Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
655/10.8TXEVR-L.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
JUÍZO DE PROGNOSE
Data do Acordão: 07/05/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - No juízo de prognose para efeito de liberdade condicional decisivo deve ser, não o «bom» comportamento prisional «em si» ─ no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais ─ mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

II - Não é qualquer evolução que justifica a libertação condicional e mesmo havendo evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão, a libertação condicional só se justifica depois de devidamente ponderados os demais critérios legalmente consignados.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo de Liberdade Condicional acima identificados, do Tribunal de Execução de Penas de Évora, decidiu a Meritíssima Juiz não conceder a liberdade condicional ao recluso Ion.
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Inconformado com o assim decidido, o recluso interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

A – O ora recorrente atingiu o meio da pena em 28 de Fevereiro de 2014 e atingirá os 2/3 da pena em 13 de Novembro de 2016. O que significa que já cumpriu mais dois anos após o meio da pena e está a 7 meses dos 2/3.

B – Reunido o Conselho Técnico os seus elementos, por maioria, emitiram parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional, voto favorável dos serviços de reinserção social. Ouvido o recluso, o mesmo declarou aceitar a liberdade condicional. O Ministério Público emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional.

C – O Tribunal considerou assentes os pontos 1.° a 10.º da matéria assente.

D – Os pressupostos formais encontram-se preenchidos e no nosso entendimento os materiais também.

E – No entanto, considerou o Douto Tribunal que os pressupostos materiais para a concessão da liberdade condicional não se encontravam preenchidos, por duas ordens de razão, a primeira prende-se com o facto de o Tribunal entender que ainda é prematuro formar um juízo de prognose favorável, não obstante a evolução verificada na postura do recluso, por outro lado, considerou o Tribunal que a sua libertação neste momento não se revela compatível com a defesa da ordem pública.

F – Argumenta a Douta sentença que o recluso continua a desculpabilizar as suas condutas criminosas. Tal afirmação não corresponde à verdade, e é a mesma incompatível com o facto assente pelo próprio Tribunal no ponto 4.º, onde consta que o recluso assume a sua actividade criminosa, justificando-a com a sua imaturidade e juventude e más companhias.

G – Ou seja, ele não tenta desculpabilizar-se, tal como refere a Sentença, em sede de convicção, tenta sim dar a conhecer ao Tribunal que errou, por sua culpa, da sua imaturidade e juventude, e também por causa delas se deixou levar por más companhias, com isto não se está a tentar desculpabilizar, apenas a tentar justificar-se, aliás como consta do ponto 4.º dos factos assentes.

H – Ora, a incongruência existente entre o ponto 4.° da matéria assente e a referida afirmação em sede de convicção pelo Tribunal, que resulta da simples leitura da Sentença, consubstancia uma errada apreciação da prova, e contradição insanável da fundamentação, violando desta forma o disposto no art.° 410.° n.° 2 alínea b) e c) do Código de Processo Penal, vício esse constante no texto da Decisão.

I – Refere também a Douta Sentença que o passado criminal do arguido aliado ao seu passado disciplinar revela uma personalidade muito desconforme ao direito, o que faz recear que cometa novos crimes.

J – Ora, cumpre referir que o recluso não sofre nenhuma condenação disciplinar desde 2014, ou seja há cerca de dois anos que cumpre com todas as regras e normas impostas no estabelecimento prisional, o que só faz denotar a sua efectiva evolução e espírito de mudança, levando a sua vida conforme à lei e regras impostas.

K – Não nos podemos esquecer que este homem está preso há cerca de dez anos, e tem demonstrado nos últimos dois anos que essa tão longa reclusão já sortiu efeitos positivos, estando finalmente apto para encarar a vida em sociedade, longe de condutas marginais.

L – Por fim, o Tribunal vem referir que as penas que cumpre são longas, por crimes graves, pelo que não seria compreendido pela sociedade que um recluso nestas condições fosse posto em liberdade.

M – Ora, conforme consta na Douta Decisão o arguido tem pena acessória expulsão do território nacional, irá residir com a mulher e filhos na Moldávia, pelo que somos a concluir que o seu regresso ao meio exterior não evidencia qualquer problemática relevante junto da comunidade local, mesmo porque aquando da sua libertação será de imediato colocado no aeroporto pelos serviços do SEF, pelo que, no nosso entender, e salvo o devido respeito, caí por terra tal fundamento.

N – Temos de analisar a condição actual do recluso para aferir da sua interiorização das condutas criminosas que praticou, ao invés, do que fez a Douta Sentença ao basear-se no passado distante criminal e mesmo disciplinar do recluso para concluir pelo juízo de prognose desfavorável.

O – Não pode o Douto Tribunal a quo basear-se unicamente na vida anterior do agente para fazer um juízo de prognose desfavorável, tem igualmente de ponderar atentas as circunstâncias do caso, a personalidade do recluso e a evolução desta durante a execução da pena de prisão. No que concerne a este último pressuposto a evolução é notável conforme reconhece a própria Sentença ora sob recurso.

P – Não pode apenas ser considerado a vida anterior do agente para fazer um juízo de prognose desfavorável, não sendo por si só suficiente nem tão pouco adequado, uma vez que, desta forma está a desvalorizar-se todo o esforço empreendido pelo recluso numa mudança de vida, no facto de interiorizar o desvalor da sua conduta, envergonhando-se da mesma e na sua reintegração social. Basear-se apenas no seu passado (criminal e disciplinar – há mais de dois anos que não tem processos disciplinares) - e ignorar o desenvolvimento crítico, analítico, pessoal e notável que este homem tem desenvolvido no decurso do cumprimento desta pena de prisão é injusto e desadequado, vide relatório dos serviços de reinserção social a fls. 196.

Q – Tem perspectivas de se poder reunir com a sua família, mulher e filhos menores, que residem na Moldávia e com quem não tem contacto pessoal há cerca de 5 anos, o que o fragiliza não só a si, bem como a sua mulher e filhos, não contribuindo desta forma para a inserção familiar.

R – O seu pai faleceu, no decurso da sua reclusão, facto que o abalou imenso e o fez ver que se não tivesse errado e estivesse preso, poderia acompanhar o seu pai neste último momento da sua vida.

S – Não tem qualquer apoio familiar em Portugal e como tem ordem de expulsão, também não poderia beneficiar de saída jurisdicional.

T – Nos últimos dois anos não evidencia problemas no cárcere, apresentando um comportamento adequado e adaptado às normas institucionais.

U - Demonstra suficiente consciência crítica/arrependimento face à conduta ilícita pela qual foi condenado.

V - O seu regresso ao meio exterior não evidencia qualquer problemática relevante junto da comunidade local.

W- Beneficia de apoio familiar.

X – No que concerne à Douta Decisão de não concessão da liberdade condicional ao ora recorrente, cumpre dizer que a mesma se baseia unicamente na vida anterior do agente para fazer um juízo de prognose desfavorável. Contudo,

Y - A liberdade condicional, com os pressupostos referidos no n. 1 do art. 61 do CP, não é de aplicação automática. Resulta de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento prisional e a capacidade do recluso se readaptar à vida social. Ora, no que tange a esta última parte, está demonstrado a evolução do recluso, ora recorrente.

Z – O Douto Tribunal a quo não atendeu a elementos muito relevantes do percurso do ora recorrente, que espelham todo o esforço feito para uma mudança de vida, para fazer um juízo favorável, tendo apenas valorizado o comportamento anterior do ora recorrente, comportamento esse que jamais voltará a cometer, merecendo, em nosso entender, uma nova oportunidade para refazer a sua vida.

AA — O ora recorrente cumpriu já quase dois terços das penas na qual foi condenado, encontra-se preso há cera de 10 anos, tem tido uma evolução positiva na sua conduta dentro do EP, não constando nenhuma pena disciplinar nos últimos dois anos, já interiorizou o desvalor dos seus actos, e o mal que causou às vitimas, tem apoio familiar, irá residir para a Moldávia, tendo pena acessória de expulsão do território nacional, que mais é necessário para se acreditar que este homem mudou e pretende refazer a sua vida longe de condutas criminosas?

AB - Estão reunidos todos os elementos necessários para se colocar este indivíduo em liberdade, dando um sentido à política de ressocialização do nosso ordenamento jurídico.

AC -Da Douta Sentença recorrida, não se não consegue vislumbrar sequer o raciocínio lógico e coerente, e devida e concretamente fundamento, que permita, com segurança, fazer crer que não possa actualmente, cumpridos que estão já quase dois terços da pena, ser fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a personalidade do agente e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o ora recorrente uma vez em liberdade, não conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

AD -Em face de tudo o supra exposto, mostra-se, assim, verificado, in casu, o pressuposto previsto na alínea a) do art.° 61°, n° 2 do C.P., e os demais exigíveis na lei, devendo, como tal, ser o recorrente restituído à liberdade, para assim cumprir o remanescente da pena, mediante concessão de liberdade condicional.

Nestes termos e sempre sem prescindir do Douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso merecer provimento, revogando a Douta Decisão do Tribunal de Execução de Penas, e em consequência ser concedida ao ora recorrente a liberdade condicional, (…)
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O Ex.mo Procurador do tribunal recorrido respondeu, apresentando as seguintes conclusões:

1 — Por decisão proferida em 4-3-2016 no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional ao recluso Ion, tendo este atingido o 1/2 do cumprimento do somatório das penas que lhe foram aplicadas nos processos n.ºs ---/01.OGAALQ e ---/09.3GCALQ (16 anos e 3 meses de prisão).

2 — Tal decisão baseia-se nos elementos dos autos, designadamente no teor dos relatórios constantes de folhas 182/183 e 188/189 (relatórios cujo teor não tem carácter vinculativo para o juiz), bem como no teor das declarações prestadas pelo recluso a folhas 195 (apreciadas pelo juiz no âmbito do princípio da livre apreciação da prova).

3 – Da análise desses elementos extrai-se a subsistência de fortes razões de prevenção especial de ressocialização que se fazem sentir em relação ao condenado, derivadas do insuficiente juízo autocrítico relativamente à prática dos crimes e suas consequências e ao seu registo disciplinar.

4— Em face das razões supra expendidas, não se mostra razoável um juízo de prognose positivo de que aquele uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme ao direito e afastado da prática de novos crimes.

5 — Por outro lado, no caso em análise a liberdade condicional contende com as fortes exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir.

6 — Por consequência, não se mostrando verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n ° 2 do artigo 61º do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.

7 – Pelo que bem andou a M.ma juíza " a quo " ao não conceder a liberdade condicional ao recluso, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso interposto por Ion Barbaskumpa e confirmar a decisão recorrida.
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Nesta Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
Em termos de matéria de facto com interesse para a decisão, foi dado como provado o seguinte:

1° O recluso encontra-se a cumprir sucessivamente as seguintes penas de prisão:
a) 06 anos e 06 meses aplicada no processo n.° ---/01.OGAALQ da Secção Criminal da Instância Central de Loures da Comarca de Lisboa Norte – Juiz 2, pela prática de um crime de roubo, um crime de roubo agravado, um crime de sequestro, um crime de falsificação de documentos e um crime de auxílio à emigração ilegal, tendo-lhe sido ainda aplicada a pena acessória de expulsão do território nacional.

b) 09 anos e 09 meses aplicada no processo n.° ---/093GCALQ do antigo 1° Juízo do Tribunal Judicial de Alenquer pela prática de três crimes de falsificação de documento, um crime de receptação dolosa agravada e um crime de detenção de arma proibida.

2° Efectuado o cômputo destas penas, que perfazem um total de 16 anos e 03 meses de prisão, temos que o meio do somatório das mesmas foi alcançado em 28 de Fevereiro de 2014 e os 2/3 serão alcançados em 13 de Novembro de 2016.

3° O recluso não tem outros antecedentes criminais e não lhe são conhecidos processos pendentes de julgamento e/ou outras penas autónomas de prisão por cumprir.

4° Assume a sua actividade criminosa, justificando-a com a sua imaturidade e juventude e as más companhias, referindo que alguns dos crimes foram cometidos com violência.

5° Diz-se arrependido por ter magoado os familiares e os amigos e por causa do mal que causou às vítimas dos seus crimes.

6° No estabelecimento prisional sofreu cinco punições de cariz disciplinar, a última em 2014.

7° Cumpre a pena em regime fechado e não beneficiou de licenças de saída jurisdicionais.

8° Está laboralmente inactivo e frequentou um curso de línguas para estrangeiros.

9° Quando sair em liberdade irá regressar à Moldávia e aí residir com a mulher, que trabalha, e com os filhos.

10° No seu país pretende procurar trabalho na sua área de formação, a engenharia florestal.
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Em termos de fundamentação da decisão da matéria de facto, o tribunal "a quo" fez constar o seguinte:

Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos, analisados de forma objectiva e criteriosa:
Certidão do processo n.° 114/01.0GAALQ — fls. 10 a 153 do apenso A.
Certidão do processo n.° 161/09.3GCALQ — fls. 2 a 110.
Cômputo das penas — fls. 136 a 138.
Certificado do registo criminal — fls. 154 e 155.
Relatórios da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais — fls. 182, 183, 188 e 189. O Ficha biográfica do recluso - fls. 184 a 187.
g) Declarações do recluso — fls. 168 e 195.

III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:

1.ª – Que a decisão recorrida padece dos vícios da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª b) e c), do Código de Processo Penal; e

2.ª – Que deve ser concedida ao recluso a liberdade condicional.
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Vejamos:

No tocante à 1.ª das questões postas:

A invocada contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, a que se refere o art.º 410.º, n.º 2 al.ª b) e c), do Código de Processo Penal, resultaria, segundo o recorrente, do teor do ponto 4.º dos factos provados em confronto com o teor de um considerando desenvolvido pelo tribunal "a quo" na parte da apreciação jurídica da questão, o de que o recluso continua a desculpabilizar as suas condutas criminosas.

Ora os vícios do art.º 410.º referem-se apenas a enfermidades da matéria de facto assente como provada e não provada e a respectiva fundamentação da convicção, não abarcando os considerandos nem as consequências jurídicas que depois são extraídas dos factos em sede de apreciação jurídica das questões.

Pelo que logo por aí improcede a objecção.
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que deve ser concedida ao recluso a liberdade condicional (LC):
O tribunal "a quo" fundamentou a sua decisão de não conceder a liberdade condicional ao arguido da seguinte forma:

De acordo com o disposto no art° 61° do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional:

Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos.

Que aceite ser libertado condicionalmente.

São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:

Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.

A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (este requisito não se mostra necessário para os casos de liberdade condicional aquando dos 2/3 da pena, conforme resulta expressamente do disposto no n.° 3 do preceito em causa).

Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral.

No caso em apreço, verificamos que os pressupostos formais da liberdade condicional se mostram preenchidos, pois que o recluso já cumpriu mais de metade da soma das penas de prisão em que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional.

Considera o Tribunal que, no entanto, o mesmo continua a não acontecer em relação aos requisitos substanciais, na medida em que o conteúdo dos factos assentes nos leva a considerar prematuro formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso no sentido de que em liberdade conseguirá manter uma vida afastada da prática de crimes, sendo que a libertação do recluso neste momento não se revela compatível com a defesa da ordem jurídica.

Pese embora se verifique uma evolução na postura do recluso em relação aos crimes cometidos, porquanto os assume agora na íntegra e revela compreender os danos que causou às vítimas, e de o seu comportamento prisional ser mais adequado no último ano, o certo é que continua a desculpabilizar as suas condutas criminosas.

O passado criminal do recluso aliado ao seu passado disciplinar revela uma personalidade muito desconforme ao direito, que nos faz recear seriamente pela prática de novos crimes quando se encontrar em liberdade.

Por outro lado, tendo em conta que ainda não estão cumpridos 2/3 da soma das penas em execução, sendo estas longas e pela prática de muitos e diversos crimes, que na sua grande maioria são graves e causadores de alarme social e de danos para as vítimas, o que acabou por reflectir nas penas aplicadas., importa também fazer referência ao facto de as exigências de prevenção geral serem muito elevadas, ou seja, não seria compreendido (legitimamente) pela sociedade que um recluso nestas condições fosse libertado neste momento da execução das suas penas.

Em suma, o que acabou de expor-se leva-nos a considerar que só a manutenção do recluso em meio prisional se mostra adequado a assegurar as exigências de prevenção especial e geral que se fazem sentir.

Pelo exposto, não se concede a liberdade condicional ao recluso.

Não havendo lugar a outros considerandos gerais sobre o assunto, por despiciendos, avancemos de pronto para as achegas que o recluso opõe à decisão da 1.ª Instância, a ver se são capazes de imporem decisão diversa da ali tomada.

Alega o recorrente que não sofre nenhuma condenação disciplinar desde 2014. Pois, mas nos primeiros 8 dos cerca de 10 anos que leva de reclusão, teve cinco punições disciplinares, pelo que o não ter nenhuma condenação disciplinar desde 2014, acaba por ser mais o possível início, finalmente, que já não era sem tempo, de uma melhor reintegração e respeito pelas normas prisionais, do que já um sinal seguro de as querer cumprir.

Isto sem embargo de que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional decisivo deve ser, não o «bom» comportamento prisional «em si» ─ no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais ─ mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade.

Sendo que, porém, o juiz tem a obrigação de olhar criticamente para essa evolução sem olvidar a necessidade de valoração conjunta com os demais critérios legalmente estabelecidos e supra expostos. Não é qualquer evolução que justifica a libertação condicional e mesmo havendo evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão, a libertação condicional só se justifica depois de devidamente ponderados os demais critérios legalmente consignados.

Depois, alega o arguido que, como tem pena acessória expulsão do território nacional e irá residir com a mulher e filhos na Moldávia, (…) o seu regresso ao meio exterior não evidencia qualquer problemática relevante junto da comunidade local, mesmo porque aquando da sua libertação será de imediato colocado no aeroporto pelos serviços do SEF(…).

Mas não é bem assim.

Em termos de prevenção geral, atendendo a que o arguido é oriundo de um país com um sistema penal bem mais musculado que o nosso, para o qual vai voltar, e residindo em Portugal outros compatriotas seus, pôr o arguido tão cedo em liberdade condicional corre o sério risco de ser entendido não como uma mais precoce oportunidade de reintegração social na vida, mas antes como uma fraqueza do sistema de justiça da Europa ocidental, incentivadora da continuação da ocorrência de um certo turismo ou imigração para a prática do crime que se verificou de há uns anos a esta parte e que acrescentou à comum criminalidade deste nosso país, também nesse campo de brandos costumes, um grau de violência pouco visto até então.

Do supra exposto, no qual se incluem as judiciosas considerações tecidas na decisão recorrida, e tendo em atenção os pressupostos substanciais da liberdade condicional consignados no art.º 61.º, n.º 2 al.ª a) e b), resulta que o recorrente não reúne ainda as condições para que lhe seja concedida a liberdade condicional, apesar de a evolução que em reclusão se tem verificado na sua personalidade a partir de 2014, a qual, a manter-se, o coloca em caminho auspicioso rumo à desejada liberdade condicional.

Mas esta é para já desaconselhada pela necessidade de salvaguardar a defesa da ordem e da paz social e perante as circunstâncias concretas do caso e a vida anterior do agente.

IV
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em três UC (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 5, do RCP e tabela III anexa).
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Évora, 05-07-2016

(elaborado e revisto pelo relator)

JOÃO MARTINHO DE SOUSA CARDOSO
ANA BARATA BRITO