apresentadas.” - destaque e sublinhado nossos.[1].
I) Por outras palavras, não basta que a prova assinalada consentisse uma versão diversa, ainda que coerente, da acolhida pelo Tribunal. Exigir-se-lhe-ia que tal versão alternativa se impusesse àqueloutra.
O que resulta dos excertos dos depoimentos invocados não coloca minimamente em crise o decidido, não impondo qualquer revogação da matéria dada como assente.
J) De resto, tal como postula o Acórdão do TRC, de 17 de Maio de 2017[2], “O Tribunal pode formar a sua convicção apenas num único depoimento, mesmo que se trate do assistente o importante é que este o preste de forma séria e credível e o Tribunal de forma clara e concisa explicite as razões do seu convencimento.”.
K) O Acórdão ora sob recurso dá conta, com a maior clareza e exaustividade, de todos os elementos de prova com base nos quais formou a sua convicção, conjugando a prova entre si, toda ela bem enquadrada e valorada com lógica e coerência, à luz das regras da experiência ao caso convocáveis.
Fá-lo, de resto, por meio de um raciocínio lógico e impoluto, valendo-se das regras da experiência que o caso concreto reclama e deixando perfeitamente clara a dinâmica por meio da qual o Tribunal foi formando a sua convicção.
L) Tão pouco, ao contrário do igualmente alegado, se verificou qualquer violação do princípio in dubio pro reo, o qual, como reiteradamente a Jurisprudência tem afirmado, só se coloca quando o Tribunal reconhece ter dúvidas (razoáveis), e, não obstante, se decida pela condenação[3].
O Acórdão recorrido, não dando conta de qualquer dúvida que tenha assaltado o espírito do Tribunal, não podia ter violado, como não violou, tal princípio.
M) Por outro lado, a factualidade provada, tal como o foi e deverá ser confirmada, não deixa quaisquer dúvidas relativamente à correspondente qualificação jurídica, no que ao crime de homicídio qualificado diz respeito.
Também nesse aspecto, o Acórdão fundamenta com rigor por que razão afastou a hipótese de subsumir os factos à figura do homicídio privilegiado, como, de igual modo, porque considerou ser o homicídio qualificado pela h), do nº 2, do artº 132º, do Código Penal (CP).
N) Tal como assinalado infra, em “2.”, o Tribunal decidiu absolver o Arguido da prática “do crime de detenção de arma proibida por que vinha acusado, por se encontrar em concurso aparente com o crime de homicídio em que vai condenado”.
O) Esta questão, independentemente do que relativamente a ela seja a nossa opinião, não mais é susceptível de apreciação por a tanto obstar a proibição da reformatio in pejus, ínsita no artº 409º, do CPP, posto apenas o Arguido ter interposto Recurso do Acórdão.
P) Todavia, não temos dúvidas em considerar que ao Tribunal estava vedado agravar duplamente o homicídio por força, quer da agravante prevista na h), do nº 2, do artº 132º, do CP, quer ainda por conta dos nºs. 3 e 4, do artº 86º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro.
Q) A este respeito, o Tribunal fundamentou o decidido, como segue:
“Tendo o homicídio dos presentes autos sido cometido com arma prevista no art. 86º nº3 e 4 da Lei 5/2006, de 23/02, ao caso concreto é também aplicável a agravação em 1/3 nos limites mínimo e máximo da moldura penal aplicável do crime de homicídio qualificado do art. 132º do Código Penal, de 12 a 25 anos de prisão, o que eleva a moldura abstracta para 16 a 25 anos de prisão, atento o limite máximo imposto de 25 anos,
Com efeito,
Tal agravação tem sempre lugar, e é de efeito automático, quando o homicídio tenha sido cometido com arma – uma, das indicadas no nº4 do art. 86º da Lei 5/2006 – in casu, com uma arma caçadeira, como resulta das características das munições utilizadas, zagalote, o que, se traduz numa menor capacidade de defesa das vítimas, agravação, que visa reprimir a utilização de armas na prática de crimes, e, desse modo, dissuadir a criminalidade violenta e mais grave - vd. Artur Vargues, em Comentário das Leis Penais Extravagantes, organizado por Paulo P. de Albuquerque e J. Branco, a pgs. 244 –
Agravação que se perfila no plano da ilicitude,
por isso, não ocorrendo, neste caso, dupla valoração – proibida pelo princípio “ne bis in idem” que enforma o Direito Penal Português - com as circunstâncias que qualificam o homicídio, nos temos previstos no art. 132º do CP, já que tais circunstâncias não respeitam à ilicitude mas ao tipo-de-culpa,
e posto que, o porte ou uso de arma também não é elemento típico do crime de homicídio, nem o homicídio é um crime de perigo comum, como se disse supra - vd. Acs. do STJ de 12/6/2003, relator Sr. Cº Carmona da Mota, proc. 03P1671, de 12/3/2015, relator Sr. Cº Maia Costa, proc. 185/13.6GCALQ.L1.S1, de 7/5/2015, relator Sr. Cº Francisco Caetano, proc. 2368/12.7JAPRT, todos acessíveis em www.dgsi.pt.”.
R) Curiosamente, os Acórdãos referenciados como suporte do entendimento acolhido, ou datam de um período em que nem sequer estava ainda em vigor a Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro (o Acórdão do STJ, de 12.6.2003), ou sustentam posição absolutamente oposta à adoptada (o Acórdão do STJ, de 12.3.2015).
S) Na verdade, o Acórdão do STJ, de 12.3.2015, relatado pelo Senhor Conselheiro Maia Costa, deixa claro, além do mais, que “Conforme resulta claramente do texto da lei, sem dar lugar a dúvidas, a agravação nela prevista, que se funda numa maior ilicitude da conduta, só é afastada quando o porte ou uso da arma já é punido, quer por ser elemento do tipo legal, quer por a lei prever agravação em função desse uso ou porte. Se o homicídio for qualificado em razão do uso de arma (al. h) do nº 2 do art. 132º do CP), não pode ser agravado pelo nº 3 do art. 86º da Lei das Armas” - destaque a negrito de nossa responsabilidade.
T) Do mesmo modo foi entendido no Acórdão desta Relação de Évora, de 07.01.2014[4], onde se considerou, indo mais longe, que “O art. 86º, nº 3 funcionaria assim, por referência ao crime do art. 131º (ou a outros tipos de homicídio não qualificado), nos casos ditos intermédios, em que o crime fora cometido com arma mas não “especialmente perigosa”.
Dito de outro modo, para realidades reveladoras de maior ilicitude e/ou de maior culpa, o Código Penal prevê uma pena específica, logicamente a mais grave (do homicídio qualificado). E sendo esta já a pena aplicável a uma determinada realidade, não haverá lugar à aplicação do nº 3 do art. 86º (logicamente a incidir sobre o tipo-base), pois já ocorreu agravação por via do próprio tipo (qualificado). Agravação que é sempre superior à que resultaria da pena prevista no art. 131º após incidência do art. 86º, nº 3 do RGAM.
Nos casos em que o agente deva ser punido pelo art. 132º do Código Penal, apenas esta norma será a aplicável. E assim sucede, independentemente da alínea pela qual o tipo qualificado se realize. Já que, por um lado, não é indispensável à realização do tipo o preenchimento efectivo de um dos exemplos-padrão e, pelo outro, podem até confluir vários exemplos-padrão no mesmo caso.
E nas situações em que “concorram os elementos constitutivos de mais de um exemplo-padrão, ambos com revelo para a qualificação da atitude do agente como especialmente censurável ou perversa, um tal concurso só poderá ter efeito, se dever tê-lo na determinação da medida da pena” (Figueiredo Dias, loc. Cit. p.79).” - destaque a negrito de nossa responsabilidade.
U) Dispõe o nº 3, do artº 86º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, que “As penas aplicáveis aos crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, exceto se o porte ou uso da arma for elemento do respetivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma” - destaque a negrito de nossa responsabilidade
V) É precisamente o que sucede no caso em apreço, uma vez que o homicídio já havia sido agravado (qualificado) em função do uso da arma, facto que, só por si, arreda a aplicabilidade da circunstância agravativa, ínsita no nº 3, do artº 86º, da Lei 5/2006, tal como nele expressamente previsto.
W) Como bem salienta o Recorrente, “no caso de um crime de homicídio qualificado, pela alínea h), do nº2, do artigo 132 do C.P., em função da especial censurabilidade aferida pelo o uso da arma como meio particularmente perigoso, a lei já prevê “agravação mais elevada para o crime”, como decorre do nº1, do artigo 132º, do C.P.;
Razão pela qual, na hipótese supra vertida, nem sequer estaríamos perante um concurso de normas uma vez que a norma do nº3, do artigo 86º, da Lei 5/2006 não poderia ser acionada perante a verificação da previsão da alínea h), do nº2, do artigo 132º, do C.P.”.
X) Em conformidade, a moldura penal abstracta correspondente ao crime de homicídio qualificado será, não de 16 a 25 anos de prisão, tal como considerou o Tribunal, mas de 12 a 25 anos, tal como resulta do artº 132º (e só dele), do CP.
Y) O Tribunal, ao determinar a medida da pena, decidiu condenar o Arguido pelo mínimo aplicável, em função da moldura penal abstracta que teve em conta.
Z) De acordo com a respectiva fundamentação, não se alcança que circunstâncias atenuantes possam ter contribuído para uma pena correspondente ao mínimo aplicável.
O Tribunal considerou a ilicitude “muito elevada” e que o “dolo assumiu a modalidade de dolo directo, o mais intenso”.
AA) Mais teve em conta que, “A ponderar em favor do arguido, diminuindo a sua culpa, releva o estado de medo do arguido, ainda que exacerbado pelas características da sua personalidade ansiosa, e, também, pelas tensões acumuladas no passado entre as duas famílias, a rivalidade das actividades laborais, concorrenciais, na mesma área de negócios e na mesma comunidade.
Quanto às exigências de prevenção especial, há a ponderar em beneficio do arguido que é pessoa com boa inserção social e não tem antecedentes criminais.”.
BB) O Arguido não prestou declarações em sede de julgamento, não podendo, por isso, ser prejudicado.
A verdade, porém, é que o Tribunal não deu como provado qualquer gesto seu revelador de arrependimento ou de ressarcimento das consequências do seu acto.
CC) Daí que, por apelo aos critérios emergentes do disposto no artº 71º, do CP, se nos afigure justa e adequada à factualidade prova, a condenação do Arguido numa pena de 14 (catorze) anos de prisão (de entre a moldura penal abstracta de 12 a 25 anos de prisão).
Em conformidade, somos de parecer que ao Recurso interposto pelo Arguido deverá ser concedido parcial provimento, circunscrito à moldura penal abstracta aplicável e à correspondente medida da pena, nos termos ora propostos, confirmando-se, no mais, o decidido no Acórdão recorrido. “.

2.5. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP.
Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.

2. Questões a examinar
Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer são:
2.1. Erro de julgamento quanto à matéria de facto (artigo 412.º, nºs. 3 e 4 do CPP) e violação do princípio do in dubio pro reo decorrente do princípio constitucional da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da CRP).
2.2. Erro de julgamento quanto ao direito aplicável por incorreta qualificação jurídica dos factos provados e da medida da pena;
2.3. Erro de julgamento quanto ao direito aplicável na fixação do quantum indemnizatório.

3. Apreciação
3.1. Da decisão recorrida
Definidas as questões a tratar, importa considerar o que se mostra decidido pela instância recorrida.

3.1.1. Factos Provados na 1.ª instância
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1.1. Entre o arguido, (...) , e a vítima, (...), nascido a 28.07.1975, assim como entre as suas famílias, ao longo dos anos, existiram conflitos que envolveram ameaças de morte, ofensas verbais e físicas, e deram origem a queixas e processos;
1.2. Tendo os últimos confrontos entre aqueles ocorrido no dia 25 de Abril de 2019 e no dia 27 de Abril de 2019;
1.3. No dia 28 de Abril de 2019, levando consigo uma caçadeira, municiada com dois cartuchos de zagalote, o arguido dirigiu-se, a pé, ao bar “(...)”, onde chegou cerca das 10:45h;
1.4. Nessa data e hora, (...) encontrava-se na esplanada do “(...)”, junto a uma coluna de som, acompanhado pelo seu filho (...) e pelo empregado (...);
1.5. O arguido ao chegar ao referido bar, de imediato, efectuou um disparo direccionado à vítima (...), que o atingiu de raspão no ombro direito, provocando impactos numa coluna de som, na parede lateral da ombreira de uma porta, e em dois cartazes publicitários;
1.6. A vítima (...) tentou refugiar-se na parte posterior do balcão do estabelecimento, junto à referida coluna de som, momento em que o arguido, que se encontrava a cerca de 1 a 2 metros de distância da vítima, efectuou um segundo disparo na sua direção, atingindo-o na zona lateral do ombro direito;
1.7. O segundo projéctil entrou no braço direito de (...), que estava levantado, fracturou o úmero, e atravessou para o lado esquerdo, lesando as estruturas no caminho;
1.8. Um zagalote ficou localizado à esquerda do esterno e outro atravessou a face anterior até ao outro lado do toráx, ficando um zagalote localizado na cavidade pleural esquerda;
1.9. Ficando alojados no interior do corpo da vítima seis fragmentos de chumbo e uma bucha plástica;
1.10. Como consequência directa e necessária da actuação do arguido, a vítima (...) sofreu, nomeadamente, as seguintes lesões:
- laceração da artéria jugular;
- infiltração sanguínea nos músculos do pescoço e no toráx;
- fractura dos arcos anteriores, da 1.ª à 6.ª costelas direitas e esquerdas,
rodeadas de infiltração sanguínea;
- fractura do terço proximal do úmero do membro superior direito, com
acentuada destruição;
1.11. Tais lesões traumáticas cervicais, torácicas e do membro superior foram a causa directa e necessária da morte de (...);
1.12. Após efectuar o segundo disparo, de imediato, o arguido fugiu do local a pé, despiu a roupa que o cobria, nomeadamente, as calças e o casaco escuros e a máscara;
1.13. De seguida o arguido correu na direcção do bar restaurante “(...)”, propriedade de (…), seu primo, onde chegou cerca das 11:30h, e aí permaneceu cerca de 15 minutos, bebendo água;
1.14. Após, o arguido pediu boleia a (…), seu tio, e pai de (…), que ali se encontrava, e que o transportou de carro até à sua habitação;
1.15. O arguido não é titular de licença de uso e porte de arma ou de detenção no domicílio;
1.16. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, disparando contra a vítima, para a zona do pescoço e do ombro, com o propósito concretizado de o matar, representando a morte de (...) como consequência directa e necessária dessa actuação.
1.17. O arguido agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de ter a posse e o domínio da arma supra descrita, cujas características conhecia, bem sabendo que não estava autorizado a deter, usar, transportar ou guardar a mesma e que o fazia foras das condições legais e em contrário das prescrições da autoridade competente, o que representou.
1.18. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Do PIC do Demandante (...)
1.19. (...)(...) é filho único da vítima (...);
1.20. À data dos factos o demandante contava 18 anos de idade e, era estudante, residia com a avó, mas encontrava-se diariamente com o pai;
1.21. Era o seu pai que suportava todas as suas despesas
1.22. À data dos factos, o demandante estava perto do pai e assistiu ao seu homicídio, experiência que lhe causou a continua a causar, grande angústia e sofrimento, e que toda a sua vida recordará;
1.23. Pessoa que lhe prestava afecto e lhe garantia estabilidade emocional;
1.24. Passando a viver receoso e sem alegria;
1.25. Ao ser atingido pelo primeiro disparo, (...) sentiu que iria morrer às mãos do arguido, o que se veio a verificar aquando do segundo disparo;
1.26. (...) apercebeu-se com sofrimento e angústia que a sua vida, aos 43 anos de idade, chegara ao fim,
1.27. (...) era um homem jovem, saudável, empreendedor, e com expectativa de muito tempo de vida pela frente, e com estreitos laços afectivos relativamente ao filho;
Do PIC da Demandante (...)
1.28. A demandante vivia com o falecido (...), como marido e mulher, desde 10/3/2002, ate à data do óbito 28/4/2019;
1.29. A morte de (...) provocou à demandante e continua a provocar dor, sentimento de perda, tristeza, angústia, mágoa, abalo psicológico e profundo sofrimento;
1.30. A demandante era pessoa alegre e comunicativa e após ter vivido este trauma passou a andar reservada, medrosa e triste, sem vontade de conviver;
1.31. A demandante sofre intensamente com a morte de (...), que muito amava, vendo-se privada do seu amor, afecto, carinho, amparo, companhia, alegria, apoio;
Da Contestação
1.32. É conhecido na (...) há muitos anos um historial de violência dos irmãos (...) e (...) havendo pessoas que se sentem por eles intimidadas;
1.33. Os irmãos (...), (...) e (…), adquiriram o estabelecimento “(...)”, na (...);
1.34 Querendo tomar posse do estabelecimento, no verão de 2018, (...) (...) entrou no estabelecimento e apontou uma pistola a várias pessoas;
1.35. A esse incidente assistiu (…) (irmão do arguido) que na altura se encontrava no interior do estabelecimento;
1.36. Sabendo que iria depor em tribunal e contar os factos a que assistiu, (...) começou a abordar (...) sobre o assunto;
1.37. Pelo menos, uma vez, (...), abeirou-se da casa de (...) na sua viatura fazendo ameaças de morte;
1.38. No dia 25 de Abril de 2019, sendo dia de festa na (...), (...) saiu de casa e quando estava no café (…) foi abordado por (...) (...);
1.39. (...) foi ao restaurante (...) onde se encontrava o seu irmão (...), ora arguido, a quem contou o sucedido;
1.40. O arguido ligou então para a GNR pedindo para que fossem ao restaurante (...) onde se encontrava (...) (...);
1.41. Lá chegado o arguido esperou pela GNR e quando esta força policial chegou o arguido entrou no restaurante (...) e envolveu-se fisicamente com (...) (...);
1.42. Entretanto chegou (...), tendo dito que os matava;
1.43. No dia 27 de Abril de 2019 o arguido foi comer a casa de (...) e durante o período em que lá esteve mostrou-se muito assustado com a presença de viaturas que se aproximavam da casa;
1.44. Já noite fora saiu da casa de (...) e na sua viatura dirigiu-se ao clube da (...);
1.45. Ao local também chegou (...), sendo que o arguido não chegou a sair da viatura;
1.46. Ao dirigir-se para casa, o arguido foi perseguido por (...) que seguia numa viatura automóvel e, por mais uma viatura, um Renault;
1.47. O arguido ligou para a GNR a dizer que estava a ser perseguido e o queriam matar;
1.48. Foi perseguido até junto da sua casa que se localiza fora da localidade numa zona rural a cerca de 2kms da (...);
1.49. (...) na sua viatura passou o portão que dá acesso à casa do arguido;
1.50. A outra viatura não chegou a passar o portão e esperou que (...) regressasse;
1.51. A GNR interceptou (...) na direcção de (…) que nesse momento estava só e com a viatura imobilizada e aparentemente embriagado;
1.52. não tendo sido interceptada a outra viatura;
1.53. Sabendo que a GNR teria interceptado a vítima, o arguido dirigiu-se ao local mas os agentes policiais disseram-lhe que se fosse embora, o que fez;
1.54. A GNR não deteve (...) e deixou-o em paz;
1.55. O arguido, sabendo que a GNR não deteve quem o perseguiu naquela noite ficou ainda mais assustado, temendo pela sua vida e da sua família;
1.56. O arguido é pessoa bem vista e considerada na terra, protectora da família;
1.57. O arguido não tem antecedentes criminais.
1.58. O arguido tem 42 anos, descende de uma família … marcada pela carência económica e ambiente de violência doméstica... O arguido viveu sempre ligado à família de origem, na Costa Vicentina – aldeia da (...). A infância surge marcada pelas condições de vida duras, pobreza e maus-tratos, valendo alguma ajuda da rede social alargada, como os padrinhos ou outros elementos informais…O arguido não revelou problemas de maior no seu desenvolvimento, na infância e adolescência, sendo um indivíduo saudável. Frequentou a escola na idade própria e concluiu o 9º ano. Chegou a frequentar o 10º ano, em Lagos, mas desistiu. A ligação ao trabalho começou ainda criança, junto do pai, na pesca, a par de, mais tarde, outros serviços na restauração local, durante a época do verão. Depois do cumprimento do SMO, ainda se manteve na carreira militar, mas voltou ao meio de origem e, aos 25 anos, em 2002, estabeleceu-se por conta própria, com um bar/concessão na Praia da (…). Seguiu-se um percurso ascendente no respeitante à implementação de um projeto de escola e “surfcamp”, com a progressiva aquisição de terrenos e equipamentos para o efeito. Em termos afetivos, teve múltiplos relacionamentos, alguns deles com filhos, de uma maneira geral com um cariz conturbado e pouco duradouro. Tem uma filha de 18 anos, que foi criada com a família materna… duas filhas de 13 e 12 anos, que estavam a seu cargo à data dos factos, e um filho de 1 ano, fruto da última relação marital, com (…)… estando juntos desde 2015. Entre os eventos negativos com impacto na trajetória pessoal e familiar do arguido relevam a … violência parental, a morte precoce do pai por acidente no mar, e a morte de um tio por homicídio perpetrado pelo irmão da vítima do presente processo… À data da prisão… vivia com a família constituída com a companheira (…), o filho comum do casal, duas filhas fruto de anterior relação … e um sobrinho, cuja guarda …assumiu por incapacidade da irmã. (...) nos últimos 15 anos desenvolvia atividade por conta própria no local onde cresceu, tirando proveito das competências adquiridas na vida do mar e do crescimento do turismo local, ligado ao desporto e à natureza. A empresa …de há 5 anos para cá passou a assumir contornos mais organizados e normativos, para o que terá contribuído o envolvimento da atual companheira na gestão da mesma…Este processo, pela gravidade dos factos que lhe são imputados e inerente privação de liberdade, reveste-se de um forte impacto aos vários níveis pessoal, familiar e social. (...), embora… tendendo à relativa neutralização da sua própria responsabilidade, reconhece a oportunidade do confronto com o sistema da administração da justiça penal. Em meio prisional revela um comportamento ajustado, acata as regras e mantém-se participativo nas atividades que lhe são colocadas ao dispor – faxina e frequência escolar. Conta com o apoio exterior, traduzido em visitas regulares de familiares e amigos. Expressa elevada preocupação pelo impacto causado à família.”.

3.1.2. Factos não provados na 1ª instância
O Tribunal a quo considerou que não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a presente causa nomeadamente que (transcrição):
“2.1. No dia 27 de Abril de 2019, o arguido (...) afirmou perante a testemunha (...) que “estava a precisar de dois cartuchos”;
2.2. De igual modo, nessa data, o arguido (...) telefonou à testemunha (…) a perguntar se aquele tinha zagalotes, afirmando que seria para caçar javalis;
2.3. Na noite do dia 27 de Abril de 2019, após o arguido (...), de forma não concretamente apurada, ter ficado na posse de uma espingarda caçadeira e de pelo menos dois cartuchos tipo zagalote, transportou-os juntamente com umas calças de licra de cor preta, uma T-shirt preta, um casaco preto, uma meia de licra preta e uma garrafa de água de meio litro, e escondeu-os num arbusto existente a cerca de 400 metros de distância do “(...)”, sito na Praia do (…), concelho de (…), de que (...) era proprietário;
2.4. No dia 28 de Abril de 2019, cerca das 08:00h, o arguido (...) saiu de casa a correr, vestindo uns calções azuis, uma blusa branca e umas sapatilhas;
2.5. Cerca das 10:30h chegou junto do referido arbusto, vestiu as roupas escuras, que aí tinha escondido, e colocou uma meia de licra de cor preta a cobrir-lhe o rosto;
2.6. Após o segundo disparo, o arguido escondeu na mata a roupa e a máscara ocultando a espingarda naquela roupa;
2.7. (…), transportou o arguido por um trajecto indicado por ele, até ao lugar ermo, identificado no mapa de fls. 547 dos autos;
2.8. Posteriormente o arguido projetou a referida roupa e a arma para o mar, em local não concretamente apurado;
2.9. Ao chegar à sua habitação o arguido tomou banho para eliminar qualquer vestígio de pólvora que pudesse existir no seu corpo;
2.10. O arguido (...) persistiu no seu desígnio de matar, por mais de vinte e quatro horas, tendo actuado sempre em execução de um plano previamente delineado, escondeu a roupa e a arma que utilizou para praticar o crime, com o propósito concretizado de conseguir circular entre a sua habitação e o “(...)” sem levantar suspeitas e assim ludibriar as autoridades que iriam tentar localizar um indivíduo vestido de roupa escura e com uma caçadeira, visando assim o arguido eximir-se à responsabilidade penal, agindo com frieza e manifesta indiferença pela vida de (...);
2.11. No dia seguinte, pela manhã, quando estava no clube da (...) e ainda alcoolizado, (...) disse que ia matar o arguido;
Do PIC do Demandante (...)
2.12. O demandante (...)residia com (...),
2.13. O demandante vive a instabilidade de não saber se pode continuar os seus estudos num estabelecimento de ensino da sua preferência,
Da Contestação
2.14. À data da aquisição da propriedade do estabelecimento “(...)”, na (...), o estabelecimento estava onerado com um contrato de arrendamento,
2.15. Os arrendatários, receosos pela sua vida e das suas famílias e empregados, abandonaram o estabelecimento deixando lá praticamente tudo,
2.16. (...) era ameaçado de morte por aqueles, os quais, com frequência fazendo gestos que simulavam o disparar de armas;
2.17. As ameaças eram tão recorrentes que (...) quase não saía de casa, temendo pela sua vida pois sabia que podia ser morto como já tinha acontecido com o seu tio;
2.18. No dia 25 de Abril de 2019, (...) quando foi abordado por (...) (...) foi mais uma vez ameaçado de morte;
2.19. E chegou de lágrimas nos olhos ao restaurante (...);
2.20. No dia 27 de Abril de 2019 andavam duas viaturas a rondar a casa de (...) onde o arguido foi comer;
2.21. (...) seguia numa viatura Peugeot;
2.22. As duas viaturas regressaram à (...), avisados (não se sabe por quem) de que a GNR se deslocava para o local;”.

3.1.3. Da fundamentação da convicção pelo Tribunal recorrido
O Tribunal motivou a factualidade provada e não provada pela seguinte forma (transcrição):
“Interpretada a totalidade da prova produzida, conjugadamente, à luz das regras da experiência comum e da livre convicção, a convicção do Tribunal quanto aos factos provados e não provados fundamentou-se
Quanto à questão da culpabilidade,
Na ausência de declarações do arguido,
Que em audiência de julgamento optou pelo silêncio, Nas declarações dos assistentes e demandantes
(...)
Filho da vítima, que por estar no local dos factos, viu o atirador aproximar-se do balcão do bar, vestido de preto e com a cara tapada, encapuzado, com uma caçadeira na mão, a fazer o gesto de apontar e disparar o primeiro tiro, tudo repentinamente, e, enquanto ele próprio se baixou e moveu para outro lado, viu também o pai a baixar-se, e de outra perspectiva, viu o atirador a elevar-se para disparar o segundo tiro, a fazer ponto de mira, acertando, em cheio, no braço do pai, e, tendo reconhecido o atirador como sendo o arguido, assim o tendo logo dito ao seu tio (...) a quem foi imediatamente procurar, em busca de auxílio, estimando que os disparos foram efectuados de 2 a 3 metros de distância do pai, e que, no dia 25 de Abril também esteve no restaurante do tio, aonde chegou com o pai, quando o arguido já se encontrava na viatura da GNR, de onde ameaçava que ia matar o seu pai e o seu tio, tendo visto um filme desses acontecimentos, que o tio lhe mostrou, filme onde, além do arguido, também aparece o irmão dele, (…),
Em declarações ao pedido cível,
Referiu que tinha 18 anos quando o pai morreu, era estudante do 11º ano, residia a 200 metros da residência do pai, com a avó, por cima do restaurante do tio (...), encontrava o pai diariamente, e dependia exclusivamente do pai para o seu sustento, que, além da comida e transportes, para as suas despesas pessoais ainda lhe dava mensalmente cerca de 500 a 600 euros, e a quem ajudava nos seus tempos livres,
Que desde então deixou de estudar, e tem de trabalhar para se sustentar, encontrando-se a explorar um negócio de alojamento local que era do pai, sem a formação que o pai lhe transmitiria se fosse vivo, sendo o pai uma pessoa saudável,
declarações, que, apesar do tom contido e monocórdico do discurso, mereceram total credibilidade, por se mostrarem adequadas ao contexto da insegurança natural da idade (actualmente com 19 anos) da perda afectiva sofrida e da insegurança dela decorrente, do pouco tempo decorrido sobre os factos e, sobretudo, do conteúdo traumático do evento, posto que o declarante não só assistiu ao homicídio do pai, mas, naquelas circunstâncias em que os factos ocorreram, tendo ele próprio também temido pela sua própria vida, tanto assim, que a primeira atitude que tomou foi ir pedir ajuda ao tio (...),
e que também se mostraram credíveis no que respeita ao reconhecimento do arguido como sendo o autor dos factos, posto que, desde que veio viver com o pai, há 4 a 5 anos, conhecia pessoalmente e via o arguido regularmente, por viverem todos na mesma comunidade e desenvolverem localmente actividades concorrentes, sendo ele próprio também conhecedor dos acontecimentos do dia 25 de Abril, e, naturalmente, das quezílias que opunham a sua família à do arguido, declarações que, quanto à maneira como foram praticados os factos e à autoria dos mesmos, também encontraram suporte nos depoimentos das testemunhas (...), e, quanto ao modo como foram praticados, também nos depoimentos prestados pelos Inspectores da PJ, nos termos que constam infra.
(...), companheira do falecido, que viveu com ele em união de facto durante cerca de 17 anos até à data da morte, que soube dos tiros, por telefone, pela (…), companheira do (...) (...), que lhe disse logo que tinha sido o arguido o autor dos factos, tendo ido imediatamente para o bar, onde encontrou o companheiro já morto, e, que também conhece o arguido do mesmo tempo, e que os conflitos que conhecia eram entre o (...) e o (...) (...), sabendo da existência de mágoas e conflitos entre as duas famílias - do arguido e do companheiro - por serem do conhecimento geral da população local, por questões que vêm do tempo em que ela ainda não residia ali, e têm origem na morte de um tio (ou primo) do arguido (...) pelo (...) (...), irmão da vítima, quanto aos factos do pedido cível, tendo referido um bom relacionamento entre ela e a vítima, que a perda do companheiro de 17 anos a deixou em choque, e que até hoje sofre com o desgosto da morte dele, que era um homem saudável e, das circunstâncias em que ocorreu a morte, e, que ao longo da vida em comum sempre ajudou com trabalho o companheiro, e, que, apesar de viver agora na residência do casal, todos os bens do património que também ajudou a construir ficaram para o filho dele – (…)- sendo ela professora, declarações que também foram prestadas num discurso que embora de pouca fluidez e espontaneidade, nem por isso deixou de merecer credibilidade, por coerente e adequado perante as circunstâncias dramáticas do próprio caso, e as circunstâncias pessoais da própria declarante, naturalmente afectada por sentimentos de perda na sua vida afectiva e económica, declarações que também encontraram suporte nos depoimentos das testemunhas (…).
Nos depoimentos das testemunhas ouvidas em declarações para memória futura (...), Turista polaco, que chegou no dia anterior à Praia do (...) para praticar surf, e, nesse dia ao chegar à praia viu passar, a correr, a cerca de 1m a 1,5m, um indivíduo vestido da cabeça aos pés com roupa de jogging, de cores escuras, óculos de sol, máscara sem abertura para a boca, com uma caçadeira na mão, não tendo realizado que havia perigo, porque na noite anterior estivera numa festa e pensou que fosse uma brincadeira, e que só realizou que havia perigo quando ouviu dois tiros, tendo acorrido ao bar, de onde viu passar novamente o mesmo individuo, agora no sentido do parque de estacionamento, estando aterrorizadas as pessoas que se encontravam no bar, uma delas a prestar os primeiros socorros à vitima, tendo ele pedido o telefone a um cidadão Alemão para chamar a ambulância e, sobre o autor dos tiros, não podendo dizer com 100% de certeza que essa pessoa era o arguido que estava atrás de si na sala, quando foi ouvido, (...) Turista sérvia, a trabalhar na escola de surf a 10 m do bar, que viu passar um homem, a andar bastante rápido com uma caçadeira de dois canos, de cara completamente tapada, e, por se ter apercebido do perigo, chamou as pessoas da escola para se recolherem, ouviu dois tiros e viu a mesma pessoa a sair do restaurante a andar rapidamente, em direcção ao parque de estacionamento, foi ao restaurante perguntar se alguém estava ferido e mostraram-lhe a vítima,
E, se abeirou da vítima para lhe prestar os primeiros socorros, tendo observado duas feridas, uma no braço, outra no pescoço, Tudo tendo acontecido em cerca de 20 segundos,
Não sabendo dizer pelas características que observou se o atirador era o arguido que estava na sala quando prestou as declarações,
depoimentos de (...) que se complementam entre si, não se suscitando quanto às respectivas percepções nenhuma contradição, e foram fundamentais para se concluir pelo modo de aproximação do atirador, repentinamente, e, pela sua apresentação, vestido de escuro e de cara tapada e armado com uma caçadeira, descrições consentâneas com as declarações do assistente/demandante (...), quanto às circunstâncias do crime.
Nos depoimentos das testemunhas inspectores da Polícia Judiciária (…), inspector chefe, que liderou a equipa que após a comunicação da GNR de (…) compareceu no local - com o inspector (…), outra inspetora e o especialista-adjunto tendo a equipa observado as marcas dos projectéis na coluna de som, na parede e no cadáver, e as lesões no cadáver, pela extensão dos orifícios das feridas tendo logo concluído que a vítima fora atingida com tiros de zagalote, feitos a uma distância de não mais de 2m, e, que também falaram com as pessoas que encontraram no local, designadamente, o assistente/demandante (...), todos peremptórios em dizer que fora o arguido o autor dos tiros, e através deles tomaram conhecimento dos conflitos dos dias anteriores, entre o arguido e a vítima, e tendo abordado o arguido em sua casa pelas 14horas, com cuja cooperação acabaram por realizar a diligencia e reportagem fotográfica que constitui fls. 52 a 55, apos, tendo realizado as inquirições habituais, do arguido e das testemunhas, e que, também deu conta que, de entre o mais que apuraram no decurso da investigação, perante o conhecimento que adquiriram da animosidade entre as famílias da vítima e do arguido, a PJ passou a acompanhar diariamente os acontecimentos na zona, para prevenir outro conflitos,
(…), Inspector, que integrou a equipa da PJ liderada pela testemunha anterior e prestou depoimento coincidente quanto à inspecção judiciária que fizeram no local e às informações que recolheram, e, também, quanto à investigação dos acontecimentos dos dias anteriores, confome autos de notícia existentes na GNR, respeitantes a esses acontecimentos, que juntou aos autos, e que, quanto à indicação do autor dos disparos se reportou à reconstituição que fizeram - “informal”, conforme referiu – documentada a fls. 55, e ao auto de diligência que subscreveu, a fls. 52, diligência realizada antes do interrogatório formal do arguido, da qual, entre o mais, constam consignadas declarações do arguido assumindo a autoria do crime e os detalhes prévios, que terão sido feitas nessa oportunidade.
Tais depoimentos, pelos especiais conhecimentos técnico-científicos que pressupõem, foram muito relevantes para a decisão dos factos provados quanto ao tipo de arma e projécteis usados, lesões produzidas na vítima, localização, tempo, orientação e distância da acção do atirador e da vítima, mas que, todavia, não podem ser valorados positivamente no que se refere ao conhecimento obtido sobre a autoria do crime pelo arguido e respectivos meios e forma de actuação prévios, posto que,
Como resulta dos documentos de fls. 52 a 55, tal diligência de “reconstituição informal” e respectivas fotos e declarações do arguido nelas consignadas, ainda que realizadas com a colaboração do arguido, foram produzidas exclusivamente com base nas suas declarações, que, ainda que tomadas quando ainda não fora formalmente constituído arguido, todavia, foram tomadas num momento processual em que a investigação já corria de facto contra ele, como resulta, inequivocamente, do facto do mesmo se encontrar já algemado, como é patente nas fotografias, e sem a presença de um defensor, e sem nenhum suporte autónomo em qualquer observação factual ou percepção pessoal dos senhores inspectores que nelas participaram, sem nenhuns objectos apreendidos, designadamente, a arma, munições, vestuário, pelo que, não podem tais indicações de locais e declarações do arguido valer para a prova dos atinentes factos que, por isso, foram julgados não provados.
Com efeito,
Como é jurisprudência pacífica dos tribunais superiores “são irrelevantes as provas extraídas de conversas informais mantidas entre … os agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e garantias que a lei processual impõe”, pretendendo, assim, a lei impedir com a proibição destas conversas, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, e que se supra o seu silêncio com declarações colhidas à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito – vd. Ac. do STJ de 15/2/2007, relator Sr. Cº Maia Costa, proc. 06P4593, acessível em www.dgsi.pt.
nos depoimentos das demais testemunhas (…), empregado da vítima, que estava no bar com o patrão (a vítima) e o (...)(o Assistente) quando foram disparados os tiros, e que só viu o vulto do atirador e o primeiro tiro, depois conseguindo esconder-se para se proteger, só depois do segundo tiro tendo visto o patrão cair, sem conseguir aproximar-se dele, impressionado com o sangue, nem viu o andar da pessoa, mas sabendo que nessa manhã, antes dos tiros, (...) esteve a falar ao telefone com pessoas da família do arguido, o (…) e o (…), e, que no dia 25 de Abril acompanhou (...), quando este acorreu ao restaurante do irmão (...), e aí viu o (...) com a GNR, já detido, e enervado, dentro carro da GNR a ameaçar os (...), sem mencionar nomes, mas a dizer que os matava, não havendo dúvidas que se referia aos irmãos (...), e sobre os conflitos entre as duas famílias, dizendo que os há entre toda a gente, e que nunca assistiu a episódios de violência física, só verbal, nada mais sabendo, e confirmando que o patrão e o irmão tinham adquirido um restaurante na (...) ch(...) “(...)”,
(…), primo do arguido, que apenas sabia que o arguido esteve no seu estabelecimento nessa manhã, de calções e t´shirt dizendo que tinha estado a correr, e que é pessoa que tem ajudado a família, tem quatro filhos e adoptou um sobrinho que a irmã não tinha condições para cuidar,
(…), Amigo do arguido e da vítima, que apenas sabia que o arguido passou pelo seu estabelecimento nessa manhã do dia 28 de Abril entre as 11 e as 12h, e disse que havia várias horas que estava a correr,
(…), tio do arguido, que nessa manhã encontrou o arguido no estabelecimento do filho, de blusa na mão e de calções, depois de correr, e a pedido do arguido o transportou até casa, a cerca de 1,5km dali, e que, não pararam em lado nenhum, e a final do percurso, o mesmo lhe disse que tinha matado o (...), no que não acreditou, por pensar que ele não seria capaz disso, por ele ser uma boa pessoa, muito amigo da família, não lhe conhecendo desentendimentos com ninguém e, tendo adoptado um sobrinho,
(…), Primo-direito do arguido, que negou que na véspera dos factos, dia 27, o arguido lhe tivesse pedido zagalotes ou cartuchos, apenas lhe tendo dito por telefone que havia javalis na várzea, ao que lhe respondeu que estava num jantar e não podiam ir caçar javalis, e a quem mais tarde, pela meia noite e meia, o arguido voltou a ligar dizendo-lhe que o (...) tinha ido atrás dele com mais três indivíduos, e dizendo que “isto tinha que acabar”, e que a GNR de (…) não fazia nada, e que disse ser seu convencimento pessoal que as queixas na GNR desaparecem, e, que sobre os incidentes do dia 25 de Abril, entre o arguido e o irmão da vítima só sabe o que lhe contaram, ou seja, que tudo aconteceu porque o (...) tinha ido ameaçar o “(…)” irmão do arguido, que lhe dava um tiro, e que são conhecidos de toda a comunidade os litígios e os episódios de violência por parte da família (...), designadamente, a vítima, e que estava em casa, descansado, na manhã desse dia, da morte, quando o (...) lhe telefonou duas vezes, pelas 10 horas, a dizer que “lhe fazia e acontecia”, e que mais tarde telefonaram-lhe a falar dos tiros e soube da morte e foi lá, e foi ele próprio logo algemado, quando disse o seu nome, (…) e (…), irmãos entre si, e amigos do arguido e da vítima, e prestaram depoimentos no essencial coincidentes entre si, que estiveram a jantar com o arguido na véspera do homicídio, com mais pessoas, e viram o arguido muito assustado, com medo, devido à situação que se tinha passado no dia 25 de Abril no restaurante do (...) (...), e que procuraram tranquilizá-lo, e que também tomaram conhecimento das perseguições ao arguido até casa, pelo (...) e, mais alguém, noutro veículo, e que encontraram a seguir o (...), na estrada alcoolizado e já com a GNR e que, reportaram os acontecimentos dos dias 25 e 27 de Abril a uma situação no restaurante (…) ou (...) de ameaças pelo (...) (...) com armas, presenciada pelo irmão do arguido, (...), situação que foi para tribunal, sendo o (...) testemunha e, por isso, estava a ser ameaçado pelo (...) (...),
Ambos negaram que o arguido alguma vez lhes tivesse pedido cartuchos, designadamente, nessa noite, conquanto tivessem falado de caça e de javalis,
E, designadamente,
a testemunha (...) mais tendo referido que no dia seguinte, 28, logo de manhã, ainda encontrou o (…) no Clube, embriagado, e disseram-lhe que ele andava a telefonar a toda a gente a ameaçar, “que matava”, “esfolava” e “tirava pernas”, vindo este a saber mais tarde dos tiros, e tendo ficado em choque quando chegou ao bar e a (…), companheira do (…), lhe disse que este estava morto,
E que, mais tarde, levou para sua casa a (…), companheira do arguido, e os meninos do casal, porque ela estava sózinha e com medo e lhe pediu ajuda,
Mais tendo ainda dito esta testemunha Que enquanto esteve em sua casa, na noite de 27 de Abril, o (...) estava arrependido do que fez no dia 25, no restaurante do (...), e eles estiveram a tranquilizá-lo, que o (...) ficava a tremer quando via passar carros, pensando que era o (...), e, que, do passado, das quezílias entre arguido e vitima, sabia que mataram um tio do (...), e que, outra vez, há uns anos o arguido e o (...) se enervaram no Clube, mas também sabendo que ainda uns 3 dias antes da morte, tinham estado os dois num parque de estacionamento a falar bem um com o outro,
(…), irmão do arguido, que referiu que, no passado, há 8 ou 9 anos, houve brigas entre o arguido e o (...), por causa dos negócios do surf, e houve um processo, mas ele e o (...) falaram um com o outro, e ambos, com os respectivos irmãos (...) e (...), e as queixas foram retiradas, e que, na noite do 25 de Abril estava a jantar num restaurante, quando chegaram os irmãos (...) e (…), e o (...) a dizer que ia chamar a GNR e a seguir quando passou pelo Restaurante do (...) (...), viu os carros patrulha da GNR no local, com os dois irmãos no carro da GNR, com vozes altas e ameaças uns contra os outros, e que também na noite do dia 27 o irmão (...) lhe ligou porque o tinham perseguido até casa e lhe queriam fazer mal, e que ligou para a GNR, que terá ido para interceptar os perseguidores mas os terá deixado fugir,
Mais referiu que uma vez o (...) lhe pediu para falar com o (...), por causa do processo da (...) ao que lhe respondeu que não queria saber disso,
E que depois da morte do (...), ficou com medo pelos seus filhos e pelos filhos do irmão, que os levou para Alemanha para os proteger, e que quando regressou da Alemanha também ele foi perseguido por indivíduos, em condução perigosa,
(...), Irmão do arguido, que relatou os acontecimentos respeitantes ao (...) que antecederam os acontecimentos do dia 25 de Abril, designadamente, confirmou que um dia no (...) o (...) (...) lhe mostrou um arma pistola que trazia debaixo da blusa, e apontou armas contra o (…) e o (…), arrendatários do estabelecimento, factos sobre os quais foi ch(...) a depôr a Tribunal,
e depois de ter ido a tribunal recebeu dele ameaças, nomeadamente, na tarde do dia 25 de Abril, quando se encontrava num café tendo sido abordado pelo (...), a falar-lhe do assunto de ir a tribunal, por causa do (...), com essa abordagem tendo-se sentido intimidado, situação que foi relatar ao irmão (...), e, por isso, decidiram chamar a GNR e ir ao restaurante do (...) falar com ele, mal ali entrou, o (...) tendo sido logo agredido pelo (...), tendo-se envolvido ambos em luta, depois separados pela GNR, a seguir chegando o (...), já com o (...) no carro da GNR, e o (...) e o (...) a dizerem que os matava a todos e que, também, uma vez, depois de ter ido a Tribunal, o (...), na companhia do sobrinho (...), parou o carro, ao pé do seu local de trabalho, junto da residência do irmão (…), e lhe perguntou pelo irmão, que o ia matar, tendo o (...)dito que “não vais matar ninguém”, e feito a seguir um peão, tendo ele depoente ficado em casa com medo, e passando a viver em casa da mãe, durante 8 meses,
(…), companheira do arguido, desde há 6 anos, com um filho comum, à data dos factos com três meses de idade, que quando soube que tinha havido tiros na Praia, receou que tivessem morto o arguido, e em pânico ligou ao irmão dele, (…), pedindo-lhe que a protegesse e aos filhos, quatro do (...), e um dos dois, e que, relativamente aos acontecimentos da noite de 27 de Abril, quando chegou a casa, pelas 23h, encontrou o companheiro a ligar para a PJ de Portimão, e de Lisboa, depois de já ter ligado para a GNR, a pedir protecção por ter sido perseguido até casa, pelo (...), encontrando-se as filhas dele, de 11 e 13 anos, em pânico, nessa altura, tendo ela realizado que ela própria se tinha cruzado com uma carrinha com 6/7 homens que seriam os que tinham perseguido o companheiro, e que também referiu que, entretanto, tiveram a informação de que a GNR interceptara o (...) mas o deixara ir em liberdade, o que aumentou muito o medo deles,
Quanto aos acontecimentos do dia 25 de Abril, Estando junto do arguido quando o (...) lhe contou que tinha sido intimidado pelo (...), tendo ambos saído para irem ao restaurante do (...), e que a partir da manhã do dia 28 não mais viu o companheiro, tendo pedido ao (...) que a protegesse e aos miúdos, tendo, entretanto, o (...) sido detido,
(…), companheira de (...) (...) que sobre os acontecimentos da noite de 25 de Abril, da cozinha do restaurante disse ter visto chegar o arguido e dar uma cabeçada no (...), tendo a GNR chegado logo a seguir e tendo separado os dois e levado o (...), que também depôs quanto aos factos do PIC do demandante (...)sabendo do relacionamento da vítima com o filho, e que este dependia do pai para o seu sustento, montantes que dele recebia, e das voltas na vida do assistente apos a morte do pai, designadamente, que desistiu da escola,
(…), militar da GNR, que depôs sobre os acontecimentos de 27 de Abril, por se encontrar em exercício de funções no posto de (…) nessa noite anterior ao homicídio e ter sido (...) à (...), porque segundo denúncia do arguido (...), havia pessoas armadas dentro de um veículo que tencionavam ir a sua casa, foram a casa do (...), falar com ele, mas não encontraram tais pessoas no local, e a seguir tentaram encontrar as viaturas com as características indicadas pelo (...), uma delas, tendo sido interceptada pela patrulha da (…), para onde se dirigiram, tendo ali sido interceptado o (...), na estrada, embriagado, mas sem armas, e daí a pouco tendo chegado o (...) ao mesmo local, dizendo que vinha ajudar e que o mandaram para casa, porque não precisavam da sua ajuda.
(...) sobre os acontecimentos de 27 de Abril, professor de surf na escola do (...), e depois gerente, que na noite anterior viu o (...) em pânico, com elementos da GNR, armados, tendo-se apercebido que o (…) queria seguir com eles à procura de uma pessoa e que eles não o deixaram acompanhá-los,
(…), sobre os acontecimentos de 27 de Abril, prima do arguido, residente no mesmo conjunto urbanístico com acesso privado sem saída, que na noite do dia 27, da sua residência viu o (...) nesse caminho, na sua viatura, a esbracejar para outra pessoa, e aproximando-se uma viatura, do exterior sendo cerca das 22h/22h30m, o veículo do (...), virado para a saída do portão do caminho, relativamente à localização da residência do (...), e o outro veículo no exterior virado para a entrada do dito caminho,
(...), primo do arguido, que na noite anterior à morte da vítima, se encontrava em casa da (…), noite em que o (...) entrou no caminho de casa do (...), estando acompanhado por outro veículo que ficou na parte de fora do portão,
Tendo ligado ao arguido a comunicar-lhe isso, tendo depois ligado para a GNR a pedido dele, sendo que quando a GNR ali compareceu já o (...) se tinha ido embora,
(...) (...), irmão da vítima, que tem um processo contra o (...), e que relatou que já há cerca de 10 anos o (...) agrediu o irmão (...) com uma garrafa, porque este tinha comprado um terreno onde estava localizada uma escola de surf do irmão dele, (…), e que referiu ter sido agredido pelo (...) na noite do 25 de Abril, à cabeçada e ao soco, no seu restaurante à frente dos clientes, a dizer que matava todos os da sua família, e deitava fogo aos carros, tendo sido depois levado pela GNR, e que na manhã em que morreu o irmão, o sobrinho (...)chegou a gritar que tinham matado o pai e fôra o (...) que o fizera, que na noite do dia 27 teve de ir buscar o irmão à estrada parado pela GNR, devido a uma denúncia de que tinha uma arma no carro, tendo sido ambos revistados, e que, no dia 25, a GNR também o revistou, porque segundo o (...), ele estaria armado, e que em Junho de 2018 tinha tido problemas com o (...) irmão do arguido, por causa de restaurante, sendo o (...) testemunha nesse processo,
Mais depôs sobre os factos do PIC do demandante (...)Declarando que o irmão era saudável, bem disposto, com muitos amigos, que o sobrinho tinha 18 anos, e deixou a escola por causa da morte do pai, recebia mesada do pai, e está muito revoltado com a situação,
E, desde então, já teve quatro acidentes de carro e foi detido uma vez com álcool,
E, Sobre o carácter da vítima e actos violência e de intimidação dos irmãos (...) sobre várias pessoas daquela comunidade,
Nos depoimentos das testemunhas (…), Que conhece o arguido e conhecia a vítima, de passeios de jeeps em que participaram e que se pronunciou sobre o carácter e a actuação da vítima, relatando que uma vez foi espancado por ele, o filho e um amigo deles, porque os ultrapassou, de tal modo que teve de ser assistido no hospital, e por causa disso lhes moveu um processo em tribunal, mas teve muita dificuldade em conseguir arranjar testemunhas, porque as testemunhas da (...) tinham muito medo do (...),
(…), Que declarou em suma que toda a agente na (...) teme a família da vítima, e tem medo de falar, particularmente, o (...) (...), que se encontrava nas traseiras do restaurante (...) quando o (...) (...) lá esteve armado, e lhe apareceu um rapaz que lá trabalhava a pedir-lhe ajuda para chamarem a GNR, e que segundo sabe, o (...) irmão do arguido também presenciou essa situação,
Que trabalhou para o (...) e tiveram um desentendimento e já tem sido perseguido por ele, tendo apresentado queixa,
Que o (...) tem um problema com álcool e é o verdadeiro culpado do que se passou, ele próprio tendo prestado depoimento com algum receio,
(…), Pescador que conhece o (...) desde criança e nunca ouviu falar de envolvimentos dele com ninguém, à excepção do que se passou no dia 25 de Abril,
Também conhecia o (...) e a sua família, que apesar de nada ter a dizer do (...), as pessoas da (...) tem medo da família (...), ou seja, do (...),
Que conhece a família do (...), que era o (...) quem protegia a sua família e os seus filhos e o sobrinho,
(…) Que era cozinheiro no restaurante (...) e estava lá quando o (...) (...) entrou armado e lhe apontou a arma também a si, Sabendo que o (...), irmão do (...), também assistiu a isto,
Quanto aos factos dos PIC
nos depoimentos das testemunhas
(…) amigo do demandante (...), que esteve com ele no dia do homicídio, que lhe contou que o pai tinha levado um tiro e tinha sido o (...), E referiu que o (...)ficou muito instável e abatido após a morte do pai, sabendo que o (...)era muito amigo do pai, com quem vivia há cerca de 4/5 anos,
(…), que conhece a demandante (…) desde a sua infância, desde a chegada dela à (...), para onde veio substituir a sua mãe, que era professora, sendo o (...) o seu melhor amigo, por isso, conhecendo bem o casal, com quem lidava diariamente, sabendo que se davam bem, eram muito amigos, e gostavam um do outro, e ela o ajudava no trabalho, e hoje a vê muito fechada, a trabalhar na sua profissão, sem saber o que fazer,
(…) há cerca de 7 anos, amiga da demandante, a quem hoje vê numa constante tristeza porque tudo mudou para ela após a morte do companheiro.
Na prova documental
- no Auto de notícia - de fls. 109, elaborado pela Polícia Marítima do Comando Local de (…) da Autoridade Marítima Nacional, documentando a sua comparência pelas 11h15m do dia 28/4/2019, no estabelecimento (...) na praia do (...),
dando conta da ocorrência do óbito de pessoa, depois identificada como sendo a vítima destes autos e, bem assim das pessoas que se encontravam presentes no local, aquando dessa comparência e das autoridades e entidades que foram chamadas e compareceram no local,
- no certificação do óbito - de fls. 111, verificado às 12h03 pelo INEM,
- no Relatório das medidas cautelares e de polícia - de fls. 114 e reportagem fotográfica de fls. 115 do local onde ocorreram os disparos e onde foram efectuadas pelos bombeiros as manobras de suporte básico de vida – elaborados pela Polícia Marítima;
- no auto de comunicação da notícia do crime – a fls. 2, da PJ, comunicação recebida da Polícia Marítima, as 11h20m do dia 28/4/2019,
- no Relatório - a fls. 4, de diligências iniciais da PJ, no local do crime, e respectivos anexos de fls. 8 a 44
- no auto de exame do hábito externo- de fls. 8,
- nos elementos de identificação civil da vítima - a fls. 12, donde resultam a filiação e a data de nascimento de 28/7/1975,
- no relatório fotográfico do local do crime - indicando nas fotos 10, 11, 12, 13 e 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 45, 46, 47, 50, 51, 52, 53 o lugar do estabelecimento de onde foram feitos os disparos, o local onde se encontrava a vítima, vestígios dos impactos dos projécteis, e restantes fotografias de fls. 33 a 44 do cadáver.
- no auto de diligência - de fls. 52, do qual resulta a deslocação da PJ a casa do arguido,
- na reportagem fotográfica - de fls. 54 a 60, realizada antes da constituição de arguido, mas encontrando-se o arguido já algemado;
- na Informação da PSP - de fls. 216, comprovativa de que o arguido não era titular de licença de uso ou porte de arma;
- no atestado de residência de demandante (...) - , da Junta de Freguesia de (…), a fls. 321, do qual resulta que entre 10/3/2002 e 28/4/2019 a mesma viveu em comunhão de mesa e habitação, com (...),
- no auto de diligência da PJ - de fls. 437 a 460 , de acompanhamento da autópsia com exames ao hábito interno e externo, fotografias, e vestígios recolhidos no hábito interno,
- no Relatório de serviço/auto da GNR - de fls. 469
NUIPC61/19.9GBLGS de 25/4/2019, pelas 20h20m em que são denunciantes o arguido (...) Lourenço e seu irmão (...), e denunciado (...) (...) irmão da vítima, respeitante a incidente no restaurante de (...) (...)
- no Relatório de serviço/auto da GNR de fls. 473
NUIPC60/19.0GBLGS de 25/4/2019, pelas 20h55m em que são vítimas o arguido (...) e (...) (...) irmão da vítima, respeitante a incidente no restaurante de (...) (...)
- no Relatório de serviço/auto da GNR de fls. 476
Registo 269/19, relatório 71/19, de 27/4/2019, pelas 22h12m em que é denunciante (...), irmão do arguido (...), informando que pelas 20h12m desse dia (...) tinha entrado no surf camp, local da sua residência e de (...), e perseguido o ultimo, receando vingança pelos acontecimentos dos últimos dias
- no Relatório de serviço/auto da GNR de fls. 478,
De 27/4/2019 as 22h52m de cujo teor entre o mais, resulta que o arguido participou ao OPC ter sido seguido por (...) e (...) (...) em viatura depois estacionada à sua porta, suspeitando que se encontrassem armados, sentindo-se ameçado pela presença destas pessoas e solicitando a intervenção do OPC, tendo sido as referidas pessoas mais tarde interceptadas pelo OPC noutro local, em direcção à (…), e tendo sido efectuadas revistas de segurança e buscas aos respectivos veículos não tendo sido encontradas quaisquer armas,
Na prova Pericial
- Relatório de autópsia de fls. 616 a 618 verso, do qual resulta a existência de sinais de 2 disparos,
- um, não letal, a passar de raspão, no ombro direito e pescoço,
- Outro, fatal, feito com o braço direito da vítima levantado,
e de cujas conclusões resulta que a morte foi devida às lesões traumáticas cervicais torácicas e do membro superior descritas, que constituíram causa adequada de morte,
e foram produzidas por dois tiros de arma de cano longo, vulgo caçadeira, municiada de zagalotes,
- no Relatório pericial - de fls. 668, dos vestígios 1 e 2 recolhidos na autópsia, uma bucha em plástico e fragmentos de chumbo, do qual resulta que são provenientes de de cartuchos de caça,
- no Relatório pericial - de fls. 632, do qual resulta que a garrafa recolhida como vestígio retratada a fls. 58 não apresentava resultados,
- no Relatório de perícia psicológica - de fls. 1017, do qual resulta que, actualmente o examinado apresenta sintomatologia depressiva, perfazendo os critérios para perturbação de adaptação com ansiedade,
- no Relatório de perícia psiquiátrica - de fls. 1062, do qual resulta que o arguido apresenta capacidade de distinguir o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder e de se conseguir auto-determinar segundo essa avaliação, como na altura da ocorrência dos factos.
Na prova documental dos PIC
no boletim de nascimento do demandante (...), de fls. 749,
na escritura de habilitação de herdeiros de fls. 750
designadamente
Quanto aos factos provados
1.1 - declarações de (…),
1.2 - declarações de (...) e depoimentos de (…),
1.3 - depoimentos de (...)
1.4 - declarações de (...) e depoimentos de (...),
1.5 - declarações de (...), depoimentos de (...)
1.6 - declarações de (...), depoimentos de (…), relatório fotográfico do local do crime,
1.7 - declarações de (...), depoimentos de (…), exame pericial de autópsia,
1.8 - depoimentos de (…) e relatório de autópsia
1.9 - relatório de autópsia,
1.10 - relatório de autópsia,
1.11 - relatório de autópsia,
1.12 - depoimentos de (...), (...)
1.13 - depoimento de (…),
1.14 - depoimento de (…)
1.15 - na informação da PSP,
1.16 - do conjunto da prova indicada supra e, designadamente, quanto à intenção de matar, da utilização de uma caçadeira com zagalotes, a curta distância.
1.17 - do conjunto da prova indicada supra e dos relatórios de psicologia e psiquiatria,
1.18 - do conjunto da prova indicada supra e dos relatórios de psicologia e psiquiatria
1.19 - do boletim de nascimento e da escritura de habilitação de herdeiros,
1.20 - do boletim de nascimento, declarações de (...), e depoimentos de (…), e (...) (...),
1.21 - declarações de (...), e depoimentos de (...) (...),
1.22 - declarações de (...) e depoimento de (…), e sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares no contexto de relacionamento harmonioso apurado nos autos – vd- Ac. do STJ de 15-04-2009, relator Sr. Cº Raul Borges, 08P3704, em www.dgsi.pt,
1.23 - declarações de (...) e depoimentos de (...) (...) e (…),
1.24 - declarações de (...) e depoimento de (…),
1.25 - do conjunto da prova produzida supra em face do intervalo entre os disparos e sendo o sofrimento da vítima facto notório que inclusivamente dispensa alegação e prova – citado Ac. do STJ 08P3704,
1.26 - idem,
1.27 - depoimentos de (...),
1.28 - declarações de (..), e no atestado de residência,
1.29 - declarações de (…), depoimentos de (…)
1.30 - declarações de (…), depoimentos de (…),
1.31 - declarações de (…) e facto notório - nos termos indicados supra do citado Ac. do STJ 08P3704,
1.32 - depoimentos de (…),
1.33 - depoimentos de (…), (...),
1.34 - depoimentos de (...),
1.35 - depoimentos de (...),
1.36 - depoimentos de (...),
1.37 - depoimento de (...),
1.38 - depoimentos de (...),
1.39 - depoimentos de (...),
1.40 - depoimentos de (...),
1.41 - depoimentos de (...),
1.42 - depoimentos de (…),
1.43 - depoimentos de (...),
1.44 - depoimentos de (...),
1.45 - depoimentos de (...),
1.46 - depoimentos de (...),
1.47 - depoimentos de (...),
1.48 - depoimentos de (...),
1.49 - depoimentos de (...),
1.50 - depoimentos de (...),
1.51 - depoimento de (…),
1.52 - depoimento de (…),
1.53 - depoimento de (…),
1.54 - depoimentos de (...),
1.55 - depoimento de (…),
1.56 - depoimentos de (…),
Quanto aos factos não provados
2.1 - depoimento de (...),
2.2 - depoimento de (…),
2.3 - diligência de reconstituição informal valorada negativamente,
2.4 - diligência de reconstituição informal valorada negativamente,
2.5 - diligência de reconstituição informal valorada negativamente,
2.6 - diligência de reconstituição informal valorada negativamente,
2.7 - depoimento de (…),
2.8 - (...)
2.9 - diligência de reconstituição informal valorada negativamente,
2.10 - diligência de reconstituição informal valorada negativamente,
2.11 - inexistencia de qualquer prova,
2.12 - declarações de (...),
2.13 - por conclusivo, na ausência de qualquer prova,
2.14 - inexistência de prova,
2.15 - inexistência de prova,
2.16 - por conclusivo,
2.17 - por conclusivo,
2.18 - depoimento de (...),
2.19 - inexistência de prova
2.20 - inexistência de prova,
2.21 - inexistência de prova,
2.22 - inexistência de prova.
Elementos de prova em face dos quais não se suscitaram dúvidas nem quanto à autoria nem quanto às circunstâncias e dinâmica dos factos, nem quanto aos factos dos pedidos de indemnização Civil e da Contestação, julgados provados e não provados, em conformidade, e ainda também quanto aos factos de formulação conclusiva que foram julgados não provados.”.

3.1.4. Da fundamentação de direito pelo Tribunal recorrido
O Tribunal a quo fundamentou de direito pela seguinte forma (transcrição):
“Quanto ao crime de homicídio
O arguido vem acusado da prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punível pelo artigo 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. h) e j) ambos do Código Penal.
Dispõem os arts. 131º e 132º do Código Penal, CP, na parte relevante, que
Artigo 131.º
Homicídio
Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos.
Artigo 132.º
Homicídio qualificado
1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.
2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

h) Praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum;

j) Agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas;
Decorre das transcritas disposições legais que o tipo fundamental do crime de homicídio, que vem previsto no art. 131º do CP, e é punível com a pena de prisão de 8 a 16 anos, é agravado pelo art. 132º do CP, passando a pena de 12 a 25 anos de prisão, quando ao tipo-base acresçam circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, circunstâncias que, sendo relativas ao facto ou ao autor, e descritas como exemplos-padrão no art. 132º, indiciem um maior grau de culpa, uma culpa agravada,
e que, sendo elementos da culpa e não do tipo, não são de funcionamento automático,
tornando-se necessário que o intérprete se certifique que da ocorrência de qualquer daquelas circunstâncias resultou, em concreto, a especial censurabilidade ou perversidade de qualquer das situações descritas nos exemplos-padrão ou substancialmente análogas,
Entendendo-se, na doutrina e na jurisprudência, quanto ao critério de distinção,
que existe especial censurabilidade quando “as circunstâncias em que a morte foi causada são de tal modo graves que reflectem uma atitude profundamente distanciada do agente em relação a uma determinação normal de acordo com os valores”
e especial perversidade quando existe “uma atitude profundamente rejeitável, no sentido de ter sido determinada e constituir indício de motivos e sentimentos que são absolutamente rejeitados pela sociedade” – vd. Ac do STJ de 17/4/2013, relator Sr. Cº Raul Borges, proc. 237/11.7JASTB.L1.S1, em www.dgsi.pt., citando, a propósito da distinção, Teresa Serra, Homicídio Qualificado -Tipo de culpa e Medida da Pena, Almedina 1990, a págs. 63/64.
No caso dos autos,
a qualificação do homicídio vem reportada às alíneas h) e j) do nº 2 do art. 132º do CP, reportando-se as circunstâncias sob apreciação, em concreto, à utilização de “meio particularmente perigoso ou de perigo comum” e à “persistência na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas”.
Assim,
Provada a morte da vítima em consequência das lesões que sofreu,
Quanto à circunstância qualificativa da alínea h)
Não sendo o homicídio um crime de perigo comum, mas um crime de dano,
“…utilizar meio particularmente perigoso é… servir-se para matar de um instrumento, de um método ou de um processo que dificultem significativamente a defesa da vítima”,
Devendo ponderar-se, que
“a generalidade dos meios usados para matar são perigosos e mesmo muito perigosos”,
Pelo que,
“…Exigindo a lei que eles sejam particularmente perigosos há que concluir duas coisas: ser desde logo necessário que o meio revele uma perigosidade muito superior à normal nos meios usados para matar ( não cabem seguramente no exemplo-padrão e na sua estrutura valorativa revólveres pistolas, facas ou vulgares instrumentos contundentes); em segundo lugar, ser indispensável determinar com particular exigência e severidade se da natureza do meio utilizado – e não de quaisquer outras circunstâncias acompanhantes - resulta já uma especial censurabilidade ou perversidade do agente. Sob pena de outra forma … se poder subverter o inteiro método da qualificação legal e de se incorrer no erro político-criminal grosseiro de arvorar o homicídio qualificado em forma-regra do homicídio doloso”- vd. Prof. (...) Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora Tomo I, 1999, p. 37.
No caso dos autos,
A este propósito,
Tendo-se provado que o arguido disparou sobre a vítima, a uma distância não superior a 2 metros, dois tiros de zagalote,
munições que de entre as de caça são as mais perigosas e letais pela maior capacidade de penetração e efeito destruidor que provocam no alvo, por isso, usadas para abate de caça grossa,
tal actuação aumentou o risco de morte da vítima,
impondo que se conclua que o arguido utilizou um meio particularmente perigoso, com isso, preenchendo a sua conduta a especial censurabilidade prevista da alínea h) do nº 2 do artigo 132º do Código Penal – vd., entre outros, os Acs. do STJ de 20-03-2002, relator Sr. Cº Leal (...)s, 02P580, e de 12-06-2003, relator Sr. Cº Carmona da Mota, 03P1671 acessível em www.dgsi.pt.
Quanto à circunstância qualificativa da alínea j)
Tendo resultado não provada a totalidade da factualidade respeitante, é quanto basta, sem necessidade de maiores considerações, para se concluir pelo não preenchimento da circunstância da premeditação.
Por outro lado,
A conduta do arguido que ficou provada não é subsumível ao tipo de homicídio privilegiado, ao contrário do alegado pelo arguido na sua Contestação.
Com efeito,
Prevê, o Código Penal no Artigo 133.º, sob a epígrafe “Homicídio privilegiado”, que
“Quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral, que diminuam sensivelmente a sua culpa, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos”,
Tipo-de-ilícito privilegiado relativamente ao crime-tipo de homicídio previsto no art. 131º, que,
- Seguindo de perto a lição do Sr. Prof. Figueiredo Dias, em Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág 47 a 53 -
consagra uma “cláusula de exigibilidade diminuída
legalmente concretizada,
na ..emoção violenta compreensível, a compaixão, o desespero ou um motivo de relevante valor social ou moral…”,
“…quando e apenas quando diminuam sensivelmente a culpa do agente…”
“…diminuição que não pode ficar a dever-se nem a uma imputabilidade diminuída, nem a uma diminuída consciência do ilícito, mas unicamente a uma exigibilidade diminuída de comportamento diferente…”.
Assim,
Quanto aos elementos privilegiadores do tipo
“Compreensível emoção violenta, é um forte estado de afecto emocional, provocado por uma situação pela qual o agente não pode ser censurado e á qual também o homem normalmente fiel ao direito não deixaria de ser sensível. Não se trata aqui de qualquer valoração social, ou (muito menos) moral do estado de afecto, mas apenas da sua verificação nos termos preditos…”,
em que o requisito da
“compreensibilidade da emoção… representa uma exigência adicional, relativamente ao puro critério de menor exigibilidade subjacente a todo o preceito”,
O que não se trata de uma exigência de proporcionalidade entre o facto que desencadeia a conduta do agente, a provocação, e o facto provocado,
Mas, sim da verificação da existência
“…de um mínimo de gravidade ou peso da emoção que estorva o cumprimento das intenções normais do agente e determinada por facto que não lhe é imputável”,
Por isso,
Por não ser exigível proporcionalidade na provocação,
Também não assumindo relevo “a questão de saber se na origem do estado emocional esteve um qualquer comportamento ilícito ou injusto do próprio agente surgindo a provocação como resposta ou retorsão”,
Tudo dependendo de,
“numa avaliação conjunta e global da situação, …o julgador concluir que a emoção violenta compreensível diminuiu sensivelmente a culpa do agente”,
E, as mesmas considerações sendo aplicáveis à
…compaixão (estado de afecto ligado à solidariedade ou á comparticipação no sofrimento de outra pessoa), ao
“…desespero (onde estará em causa não tanto a situação objectiva de falta de esperança na obtenção de um resultado, ou de uma finalidade, quanto, sobretudo, estados de afecto ligados à angústia, à depressão, ou à revolta)”,
E, ao
“…motivo de relevante valor social ou moral …a avaliar à luz da ordem axiológica suposta pela ordem jurídica: em caso algum para se oferecer exemplos evidentes “se poderão avaliar como tais motivos de pureza rácica, de superioridade política ou de casta, de necessidade de extermínio de infiéis, de opositores ou de dissidentes,
Nem sendo permitido ao aplicador distinguir
entre motivos de relevante valor social ou moral, bons ou maus, adequados ou inadequados às concepções sociais e morais do próprio aplicador, ou mesmo prevalentes na comunidade, num dado momento histórico ou correspondentes à moralidade média”.
Aplicando tais ensinamentos ao caso dos autos,
Não obstante o arguido ter optado pelo silêncio,
e. mesmo tendo-se por processualmente adquirido, face aos factos provados supra consignados em 1.32 a 1.55, que o arguido se encontrava assustado e temendo pelo que lhe pudesse acontecer,
todavia,
a avaliação conjunta e global da situação,
em que, com actualidade, apenas se descortinam dois episódios de confrontação, três e dois dias antes dos factos, no dia 25 sem intervenção directa da vítima, e no dia 27 entre o arguido e a vítima,
situações, aliás, em que o arguido soube recorrer à presença das autoridades policiais, GNR, que chamadas por ele, intervieram, controlando os conflitos,
perante tal quadro não se pode concluir que ao adoptar a conduta sob apreciação o arguido tenha agido determinado sob qualquer situação de compreensível emoção violenta, compaixão, desespero, ou relevante motivo de valor social ou moral, determinante de menor exigibilidade em grau suficiente para diminuir sensivelmente a sua culpa, nos termos previstos no art. 133º do Código Penal,
pelo que,
não se verificam as exigências do tipo-de-ilícito de homicídio privilegiado,
soçobrando a tese que o arguido invocou na Contestação.
Por outro lado,
Da mesma factualidade apurada no caso concreto também não resultam factos que permitam convocar a atenuação especial da pena prevista no art. 72º do Código Penal.
Com efeito,
sob a epígrafe “Atenuação especial da pena”
dispõe o Código Penal no artigo 72.º, que
(1) o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, designadamente, e para o que no caso dos autos releva, quando –a) o agente tenha actuado sob influência de ameaça grave, - b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida, -c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados, - d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta,
Disposição legal da qual também decorre uma especial exigência de circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena,
acentuada diminuição da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena – vd., neste sentido, Ac. do STJ de 12/6/2013, relator Sr. Cº Maia Costa, no processo 624/10.0TACTB.C1.S1, acessível em www.dgsi.pt -
cuja verificação também não resulta dos factos provados supra.
Pelo exposto,
apesar da improcedência da circunstância qualificativa da premeditação, por terem resultado não provados os factos em que se fundava, tendo presentes os que resultaram provados, conclui-se como na acusação que a conduta do arguido integra o crime de homicídio qualificado previsto e punido pelos arts 131º e 132 nº 2 – h) do Código Penal.
Por último,
Por dever de ofício, e, efectuada em acta a prévia comunicação de alteração da qualificação,
Tendo o homicídio dos presentes autos sido cometido com arma prevista no art. 86º nº3 e 4 da Lei 5/2006, de 23/02,
ao caso concreto é também aplicável a agravação em 1/3 nos limites mínimo e máximo da moldura penal aplicável do crime de homicídio qualificado do art. 132º do Código Penal, de 12 a 25 anos de prisão, o que eleva a moldura abstracta para 16 a 25 anos de prisão, atento o limite máximo imposto de 25 anos,
Com efeito,
Tal agravação tem sempre lugar, e é de efeito automático, quando o homicídio tenha sido cometido com arma – uma, das indicadas no nº4 do art. 86º da Lei 5/2006 – in casu, com uma arma caçadeira, como resulta das características das munições utilizadas, zagalote, o que, se traduz numa menor capacidade de defesa das vítimas, agravação, que visa reprimir a utilização de armas na prática de crimes, e, desse modo, dissuadir a criminalidade violenta e mais grave - vd. Artur Vargues, em Comentário das Leis Penais Extravagantes, organizado por Paulo P. de Albuquerque e J. Branco, a pgs. 244 –
Agravação que se perfila no plano da ilicitude,
por isso, não ocorrendo, neste caso, dupla valoração – proibida pelo princípio “ne bis in idem” que enforma o Direito Penal Português - com as circunstâncias que qualificam o homicídio, nos temos previstos no art. 132º do CP, já que tais circunstâncias não respeitam à ilicitude mas ao tipo-de-culpa,
e posto que, o porte ou uso de arma também não é elemento típico do crime de homicídio, nem o homicídio é um crime de perigo comum, como se disse supra
- vd. Acs. do STJ de 12/6/2003, relator Sr. Cº Carmona da Mota, proc. 03P1671, de 12/3/2015, relator Sr. Cº Maia Costa, proc. 185/13.6GCALQ.L1.S1, de 7/5/2015, relator Sr. Cº Francisco Caetano, proc. 2368/12.7JAPRT, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Quanto ao crime de detenção de arma proibida
O arguido vem também acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto pelo artigo 86.º, n.º 1, al. c), e n.º 2, artigo 2.º, n.º 1 als. p), s), ae) e ar) e artigo 3.º, n.º 5, al. c), todos da Lei 5/2006, de 25/02, e punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, ou com pena de multa até 600 dias.
É jurisprudência corrente que entre os crimes de homicídio cometido com arma e o de detenção de arma proibida existe concurso efectivo de crimes, por serem distintos os bens jurídicos tutelados - no crime de homicídio, a vida humana, e, no de detenção de arma proibida, a segurança das pessoas.
Todavia,
No caso dos autos,
dos factos provados nenhum resultou que permita avaliar de forma autonomizada a detenção da arma pelo arguido,
nesse conspecto apenas resultando que o arguido disparou dois tiros de zagalote com uma arma caçadeira, esgotando-se nesse acto a detenção e o respectivo uso da dita arma e, por isso, desconhecendo-se por não provadas, as circunstâncias em que o arguido entrou e permaneceu, ou não, na posse e/ou na detenção das referidas arma e munições, e deste modo reduzindo-se a detenção e o uso da dita arma e munições, apenas durante alguns segundos, à prática do crime de homicídio,
pelo que,
apesar da pluralidade de tipos legais violados, há unidade do acontecimento ilícito global-final,
em que o sentido de ilicitude do homicídio é absolutamente dominante sobre o da detenção da arma proibida,
“… Circunstâncias como p. ex. a de se utilizar arma proibida …constituem condutas que concorrem com a de homicídio, em princípio sob a forma de concurso aparente…
Só assim não sendo…se…circunstâncias como esta não deixando de participar do acontecimento ilícito global-final, produzem efeitos em outras esferas jurídicas, de terceiros, ou da comunidade, devendo conduzir à afirmação de um concurso efectivo” – vd. Sr. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal, parte geral, Tomo I, Coimbra Editora 2ª ed., pags. 1011, 1016, 1017 -
designadamente, no que no presente caso releva,
efeitos da detenção da arma na comunidade, que, no caso sob apreciação, não ficaram provados.
Pelo exposto será o arguido absolvido do crime de detenção de arma proibida, por se encontrar neste caso o referido ilícito em relação de concurso aparente com o de homicídio – vd. neste sentido, os Acs. do STJ de 31-03-2011, relator Sr. Cº Manuel Braz, proc. 361/10.3GBLLE, do TRP de 7/5/2014, relatora Srª. Desª Eduarda Lobo, proc. 1586/12.2JAPRT.P1, do STJ de 3/7/2014, relatora Srª Cª Isabel Pais Martins, proc. 417/12.8TAPTL.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
5. Determinação da Pena
Enquadrada desta forma a conduta do arguido cumpre determinar a pena concreta a aplicar dentro da moldura abstracta legalmente prevista, o que se fará, tendo em vista as finalidades que presidem à aplicação das penas, da protecção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade – nos termos do art. 40º/1 do CP - em função das exigências de prevenção de futuros crimes - nos termos do art. 71º do CP - e, tendo a culpa do arguido por limite inultrapassável, como preceitua o art. 40º/2 do CP,
devendo considerar-se, em concreto, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim,
no caso presente,
as exigências de prevenção geral, constituem uma finalidade de primordial importância, perante a necessidade de se assegurar à comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem o bem jurídico vida, condição da existência de todos os outros bens jurídicos, finalidade que deve prevalecer sobre todas as demais perante a banalização cada vez maior deste tipo de crime na comunidade.
Quanto à ilicitude, revelada nas circunstâncias da conduta, é muito elevada,
O dolo assumiu a modalidade de dolo directo, o mais intenso.
A ponderar em favor do arguido, diminuindo a sua culpa, releva o estado de medo do arguido,
ainda que exacerbado pelas características da sua personalidade ansiosa,
e, também, pelas tensões acumuladas no passado entre as duas famílias, a rivalidade das actividades laborais, concorrenciais, na mesma área de negócios e na mesma comunidade.
Quanto às exigências de prevenção especial, há a ponderar em beneficio do arguido que é pessoa com boa inserção social e não tem antecedentes criminais.
Assim, tudo ponderado,
entende-se justa e adequada a pena de 16 anos de prisão, situando-a no limite mínimo da moldura agravada por efeito automático da Lei 5/2006.
6. Da medida de coacção
Em sede de medidas de coacção vigora o princípio rebus sic stantibus (cfr. art. 212.º do C.P.P.) de acordo com o qual a decisão que aplicou a medida de coacção é intocável e imodificável enquanto não sobrevierem motivos que legalmente justifiquem nova tomada de posição (cfr. o Acórdão do TRL de 14.02.2006, relator Sr. Des. Vieira Lamim, in www. dgsi. pt.).
No caso dos presentes autos,
O arguido foi detido a 28/4/2019 e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva por despacho judicial proferido a 29/4/2019, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, por existir perigo de fuga e de perturbação do decurso do inquérito e da ordem e tranquilidade públicas, medida de coacção que tem vindo a ser revista e mantida.
Realizada a audiência de julgamento vai agora o arguido condenado pela prática de um crime de homicídio, na pena de 16 anos de prisão, sendo que já existe nos autos informação negativa nos termos e para os efeitos da especial vulnerabilidade prevista no art. 7º da Lei 9/2020 de 10/04.
Assim, mostram-se reforçados com a condenação os perigos de fuga e de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas que determinaram a sujeição do arguido à medida de coacção de prisão preventiva, cujo prazo máximo admissível não se mostra ultrapassado (art. 215º do Código de Processo Penal),
Pelo que, continuará o arguido a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coacção de prisão preventiva - nos termos das disposições conjugadas dos arts. 131º, 132º nº1 e 2-h) do Código Penal e 202º/1-a) e 204º- a) e c) do Código de Processo Penal.
7. Dos Pedidos de Indemnização civil
Nos termos do disposto no art. 129º do CP, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Assim,
tratando-se da responsabilidade por factos ilícitos, estatui o art. 483º nº 1 do Código Civil, o princípio geral, de que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”,
devendo a indemnização abarcar os danos patrimoniais e não patrimoniais,
os danos patrimoniais, segundo a teoria da diferença,
de harmonia com o disposto nos arts. 562º, 563º, 564º nº1, 566º nºs 1 e 3 do Código Civil, CC,
e os não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito,
de harmonia com o disposto no art. 496º do CC.
Tratando-se de uma indemnização a atribuir em processo penal, “reveste-se de uma natureza mista a que não é estranha a ideia de reprovar no plano civilístico, e com os meios de direito privado, a conduta do agente” – vd. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 1973, 488 -
uma vez que os bens atingidos pela conduta ilícita – da vida, do sofrimento físico e psíquico e do desgosto da perda irreparável – são insusceptíveis de avaliação pecuniária e, dessa forma não se pode propôr à indemnização uma função de remoção do dano real, mas tão-só de compensação do sofrimento advindo do facto ilícito, que proporcione algum conforto ao lesado,
e, sendo “… hoje pacífico que a supressão de bem vida não conta como um dano cuja reparação se transmita aos herdeiros da vítima “…no caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização correspondente aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no nº2 do art. 496º do C.Civil” – vd. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral, I, 3ª ed. Almedina, 1980, pág. 503 e 508.
Além disso,
no caso dos crimes dolosos,
segundo jurisprudência hoje corrente,
“havendo que na atribuição atender-se às regras da boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação da realidade da vida e da justa medida das coisas, representando a equidade, enquanto factor de observância no dano moral, a consideração de tais factores, devendo medir-se por um critério objectivo, à luz das concretas circunstâncias do caso, desprezando factores subjectivos ligados a uma sensibilidade especialmente apurada ou embotada, mas por outro lado, apreciando-se a gravidade em função da necessidade da tutela do direito – vd. Ac. do STJ de 11/7/2007, relator Sr. Consº Armindo Monteiro, processo 1583/07, 3ª secção, sumário publicado no site da pgdlisboa-,
E, devendo excluir-se o critério do artigo 494º do CC,
segundo o qual “no cálculo do quantum pela perda do direito à vida deve excluir-se, por inconstitucionalidade, o critério do artigo 494.º do Código Civil, reportado à situação económica do lesante ou da vítima”
por respeitar aos ilícitos de mera culpa, não aplicável aos crimes dolosos – vd. Ac. do STJ de 25-11-2015, relator Sr. Cº Raul Borges, proc. 24/14.0PCSRQ.S1 acessível em www.dgsi.pt.
No caso em apreço,
Da factualidade provada supra resultaram provados os pressupostos da obrigação de indemnizar exigidos pelo art. 483º/1 do C Civil - do facto ilícito praticado pelo arguido, da culpa, dos danos causados à vítima mortal e aos demandantes, e, bem assim do nexo de causalidade entre o facto do arguido e os danos.
Assim,
Quanto aos danos peticionados pelo demandante (...)
Constituindo os recl(...)s a título de danos não patrimoniais, danos, que pela sua gravidade, merecem a tutela do direito,
Quanto ao dano morte - perda do direito à vida da vítima,
Sendo a vida o bem supremo, cuja eliminação arrasta consigo todos os outros, considerando que a vítima tinha 43 anos, era saudável, e poderia ultrapassar os 70 anos de vida, considerada a esperança de vida actual, tem-se por justo e adequado, com recurso à equidade, fixar a indemnização no valor de €80.000,00.
Quanto ao dano não patrimonial sofrido pelo demandante pela perda do pai,
Tendo-se presente que a morte do pai é uma perda irreparável que o acompanhará para o resto da vida, e a idade do demandante à data dessa perda, 18 anos, mostra-se justo e adequado, com recurso à equidade, fixar a indemnização na quantia de €40.000,00.
Quanto ao dano não patrimonial sofrido pela vítima antes de morrer
Tendo presente o tempo decorrido entre o segundo disparo e a morte, não concretamente apurado, mas necessariamente diminuto dada a gravidade e extensão das lesões,
a percepção da vítima - ao ser atingido pelo primeiro disparo feito a curta distância com uma caçadeira, e perante a iminência do segundo, feito imediatamente a seguir - durante esse curto lapso de tempo, de que ia morrer,
sendo o sofrimento moral ante a iminência da morte considerado um facto notório que dispensa alegação e prova,
mostra-se justo e adequado, com recurso à equidade, fixar a indemnização em €8.000,00.
Quanto ao dano patrimonial do demandante
Peticionado pelo Demandante à razão de €10,00 diários desde o dia da morte até perfazer 25 anos,
tal dano, não constituindo um dano de lucros cessantes, nem de danos futuros da vítima, mas constituindo-se como um dano de terceiro, in casu, do próprio demandante, a título de alimentos,
deve ser indemnizado nos termos previstos no art. 495º/3 do Código Civil,
que dispõe que em caso de morte da vítima “Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural” – vd. Ac. do STJ de 03-11-2016, relator Sr. Cº António Joaquim Piçarra, proc. 6/15.5T8VFR.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt
Assim,
Tendo resultado provado que era a vítima quem sustentava o demandante, em montante não inferior a €10,00 por dia,
Mas tendo resultado não provado que o demandante careça dessa quantia até completar 25 anos, nem que pretendesse continuar a estudar,
e designadamente encontrando-se processualmente adquirido que o demandante é o único herdeiro da vítima e que nesta altura se sustenta dos rendimentos de alojamento local que pertenciam ao pai,
mostra-se adequado, com recurso à equidade,
fixar tal indemnização de alimentos em €3.650,00, correspondente ao montante diário que o mesmo receberia durante um ano a contar da data da morte do pai, período de tempo que se estima necessário para a adaptação do demandante ao giro dos negócios que herdou do pai, cuja actividade como também resultou provado acompanhava de perto, e em cuja exploração, não exigindo especiais conhecimentos técnicos, o demandante sucedeu, por ser o seu único herdeiro,
Desta forma,
Totalizando a indemnização global devida ao demandante (...)(...) a quantia de €131.650,00 a pagar pelo demandado ao demandante,
a acrescer dos juros peticionados,
sobre as quantias arbitradas a título de indemnização por danos não patrimoniais desde o presente acórdão até integral pagamento e, sobre a quantia arbitrada a título de indemnização por dano patrimonial desde o trânsito em julgado do presente acórdão até ao integral pagamento, à taxa legal dos juros civis,
e, improcedendo na parte restante o peticionado.
Quanto aos danos peticionados pela demandante (…)
Que limitou o pedido de indemnização aos danos não patrimoniais pelo sofrimento que a perda do companheiro lhe causou,
integrando a demandante o elenco das pessoas a que o art. 496º nº3 do Código Civil reconhece o direito à indemnização,
tendo resultado provado que viveu com a vítima durante cerca de 17 anos em união de facto, isto é, como marido e mulher, e os danos que sofreu tratando-se de um dano não patrimonial cuja indemnização se destina a compensar o desgosto da perda,
mostra-se justo e adequado, com recurso à equidade fixar tal indemnização em €40.000,00.
8. Dos objectos apreendidos
Ordena-se a destruição dos objectos apreendidos nos autos que contenham vestígios biológicos, ao abrigo do disposto no art. 156º nº 7 do CPP,
e quanto aos demais não se verificando os pressupostos do art. 109º do CP, restituam-se, após trânsito, a quem de direito – art. 186º do CPP.”.

3.2. Da apreciação do recurso interposto pelo arguido
O arguido (...) interpôs recurso do Acórdão que o condenou pela prática de um crime de homicídio qualificado dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do CP, agravado pelo artigo 86.º, n.ºs 3 e 4 da Lei 5/2006 de 23/02, na pena de dezasseis anos de prisão, absolvendo-o da prática do crime de detenção de arma proibida por se encontrar em concurso aparente com o crime de homicídio em que foi condenado.
O arguido impugnou a matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 412.º, nºs. 3 e 4 do CPP, alegando erros de julgamento, bem como a violação dos princípios da presunção da inocência e do in dubio pro reo, discordando, ainda, da qualificação jurídica dos factos provados e da medida da pena em que foi condenado. Pugnou, a final, sucessiva e subsidiariamente, pela procedência do recurso e, em consequência, requereu:
- Ser absolvido do crime de homicídio, ou caso assim não seja concedido,
- Ser condenado pelo crime de homicídio simples, com a agravação prevista na lei 5/2006, de 23/2, na pena máxima de dez anos e oito meses, ou,
Caso também não seja concedido,
- Ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado sem a agravação prevista na lei 5/2006, de 23/2, na pena máxima de doze anos.
Quanto ao pedido cível pronunciou-se no sentido do seu quantum ser diminuído pelo desagravamento da pena que lhe foi aplicada e por o quantitativo fixado pelo dano de morte ser excessivo.
Apreciemos as questões colocadas.

3.2.1. Erro de julgamento quanto à matéria de facto (artigo 412.º, n.ºs 3 e 4 do CPP)
Considera o arguido que o tribunal a quo julgou incorretamente os pontos 1.3, 1.5,1.6, 1.12, e 1.13 quanto à autoria dos factos ser atribuída ao arguido, pois dos depoimentos das testemunhas indicadas não resultaria ter ocorrido o reconhecimento do arguido como autor do crime. A este propósito referiu que das declarações do assistente conjugados com os depoimentos das testemunhas (...) e (...) não resultaria ter sido esclarecido qual foi o contributo destas testemunhas para a prova daqueles factos, porquanto as mesmas não haviam reconhecido o arguido como autor do crime.
Quanto ao ponto 1.5 o tribunal ter-se-ia socorrido do depoimento da testemunha (...) que não havia reconhecido o arguido como autor do crime. Quanto aos pontos 1.5 e 1.6 as declarações do assistente (...)também não seriam isentas de dúvidas, pois apenas reconheceu o arguido pela sua altura e largura e por viver na mesma comunidade. Acresceria que sendo o assistente parte interessada no processo não se extrairia das suas declarações uma “sólida razão de ciência” quanto à identificação do arguido como autor dos disparos.
Do testemunho de (...) também resultava não ter este reconhecido o arguido, assim, perante tantas incertezas e dúvidas o tribunal não deveria ter atribuído credibilidade ao testemunho do assistente.
Dada a fragilidade da prova quanto à identificação do arguido como autor dos disparos os factos impugnados não deveriam ser considerados provados e deveria o recorrente ser absolvido dos crimes que lhe foram imputados.
Vejamos.
O arguido põe em causa a sua identificação como autor do crime citando e indicando trechos parciais dos depoimentos, o tribunal, todavia, apreciou a prova na sua globalidade e não segmentos descontextualizados.
Para concluir no sentido de o arguido ter sido identificado como autor dos disparos o tribunal teve em conta, em especial, as declarações do assistente (...), testemunha presencial dos disparos que vitimaram o pai e declarou reconhecer o arguido como seu autor, dando conhecimento dessa autoria ao seu tio (...), a quem foi procurar logo a seguir aos disparos.
O assistente sublinhou, ainda, que conhecia pessoalmente o arguido a quem via regularmente, vivendo ambos na mesma comunidade, com atividades profissionais concorrentes e sendo bem conhecidas as quezílias existentes entre a sua família e a família do arguido.
Ao relato do assistente acresceu, na convicção do tribunal a circunstância de ter sido o arguido o autor dos disparos, o depoimento das testemunhas (…) e (...). O primeiro afirmou ter visto uma pessoa a correr em direção ao local dos disparos com uma caçadeira na mão, com roupa de “jogging” e mascarado, embora não tivesse 100% de certeza de se tratar do arguido. A (...), por seu turno, apenas viu um homem a andar rapidamente com uma caçadeira de dois canos e com a cara completamente tapada.
O tio do arguido (…) também, quando ouvido, declarou que o arguido, logo após o despoletar dos acontecimentos, lhe tinha transmitido ter sido ele que matara o (...).
O arguido, para atacar as declarações do assistente (...), salientou ter o próprio tribunal a quo apelidado e reconhecido ser o depoimento deste “contido e monocórdico”.
Numa primeira abordagem ao depoimento do assistente há que ter em conta tratar-se de um jovem de dezanove anos afetado com a perda traumática recente do próprio pai, baleado à sua frente, a quem dificilmente seria exigível que prestasse um depoimento “corrente e fluente”, como parece pretender o arguido, quando tinha ele próprio sentido a vida em risco e consciência das desavenças existentes entre o arguido e a sua família.
Seria de esperar que o assistente (...)tivesse tido oportunidade e sangue frio para detetar todos os pormenores de vestuário do arguido que estava mascarado e encapuçado? Ou seria antes lógico e racional que a identificação do arguido se tivesse baseado nos contatos pessoais e vivência diária tidas com o mesmo na comunidade onde estavam ambos inseridos e onde contatava com ele há quatro ou cinco anos?
É, pois, evidente ainda que o conteúdo das declarações do assistente fossem as únicas a afirmarem ter sido o arguido o autor dos disparos, nelas foram revelados alguns dos aspetos físicos do arguido, (corpulento, alto e largo) que conjugados com o contexto anterior aos acontecimentos (quezílias) e a postura do arguido posterior, já na fase judicial, viessem a credibilizar o testemunho do assistente como sendo o arguido o autor dos disparos que vitimaram o seu pai.
Na verdade, a expressiva motivação constante da contestação do arguido e que o levaram a atuar no dia 28 de abril de 2019, quando referiu estar assustado, que saíra de casa no dia anterior aos disparos já de noite, tendo sido perseguido pela vítima e pedido a sua interceção pela GNR, sem que esta tivesse atuado, levando-o a ficar cada vez mais receoso e, já de manhã, sentindo-se encurralado a ter agido, são bem claros no sentido de não poder ter sido outra pessoa, que não o arguido, a atuar e a disparar os tiros contra a vítima.
Quem poderia ser o autor dos disparos a não ser o arguido a cometer o crime face à motivação por ele próprio apresentada no seu articulado de contestação?
O arguido tinha o porte físico da pessoa identificada como autor dos disparos. Uma pessoa foi vista a correr antes e depois a fugir do local do crime com as suas características físicas, ainda que encapuçado e mascarado. Logo a seguir foi visto num café, mencionando ter estado a correr e apresentando-se transpirado. Em seguida quando já ia no carro confidenciou ao condutor ter matado a vítima.
Se o princípio da livre apreciação da prova, perante o conjunto de indícios indicados não permitisse ao julgador concluir de acordo com as regras da experiência e da lógica formar a sua convicção de que havia sido o arguido o autor dos disparos, aquele princípio de nada serviria para formar a convicção do julgador, desde que não houvesse prova direta dos factos denunciados. Sob essa perspetiva todos os autores de crime perpetrados sem testemunhas presenciais ou encapuçados seriam absolvidos.
O artigo 127.º do CPP permite precisamente ao tribunal formar a sua convicção com base na prova indireta e da cumulação de indícios que asseguram a fiabilidade do juízo emitido. E dessa fiabilidade resulta que a versão do assistente, quanto à identificação do arguido, se impõe à versão pretendida extrair pelo arguido dos depoimentos em que resultariam dúvidas sobre a identidade do autor dos disparos.
Como tem sido sublinhado em inúmeros acórdãos dos tribunais superiores a convicção formada pelo julgador para ser substituída por outra versão tem de ser além de credível superada pela versão alternativa, no caso apresentada pelo arguido. Tal não se verifica manifestamente no caso em concreto.
Como salienta Luís Filipe de Sousa[5]inexiste qualquer hierarquia apriorística entre as declarações das partes (…) o julgador deve sopesar a valia relativa de cada meio de prova (…) determinando no seu prudente arbítrio qual o que deverá prevalecer e por que razões deve ocorrer tal primazia (…) nada obsta(ndo) a que as declarações da parte constituam o único arrimo para dar certo facto com provado desde que os mesmos logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação.”.
Improcede, assim, a arguição do recorrente em relação às dúvidas e incertezas sobre a identificação do arguido.

3.2.2. Violação do principio in dubio pro reo decorrente do princípio constitucional da presunção da inocência (artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte da CRP)
No âmbito da violação deste princípio a decisão recorrida não deixou de sublinhar que ao tribunal “não se suscitaram dúvidas nem quanto à autoria nem quanto à dinâmica dos factos, nem quanto aos factos do pedido de indemnização cível e da contestação julgados provados e não provados (…) e ainda, também quanto aos factos de formulação conclusiva que foram julgados provados.”
As dúvidas, interrogações e incertezas alegadas pelo recorrente não são dúvidas que o tribunal tivesse tido, como resulta do segmento transcrito da decisão.
O princípio em causa resultante do n.º 2 do artigo 32.º da CRP de que o réu se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação constitui “uma imposição dirigida ao juiz de este se pronunciar de forma favorável ao réu”, “quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa” no dizer de Gomes Canotilho e Vital Moreira[6].
O tribunal tem dúvidas quando perante pelo menos duas hipóteses possíveis e razoáveis de um silogismo, hesita sobre qual delas deve dar como assente e, é, nessas situações que deve julgar a favor da hipótese favorável ao arguido e, não, decidir no sentido da sua condenação.
As dúvidas tidas pelo Tribunal nada têm a ver com as dúvidas entendidas pelo recorrente como existindo sobre a matéria de facto dada pelo tribunal como assente e, em especial, no caso concreto, sobre a identidade do arguido, autor dos disparos, pois, como se explicou não suscitaram dúvidas ao Tribunal recorrido nem a esta Relação, como se justificou anteriormente.
Improcede, assim a alegada violação do princípio in dubio pro reo.
*
3.2.3. Do erro de julgamento quanto ao direito aplicável por incorreta qualificação jurídica dos factos e da medida da pena
Entende o recorrente que o meio particularmente perigoso previsto pelo artigo 132.º, n.ºs 1 e 2 da alínea h) do CP, como fundamento para a agravação do crime de homicídio não se verificaria no caso, porquanto a caçadeira e as munições empregues pelo arguido não constituiriam um meio particularmente perigoso que tivesse produzido a morte da vítima em circunstâncias reveladoras de especial perigosidade.
A este propósito cabe referir o ensinamento de Figueiredo Dias[7], quando designa os casos previstos pelo artigo 132.º, n.º 2 do CP como constituindo uma técnica dos “exemplos padrão.”
Aquele tipo de “técnica” é acompanhada por uma “norma em branco” (utilizar meio particularmente perigoso), e dado o seu conteúdo indeterminado, deve, em geral, ser afastada do direito penal, onde os tipos de crime devem ser, tanto quanto possível, rigorosamente delimitados.
Tendo, todavia, essa “técnica” sido adotada pelo legislador português em relação ao referido artigo e ao seu n.º 2, consideram em geral os doutrinadores alemães, que os “exemplos padrão” devem ser considerados como fazendo parte dos elementos constitutivos do tipo do crime, posição que o mesmo professor acompanha.
Daí que perante esta posição doutrinal considera Jescheck[8], que não possa haver lugar a uma dupla valoração do “exemplo padrão” como elemento constitutivo do crime e agravante do mesmo.
Pode, assim, concluir-se que estando previsto no artigo 132.º, n.º 2, alínea h) do CP a utilização de meio particularmente perigoso como o uso de arma como elemento constitutivo do crime de homicídio qualificado e sendo o mesmo meio previsto como agravante de crimes, de acordo com o n.º 3 do artigo 86.º da Lei 5/2006 de 23 de fevereiro, o uso de arma não possa ser agravado, de novo, em função deste último dispositivo legal.
Há, pois que concluir que o crime cometido pelo arguido deverá ser punido somente como homicídio qualificado com a pena de 12 a 25 anos de prisão, nos termos do artigo 132.º, n.º 1 do CP.
Em função da qualificação jurídica encontrada para o crime de homicídio qualificado caberá, agora, apreciar se se justifica a aplicação do mínimo de doze anos previsto para a punição do crime como sustenta o recorrente.
Deverá ponderar-se que está em causa a tutela da vida humana, o primeiro dos direitos fundamentais protegidos pela CRP. Depois, deve ser tido em consideração a prevenção geral que este tipo de crime exige em consonância com as expetativas da comunidade perante a tutela do bem jurídico em causa.
O arguido não revelou, porém, durante todo o processo, arrependimento pela prática do crime, tentando privilegiá-lo na contestação e negando-o na fase de recurso.
Tendo o tribunal considerado ter o arguido agido com dolo direto de ilicitude muito elevada, o medo revelado após a prática do crime é mais reflexo de receio de “vingança” dos familiares da vítima do que sintoma do seu arrependimento.
Tudo o referido não justifica que a pena a aplicar o seja no seu grau mínimo, pois tal não seria também expetável na comunidade onde o arguido se insere e em especial na família da vítima.
Daí se considere, como consta do Parecer do Sr. Procurador Geral Adjunto dever a pena ser agravada no seu mínimo em cerca de 20%, em virtude de esse agravamento ser adequado e proporcional dentro dos limites mínimo e máximo da pena aplicável (doze a vinte cinco anos de prisão), fixando-se a mesma em catorze anos de prisão.
Procede, assim, parcialmente e nesta parte o recurso interposto quanto à incriminação cometida e à sua qualificação e à medida concreta da pena a aplicar.

3.2.4. Do erro de julgamento quanto ao quantum indemnizatório fixado.
Defende o recorrente, em primeiro lugar, nesta parte, que as quantias fixadas nas indemnizações atribuídas se afastaram dos valores médios mais recentemente praticados pelo dano de morte e que o mesmo não deveria exceder os 65.000 € e de 25.000 € por cada um dos demandantes.
Como se pode constatar pelo recente Acórdão do STJ de 11.4.2019[9], onde são descritos vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça sobre o dano de morte e outros danos, o dano de morte, fazendo apelo à equidade[10] e ao senso comum, embora não constituindo um padrão que deva ser uniformemente estatuído, situa-se, na atualidade, no valor de 80.000 € visando compensar a perda do direito à vida.
O recorrente centra as suas críticas no exagero das indemnizações fixadas naquele âmbito e cita vários acórdãos em que foi fixado um valor inferior.
Acompanhando uma jurisprudência atualista do nosso mais alto órgão de jurisdição, entendemos de acordo com as razões expostas no referido acórdão, que o montante de 80.000 € fixado na sentença de 1.ª instância não foi excessivo, nem desadequado e desproporcional ao dano causado.
A questão colocada centra-se na necessidade ou não de diminuição do quantum indemnizatório, por virtude de a pena aplicada ter passado de dezasseis anos para catorze anos de prisão.
A alteração da medida da pena poderia, efetivamente, levar a pensar que tal teria influência no montante indemnizatório a ser pago pelo dano morte.
Esse entendimento, porém, não deve ser aceite. De facto, no dano não patrimonial pelo dano morte não é pelo facto de a conduta (como facto ilícito) ser qualificada ou desqualificada criminalmente que a violação do direito à vida é maior ou menor, pois o resultado é sempre o mesmo: a morte.
Por outras palavras embora a nível criminal a qualificação do ilícito penal tenha sido alterado essa distinta classificação não se repercute no quantum indemnizatório, pois os factos provados são os mesmos e o dano (morte) também.
A diferente qualificação penal que leva a uma diminuição do grau da pena de homicídio, não se repercute num decréscimo do dano provocado, pois a perda da vida é sempre a mesma quer tenha ocorrido na sequência de um homicídio privilegiado, simples, qualificado ou negligente. Só assim se compreende, aliás, que da análise da jurisprudência[11], se justifique que a indemnização pelo dano morte em casos de negligência (acidentes estradais) também sejam fixados atualmente entre valores semelhantes aos dos encontrados neste processo.
Analisada a jurisprudência verifica-se que o critério de cálculo da indemnização revela uma preocupação pelas soluções encontradas em casos análogos, com recurso à equidade. A principal variação do quantum indemnizatório centra-se primordialmente em razão da idade da vítima, chegando-se a fixar valores substancialmente superiores quando a vida perdida é a de um jovem (por exemplo de 100.000 €[12]). Os valores inferiores fixados prendem-se designadamente com a data em que as decisões foram proferidas[13] e com a circunstância de não ter sido provada a culpa do lesante[14]. Tendo, contudo, em conta o princípio da igualdade num acidente ocorrido com culpa grave do lesante a indemnização foi fixada, já no ano de 2012, em 80.000 €[15].
Tendo em consideração que a vida da vítima, de quarenta e três anos de idade, foi suprimida num contexto de dolo direto através da prática de um crime de homicídio, não merece qualquer reparo, atento os princípios da equidade e da igualdade, o montante fixado pela 1.ª instância a título do dano morte.

III. DECISÃO
1. Nestes termos e com os fundamentos expostos concede-se parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e em consequência:
- Condena-se o arguido (...) pela prática de um crime de homicídio qualificado nos termos dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea h) do CP na pena de catorze anos de prisão.
- No mais mantém-se a decisão da 1.ª instância.
2. Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP consigna-se que o presente Acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos signatários.
Évora, 8 de setembro de 2020.
__________________
(Beatriz Marques Borges - Relatora)
________________________
(Martinho Cardoso)
__________________________________________________
[1] 1 Cfr. Ac. do TRL, de 15.12.2009.
[2] 2 Procº 430/15.3, PAPNI.C1, consultável em www.dgsi.pt
[3] 3 “Não se trata porém de “dúvidas” que o recorrente entende que o tribunal recorrido não teve e devia ter tido, pois o “in dubio…” não se aplica quando o tribunal não tem dúvidas. Ou seja, o princípio “in dubio pro reo” não serve para controlar as dúvidas do recorrente sobre a matéria de facto, mas antes o procedimento do tribunal quando teve dúvidas sobre a matéria de facto.” – cfr. Ac. do TRL, de 14.12.2010, processo 518/08.7PLLSB.L1-5, visitável em www.dgsi.pt.
[4] Procº 323/11.3GBGDL.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[5] SOUSA, Luís Filipe Pires -“Prova Testemunhal”. Coimbra: Almedina, 2013. P. 366. ISBN 978-972-40-5249-6.
[6] CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital – “Constituição da República Portuguesa Anotada. 3.ª edição revista. P. 203. Coimbra Editora. 1993. 3.ª edição revista. P. 204. ISBN 972-32-0592-0.
[7] DIAS, (...) Figueiredo – “Direito Penal Português: As Consequências Jurídicas do Crime”. Parte Geral II. Aequitas Editorial Notícias. 1993. P. 204. ISBN 972-9485-17-8.
[8] JESCHECK, Hans-Heinrich –“Tratado de Derecho Penal: Parte General”.Volumen Segundo. Barcelona, Bosch, Casa Editorial, SA. 1981. P. 1201. ISBN 84-7162-852-X.
[9] Proferido no processo n.º 465/11.5TBAMR, G.1SI, da 7ª secção e relatado por Oliveira Alves, onde se apreciava o cometimento de um crime de homicídio por negligência na sequência de um acidente de viação.
[10] A propósito da equidade na indemnização do dano morte e da evolução jurisprudencial em relação ao quantum indemnizatório podem consultar-se designadamente as teses de mestrado de RODRIGUES, Andreia Maria Anastácio – “Análise Jurisprudencial da Reparação do Dano Morte – Impacto do Regime da Proposta Razoável de Indemnização”. Abril 2014. Universidade Católica Portuguesa, Faculdade de Direito de Lisboa, disponível para consulta em https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/15176/1/Tese_Andreia%20Rodrigues e LEITE, Ana Margarida Carvalho Pinheiro –“A Equidade na Indemnização dos Danos Não Patrimoniais”. Outubro 2015. Faculdadde de Direito Universidade Nova de Lisboa disponível para consulta em https://run.unl.pt/bitstream/10362/16261/1/Leite_2015.pdf
[11] Cf. tese de mestrado referida anteriormente da autoria de Andreia Rodrigues.
[12] No Acórdão do STJ de 8.9.2011, proferido há nove anos, no processo 2336/04.2TVSLB.1.S1 foi arbitrada uma indemnização de 100.000 € pela perda do direito à vida de um jovem de catorze anos de idade.
[13] Em 2013 o valor médio atribuído pela Jurisprudência ao dano morte era de 60.000 €, embora já se verificasse uma certa tendência para esse montante ser aumentado - cf. neste sentido Andreia Rodrigues na ob cit a fls. 23.
[14] Cf. Acórdão STJ de 17.5.2012, proferido, há oito anos, em que foi mantido pela relatora Maria dos Prazeres Beleza o valor de 48.000 € fixado pelo TRL, porquanto no caso não se provou a culpa do lesante.
[15] Cf. Acórdão STJ de 31.5.2012 proferido no processo 14143/07.6TBVNG.P1.S1 relatado por Maria dos Prazeres Beleza.