Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
80/13.9PBSTB.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: CRIME DE COACÇÃO SEXUAL
RECONHECIMENTO
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário:
I - O reconhecimento efectuado nos termos do art.º 147.º do CPP, não é a única maneira de identificar o autor de um facto ilícito.

II - O facto de a testemunha afirmar que visualizou o arguido instantes antes da prática do crime e que era o mesmo indivíduo que estava no estabelecimento comercial, não se trata de nenhuma prova por reconhecimento, já que se insere no domínio do depoimento testemunhal.
Decisão Texto Integral:
A
Acordam, em conferência, na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de processo foi, ao abrigo do disposto no art.º 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, proferida a seguinte decisão sumária:

I
Nos termos dos art.º 417.º, n.º 6 al.ª b) e 420.º, n.º 1 al.ª a), do Código de Processo Penal, passa-se a proferir a seguinte decisão sumária:

Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do J5 da Secção Criminal da Instância Local da Comarca de Setúbal, em que AM se constituiu assistente e deduziu pedido cível contra o arguido MB, este foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de um crime de coacção sexual, p. e p. pelo art.º 163.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por idêntico período de tempo, e a pagar à demandante a quantia de 10.000,00 € a título de danos não patrimoniais e 71,40 a título de danos patrimoniais.

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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1ºO reconhecimento do MB foi feito exclusivamente pela filha da ofendida/assistente, a AC, ao momento com 15 anos de idade, conforme se extrai do seu depoimento.

2º que identificou o arguido ,numa segunda –feira ,decorridos 5 dias sobre a data da alegada ocorrência ,09-01-2013 (quarta-feira)

3º E já no seu estabelecimento comercial, deste,

4º por indicação da administradora do condomínio do prédio, a MAM , que no Domingo , informou a AM (ofendida/assistente) do nome e local onde podia ser encontrado um tal de Srº B ,que era proprietário de uma fracção autonoma ,o 4ºandar ,letra “D”.

4º A AC, no estabelecimento comercial do MB, cinco dias após o ocorrido, afirmou que era a pessoa, que na quarta feira anterior, tinha visto pela 1ª vez na sua vida, pelas 11 horas à porta do prédio.

5º Resulta do depoimento gravado, que a AC, agora com 17 anos de idade, na data em que foi ouvida como testemunha em audiência de Julgamento, afirmou não reconhecer o arguido, se passasse por este na Rua.

6º Não se procedeu a nenhum reconhecimento presencial do MB, em sede de audiência e julgamento, uma vez que durante o depoimento da ofendida/assistente, o arguido foi retirado da sala de audiência.


O arguido desde 2006, que é completamente cego da vista direita. Tem 10% de visibilidade da vista esquerda, que lhe permite ver com dificuldade até à distância de apenas 1 metro.


A identificação do MB , da forma como foi efectuado ,não obedece ao disposto pelo Artigo 147º do C.P.P. ,pelo que nos termos do nº7 da citada disposição legal , não tem valor como meio de prova .


O tribunal a quo atendeu a um meio de prova nulo, Artº 118º, nº3 do C.P.P.

10º
A prova produzida perdeu a eficácia, nos termos do disposto pelo artº 328º do C.P.P.

11º
O tribunal a quo, embora não tenha designado a identificação efectuada como reconhecimento na pessoa do arguido feito na audiência de discussão e julgamento, antes a integrasse na prova testemunhal, o certo é que em termos ontológicos o que ocorreu, de forma absolutamente ilegal, por violadora das regras que regulamentam este meio de prova,

Foi um efectivo reconhecimento do arguido –artº147º do C.P.P.

Assim sendo tal reconhecimento não obedeceu ao disposto pelo artº 147º do C.P.P. pelo que não tem valor como meio de prova

O prof Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal II volume,2ª edição, na nota 2 da pag.175 dá conta que “ É muito frequente na prática processual perguntar-se aos ofendidos e testemunhas no decurso da audiência se reconhecem o arguido presente. Esta prova pode ter muita importância quando negativa, mas não tem valor de reconhecimento quando positiva, isto é, quando a testemunha declara que sim, que reconhece o arguido.

Ensina o Prof. Manuel da Costa Andrade “ Na medida em que optou por consagrar expressamente um regime de reconhecimento imposto, o legislador português demarcou-lhe ao mesmo tempo os limites. Que o interprete e aplicador do direito não estão legitimados a ultrapassar.

Assim nos presentes autos é de se aplicar as exigências formais previstas no disposto pelo nº7 do Artº 147º do C.P.P., ao reconhecimento efectuado em sede de audiência de julgamento.

O tribunal a quo valorou uma prova que não foi produzida de a cordo com a lei. Logo atendeu a um meio de prova nulo (artº 118º, nº3 do C.P.P., pelo que

Pedido
Deve o reconhecimento do arguido, por não obedecer ao expressamente estabelecido pelo artº 147º do C.P.P. não ser relevado como meio de prova.

deve em consequência ser efectuado novo julgamento, já que perdeu eficácia a produção de prova realizada .Artº 328º do C.P.P.
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A Exma. Magistrada do M.º P.º do tribunal recorrido e a assistente responderam, pugnando pela manutenção do decidido.
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Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

-- Factos provados:
- Da Acusação:
1. – No dia 9 de Janeiro de 2013, pelas 11h, o arguido deslocou-se ao nº--- da Av. República da Guiné-Bissau, nesta cidade de Setúbal, uma vez que é o proprietário da letra D, 4º andar do dito prédio, fracção que tem arrendada.

2. – Aqui chegado, dirigiu-se à porta de entrada que o edifício possui nas traseiras, onde existe uma praceta.

3. – Nesta ocasião o arguido verificou que a ofendida AM tinha parqueado o seu veículo automóvel na mesma praceta, em frente ao edifício e se dirigiu para o mesmo imóvel onde reside a sua mãe.

4. – O arguido entrou no edifício imediatamente após a AM.

5. – Passado o hall de entrada, dirigiram-se para o corredor situado à direita onde se encontram dois elevadores.

6. – Logo que esta entrou no primeiro elevador onde accionou o botão para o 12º andar, o arguido empurrou-a, determinando a sua queda, de joelhos, no chão; ao mesmo tempo que lhe disse: “gaja boa”.

7. – Nisto, o arguido abriu-lhe a camisa que vestia, puxando-a com força suficiente para que saltassem os botões, levantou-lhe o soutien e com uma das mãos apertou-lhe a mama direita.

8. – Com a outra, accionou a paragem do elevador que assim ficou retido entre dois andares.

9. – Então, o arguido colocou a mão direita no seu pénis que friccionou, mantendo a esquerda, primeiro, na mama direita da AM, depois, sobre a sua cabeça.

10. – O arguido acabou por ejacular sobre o rosto da AM.

11. – De seguida, agarrou numa mão da ofendida, obrigando-a a tocar no seu pénis que estava molhado com esperma.

12. – Após, o arguido limitou-se a destravar o elevador, carregar no botão do quarto andar e sair quando chegou ao dito patamar.

13. – Ao actuar como descrito quis e conseguiu o arguido constranger a AM a sofrer e a praticar consigo o acto sexual supra descrito.

14. – Para o efeito, utilizou o facto da mesma se encontrar completamente desprevenida, a força física, o espaço exíguo em que se encontrava sozinho com a ofendida que, deste modo, se viu incapacitada de opor resistência à sua actuação.

15. – Para o efeito, ofendeu o seu corpo e a sua saúde determinando a sua queda de joelhos no chão, apertando-lhe uma mama.

16. – Vendo-a indefesa e impossibilitada de resistir, o arguido utilizou-a para satisfazer a sua lascívia.

17. – A AM é doente oncológica.

18. – Em consequência directa e necessária da actuação do arguido sofreu queixas dolorosas a nível da grelha costal e região posterior do tórax, ferida na região cervical.

19. - Ponderando o tipo de lesões sofridas e o facto de ser portadora de doença oncológica, estas determinaram para se curar um período de seis dias.

20. – O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, conhecedor da ilicitude da sua conduta.

- Do Pedido de Indemnização Civil deduzido por AM:

21. – Ao deparar-se com o demandado, a demandante sofreu sobressalto, medo e angústia, humilhação e pavor, sem capacidade para se defender face à maior agilidade e superioridade física do demandado.

22. – Custeou tratamento hospitalar no valor de € 71,40.

23. – A demandante teve de ser sujeita a mamografias, consultas médicas e medicação.

24. – A demandante era uma pessoa alegre e enérgica.

25. – Por causa dos factos de que foi alvo, passou a andar triste, ansiosa, com ausência de prazer nas actividades diárias, baixa auto-estima e pensamentos recorrentes de suicídio.

26. – A demandante vive ainda horas de muita dor, ansiedade, vergonha e angústia.

27. – A sua filha passou a ter insucesso escolar.

28. – O seu marido ficou transtornado.

29. – Sofreu um AVC, tendo ficado de baixa médica.

30. – A demandante sente-se física e psiquicamente diminuída, sem alegria de viver, ciente de que sentirá angústia pela vida fora por se sentir conspurcada.

Provou-se ainda que:

31. – O arguido não tem antecedentes criminais.

32. – É comerciante, bem como a sua esposa.

33. – Têm lucros mensais de cerca de € 150,00.

34. – O arguido recebe pensão de reforma no valor de cerca de € 600,00 e a sua esposa cerca de € 800,00.

35. – De renda do apartamento supra referido recebem a quantia de € 280,00 por mês.

36. – Pagam de renda de loja o valor mensal de € 500,00.

37. – O arguido tem o curso comercial, equivalente ao 9º ano de escolaridade.

- Da Contestação:
38. – O arguido tem 68 anos de idade.

39. – Tem 10% de capacidade de visão do olho esquerdo, o que lhe permite contar dedos a um metro.

40. – É cego do olho direito.

41. – Esta situação data de 2006.

42. – E resulta de uma atrofia óptica bilateral causada por uma nevrite óptica isquémica.

43. – O arguido apenas se desloca sozinho em distâncias muito curtas.

44. – As deslocações ao andar supra referido só são efectuadas quando o andar está desocupado e surge alguém interessado no seu arrendamento, para proceder à limpeza após desocupação do mesmo por um inquilino ou para proceder ao recebimento da renda.

45. – O arguido e sua mulher deslocaram-se por diversas vezes ao andar no mês de Janeiro de 2013, porquanto a anterior inquilina tinha posto termo ao respectivo contrato de arrendamento em Dezembro de 2012.
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-- Factos não provados:

- Da Acusação:
a) Quando o arguido parou o elevador, fê-lo accionando o botão que determina a sua paragem.

Do Pedido de Indemnização Civil deduzido por AM:
b) A demandante havia despendido a quantia de € 60,00 na compra da camisa que vestia aquando dos factos, € 45,00 na aquisição d soutien e € 120,00 na compra do kispo “Timberland”.

c) A demandante era uma pessoa independente, com uma vida economicamente estável e considerada no meio social onde vive.

d) A demandante vive ainda horas de choro, com períodos recorrentes de insónias e pesadelos.

e) O AVC sofrido pelo marido da demandante ocorreu em virtude dos factos objecto deste processo.

- Da contestação:
f) O arguido é cego.

g) O arguido, para se deslocar ao andar supra referido do qual é proprietário, só o faz na companhia do seu cônjuge.

m) O arguido, umas vezes sobe ao 4º andar com sua mulher, outras, quando se trata de deslocações breves, sobe a mulher ao 4º andar, enquanto este aguarda junto à porta de entrada do prédio.

n) O arguido nunca ouviu falar da ofendida e não sabe quem é.

o) O arguido é um cidadão e um comerciante exemplar.

p) O arguido é comerciante há mais de 30 anos, sendo pessoa conhecida na cidade de Setúbal.

q) Não se lhe conhecem dívidas nem práticas menos lícitas.

r) Não se lhe conhecem vícios, como o de beber.

s) Não gosta de jogos de sorte ou azar.

t) Não gosta de andar com outras mulheres.

u) Não faz vida nocturna.

v) Está casado há mais de 40 anos, sendo um bom marido e um pai exemplar.

x) Só não intentou contra AM queixa por crime de burla por não serem conhecidos bens ou rendimentos desta, por forma a indemnizá-lo.
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Fundamentação da decisão de facto:

Antes do mais, impõe-se clarificar que não cumpre reproduzir o integral conteúdo das declarações e depoimentos produzidos no decurso do julgamento, os quais se mostram documentados, mas tão só expor as razões subjacentes à convicção do tribunal.

O tribunal formou a sua convicção face aos factos provados e não provados com base na motivação que infra se deixará expressa, conjugando os meios de prova disponíveis, designadamente as declarações prestadas pelo próprio arguido em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, as declarações prestadas pela assistente e demandante, a prova testemunhal e a prova documental e pericial junta aos autos.

Estes elementos de prova foram apreciados à luz do preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal, o que vale por dizer mutatis mutandis, que o foram segundo a livre convicção do julgador, de acordo com as regras da vida e da experiência comum, excepção feita à prova pericial constante dos autos, nos termos do artigo 163º do Código de Processo Penal.

Assim, desde já se diga que o arguido negou a prática dos factos, afirmando que não vê, nem anda sozinho, o que já sucedia no ano de 2013. Concretizou que assim sucede a uma distância superior a um metro e que era impossível ter visto a assistente n estacionamento.

Acrescentou que nunca vai sozinho ao apartamento e que não sabe quem é a assistente. Mais referiu que não tinha força para a fazer cair.

Perguntado, disse ainda que é proprietário da fracção correspondente ao 4º D, que arrendou em 2012, aí se deslocando, quando necessário, usando para o efeito o elevador. Afirmou não saber se o elevador se pode parar e referiu ainda que nunca vai sozinho àquele local. Certo é que afirmou que no dia referido na acusação esteve no local, acompanhado de uma pessoa interessada no locado, pois a anterior inquilina havia deixado o locado. E acrescentou que nessa altura via a um metro de distância. Ora, deste modo, todas as justificações e alibis com que pretendeu fazer crer o tribunal de que não tinha sequer capacidade física para praticar os factos caíram por terra, pois assumiu o arguido ter estado no local no dia em causa e desacompanhado da esposa como havia dito ser hábito, mas antes com um potencial inquilino. Ora, estando no local e vendo a um metro de distância, facilmente o arguido se aperceberia da entrada da assistente no prédio, nada obstando a que se dirigisse até ao elevador, não sendo para si um trajecto desconhecido. E uma vez no espaço exíguo do elevador, a sua capacidade visual de um metro era mais do que suficiente para praticar os factos. Acresce que se provou que a vítima se encontrava debilitada, em virtude de doença oncológica e correspondente tratamento, que aliás havia realizado nesse dia, pelo que não seria necessária muita força para a manietar. Deste modo as declarações do arguido, mesmo antes de compatibilizadas ou entrecruzadas com as demais, não lograram convencer o tribunal da sua veracidade. Note-se ainda que os documentos médicos apresentados pelo arguido, no mesmo sentido das declarações que prestou, não têm também essa virtualidade pois atestam que o arguido distingue vultos ou sombras a um metro de distância.

Por sua vez a assistente AM falou ao tribunal de forma emotiva, como é natural, mas absolutamente sincera e credível. Explicou os factos nos exactos termos que se deram como provados, tendo dito que a sua filha esperou no carro e que o arguido estava à porta do prédio com um senhor, a falar sobre rendas (o que coincide com o facto de o mesmo ter admitido que naquele dia esteve no local com um inquilino). O arguido entrou então no elevador, atrás de si e imobilizou o elevador, tendo praticado os factos tal como se consignaram no elenco de factos provados. Após, saiu no 4º andar (onde o arguido tem uma fracção autónoma), como se nada fosse. Descreveu as sequelas físicas e psicológicas que sofreu e descreveu os sentimentos de vergonha e nojo, típicos de situações como a dos autos. Explicou que chegou ao automóvel muito transtornada e rasgada e que apenas disse à filha “vamos embora”, tendo esta perguntado “mãe, foi aquele homem?”, referindo-se ao arguido, pois o mesmo tinha entrado no prédio atrás de si.

Mais se considerou o auto de denúncia de fls. 2, as fotografias de fls. 26 a 29, a mamografia de fls. 58, a informação relativa a oncologia de fls. 59, a declaração médica de fls. 74, a informação clínica de fls. 75 e psiquiátrica de fls. 88, o relatório médico de fs. 90, a informação relativa à sua filha enquanto aluna, a fls. 85 e as fotografias do prédio onde os factos ocorreram, a fls. 737 e ss. Todos estes documentos corroboraram as declarações da assistente, não só no que tange à matéria da acusação mas também no que respeita ao pedido de indemnização civil.

AC, filha da assistente, prestou declarações de forma absolutamente sincera e credível, bem como coincidente com a sua mãe, até em pormenores como a posição de estacionamento do veículo, encostada à entrada do prédio onde se encontrava o arguido. Confirmou a mãe entrou no prédio e ficou à espera, no automóvel. Descreveu que viu o arguido à porta do prédio a conversar um indivíduo e logo de seguida viu-o entrar, tendo-se se ido embora a pessoa com quem falava. Quando a mãe regressou tinha o casaco aberto, a camisa rasgada, estava muito nervosa e chorava. Foram directamente para casa da amiga de sua mãe, de nome C. e aí viu os arranhões nas costas, peito e pescoço da mãe. Só aí soube o que afinal se tinha passado. Mais referiu que identificou depois o arguido, no seu estabelecimento comercial. Descreveu as consequências dos factos nos termos que se consignaram como provados.

C, amiga da Assistente, falou também ao tribunal de forma que se reputou absolutamente credível e sincera, merecendo acolhimento. Relatou que a mesma chegou junto de si completamente desesperada, a tremer, muito nervosa. Chorava e agarrou-se a si. Tinha a camisa rasgada, os seios vermelhos e arranhados. Foi para a casa de banho lavar a cara, esfregando-a e depois contou-lhe então o sucedido (nos mesmos termos em que os relatou em juízo). Mais depôs a testemunha quanto aos factos constantes do pedido de indemnização nos termos consignados como provados.

A testemunha Ester, não obstante ser mãe da arguida?, prestou declarações de forma fidedigna, relatando que a filha lhe telefonou dizendo que ia a sua casa mas não foi, pelo que horas depois chamou um táxi e foi a casa dela ver o que tinha acontecido. Descreveu o estado em que a encontrou e as alterações que se verificaram na vida da filha e sua família, por esta razão.

Também o marido da assistente, H, falou ao tribunal de forma credível e sincera, merecendo acolhimento ao falar ao tribunal sobre as mudanças sofridas pela sua esposa, incluindo enquanto mulher e mãe, bem com nas repercussões que se fizeram sentir no agregado familiar.

Mais se atentou no que foi dito pela testemunha MAM, moradora do prédio onde os factos se passaram e administradora do respectivo condomínio que foi chamada a depor precisamente por assumir essa qualidade. A testemunha foi muito cautelosa nas suas declarações, mostrou-se incomodada por estar em juízo e tentou formular juízos de valor. O tribunal não considerou o seu depoimento relevante para a descoberta da verdade material, ao contrário do que se havia pensado, nem considerou a testemunha completamente credível.

A esposa do arguido, IB, manifestou referiu-se às dificuldades visuais do arguido, pretendendo concluir pela impossibilidade física de o mesmo ter agido do modo descrito na acusação. Confrontada com as declarações anteriormente prestadas, em momento mais próximo dos factos, nas quais não fez qualquer alusão ao problema visual do marido e nas quais declarou que o mesmo se deslocava ao prédio em questão, suscitou dúvidas quanto à regularidade e duração da sua inquirição, pelo que foi inquirida SM a inspectora da Polícia Judiciária que as colheu e que naturalmente se referiu à validade da inquirição realizada.

As testemunhas Mariana, MC e EB referiram-se ao problema visual do arguido e ao seu carácter.

Em suma, a defesa apresentada pelo arguido, no sentido de padecer de problema visual nunca o impediria de praticar os factos e não afastou a credibilidade da assistente e das testemunhas a que nos referimos supra, que prestaram declarações de forma coerente e credível, tendo-se considerado ainda a prova documental e pericial supra indicada. Assim se deram como provados os factos constantes de 1) a 12) e 17) a 19).

O que se escreveu em 13) a 16) e 20) resulta das regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, pois outra não pode ter sido a intenção, o sentimento e o estado de espírito do arguido que não os aí descritos.

Os factos constantes de 21) a 30) retiram-se dos documentos juntos aos autos e supra referidos, bem como das declarações da demandante e da prova testemunhal nos termos supra explicitados.

O certificado de registo criminal do arguido (fls. 262) atesta o que se escreveu em 31).

As condições de vida do arguido constantes de 32) a 38) resultam das declarações do próprios que se afiguraram plausíveis e sinceras neste segmento, merecendo acolhimento.

O que consta de 29) a 42) resulta dos documentos médicos juntos pelo arguido com a sua contestação, de fls. 237 a 279.

A factualidade constante de 43) a 45) resulta das declarações prestadas pelo arguido, esposa e testemunhas Mariana, MC e EB.

Quanto ao facto não provado e constante de a), não se apurou por que forma o arguido fez parar o elevador, se utilizando o botão que existe para esse efeito se através do pedal de travagem de urgência.

No que tange à matéria exarada de b) a e), não se produziu prova nesse sentido em virtude de a demandante e as testemunhas inquiridas não terem feito alusão a tal factualidade, inexistindo ainda qualquer meio de prova que corroborasse esses factos.

Quanto a f), antes se provou o que consta de 39) e 40).

No que concerne a g) e m), o próprio arguido afirmou ter-se deslocado ao prédio com um inquilino.

A factualidade que se deu como provado inviabiliza a ausência de prova do que consta de n).

Quanto à matéria descrita de o) a x) nada se apurou por via da prova testemunhal ou outra.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que a única questão posta ao desembargo desta Relação é a de que, por a forma como o arguido foi identificado como sendo o autor do crime não ter obedecido ao disposto no art.º 147.º, não tem tal identificação qualquer valor como meio de prova, nos termos do n.º 7 daquela disposição legal, pelo que deve em consequência ser efectuado novo julgamento, já que perdeu eficácia a produção de prova realizada. Artº 328º do C.P.P.

Vejamos:
Embora o recorrente insinue que o reconhecimento ocorreu no decurso do julgamento, óbvio se torna que o mesmo não sucedeu nessa fase do processo, mas antes numa fase prévia até em relação à abertura do inquérito.

Foi assim: alguns dias após a ocorrência, a assistente e sua filha, a testemunha AC, foram ter com a administradora do condomínio do prédio aonde se tinha dado o caso, MAM, e, pela descrição do indivíduo e do andar aonde saíra do elevador, conseguiram circunscrever quem pudesse ter sido o autor dos factos a um indivíduo, do qual ficaram a saber que tinha um estabelecimento comercial, ao qual a assistente e sua filha se dirigiram, tendo aí a assistente constatado que era o individuo que praticara os factos e tendo a filha da assistente verificado que aquele era o homem que vira à porta do prédio a entrar no mesmo logo atrás de sua mãe, altura em que solicitaram a presença da polícia para colher a identificação completa do sujeito e dar início ao inquérito.

Ora a argumentação do arguido tem três erros processuais:

O primeiro, o de que o reconhecimento efectuado nos termos do art.º 147.º, é a única maneira de identificar o autor de um ilícito – e não é.

O segundo, de que o formalismo estabelecido no art.º 147.º tenha alguma coisa a ver com a forma como o autor do crime destes autos foi encontrado – e não tem.

A terceira, porque o reconhecimento que o n.º 7 daquela disposição legal determina não ter valor como meio de prova é apenas aquele que, tendo sido efectuado com recurso ao formalismo aí estabelecido, viole ou não cumpra os requisitos também aí mencionados.

Como muito bem aduz a Exma. Magistrada do M.º P.º que na 1.ª Instância respondeu ao recurso, o facto de a testemunha afirmar que visualizou o arguido instantes antes da prática do crime e que era o mesmo indivíduo que estava no estabelecimento comercial, não se trata de nenhuma prova por reconhecimento, já que se insere no domínio do depoimento testemunhal e, ao considerá-la credível para efeitos da fundamentação dos factos dados como provadas e não provados, a Mma. Juiz “ a quo” mais não fez do que a valoração de um meio de prova totalmente independente da prova por reconhecimento.

IV
Pelo exposto, decide-se rejeitar o recurso, por ser manifesta a sua improcedência (art.º 417.º, n.º 6 al.ª b) e 420.º, n.º 1 al.ª a), do Código de Processo Penal).

Pagará o recorrente três UC’s de taxa de justiça, atento o labor desenvolvido na presente decisão, a que, nos termos do art.º 420.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, acresce a importância de mais três UC’s., a título de sanção processual.

B
Da transcrita decisão reclamou o recorrente para a conferência, nos termos do disposto no n.º 8 do art. 417.º do Código de Processo Penal, por se julgar prejudicado com o teor da mesma, requerendo que sob tal matéria recaia acórdão.

C
Entende, porém, o Tribunal que a decisão lavrada pelo relator é de manter, por concordar inteiramente com os respectivos fundamentos. Termos em que se acorda indeferir a reclamação, confirmando a decisão reclamada.

Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em três UC’s (cf. art.º 8.º, n.º 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Judiciais).
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Évora, 05-07-2016

(Elaborado e revisto pelo relator)

JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO

ANA BARATA BRITO