Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2500/04-1
Relator: ANTÓNIO PRIRES HENRIQUES DA GRAÇA
Descritores: JOGO DE FORTUNA E AZAR
MÁQUINA DE JOGO
VÍCIOS DA SENTENÇA
DIREITO COMUNITÁRIO
MORAL PÚBLICA
NORMA DE INTERESSE E ORDEM PÚBLICA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 02/11/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário:
I. De harmonia com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro (na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro), jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
A natureza económica do ganho ou perda no jogo não é elemento constitutivo do tipo legal
Daí que a referência à modalidade de prémios não constitua matéria de facto necessária ou imprescindível à caracterização do jogo para efeitos de se saber se este é de fortuna ou de azar.

II. O disposto nos artigos 37º e 100º-A do Tratado de Roma, de harmonia com o Acto Único Europeu, não exclui a ressalva constante do artigo 36º do Tratado.

III. Apesar de as normas e princípios de direito internacional geral ou comum fazerem parte integrante do direito português - artº 8º da Constituição da República Portuguesa - e, por conseguinte, vigorar o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, nem por isso deixa de haver incompatibilidade entre as normas de Direito comunitário e as normas do Direito Nacional.

IV. A permissão e regulamentação da actividade do jogo pelos Estados-membros da forma como entenderem mais conveniente, não colide com a liberdade de concorrência, nem hostiliza o Direito Comunitário.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Relação de Évora
A- Nos autos de processo comum (tribunal singular) com o nº …, da comarca de…, foi proferida sentença que condenou o arguido A, id. nos autos, pela prática de um crime exploração ilícita de jogo, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos arts. 1º, 3º n.º 1 e 108º, nº 1 do Dec-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na pena de 3 meses de prisão e 50 dias de multa à razão diária de 4€, o que perfaz a quantia total de €200, sendo substituída a pena de prisão por 90 dias de multa, à mesma razão diária, o que perfaz a quantia total de 360€;
Procedendo ao cúmulo material desta pena de multa com a que lhe foi directamente aplicada, foi condenada a arguida na pena única de multa de 140 dias de multa, á razão diária de 4€, o que perfaz a quantia total de 560€;
Foi declarado perdido a favor do Fundo de Turismo todo o equipamento de jogo apreendido, nos termos do disposto no art. 117º do Dec.Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro; e, perdido a favor do Fundo de Turismo o dinheiro apreendido nos autos - cfr. art. 117º do Dec.Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro;
Foi condenado ainda o arguido nas custas do processo, fixando-se a procuradoria pelo mínimo.
Ordenou-se o demais de lei.
B. Inconformado recorreu o arguido, concluindo:
1- De acordo com o Assento 2/2003, de 30/1/2003, o ónus da transcrição para suporte papel do conteúdo dos registos magnetofónicos está a cargo do Tribunal de 1ª Instância e não do recorrente.
2 - Nem tal poderia ser outra a solução, caso contrário estaríamos perante uma duplicação de transcrições, já que teria por um lado teria o recorrente de transcrever e depois mandaria o Tribunal de 1ª Instância transcrever de novo...
3 - ... para quê(?) duas transcrições em suporte de papel sobre os mesmos registos magnetofónicos.
4 - Assim sendo, o recorrente limita-se a transcrever o que lhe parece essencial para as presentes motivações de recurso.
5 - O D. L. 422/89 na redacção do D. L. 10/95, constitui a lei Base dos Jogos de Fortuna ou Azar, e caracteriza este tipo de máquinas (fortuna ou azar) como máquinas que pagam directamente prémios ou fichas e as que apresentam jogos dependentes da sorte.
6 - Nos termos desse diploma, "não é permitida a exploração de quaisquer máquinas cujos resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da perícia do jogador e que atribuam prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, mesmo que diminuto, salvo o prolongamento gratuito da utilização da máquina, face à pontuação obtida...".
7 - Não está assim claramente definida a fronteira entre o conceito legal de máquinas de fortuna ou azar e aquelas que o não são.
8 - A utilização na lei do termo "fundamentalmente" a par da expressão "exclusivamente", introduz uma grande indeterminação normativa, fonte de discricionariedades.
9- Pelo D. L. n. 316/95, de 28/11 foi introduzida a possibilidade de máquinas que permitem a apreensão de objectos cujo valor económico não exceda 3 vezes a importância despendida pelo utilizador.
10 - Não existe no nosso país um quadro regulador de acesso claro dos tipos de máquinas, acabando por prevalecer o critério administrativo da IGJ..
11 - Existem apenas regras sobre os registos e licenças das máquinas, materializadas no D. L. n. 293/81 de 16/10.
12 - O regime legal em vigor assenta num conceito de máquinas de diversão que exclui as máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusivamente ou fundamentalmente da sorte.
13 - Por maioria de razão são excluídas as máquinas que pagam prémios em fichas ou moedas.
14 - Em termos de Direito comparado, vigoram na maior parte dos países da União Europeia um regime em que é permitida a prática de jogos de fortuna ou azar.
15 - A produção, importação e a exploração de máquinas de jogo preenche o conceito de actividade económica subjacente aos artigos 2. e 3. do tratado de Roma e da Jurisprudência Comunitária.
16 - A formação e o funcionamento do mercado interno (mercado comum) dependem de 2 regras: a livre circulação de mercadorias e a livre concorrência.
17 - Só assim será possível o cumprimento dos objectivos enunciados no artº 20º do Tratado de Roma, se dignamente a realização de "um desenvolvimento harmonioso e equilibrado das actividades económicas no conjunto da Comunidade".
18 - O princípio da liberdade de estabelecimento (para a indústria e para o comércio) está previsto no art. 52. do Tratado de Roma.
19 - O Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) criou uma orientação jurisprudencial, considerando que o direito de livre estabelecimento enunciado no art. 52. do tratado de Roma se tomou de aplicação directa e imediata em toda a Comunidade, mesmo que nenhuma directiva de liberalização tenha sido adoptada em relação à actividade em causa.
20 - As normas nacionais relativas ao Estado-membro de "importação" ou de "exportação" que dificultem o exercício da livre prestação de serviços, vendas e exploração de uma actividade comercial ou industrial, cabem no âmbito de aplicação do Tratado. Neste sentido o Ac. T JCE no processo Comissão/França, Proc. n. C 381/93.
21 - O art. 30. do tratado de Roma dispõe que "... são proibidas entre Estados-membros as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeito equivalente".
22 - A noção de "efeito equivalente", não vem expressa no tratado, no entanto a Comissão emitiu a directiva n. 70/50 CEE de 22/12/69, onde construiu essa noção, e onde se inclui a noção de uma qualquer norma que condicione ou constitua um obstáculo à importação, exportação, venda e exploração ( entre outras actividades comerciais), de produtos provenientes de um Estado-membro.
23 - O TJCE na interpretação dos art.s 30, 34. e 36. do tratado de Roma, elabora uma noção comunitária de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas; o julgamento do Tribunal a propósito do art. 30. do tratado é extensivo aos art.s 34. e 36. do tratado, destacando-se especialmente dois acórdãos sobre esta matéria, o Ac. Dassonville e o Ac. Cassis de Dijon.
24 - Da orientação jurisprudencial destes 2 acórdãos, resulta que a regulamentação nacional não deve em caso algum constituir uma medida discricionária, não podendo ter por objecto (ainda que camuflado) ou por efeito impedir ou dificultar a comercialização dos produtos importados.
25 - A regulamentação nacional deverá ser considerada como uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa, proibida pelo art. 30. do Tratado de Roma se tal medida entravar a importação e a sua comercialização noutro Estado-membro.
26- O art. 100-A do Tratado de Roma, aditado pelo Acto Único Europeu, visa criar um espaço sem fronteiras interiores no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada.
27 - Do referido na conclusão anterior decorrem dois princípios, o da equivalência e do reconhecimento mútuo das regulamentações nacionais.
28 - Na sua Comunicação Interpretativa de 03/10/80, a Comissão considera que não será lícito a um estado recusar o acesso ao mercado nacional dos produtos importados de um outro Estado, sempre que tais produtos respondam de forma conveniente e satisfatória, Ou seja sempre que esses produtos estejam (fabricação) em conformidade com as regras técnicas do estado de destino.
29 - Na sua Comunicação Interpretativa de 24/10/89, a Comissão a propósito de produtos alimentares, abordou a questão do reconhecimento mútuo no domínio das regulamentações internas relativas à produção e comércio de determinados bens.
30 - Citando João da Mota Campos, verifica-se que "o esforço interpretativo da Comissão vai, no entanto, no sentido do estender até ao limite do possível o princípio da equivalência, restringindo tanto quanto seja permitido, no actual estádio de desenvolvimento do direito comunitário, a possibilidade de os estados interferirem na liberdade de trocas através de regulamentação interna de produção e comércio".
31 - Tal problemática deverá ainda ser analisada à luz dos monopólios comerciais, e sobretudo quando é o próprio estado que delimita esse monopólio.
32 - O art. 37. do Tratado de Roma refere que os estados adaptarão progressivamente os monopólios nacionais de natureza comercial de modo a que esteja excluída qualquer discriminação entre nacionais de Estados-membros.
33 - De acordo com o Ac. Manghera de 03/02/76, "a obrigação imposta no n. do art. 37. do Tratado de Roma visa assegurar o respeito da regra fundamental da livre circulação das mercadorias no conjunto do mercado comum, em particular mediante a abolição, nas trocas entre Estados-membros, de restrições quantitativas e medidas de efeito equivalente... ".
34 - " . . . assim, o direito exclusivo de importação pelo monopólio dos produtos manufacturados em causa constitui uma discriminação proibida pelo art. 37., n.1 do Tratado de Roma".
35 - O art. 36. do Tratado de Roma dispõe que "a interdição de restrições quantitativas a importações ou exportações intercomunitárias, ou medidas de efeito equivalente, prescrita nos art.s 30 e 34. não impede a adopção na ordem interna de disposições justificadas por razões de moralidade pública, ordem e segurança pública, de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas: de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de protecção de propriedade industrial e comercial".
36 - No caso concreto da ordem jurídica Portuguesa e no que respeita à matéria dos presentes autos, vigoram monopólios comerciais sobre a exploração de máquinas de fortuna ou azar, para além da proibição a menores de 18 anos, o que torna a invocação da moralidade pública infundada por incongruência.
37 - Só em áreas muito restritas e à luz da preservação de valores fundamentais da comunidade é legitima a invocação da moral pública.
38 - Neste sentido a proibição à luz da protecção da saúde “apenas é compatível com a ordem jurídica comunitária «na medida em que seja indispensável a uma eficaz protecção desses interesses e sob condição de esse objectivo não poder ser prosseguido através de medidas menos restritivas das trocas comerciais intracomunitárias» (cf. os Acs. de 20.5.1976, Proc. 104175, DE PEIJPER, Col. pág. 613; de 4.2.1988, Proc. 261/55, Com./Reino Unido; e de 2.2.1959, Proc. 274/57, Com./RFA, Ver também os Acs. de 14.12.1972, Proc. 29172, MARIMEX, Co!. p. 1309 e « 12.1976, Proc. 35176, SIMMENTHAL, Gol. p. 1871, pré-citados).
39 - A acrescentar diga-se, como já alegámos que os próprios preâmbulos dos D. L. n. 422/89 e 10/95, referem claramente que em última análise interessa condicionar a procura (consumidores) à oferta {zonas autorizadas à explicação de máquinas de fortuna ou azar, ou seja nos casinos), não estando o legislador nacional minimamente preocupado com os consumidores, o que afasta desde logo a criação da Lei Base dos jogos de fortuna ou azar, como uma protecção à ordem pública, ou à segurança.
40 - A integração positiva de todas as economias dos estados membros ganhou um novo impulso, com o Tratado de Maastricht, tendo a defesa da concorrência uma importância acrescida como garantia da liberdade do exercício da actividade económica.
41 - Este mesmo diploma prevê vários crimes: designadamente: "exploração ilícita de jogo (art. 108.), prática ilícita de jogo (art. 110º), presença em local de jogo ilícito (art. 111º) e detenção de material de jogo (art. 115º).
42 - Os tipos de ilícito criminais anteriormente indicados decorrem da existência de um direito restritivo em matéria de jogo, regras restritivas estas que estão em desconformidade com regras e princípios comunitários.
43 - A restrição prevista no art. 30., n. 1 com referência ao art. 40, n. 1, alíneas f) e g), ambos do Decreto Lei n. 422/89, citado decorre de uma filosofia jurídica de carácter monopólio, violando as regras e princípios comunitárias da concorrência e das liberdades comunitárias nos termos que foram anteriormente explicitadas.
44 - É doutrinariamente insustentável considerar que os monopólios sobre o jogo constituem uma forma eficaz de limitar o vício do jogo.
45 - Nessa perspectiva a Comissão censurou muito recentemente o Estado da República da Irlanda prescrevendo um prazo de dois meses para a alteração da 4.ª parte da lei do Jogo e lotaria Irlandesa no sentido de pôr fim aos monopólios do jogo.
46- Portugal, como país contratante e aderente que é da criação dos "Estados Unidos da Europa", ou melhor do "universo" Europeu faz parte da ordem jurídica comunitária que resulta aprofundada com o Tratado de Maastricht, sendo o direito comunitário invocável (directamente) perante os Tribunais portugueses porque é aplicável nas relações jurídicas que são tuteladas pelo direito nacional.
47 - Da Constituição da República Portuguesa resulta a prevalência jurídica do direito comunitário sobre as normas internas.
48 - O Estado Português, fazendo parte da União Europeia e tendo subscrito os seus Tratados, não pode contrariar (pela sujeição a autorização especial a comercialização do tipo de máquinas de jogo em causa neste processo), através de acto legislativo ordinário, o art. 30 do Tratado Institutivo da União Europeia, que preceitua serem proibidas entre os Estados-membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeitos equivalente a contrariar a citada norma. . .
49- ... o que torna os artigos 68., 115. e 117. do DL n. 422/89, de 02/12, inaplicáveis (por serem ilegais), face à norma constitucional consagrada no artigo 8° da CRP e citado artigo 30º do Tratado Institutivo da União Europeia.
50 - E tanto é assim, que os preâmbulos constantes dos DL 422/89 e 10/95 esclarecem que o que importa é proteger as concessionárias de jogo de fortuna e azar, utilizando a "bandeira" da protecção dos consumidores.
51 - Contudo tal protecção é perniciosa, porquanto deverá existir quer o jogo de fortuna ou azar seja explorado em casinos, quer seja clandestino, pois o jogador tanto gasta no casino como fora dele.
52 - Não estão por isso em causa normas de interesse público, ou seja essa normas não são de interesse público e para defesa dos consumidores, mas tão só para proteger interesses os económicos das concessionárias.
53- Facilmente se conclui pela leitura dos preâmbulos dos DL 422/89 e 10/95 que o legislador pretendeu foi assegurar a defesa das concessionárias, utilizando para esse feito a "bandeira" do interesse público escudando-se na pretensa defesa dos consumidores, com vista a, como referem os próprios preâmbulos, obrigarem os consumidores a adaptarem-se à oferta das concessionárias.
54 - É entendimento do TJCE (Ac. de 30/4/1996, proferido no âmbito do processo C-194/94) que nos termos dos art.s 8. e 9. da Directiva Comunitária n. 98/34/CE do Parlamento e do Conselho de 22/6/98, que revogou a Directiva n. 83/189 (em vigor à data da apreensão), a inobservância do dever de informação, por parte dos Estados-membros, à Comissão, das regras e especificações técnicas adoptadas nas normas nacionais, acarreta a inaplicabilidade dessas mesmas regras técnicas, por forma a que estas não possam ser opostas aos Particulares.
55 - O referido acórdão acrescenta ainda que os art.s 8. e 9. das mencionadas Directivas, devem ser interpretados no sentido de que os particulares podem invocá-las perante o juiz nacional, ao qual compete recusar a aplicação de uma regra técnica nacional que não tenha sido notificada à Comissão em conformidade com as Directivas.
56- Neste sentido ver o Ac. do ST J de 1/10/96, in C. J., ano IV, tomo I", 1996, pág. 26.
57 - Sabendo-se que o Estado Português não informou a Comissão sobre as regras técnicas que verteu no D. L. n. 422/89, de 2/12, e no D. L. 10/95 de 19/1 (não se fazendo qualquer referência no preâmbulo destes Decretos Leis a essa obrigatoriedade de informação, conforme se deveria ter feito ), quanto à caracterização dos jogos de fortuna ou azar e modalidades afins, deveria o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" não aplicar as normas desses Decretos Leis no sentido da decisão constante do Ac. do ST J de 1/1 0/96.
58 - O direito que o recorrente pretende ver reconhecido decorre da prevalência do direito comunitário desdobrado em várias regras e princípios, com a derrogação das normas consagradas nos artigos 1., 3., nºs 1 e 2 e 4., nº 1, als. F) e g), do Dec. Lei no 422/89, citado e de todo o direito daí derivado, designadamente dos tipos de ilícitos previstos nos artigos 108., 110., 111. e 115º do mesmo diploma, sendo este o sentido a dar às normas violadas, conforme o disposto na al. b) do n. 2 do art. 412. do C. P. P..
59 - A douta sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada, violando o disposto no n. 2 do art. 374. do C. P. P., originando a nulidade prevista na al. a) do art. 379. do C. P. P..
60 - Na motivação sobre a decisão de facto, o julgador limita-se a referir que a decisão de condenar o recorrente foi tomada tendo em conta o depoimento do próprio recorrente, pois não foi credível o suficiente em face das suas respostas contraditórias.
61 - O julgador não especifica como entendeu que o pretenso jogo de fortuna ou azar estaria em exploração, tendo retirado que o recorrente tinha conhecimento do caracter ilegal dos jogos desenvolvidos pelas máquinas, e da possibilidade legal de elas só poderem funcionar em casinos em face das suas respostas contraditórias.
62 - Essa convicção do julgador resulta tão somente dessas respostas e do facto de uma testemunha ter dito que foi o recorrente a comunicar-lhe o código do jogo "Dyno".
63 - No entanto a comunicação desse código não é sintomática do conhecimento de ilegalidade e dos locais onde somente poderiam ser exploradas essas máquinas, até porque a máquina tem um jogo perfeitamente legal.
64 - Deve ser modificada a decisão de facto constante dos pontos n.s 5, 28, 35 e 36 da matéria de facto provada.
65 - A douta sentença recorrida é nula, porque omite e não explica como chega ao cômputo da pena de multa aplicada ao recorrente, que critérios estiveram, nessa base, nada se refere, violando-se também o art. 375. do C. P. P., devendo o julgador descriminar que fundamento esteve na base da aplicação ao recorrente da pena em que foi condenado.
66 - A condenação em relação ao recorrente, foi somente baseada nas suas próprias declarações, não tendo as declarações do arguido convencido o Tribunal, como se refere na sentença recorrida, de que não conhecia os jogos desenvolvidos pelas máquinas e o seu carácter ilícito.
67 - A decisão recorrida deverá ser substituída por outra que absolva o recorrente, pois a mesma enferma do vício previsto na al. a) do n. 1 do art. 410. do C. P. P., isto é a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e tal vício resulta do próprio texto da decisão recorrida.
68 - O Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" violou assim o disposto no art. 8. da C. R. P., no art. 30. do Tratado Institutivo da União Europeia, no art. 127. do C. P. P., 374., n.2 do C. P. P., no art. 379., al. a) do C. P. P., no art. 375. do C. P. P., no art. 97., n.4 do C. P. P., bem como os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência do arguido, assim como o principio da imediação previsto no art. 355. do C. P. P. e ainda a al. d) do n. 1 do art. 72. do C. P..
69 - O Tribunal "a quo" deveria ter interpretado o art. 8. da C.R.P. por referência ao art. 30. do Tratado Institutivo da União Europeia, fazendo prevalecer as normas deste diploma, declarando a inaplicabilidade dos art.s 108. do D. L. 422/89 na redacção do D. L. 10/95, dando-se assim, juntamente com as conclusões supra, à al. b) do n. 2 do art. 412. do C. P. P..
70- Quanto à violação dos art.s 97., n.4, 127. e 355. (p. da imediação) do C. P. P. e ainda os princípios da presunção de inocência, in dubio pro reo, o julgador deveria ter interpretado as mencionadas normas de uma outra forma, ou seja, só deveria ter dado como provados os factos de que cuja prova foi produzida em julgamento e não considerar inverosímil a versão do recorrente e de seguida considerar que o mesmo conhecia os jogos das máquinas em causa, só por si e ainda que conhecia que esses jogos só poderiam ser explorados em casinos, utilizando como argumento que as respostas do recorrente foram contraditórias, e que se encontra verificado o elemento subjectivo do tipo de crime nos presentes autos, dando-se assim cumprimento, juntamente com as conclusões supra, à al. b) do n. 2 do art. 412. do C. P. P..
71 - Quanto à violação da al. d) do n. 1 do art. 72. do C. P., deveria o julgador ter aplicado esta norma, o que não fez, pois tendo em conta a data da, pretensa, prática dos factos e da decisão recorrida, as condições sociais do recorrente, o comportamento e a conduta socialmente correctos do recorrente e o facto de já não explorar qualquer estabelecimento similar ao de que era proprietário impossibilitando-o de, hipoteticamente, delinquir, integra a previsão da norma, devendo atenuar-se especialmente a pena a aplicar, que se entende ser de multa e jamais de prisão, conforme foi aplicada, dando-se pela presente conclusão e juntamente com as supra referidas cumprimento à al. b) do n. 2 do art. 412. do C. P. P..
Pelo exposto, deverá o presente recurso merecer provimento, revogando-se a douta sentença recorrida e julgando-se pela não aplicabilidade do art.s 108., n. 1, com referência ao disposto nos art.s 1., 3., n. 1 e 4., n. 1, al. g), todos do D. L. 422/89, na redacção do D. L. 10/95, ou caso assim não se entenda que seja revogada a douta sentença recorrida, por violação dos princípios de presunção de inocência do arguido, do in dubio pro reo e imediação, substituindo-se por outra decisão que absolva o recorrente, ou caso ainda assim não se entenda, deverão os presentes autos descer ao Tribunal de 1.ª Instância para se aferir se o recorrente tinha efectivo conhecimento do carácter ilícito do jogo desenvolvido pela máquina, assim se fazendo a costumada Justiça.
C- Respondeu a Digna Procuradora-Adjunta substituta, concluindo:
1 - Existe total compatibilidade entre as normas dos artigos 1°, 3°, 4° al. t), 68°, 108°, 115° e 117° do DL n. 422/89, de 2 de Dezembro, e as normas dos artigos 30° do Tratado de Roma e 8° da CRP;
2 - Não se verificam os apontados vícios da sentença recorrida: nem existe falta de fundamentação nem há insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada;
3 - Uma vez que a máquina apreendida desenvolvia um Jogo cuja perícia do jogador era irrelevante para os respectivos resultados, tinha tal máquina de ser considerada, como foi, como máquina de fortuna ou azar;
4- A Mma Juiz a quo fez criteriosa apreciação da matéria de facto e judiciosa aplicação do direito,
5- A douta sentença recorrida não violou, pois, qualquer normativo jurídico, devendo por isso ser integralmente mantida.
D- Nesta Relação, o Digníssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto Parecer onde assinala:
“não só a decisão objecto do recurso não se apresenta, como naquela peça bastamente demonstrado, falha de fundamentação nem padece do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto prova como, e contrariamente à pretensão do recorrente, as normas incriminadoras do Decreto-Lei n. 422/89, de 2 de Dezembro, por não serem de natureza técnica, em nada beliscam ou violam normas e directivas comunitárias, nomeadamente o disposto no artigo 30° do Tratado de Roma, como a jurisprudência já teve oportunidade de afirmar:
"(...) as normas referentes à exploração do jogo definidas pelo DL 422/89 são normas de interesse e ordem pública tal como decorre do preâmbulo do diploma pelo que, referindo-se a interesses dessa natureza e atenta a especificidade do direito penal, não estão cobertas pelas restrições comunitárias nos termos defendidos pelo recorrente, não se podendo considerar que as normas referentes à proibição da exploração de certas modalidades de jogo em determinados locais do território nacional constituam um meio de discriminação arbitrária (...).
Os interesses de ordem pública, que subjazem à dita limitação da exploração dessas espécies de jogo, e mesmo que se considerasse que essas normas (ditas técnicas) têm a natureza que o recorrente invoca sempre estariam ressalva dos pela lei comunitária.
Como tal, não existe razão para não aplicar as normas referidas.(...) Ac. Relação de Lisboa de 21 de Maio de 2002, in Col. Jur., Ano XXVII, Tomo III, pp. 128-130. Vd., também, o acórdão do mesmo tribunal de 13.JAN.2004, processo n. 3011/2003-5, sumariado em http://www .dgsi.pt/jtrl.-
Em razão do que se deixa exposto, é nosso parecer de que ao recurso deve ser negado provimento.”
E- Cumpriu-se o disposto no artigo 317º nº 2 do CPP, sem que fosse aduzida resposta.
F- Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos, após o que o Exmo Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal.
G- Consta da sentença:
“Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos:
1) No dia … de … de…, pelas …h, a Brigada Fiscal da GNR encontrou dentro do café “…”, sito na Rua…, n.º…, em …, na área desta comarca, pertencente e explorado pelo arguido A uma máquina electrónica de jogos; uma caixa de cartão com um número indeterminado de senhas com a designação PASSATEMPO; um cartaz com a designação SUPERBRINDE, bem como um expositor oval, em plástico e parede de vidro acrílico transparente colocado sobre um suporte metálico e um cartaz com canivetes, machados de cozinha e saca- rolhas.
2) Todos os objectos descritos encontravam-se em zona acessível ao público.
3) A máquina eléctrica tinha o n.º de fabrico 3312, o n.º de registo 41/88, do tipo vídeo, da marca “BALI”.
4) Dentro do seu moedeiro encontravam-se 362 moedas de 100$00, no total de 36.200$00.
5) B colocara a referida máquina no café do arguido A, tendo ambos combinado que cada um receberia 50% do lucro da sua exploração.
6) A máquina é de madeira com as dimensões de 1,70mx0,73mx0,54m.
7) Abaixo do écran situa-se uma consolo com 8 botões.
8) Na parte média inferior há outro painel, onde se encontra o dispositivo de introdução de moedas, com duas ranhuras, a que se segue o cofre protegido por porta metálica.
9) Ligando a máquina à corrente, aparece o jogo de diversão “BINGO”.
10) Com a introdução de um código, consistente em dar um toque para cima no manípulo direito, acede-se ao jogo de fortuna ou azar “DINO FAMILY”.
11) O sistema de funcionamento é do tipo vídeo e desenvolve dois tipos de jogo, da seguinte forma:
a) Um tema de jogo de diversão, designado por BINGO, cuja lógica de funcionamento é similar ao jogo TETRIS, que consiste em fazer sequências numéricas de três ou mais figuras de “quadrados”, que uma a uma, vão surgindo ao cimo e ao meio do écran, de forma aleatória quanto às cores, figura essas que percorrem o écran no sentido descendente e vertical e podem ser desviadas pelo jogador para a esquerda e para a direita, em ordem a formar as aludidas sequências numéricas que, uma vez conseguidas, originam a desintegração do conjunto, libertando espaço para a recepção de novas figuras e consequente prolongamento do jogo, que acaba quando o espaço do écran fica preenchido com figuras sem hipóteses de formação de sequências e, por tal facto, fica impedida a entrada de novas figuras;
b) Um jogo de fortuna ou azar, com as características do vídeo- poker, com a diferença de que, em vez de cartas, aparecem no écran, de forma aleatória, e dispostos em linha, 5 bonecos tipo “Dinossauro” distribuídos por 4 cores (azul, castanho, vermelho e verde). Cada cor é numerada de um a treze, de que resulta poderem aparecer 4 figuras com o n.º 1 (uma de cada cor), quatro com o n.º 2 e assim sucessivamente até ao n.º 13, sendo que o 1 corresponde ao ÀS, o 13 ao Rei e os números intermédios correspondem às demais cartas de um naipe de um baralho. Quanto às cores correspondem, por convenção, aos naipes de copas, espadas, ouros e paus.
13) Após a introdução de moedas de 100$00, correspondente a 5 créditos, decide-se o número de apostas, cujo máximo é de 50, dando-se início ao jogo com o accionamento da tecla “START”.
14) Em simultâneo surge, de forma aleatória e dispostos em linha, na base do écran, 5 bonecos tipo “Dinossauro”, distribuídos por 4 cores e cada um numerado de 1 a 13.
15) Os cinco botões existentes na consola permitem ao jogador fixar ou rejeitar uma ou mais figuras. Daí o aparecimento de um chapéu sobre o boneco, uma só vez em cada jogada, na esperança de conseguir uma combinação premiada.
16) O jogador tanto pode apostar na sequência de 5 figuras da mesma cor (COR), como na escolha de 3 (TRIO) ou 4 (POKER), figuras com o mesmo número mas de cores diferentes, ou em qualquer outra combinação admitida.
17) Para retomar o jogo tem de utilizar mais créditos, se os tiver, carregando de novo em “START” ou, caso já não os tenha, introduzindo novas moedas de 100$00.
18) A máquina desenvolve um jogo de jogo de fortuna ou azar semelhante ao das máquinas de vídeo- poker existentes nos casinos em que o objectivo é o de conseguir combinações premiadas- SEQUÊNCIA REAL, SEQUÊNCIA NUMÉRICA, SEQUÊNCIA DE COR, FULLEN, TRIOS, PARES, etc.- por apelo à sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.
19) Por outro lado, o arguido A explorava ainda no café o jogo denominado “PASSATEMPO”, com o n.º de série 98, que adquirira a um desconhecido.
20) O jogo é composto por uma caixa de cartão rectangular com as dimensões de 0,20mx0,25mx0,20m.
21) Dentro da caixa encontra-se um número indeterminado de senhas rectangulares, com o desenho do globo terrestres, tendo impressa, na diagonal, a palavra “PASSATEMPO”.
22) Cada senha tem dentro um número de três dígitos ou o desenho de um conjunto de três bandeiras de países.
23) O jogo compõe-se ainda de um cartaz com a designação “SUPER BRINDE”.
24) No canto superior direito lê-se “50 brindes”, significando que cada senha custaria 50$00.
25) No canto inferior esquerdo estava delineado o plano de prémios, em número de 66, coincidente com o número de rectângulos existentes em três quadros impressos no cartaz, com desenho de bandeiras ou de números salteados de três dígitos.
26) O cartaz ostentava ainda diversos prémios em espécie (isqueiros, relógios, canetas).
27) O jogador adquiria uma senha por 50$00, que retirava da caixa de cartão.
28) Destacava um rectângulo pelo picotado, deixando a descoberto um número de três dígitos ou o desenho de 3 bandeiras e uma de quatro situações acontecia:
A senha não continha um número de três dígitos e os três desenhos de bandeiras não eram iguais entre si, pelo que nada ganhava- sendo essa a hipótese estatisticamente mais provável;
A senha continha o desenho de três bandeiras de um país, o que lhe dava um prémio de consolação consistente em poder tirar gratuitamente outra senha da caixa para tentar de novo a sorte;
A senha apresentava um número de três dígitos coincidente com o número que identificava cada um dos sessenta e seis rectângulos ou possuía um conjunto de três bandeiras iguais e coincidentes com o conjunto de bandeiras que identificava um dos sessenta e seis rectângulos dos dois quadros do cartaz.
O jogador pedia então ao arguido A que destacasse tal rectângulo pelo picotado, deixando à vista um outro número, que correspondia ao prémio monetário ganho pelo jogador e que podia variar entre os 500 = 500$00 e 7.500 = 7.500$00;
A senha apresentava um número de três números coincidente com um dos números colocados junto dos objectos dispostos no cartaz, o que atribuía aos jogadores o correspondente prémio em espécie.
29) Por fim o arguido A explorava o jogo formado pelo expositor oval, em plástico, contendo um número indeterminado de “ovos”, com o n.º de série JC 842, que também adquirira a um desconhecido.
30) No interior do expositor, colado à parede, encontrava-se um papel escrito à mão, com os dizeres “série JC 845”, “números premiados” e a discriminação destes.
31) O jogador introduzia uma moeda de 100$00 no expositor, rodava o manípulo até desbloquear uma bola, dentro da qual estava uma senha com o n.º JC 845 e um número de quatro dígitos.
32) Aberta a senha, se o número nela escrito não coincidisse com algum dos números existentes dentro do expositor, o jogador nada ganhava.
33) De contrário, recebia o prémio correspondente ao número.
34) A perícia do jogador era irrelevante no resultado do jogo.
35) O arguido conhecia as características dos jogos descritos e sabia que procedia à sua exploração em local não permitido e sem autorização.
36) Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida.
37) O arguido é comerciante, explorando um café, retirando de lucro o suficiente para o sustento da casa..
38) Vive com a filha mais velha.
39) Paga a título de renda pelo café a quantia mensal de € 150.
40) Paga de pensão de alimentos à filha mais nova a quantia mensal de € 75.
41) Tem o 6º ano de escolaridade.
42) Não tem antecedentes criminais.
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Não deixaram de se provar quaisquer outros factos constantes da acusação, sendo certo que aqui não importa considerar alegações conclusivas ou de direito que serão ponderadas em sede própria.”

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H- Cumpre apreciar e decidir.
Várias questões aborda o recorrente.
1- Sobre o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Considera o recorrente que a decisão recorrida deverá ser substituída por outra que absolva o recorrente, pois a mesma enferma do vício previsto na al. a) do n. 1 do art. 410. do C. P. P., isto é a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e tal vício resulta do próprio texto da decisão recorrida.
De harmonia com o Ac. do Plenário das secções criminais do STJ de 19 de Outubro de 1995 in Diário da República I-A Série , de 28 de Dezembro de 1995, é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º nº 2 do CPP, mesmo que o recurso se encontre limitado a matéria de direito.
Nos termos do mesmo preceito, os vícios hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum e, são eles:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova;
A insuficiência da decisão da matéria de facto provada, significa que a decisão de facto apurada não é suficiente para a decisão de direito encontrada, ou como salienta Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 340: “é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria Ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.” e, que acontece quando o tribunal a quo “deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.”- v. Ac. do STJ de 16-4-98 in www.dgsi.pt.
Ora se, como se disse, os vícios têm de resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos exteriores à decisão, ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, verifica-se que do texto da decisão recorrida, se encontram prefigurados os elementos objectivo e subjectivo do crime por que foi condenado o arguido, bem como das circunstâncias que determinaram a aplicação da pena concretamente aplicada.
Na verdade vem provado que, em zona acessível ao público, no dia .. de … de…, pelas …h, a Brigada Fiscal da GNR encontrou dentro do café “…”, sito na Rua …, n.º…, em…, na área da comarca de …, pertencente e explorado pelo arguido A uma máquina electrónica de jogos, sendo que essa máquina desenvolve um jogo de jogo de fortuna ou azar semelhante ao das máquinas de vídeo- poker existentes nos casinos em que o objectivo é o de conseguir combinações premiadas- SEQUÊNCIA REAL, SEQUÊNCIA NUMÉRICA, SEQUÊNCIA DE COR, FULLEN, TRIOS, PARES, etc.- por apelo à sorte, independentemente da perícia e destreza do jogador.
O arguido conhecia as características dos jogos descritos e sabia que procedia à sua exploração em local não permitido e sem autorização. Agiu deliberada, livre e conscientemente, sabendo a sua conduta proibida”
Da mesma sentença consta a factualidade integrante do artigo 71º do Código Penal.
Por sua vez, a contradição insanável de fundamentação ou entre esta e a decisão supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação.
Como salienta o Acórdão do STJ, de 10-12-96 in www.dgsi.pt, tal vício verifica-se quando “segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto”
Ou, como se refere no Acórdão do STJ de 13 de Outubro de 1999, in Col. Jur., Acs do STJ, 1999, tomo III, p. 184, “Existe o vício de contradição insanável de fundamentação quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugadas com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre o factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal”
O erro notório na apreciação da prova, não é um princípio de prova, não é um meio de valoração da prova, mas um erro de tal modo patente que não escapa à observação do cidadão comum, na leitura do texto da decisão recorrida ainda que conjugada com as regras da experiência comum
Como é sabido, o conceito de erro notório na apreciação da prova tem de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (v. por ex. Ac. do S.T.J. de 6-4-94 in Col. Jur. Acs. do STJ, II, tomo 2, 186
Ora, a fundamentação e a decisão da sentença em análise mostram-se coerentes e harmónicas de per se e interrelacionadas, segundo as regras da lógica e da experiência comum.
Não se verifica pois a existência do vício alegado nem qualquer outro dos previstos no citado artigo 410º do CP.
2- Considera o recorrente que a douta sentença recorrida não se encontra devidamente fundamentada, violando o disposto no n. 2 do art. 374. do C. P. P., originando a nulidade prevista na al. a) do art. 379. do C. P. P., pois que na motivação sobre a decisão de facto, o julgador limita-se a referir que a decisão de condenar o recorrente foi tomada tendo em conta o depoimento do próprio recorrente, que não foi credível ou suficiente em face das suas respostas contraditórias e, que o julgador não especifica como entendeu que o pretenso jogo de fortuna ou azar estaria em exploração, tendo retirado que o recorrente tinha conhecimento do caracter ilegal dos jogos desenvolvidos pelas máquinas, e da possibilidade legal de elas só poderem funcionar em casinos em face das suas respostas contraditórias. Essa convicção do julgador resulta tão somente dessas respostas e do facto de uma testemunha ter dito que foi o recorrente a comunicar-lhe o código do jogo "Dyno". No entanto a comunicação desse código não é sintomática do conhecimento de ilegalidade e dos locais onde somente poderiam ser exploradas essas máquinas, até porque a máquina tem um jogo perfeitamente legal.
Vejamos:
Determina o artº 374º nº 2 do Código de Processo Penal sobre os requisitos da sentença que: Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Consta da sentença a enumeração dos factos não provados, e a motivação dos factos provados, com indicação das provas que serviram para formar a livre convicção do Tribunal
O artigo 374º nº 2 do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto, mas tão só uma exposição concisa dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, não impondo a lei a menção das inferências indutivas levadas a cabo pelo tribunal ou dos critérios de valoração das provas e contraprovas (Ac. do S.T.J. de 9 de Janeiro de 1997; C.J. Acs. Do STJ,V, tomo I, 172), nem impondo que o julgador expusesse pormenorizadamente o raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção (Ac. do S.T.J. de 27 de Janeiro de 1998 in B.M.J., 473, 166); somente a ausência total da referência às provas que constituíram a fonte da convicção do tribunal constitui violação do artº 374º nº 2 do CPP a acarretar nulidade da decisão nos termos do artº 379º do CPP.
Actualmente, face à nova redacção do nº 2 do artº 374º do CPP, é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas.(Ac. do STJ de 7 de Julho de 1999 in CJ. Acs do STJ, VII, tomo 2, 246)
Foi a Lei nº 59/98 de 25 de Agosto que aditou a exigência do exame crítico das provas.
E, segundo o artº 379º a) do mesmo diploma adjectivo, é nula a sentença: a) Que não contiver as menções referidas no artº 374º nº 2 (...); nulidade esta que não é insanável, não lhe sendo por isso aplicável disposto no artº 119º do C.P.P. (Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 6 de Maio de 1992 in D.R. I Série -A, de 6 de Agosto de 1992), e, que não tem necessariamente de ser arguida nos termos estabelecidos na alínea a) do nº 3 do artigo 120º do mesmo diploma processual, podendo sê-lo ainda, em motivação de recurso para o tribunal superior conforme Ac. do Plenário das Secções Criminais do S.T.J. de 2 de Dezembro de 1993 in D.R. I Série-A de 11 de Fevereiro de 1994).
A sentença recorrida dá cumprimento ao normativo legal e efectuou o exame crítico das provas, espelhando o raciocínio que conduziu o julgador à sua convicção.
3- O recorrente considera ainda que a sentença recorrida é nula, porque omite e não explica como chega ao cômputo da pena de multa aplicada ao recorrente, que critérios estiveram, nessa base, nada se refere, violando-se também o art. 375. do C. P. P., devendo o julgador descriminar que fundamento esteve na base da aplicação ao recorrente da pena em que foi condenado.
É evidente a falta de razão do recorrente pois a sentença fundamenta expressamente:
Determinação da medida da pena:
A qualificação jurídica dos factos, assim efectuada, permite encontrar a moldura penal a partir da qual se determinará a espécie e medida da pena aplicar ao caso concreto.
Tal determinação deverá ser feita em função da culpa do agente (que constitui o fundamento e o limite de toda a pena), tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e demais circunstâncias do caso, nomeadamente, o grau da ilicitude do facto, a intensidade do dolo, as condições pessoais e a anterior conduta do arguido (artigo 71º do Código Penal).
***
Assim, o crime de exploração ilícita de jogo, é punível com pena de prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
As exigências de prevenção geral revelam-se algo prementes, atendendo a que se tem vindo a revelar um aumento deste tipo de criminalidade.
No que se reporta ás necessidades de prevenção de futuros crimes, ponderará o Tribunal a circunstância de o arguido não ter antecedentes criminais e estar socialmente inserida.
Contra o arguido pesa o dolo, agora perspectivado sob o ponto de vista volitivo, que se revelou intenso.
A ilicitude do facto mostra-se elevada, atendendo aos factos provados.
Assim sendo, julga-se adequada à culpa do arguido e às faladas exigências de prevenção a pena de prisão de 3 meses de prisão e 50 dias de multa.
Porém, atenta a natureza do crime e a ausência de antecedentes criminais, conclui-se que a execução da pena de prisão não se impõe por razões de reprovação e de prevenção de futuros crimes, pelo que a mesma deverá ser substituída por igual tempo de multa, ou seja, 90 dias de multa.
Esta pena de multa deverá ser cumulada materialmente com a multa aplicada directamente - cfr. art. 6º do Decreto Lei de Aprovação do Código Penal.
Assim, será o arguido condenado numa pena de multa de 140 dias.
Sobre a fixação da razão diária dispõe o artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal: "Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 1 € e 498,80€, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais."
Atendendo aos factos provados, julgo adequada a fixação do quantitativo diário em 4€, no montante global de € 560.”
4- Diz o recorrente que a sua condenação, foi somente baseada nas suas próprias declarações, não tendo as declarações do arguido convencido o Tribunal, como se refere na sentença recorrida, de que não conhecia os jogos desenvolvidos pelas máquinas e o seu carácter ilícito.
Mas, também não tem razão quanto tal fundamento, pois que como salienta Maia Gonçalves in Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12ª edição, p. 654, nota 2, “Prestando o arguido declarações, serão elas livremente apreciadas pelo tribunal, ainda que o desfavoreçam: para além das finalidades da defesa o interrogatório visa o esclarecimento da verdade, quer beneficie quer prejudique o arguido que se dispôs livremente a prestá-lo”
Por outro lado há que não olvidar o princípio da livre apreciação da prova.
Com efeito, segundo dispõe o artº 127º do CPP, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É certo que, este princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções – designadamente as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (artº 169º); ao caso julgado (artº 84º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (artº 344º) e à prova pericial (artº 163º) (Ac. do STJ de 5 de Maio de 1993; BMJ 327, 441)
A regra da livre apreciação da prova em processo penal não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável.
Porém, o julgador, ao apreciar livremente a prova, o procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e controlo (c. do Tribunal Constitucional nº 1165/96 de 19 de Novembro; BMJ,461, 93).
Uma dúvida que, em rigor, não ultrapassa o limite da subjectividade, e que por isso se não deixa objectivar, não tem a virtualidade de, racionalmente, convencer quem quer que seja da bondade da sua justificação (v. Acs do STJ de 4 de Novembro de 1998 in CJ, Acs do STJ, VI, tomo 3. 201 e, de 21 de Janeiro de 1999, proc. 1191/98 3ª, SASTJ, nº 27,78).
Ora é bastante explícita a Fundamentação da matéria de facto constante da decisão recorrida quando assinala:
“O decidido funda-se em todos os meios de prova produzidos em audiência, valorados na sua globalidade.
Concretamente o Tribunal fundou a sua convicção nas próprias declarações do arguido, que admitiu que explorava as ditas máquinas.
Pelo mesmo foi também admitido saber que se tratava de jogos de fortuna ou azar, ou seja, cujo resultado dependia exclusivamente da sorte, pese embora a instâncias do seu mandatário dissesse que não tinha conhecimento de tal.
No entanto, a forma como o depoimento foi prestado ( dando respostas diferentes consoante as perguntas fossem ou não feitas pelo seu defensor), conjugado com os restantes meios de prova, levou a que este tribunal não ficasse com quaisquer dúvidas acerca de o facto de o arguido ter perfeito conhecimento de que se tratava de jogos de fortuna e azar, ou seja, cujo resultado dependia exclusivamente da sorte e que a exploração no seu estabelecimento comercial não era autorizado.
Disse também o arguido desconhecer que na máquina tipo vídeo funcionava outro jogo além daquele semelhante ao TETRIS.
No entanto, tal depoimento foi contrariado pelo depoimento do agente autuante C, o qual, de uma forma isenta e rigorosa, esclareceu que foi o arguido que lhes indicou o código através do qual se fazia a transposição para o jogo “Dino Family”.
Teve-se também em consideração os esclarecimentos fornecidos pelo perito que realizou o exame, e esclareceu os motivos que levaram à conclusão de que o jogo tipo vídeo era um jogo de fortuna ou azar.
Valorou-se ainda o exame de fls. 44 e 59, oportunamente submetido a discussão.
No que diz respeito às condições pessoais do arguido, o Tribunal valorou as suas próprias declarações.
Teve ainda em conta este Tribunal o CRC do arguido, junto aos autos.”
5- Por outro lado, a impugnação da matéria de facto não se bastará com a pretensão de dar-se provada a versão pretendida pela recorrente, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre.
A impugnação da matéria de facto terá de ser equacionada com a livre convicção do tribunal a quo, sendo que esta é legitimada pela livre apreciação da prova.
A impugnação da matéria de facto há-de traduzir-se, pois, na indicação dos pontos incorrectamente julgados e na indicação das provas que impõem decisão diversa da recorrida, isto é, das razões da discordância que não corroboram o raciocínio lógico-analítico que formou a convicção do tribunal.
A impugnação factual com indicação das provas atinentes, deve traduzir-se na especificação dos fundamentos pelos quais não é possível acolher a motivação da convicção do tribunal recorrido, o que implicaria alteração da decisão de facto.
De outra forma, ficaria prejudicada a livre apreciação da prova pelo julgador que proferiu a decisão recorrida e, prejudicada ficava a função da motivação da sua convicção e, por conseguinte a natureza do recurso como remédio jurídico, e a independência do Tribunal a quo na livre convicção.
Somente no caso de as provas indicadas não suportarem a motivação dessa convicção, é que a matéria de facto constante da decisão recorrida, pode e deve ser impugnada, por tais provas imporem uma decisão diversa.
O tribunal atendeu a provas legalmente admissíveis e valorou-as, de harmonia com o critério legal, a imediação das mesmas, pelo que é lícita e válida a decisão de facto que, consequentemente, retirou de tal prova.
A prova invocada pelo tribunal na motivação da sua convicção não gera factos incertos, que implicasse dúvida razoável que afastasse a valoração efectuada pelo tribunal para que deva alterar-se a decisão de facto recorrida.
Nem se encontra violado o princípio da presunção de inocência na valoração das provas.
O princípio da presunção de inocência significa que sem um juízo de culpa, não pode haver condenação
Significa, processualmente, a vinculação ao “princípio jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena” (v. J.J.Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 3ª edição revista, p. 203 e 204, nota IV), concretizando aquele brocardo de nulla poena sine culpa, nulla culpa sine judicio.
É um princípio que geralmente anda ligado àquele outro de in dubio pro reo, que por sua vez significa que perante factos incertos a dúvidas favorece o arguido.
Ora, é óbvio que o tribunal ao não socorrer-se do princípio in dubio pro reo que apenas significa que perante factos incertos, a dúvida favorece o arguido, é porque não teve quaisquer dúvidas de valoração da prova e, ficando seguro no juízo de censura do arguido.
Do exposto resulta que não procede a nulidade alegada, nem ocorrem outras de que cumpra conhecer nos termos do artigo 410º nº 3 do CPP e, não procedem razões válidas que importem modificabilidade da decisão de facto quanto aos pontos de facto questionados constantes dos nºs 5, 28, 35 e 36 da matéria de facto provada.
6- Questiona o recorrente o D. L. 422/89 na redacção do D. L. 10/95, que constitui a lei Base dos Jogos de Fortuna ou Azar, e caracteriza este tipo de máquinas (fortuna ou azar) como máquinas que pagam directamente prémios ou fichas e as que apresentam jogos dependentes da sorte, pois que nos termos desse diploma, "não é permitida a exploração de quaisquer máquinas cujos resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da perícia do jogador e que atribuam prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, mesmo que diminuto, salvo o prolongamento gratuito da utilização da máquina, face à pontuação obtida..." não estando assim claramente definida a fronteira entre o conceito legal de máquinas de fortuna ou azar e aquelas que o não são, uma vez que a utilização na lei do termo "fundamentalmente" a par da expressão "exclusivamente", introduz uma grande indeterminação normativa, fonte de discricionariedades.
Conclui ainda que o regime legal em vigor assenta num conceito de máquinas de diversão que exclui as máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusivamente ou fundamentalmente da sorte. Por maioria de razão são excluídas as máquinas que pagam prémios em fichas ou moedas.
Vejamos:
Como já tivemos ocasião de relatar, nomeadamente em acórdão que julgou recurso vindo da comarca de Serpa:
De harmonia com o artigo 1º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, (com a redacção deste diploma operada pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro), jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte, aduzindo o nº 1 do artigo 4º, nas respectivas alíneas, os tipos de jogos de fortuna ou azar, referindo a alínea f) jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas e, a alínea g) jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Conforme artº 3º nº 1 do mesmo diploma, a exploração e a prática dos jogos de fortuna ou azar só são permitidas nos casinos existentes em zonas de jogo permanente ou temporário criadas por decreto-lei ou, fora daqueles, nos casos excepcionados nos artigos 6º a 8º. (nestes artigos 6º a 8º abarca-se a exploração de jogos em navios ou aeronaves, de máquinas de jogo e jogos não bancados em estabelecimentos hoteleiros ou complementares e Jogo do Bingo)
Nos termos do artigo 108º nº 1 do diploma, quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias
A natureza económica do ganho ou perda no jogo não é elemento constitutivo do tipo legal
Daí que a referência à modalidade de prémios não constitua matéria de facto necessária ou imprescindível à caracterização do jogo para efeitos de se saber se este é de fortuna ou de azar
O que se torna essencial e constitui denominador comum a qualquer tipo de jogo de fortuna ou de azar é que o resultado do jogo seja contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.(...)
Com efeito, na revisão do enquadramento legal de máquinas consideradas como de diversão, veio o Decreto-Lei nº 22/85 de 17 de Janeiro, explicitar logo no seu preâmbulo, que “são muitas e sofisticadas as modalidades de máquinas... que, embora não pagando directamente prémios em dinheiro ou em fichas, se têm revelado meios apropriados para a prática ilegal de jogos de fortuna ou azar, na medida em que favorecem a aposta de dinheiro sobre os créditos representados nas pontuações em que se traduzem os seus resultados, dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
A solução até agora adoptada consistente na qualificação de tais máquinas como de diversão ... tem-se revelado ineficaz para prevenir e reprimir o seu emprego na aludida prática do jogo ilícito.
Justifica-se assim, a revisão do enquadramento legal daquelas máquinas, qualificando-se as mesmas como verdadeiros jogos de fortuna ou azar e, consequentemente, restringindo-se o seu uso aos casinos das zonas de jogo autorizadas”
Nos termos do artigo 108º nº 1 do diploma, quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias
Porém, o referido diploma veio a ser alterado em várias disposições pelo Decreto-Lei nº 10/95 de 19 de Janeiro, que nos termos do artº 4º nº 3 dispôs que “o capítulo XI do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, passa a designar-se “Das modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar e outras formas de jogo”
E, o artigo 159º do DL 422/89, aditado pelo referido DL. 10/95, trata especificadamente das modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo.
Refere o nº 1 do artº 159º que modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico.
E, esclarece o nº 2 do mesmo preceito que são abrangidos pelo disposto no número anterior, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.
Aliás a distinção operada pelo DL 10/95 ao introduzir as modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artº 159º está em que, como determina o artigo 161º nº 3 estes “não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póquer, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de números ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos”
O regime legal vigente fez um enquadramento explicativo e diferenciado das modalidade do jogo com relevância jurídica.
Não se lobriga “indeterminação normativa” entre os conceitos "fundamentalmente" e, "exclusivamente", pois enquanto aqui se assume como único critério procedimental da máquina, ali assume-se como primordial.
7- Perspectivando a questão sub judicio sob a alçada do direito comunitário, considera o recorrente, em suma, que da Constituição da República Portuguesa resulta a prevalência jurídica do direito comunitário sobre as normas internas e, o Estado Português, fazendo parte da União Europeia e tendo subscrito os seus Tratados, não pode contrariar (pela sujeição a autorização especial a comercialização do tipo de máquinas de jogo em causa neste processo), através de acto legislativo ordinário, o art. 30 do Tratado Institutivo da União Europeia, que preceitua serem proibidas entre os Estados-membros, as restrições quantitativas à importação, bem como todas as medidas de efeitos equivalente a contrariar a citada norma.
Vejamos:
É certo que como conclui o recorrente, o art. 100-A do Tratado de Roma, aditado pelo Acto Único Europeu, visa criar um espaço sem fronteiras interiores no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada e, que o art. 37. do mesmo Tratado refere que os Estados adaptarão progressivamente os monopólios nacionais de natureza comercial de modo a que esteja excluída qualquer discriminação entre nacionais de Estados-membros.
Mas, há que atender à ressalva constante do artigo 36. do citado Tratado de Roma no sentido de que "a interdição de restrições quantitativas a importações ou exportações intercomunitárias, ou medidas de efeito equivalente, prescrita nos art.s 30 e 34. não impede a adopção na ordem interna de disposições justificadas por razões de moralidade pública, ordem e segurança pública, de protecção da saúde e da vida das pessoas e animais ou de preservação das plantas: de protecção do património nacional de valor artístico, histórico ou arqueológico; ou de protecção de propriedade industrial e comercial".
Apesar das normas e princípios de direito internacional geral ou comum fazerem parte integrante do direito português - artº 8º da Constituição da República Portuguesa, - e, por conseguinte, vigorar o primado do direito comunitário sobre o direito nacional, nem por isso deixa de haver incompatibilidade entre as normas de Direito comunitário e as normas do Direito Nacional.
A permissão e regulamentação da actividade do jogo pelos Estados-membros da forma como entenderem mais conveniente, não colide com a liberdade de concorrência, nem hostiliza o Direito Comunitário.
Acresce que sendo a disciplina jurídica do jogo “de interesse e ordem pública”, como refere o preâmbulo dupra referido diploma, com incidências sociais e de projecção turística, é evidente, que o artigo 108º do Decreto-Lei nº 422/89 de 2 de Dezembro, não priva o recorrente do direito à liberdade de jogar, pois que o que se limita legalmente é a modalidade de jogo, e a modalidade de jogo não é substrato de qualquer direito fundamental, mas insere-se nos princípios gerais de organização económica do Estado, consagrados no título I da Parte II da Constituição da República Portuguesa.
Por outro lado, como doutamente salienta o Ministério Público na 1ª instância na respectiva resposta à motivação de recurso:
“A noção de actividade económica, na acepção do artº 2º do Tratado da CE, pode ser desenvolvida no quadro de uma das quatro liberdades fundamentais do mercado comum: liberdade de circulação de mercadorias, liberdade de circulação de pessoas, liberdade de prestação de serviços e liberdade de circulação de capitais.
É certo que o princípio comunitário da livre circulação de mercadorias implica a proibição de direitos aduaneiros e encargos de efeito equivalente à importação e exportação de mercadorias e, bem assim, a proibição das restrições quantitativas e das medidas de efeito equivalente. Porém, e sobre o caso concreto da actividade da lotaria, o TJCE considerou que "não são actividades relativas a «mercadorias» abrangidas como tais pelo art. 30° do Tratado" - Ac. Schindler de 24 de Março de 1994, in Colectânea de Jurisprudência das Comunidades Europeias, 1994, 1-1039 - admitindo expressamente que os Estados podem decidir restringir ou proibir as lotarias.
Esta jurisprudência vale, por maioria de razão, para os casos dos jogos de fortuna ou azar, ficando assim afastada a hipótese de um enquadramento da exploração das máquinas de fortuna ou azar ao abrigo do Regime Comunitário sobre a livre circulação de mercadorias.
Na verdade, as actividades relacionadas com a produção, importação e distribuição de máquinas de jogo, não têm autonomia relativamente à actividade da exploração, porque o regime a que estão sujeitas aquelas actividades é apenas a consequência dos princípios e regras aplicáveis à exploração das máquinas de jogo.”
8- Por último, entende o recorrente que houve violação da al. d) do n. 1 do art. 72. do C. P., deveria o julgador ter aplicado esta norma, o que não fez, pois tendo em conta a data da, pretensa, prática dos factos e da decisão recorrida, as condições sociais do recorrente, o comportamento e a conduta socialmente correctos do recorrente e o facto de já não explorar qualquer estabelecimento similar ao de que era proprietário impossibilitando-o de, hipoteticamente, delinquir, integra a previsão da norma, devendo atenuar-se especialmente a pena a aplicar, que se entende ser de multa e jamais de prisão,
Vejamos:
A aplicação da pena visa a protecção do bem jurídico violado e a reintegração do arguido na sociedade, sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.- artigo 40º nºs 1 e 2 do Código Penal.
Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – artigo 70ºdo Código Penal.
E, a determinação da medida concreta da pena é feita de harmonia com o disposto no 71º do mesmo diploma substantivo, ou seja, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (nº 1 do preceito), atendendo o tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente as indicadas no nº 2 do mesmo preceito.
Por sua vez, o artigo 72º nº 1 do C.Penal dispõe que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, sendo consideradas entre outras: Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta (als d) do citado artº 72º)
Como já referia Maia Gonçalves in Código Penal Português anotado e comentado, 13ª edição, p. 257, nota 5, :“Com penas que correspondem a uma visão hodierna e um amplo quadro de substitutivos das penas de prisão quando esta não é exigida pela ressocialização, reprovação e prevenção do crime, impõe-se agora um uso moderado da atenuação especial da pena, com particular atenção para o estreito condicionalismo exigido pelo nº 1 do artº 72º”
A sentença recorrida julgou adequada “à culpa do arguido e às faladas exigências de prevenção a pena de prisão de 3 meses de prisão e 50 dias de multa.
Porém, atenta a natureza do crime e a ausência de antecedentes criminais, conclui-se que a execução da pena de prisão não se impõe por razões de reprovação e de prevenção de futuros crimes, pelo que a mesma deverá ser substituída por igual tempo de multa, ou seja, 90 dias de multa.”
Veio a ser, conseguinte, aplicada uma pena de multa, já que a pena curta de prisão foi substituída por multa.
De qualquer forma, apesar de nada constar no certificado de registo criminal do arguido e terem ocorrido os factos no dia 11 de Maio de 2000, não se pode dizer que ocorreu muito tempo após a prática do crime mantendo o arguido boa conduta.
Não existem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do arguido.
Nada justificou a actuação do arguido na exploração da máquina em questão, pois não se apurou que tivesse agido em situação de necessidade ou num quadro de circunstâncias que excluam ou diminuam a censura a fazer-lhe.
Nem vem provado que o recorrente não explora qualquer estabelecimento similar ao de que era proprietário impossibilitando-o de delinquir; outrossim vem provado que o arguido é comerciante, explorando um café, retirando de lucro o suficiente para o sustento da casa..
Não procedem pois os pressupostos de atenuação especial da pena.
O recurso não merece provimento
I- Termos em que
Negam provimento ao recurso e, confirmam o acórdão recorrido.
Tributam o recorrente em 4 Uc de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário.


ÉVORA, 11 de Fevereiro de 2005

Elaborado e revisto pelo relator.

António Pires Henriques da Graça
Rui Hilário Maurício
Manuel Cipriano Nabais