Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1866/14.2T8SLV-B.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: EXECUÇÃO
VENDA
LEILÃO ELETRÓNICO
ADJUDICAÇÃO
Data do Acordão: 12/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artº 879º als. a) a c) do Código Civil.
II - Mas, ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, diferentemente sucede na venda executiva, porquanto nela os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão.
III – Na venda por leilão eletrónico, a adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º, nº 10, do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça. Esse regime é o que se acha no artigo 827º e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário.
IV – Tendo a executada pretendido liquidar a sua responsabilidade em data anterior à emissão do título de transmissão, apenas tinha de pagar o crédito exequendo e as custas, nos termos do nº 1 do art. 847º do CPC e não também os créditos reclamados, nos termos do nº 2 do mesmo preceito.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
Nos presentes autos de execução comum em que é exequente BB e executada CC, foi proferido, em 08.07.2018, o seguinte despacho:
«REFª: 29393325 e REFª: 29591326 /req. do AE de 13-06-2018 e de 28-06-2018 - Em bom rigor o comportamento da Sr.ª AE, face à justificação apresentada pela mesma, não merece censura, quanto a própria executada, como foi esclarecido pela Sr.ª AE e como se depreende claramente da posição assumida, por esta última, no último requerimento que apresentou, sem prejuízo de ter manifestado o propósito de proceder ao pagamento voluntário da quantia exequenda e das custas, recusou-se ab initio proceder à satisfação dos créditos que foram reclamados na proporção em que os mesmos seriam pagos pelo produto da venda do imóvel alienado.
Com efeito, tendo a mencionada pretensão [de pagamento voluntário (na verdade parcial)] ocorrido depois de findo o leilão electrónico, mas antes de emitido o título de transmissão, a suspensão da execução só se justificaria se tivesse sido manifestado um propósito sério de realizar o pagamento da totalidade dos valores que teriam de ser efectivamente pagos e que eram, justamente, a quantia exequenda, custas e os créditos reclamados (na parte em que seriam ressarcidos pelo valor obtido com a venda do imóvel).
É que a «venda executiva» é na verdade um procedimento que comporta várias fases ou etapas, sendo certo, que a mesma culmina com a emissão do título de transmissão, mas inicia-se com a aceitação da proposta de maior valor; aceitação essa que ocorreu, in casu, em 29-05-2018.
Pelo que desde de 29.05.2018 que havia «venda executiva», sendo, por esse facto, a manifestação de pagamento voluntário da executada, porque posterior ao referido evento processual (ou seja, porque posterior à venda), subsumível, ao nível da extensão ou grandeza dos valores a liquidar, ao n.º2 do art.º 847.º do Cod. de Proc. Civ.
Pelo que não poderia a Sr.ª AE liquidar a responsabilidade da executada em conformidade com a vontade expressa da mesma, já que essa vontade não tinha cobertura legal.
Sendo, certo que é a manifestação séria de pagamento da totalidade do devido que deverá despoletar a suspensão da instância (obstando à emissão do título de transmissão, momento a partir do qual se transfere a propriedade), tanto mais, que a falta de depósito do valor liquidado é, inclusivamente, sancionada nos termos previstos no art.º 847.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, face ao estádio em que se encontram os presentes autos e às considerações supra tecidas, indefiro a pretensão da executada.
Custas, pelo incidente anómalo a cargo da executada, que fixo em 1 (uma) UC – art.º 7.º, n.º4 e 8 do Regulamento das Custas Processuais.»
Inconformada, a executada apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões:
«1. Conforme se descortina do requerimento de interposição de recurso, a presente peça revela a insatisfação da recorrente com o despacho proferida, em primeira instância, e que traduz uma incorrecta aplicação das normas processuais aos presentes autos, interferindo, indelevelmente, com os interesses, e legítimos, direitos da executada, aqui recorrente.
2. Como se infere do despacho de que, ora se recorre, o mesmo debruça-se, e profere decisão, acerca da pretensão da executada de proceder ao pagamento da dívida, isto no âmbito dos presentes autos de execução, defendendo a tese de que já havia ocorrido venda e, por via disso, a haver pagamento, este deveria abarcar tanto a quantia exequenda como o crédito reclamado. A recorrente insurge-se contra este entendimento sufragado no despacho recorrido.
3. No âmbito destes autos de execução, o bem imóvel penhorado foi levado a leilão, recaindo sobre o mesmo uma proposta, na sequência da qual, após notificação para o efeito, o proponente pagou o preço e cumpriu com as obrigações fiscais.
4. Contudo, em momento anterior à emissão do título, pela AE, a recorrente/executada, pretendeu proceder ao pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos, o que, até àquele momento, ainda não o tinha conseguido fazer por extrema dificuldade financeira.
5. A recorrente manifestou esse propósito, à AE, em 08 de Junho de 2018, solicitando a elaboração da conta final e a indicação de iban, ou a emissão da guia respectiva, para proceder ao pagamento pretendido.
6. Atendendo à falta de indicação dos elementos solicitados, na segunda-feira, dia 11 de Junho de 2018, a executada solicita, à AE, novamente, a indicação de iban ou a emissão de guia para proceder ao pagamento pretendido.
7. Isto porque, como resultou das conversas telefónicas, e via email, mantidas entre a recorrente e a Sra. AE, o título de transmissão, do bem penhorado, ainda não havia sido emitido e, muito menos, levado a registo.
8. Perante a falta de indicação dos elementos solicitados, tanto no dia 08 de Junho, como no dia 11 de Junho, no início da tarde de segunda-feira (às 14:28h do dia 11 de Junho), a executada remete, via citius, requerimento à Sra. AE a voltar a solicitar o envio de iban, ou emissão de guia, para pagamento do valor total.
9. Não o tendo feito, a executada solicita, desta vez ao tribunal, que ordene a Sra. AE à indicação dos elementos solicitados. Tal ocorre pelas 17:14h do dia 11 de Junho.
10. A pretensão de pagamento, manifestada pela recorrente, foi feita, à Sra. AE quando aquela ainda não tinha emitido título de transmissão, o que, aliás, a AE mencionou à executada via email.
11. Por comunicação que a AE envia à mandatária do exequente, a recorrente tem conhecimento que, na tarde de dia 11 de Junho de 2018, a AE emitiu título de transmissão, o que foi somente verificado no dia 12 de Junho, através de consulta pelo Citius.
12. A final, após manifestação, atempada, de vontade de pagamento, por parte da executada/recorrente, o tribunal a quo sufragou o entendimento de que a venda já havia ocorrido (ainda que sem título de transmissão emitido e, por via disso, a pretensão da recorrente inseria-se na previsão do nº 2 do art. 847 do CPC, que ordenada que após a venda a recorrente deveria pagar, não só a quantia exequenda mas, igualmente, o crédito reclamado.
13. Isto porque já havia sido pago o preço proposto, em sede de leilão electrónico, e cumpridas as obrigações fiscais.
14. A recorrente não se pode conformar com este entendimento, razão pela, aqui, se insurge quanto à mesma.

15. A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artº 879º als. a) a c) do Código Civil.
16. Mas, além dos efeitos obrigacionais e do efeito translativo comuns a qualquer venda, a venda executiva produz ainda outros efeitos tais como o extintivo, registral, represtinatório e efeito subrogatório - cfr., neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, pág 383.
17. No que respeita ao efeito translativo, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida - artº 824º, nº 1, do Código Civil.
18. Na venda negocial a transferência dá-se por mero efeito do contrato, ou seja, a transferência não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço (cfr. artº 886º do Código Civil, que dispõe que “Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço”).
19. Contudo, a situação é diferente na venda executiva, porquanto nela, os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, agente de execução que comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respectivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado.
20. Ou seja, na venda por leilão, a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respectivo título de transmissão - o instrumento de venda.
21. No mesmo sentido de pronunciam José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, 2003, que sustentam que “O depósito do preço não constitui uma simples conditio juris (condição de eficácia dum negócio já perfeito, mas um elemento constitutivo da venda executiva por proposta em carta fechada. Até ele ter lugar o proponente está ligado ao tribunal por um contrato preliminar (…), constituindo com os elementos já verificados da fatispécie complexa do contrato definitivo em formação, com eficácia semelhante à do contrato-promessa e, como este, susceptível de execução específica (art. 898.º-1) ou de resolução com perda do valor da caução prestada (art. 897-1), a título de indemnização (art. 898-3). Só com a conclusão da venda se produzem os efeitos desta (art. 824 CC)”. (realce nosso)
22. Neste sentido, pronunciou-se, entre o mais, o Tribunal da relação do Porto, em , no âmbito do processo nº 810/09.3TBBGC-B.P1, defendendo que:
“I - A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artº 879º als. a) a c) do Código Civil.
II - Mas, ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, ou seja, não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço, diferentemente sucede na venda executiva, porquanto nela os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão.”
23. No caso dos autos, o que se verifica é que, na data (08 de Junho de 2018 – sexta-feira) em que a executada/recorrente manifestou, junto da Sra. AE, a pretensão, efectiva, de proceder ao pagamento da quantia exequenda, aquela, ainda, não havia emitido o título de transmissão, o que fez, apenas, em 11 de Junho de 2108 (segunda-feira) no período da tarde.
24. Tudo conforme decorre dos diversos emails trocados entre a recorrente e a Sra. AE, onde esta, já na tarde de segunda-feira, atesta que ainda não emitiu o título de transmissão. Assim, aquando das diversas solicitações para pagamento, manifestadas pela recorrente, não havia, ainda, sido emitido o título de transmissão, razão pela qual a venda não se encontrava concluída.
25. Não se encontrando a mencionada venda concluída, a pretensão da recorrente não se inseria no nº 2 do art. 847º do CPC, mas sim no âmbito do previsto no nº 1 do art. 846º do CPC e no nº 2 do art. 847º do CPC.
26. Nesse sentido, não tem acolhimento factual o entendimento adoptado pelo tribunal de primeira instância, que, decorrente das diversas manifestações, para pagamento, da executada/recorrente, deveria ter ordenado, à Sra. AE, que informasse a recorrente da conta final da execução.
27. Sem prescindir, sempre se dirá que igual censura merece a inacção da Sra. AE. Na verdade, perante as diversas solicitações da recorrente, no sentido de lhe ser prestadas as informações para proceder ao pagamento, competia à AE a indicação do valor final e indicação de iban, ou emissão de guias.
28. Somente após, poderia a recorrente insurgir-se contra essa conta final, reclamando da mesma se, assim, o entendesse. A verdade ´que a Sra. AE nada fez, obstruindo e impedindo a recorrente de proceder ao pagamento pretendido, antes da emissão do título de transmissão.
29. A recorrente tinha, ainda em 11 de Junho de 2018, possibilidade, processual e factual, de proceder ao pagamento da quantia exequenda, juros e demais, encargos decorrentes da execução, obstando, assim, à venda, efectiva, do seu património.
30. Aliás, sempre se diga que o crédito reclamado, por parte da entidade bancária Banif, adveio da hipoteca que aquela entidade detinha sobre o bem levado a leilão, ou seja, a sua reclamação de créditos baseou-se na garantia que impendia sobre o imóvel e não no incumprimento da executada/recorrente.
31. Na verdade, até ao presente, a recorrente não entrou em incumprimento perante aquela entidade bancária, pelo que, no que aquele credor diz respeito, o crédito ainda não se encontrava vencido.
32. Por conseguinte, com o pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos decorrentes da execução, e com a, subsequente, extinção desta, o credor reclamante (banco) manteria a sua garantia, uma vez que o bem continua a pertencer à recorrente.
33. Ou seja, os interesses do credor reclamante manter-se-iam salvaguardados, razão a que acresce, mais uma vez se diga, o facto de a recorrente não estar, nem nunca ter estado, em incumprimento para com aquele, nem esse ser o fundamento da sua reclamação de créditos.
34. Não se vislumbram, por tudo o exposto, elementos, factuais, processuais ou jurídicos que fundamentem a posição adoptada tanto pela Sra. AE como, em última linha, pelo tribunal de primeira instância.
35. Quando demonstrou a pretensão de pagamento, imediato, a recorrente ainda o podia fazer, uma vez que a venda, do imóvel, não se encontrava, ainda, finalizada, uma vez que não havia sido emitido o respectivo título de transmissão.
36. Por tudo o exposto, não assiste razão ao tribunal a quo, devendo, por conseguinte, ser o despacho de que se recorre revogado, possibilitando, à recorrente, o pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos com o processo, determinando-se, igualmente, que seja dado sem qualquer efeito o título de transmissão emitido pela Sra. AE e, em caso disso, que seja ordenado o levantamento de qualquer registo efectuado, sobre aquele imóvel, decorrente do processo de leilão electrónico ocorrido.
37. O despacho de que se recorre viola os arts. 846º nº 1 e art. 847º nºs 1 e 2, todos do CPC.
Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento em toda a sua extensão, com as legais consequências.
Assim decidindo, farão V. Exas.
Justiça!».

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), coloca como única questão à apreciação deste Tribunal, saber se quando a executada/recorrente solicitou à agente de execução o IBAN para proceder ao pagamento da quantia exequenda e juros estava já consumada ou não a venda executiva.

III - FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Os factos e a dinâmica processual a ter em conta para a decisão do recurso são os que constam do relatório, relevando ainda os seguintes factos documentados nos autos:
1 - Em 11.06.2018, às 14:28:24, a executada efetuou, via citius, a seguinte comunicação à agente de execução:
«CC, executada nos autos à margem referenciados, notificada do resultado do leilão electrónico, vem dizer que pretende efectuar o pagamento da totalidade da quantia exequenda, juros e demais encargos.
Para o efeito, requer a indicação de iban.»
2 – Nesse mesmo dia 11.06.2018, às 17:14:29, igualmente via Citius, a executada apresentou nos autos o seguinte requerimento dirigido à Sr.ª Juíza do Tribunal a quo:
«CC, executada nos autos à margem referenciados, notificada do resultado do leilão electrónico, informou a Sra. Agente de Execução de que pretendia efectuar, de imediato, o pagamento da totalidade da quantia exequenda, juros e demais encargos.
Para o efeito, requereu que a mesma lhe indicasse os elementos para efectuar esse pagamento, designadamente com a indicação de iban.
Até ao momento ainda não o fez, requerendo-se a Vª Exa. se digne ordenar, à Sra. Agente de Execução, a prestação, imediata, da informação solicitada.»
3 – No dia 13.06.2018, a Sr.ª Agente de Execução apresentou nos autos o seguinte requerimento:
«DD, Agente de Execução nos presentes autos, vem muito respeitosamente expor e requerer a V.Exa. o seguinte:
- Em resposta ao requerimento apresentado à meretissíma juiz pelo mandatário da executada, vem comunicar que o o Exm. Dr. ligou na Sexta-feira a comunicar que a executada tinha valor para liquidar a divida.
- A Signatária informou mandatário da executada que na fase em que o processo se encontrava e proponente tinha efectuado o depósito do preço e junto o comprovativo das obrigações fiscais, teria a executada de liquidar a quantia exequenda, juros e encargos, acrescido do valor do crédito graduado em 1º lugar do credor reclamante acrescido dos 5% da indemnização a pagar ao proponente. Tendo a AE ainda comunicado que o pedido teria ser feito através da Comunicação ao Agente de Execução para que todos os intervenientes fossem notificados.
- A comunicação à Agente de Execução foi feita em simultâneo com o requerimento à meritíssima juiz.
- Tendo o proponente efectuado o depósito do preço, no dia 11 de Junho a AE emite o título de transmissão que junta.
- No mesmo dia a AE recebe comunicação pela Exm.a. Dra. EE que o filho da executada pretende exercer o direito de remissão, juntando para o efeito cópia do cartão de cidadão. Não foram cumpridas a as formalidades, ou seja não juntou cheque no valor de 5% nos termos do nº 2 do artº. 824º do CPC, aplicável por força do artº. 843º nº. 2 do CPC.
Pelo exposto, requerer a V.Exa. se digne ordenar em conformidade.»
4 – Em 11.06.2018, foi emitido o título de transmissão no qual a Sr.ª Agente de Execução declarou ter adjudicado a fração autónoma penhorada nos autos a FF pelo valor de € 86.258,96 (oitenta e seis mil duzentos e cinquenta e oito euros e noventa e seis cêntimos).
5 – Em 25.06.2018 a Sr.ª Juíza proferiu o seguinte despacho:
«Num contexto em que foi arguida, uma omissão que poderá relevar como nulidade processual, antes de mais, deverá a Sr.ª AE, em cinco dias, esclarecer:
1) em que data foi contactada pela executada;
2) que concretas normas funda os termos da liquidação da responsabilidade da mesma;
3) se indicou o IBAN e os valores em dívida (independentemente da sua grandeza) como lhe foi solicitado e em que data o fez, o que deverá comprovar, documentalmente, nos autos
6 – Em 28.06.2018 a Sr.ª Agente de Execução prestou nos autos os seguintes esclarecimentos:
« DD, Agente de Execução nos presentes autos, notificada do douto despacho com referência (109938990), vem muito respeitosamente expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1) A agente de execução foi contactada telefonicamente pelo mandatário da executada Dr. GG na sexta-feira dia 08 de Junho do corrente mês ao final da tarde a informar que a executada tinha o dinheiro para pagar a divida e para indicar o IBAN.
- Anteriormente e já por diversas vezes a signatária tinha enviado a nota discriminativa do valor em divida nos termos do portaria 282/2013, a pedido do mandatário, pese embora nada impedisse que a executada ou o seu mandatário procedessem ao pagamento através depósito autónomo, juntando o comprovativo aos autos.
- Quando o mandatário ligou para escritório da agente de execução, ou seja no dia 08 de Junho, já o preço da aquisição se encontrava depositado na conta da AE e pagas as obrigações fiscais desde o dia 05 de Junho do corrente mês e o título de transmissão emitido, conforme documento já junto aos autos com o requerimento de 13-06-2018 pela AE.
2) A Signatária informou o mandatário da executada que nos termos do artigo 847º do CPC que a liquidação teria que abranger os créditos reclamados para serem pagos pelo produto do bem vendido. Tendo ainda informado o mandatário da executada que essa comunicação teria de ser feita à agente de execução através do sistema informático bem como a guia com referência para pagamento uma vez que nos termos da lei os pagamentos à AE desde 2012 eram feitos por referência multibanco.
- O mandatário fez então comunicação através do sistema informático dos Agentes de Execução e nesse mesmo dia fez requerimento à meritíssima juiz.
- Nesse mesmo dia o filho da executada vem com requerimento a exercer o direito de remissão sem dar cumprimento ao estabelecido no nº. 2 do artº. 843º do CPC.
Em resposta ao ponto 3) a AE não chegou a emitir a guia com referência, uma vez que o mandatário pretendia pagar só a quantia exequenda, juros e custas do processo, motivo pelo que fez requerimento à meritíssima juiz para que insistisse com AE.
É quanto me cumpre informar V. Exa. que, melhor decidirá.»
7 - Respondeu a executada/recorrente nos termos do requerimento que apresentou em 02.07.2018, concluindo que no dia 08.06.2018 ainda não havia sido emitido o título de transmissão, nem ocorrido o seu registo, pelo que não se verificava a situação prevista no nº 2 do art. 847º do CPC, devendo por isso a Sr.ª Agente de Execução emitir a referência para a executada proceder ao pagamento da quantia exequenda, juros e demais encargos.

O DIREITO
Como se extrai do relatório supra, tendo a executada pretendido efetuar a liquidação da sua responsabilidade (pagamento do crédito exequendo e custas) em 08.06.2018, foi-lhe negada essa pretensão, num primeiro momento pela Sr.ª Agente de Execução e, posteriormente, pela decisão recorrida, onde se considerou que desde de 29.05.2018, data da aceitação da proposta de maior valor, «havia “venda executiva”, sendo, por esse facto, a manifestação de pagamento voluntário da executada, porque posterior ao referido evento processual (ou seja, porque posterior à venda), subsumível, ao nível da extensão ou grandeza dos valores a liquidar, ao n.º2 do art.º 847.º do Cod. de Proc. Civ.», concluindo que «não poderia a Sr.ª AE liquidar a responsabilidade da executada em conformidade com a vontade expressa da mesma, já que essa vontade não tinha cobertura legal.»
Contra esse entendimento se insurge a executada/recorrente, sustentando que a venda só foi efetuada com a emissão do título de transmissão, que ocorreu a 11.06.2018.
Portanto, a solução da questão suscitada radica, como vimos supra, em saber em que momento se deve considerar efetuada a venda judicial em processo de execução, sabido que, nos termos do disposto no art.º 847º, nº 1, do CPC, se o requerimento para liquidação da responsabilidade do executado for feito antes da venda ou adjudicação de bens, liquidam-se unicamente as custas e o que faltar do crédito do exequente.
No caso em apreço está-se perante a venda executiva de um imóvel mediante venda em leilão eletrónico, a qual se acha regulada no art.º 834º do CPC, em que a proposta de maior valor foi aceite e considerada válida.
A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa – art.º 879º als. a) a c) do CC.
Mas, além dos efeitos obrigacionais e do efeito translativo comuns a qualquer venda, a venda executiva produz ainda outros efeitos tais como o extintivo, registral, represtinatório e efeito sub-rogatório[1].
No que respeita ao efeito translativo, a venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida (art.º 824º, nº 1, do Código Civil).
Na venda negocial (ou privada) a transferência dá-se por mero efeito do contrato, ou seja, a transferência não fica dependente da entrega da coisa e do pagamento do preço (art.º 886º do Código Civil, que dispõe: “Transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço”).
Porém, a situação é diferente na venda executiva, porquanto nela, de acordo com o art.º 827º, nº 1, do CPC – norma referente à venda por propostas em carta fechada - os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, agente de execução que, nos termos do nº 2 do mesmo preceito[2], comunica seguidamente a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do nº 2 do art.º 824º do CC.
A venda em leilão eletrónico, como é a situação dos autos, foi eleita pelo legislador como a preferencial no caso de venda de bens imóveis e móveis penhorados, “nos termos a definir por portaria do membro do Governos responsável pela área da justiça” (art.º 837º, nº 1, do CPC).
Essa Portaria é a 282/2013[3], de 29.08, que tem como objeto regulamentar, entre outros aspetos das ações executivas cíveis, os termos da venda em leilão eletrónico de bens penhorados – al. j), do nº 1, do art.º 1º -, o que ocorre nos arts. 20º a 23º, prevendo o primeiro destes normativos que o leilão eletrónico se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça.
O Despacho nº 12.624/2015, de 09.11, da Ministra da Justiça, veio precisamente definir como entidade gestora da plataforma de leilão eletrónico a Câmara dos Solicitadores e homologar as regras do sistema aprovadas por essa entidade.
Quanto ao regime por que se rege a venda em leilão eletrónico, decorre dos nºs 2 e 3 do art. 837º do CPC que:
- a publicitação segue as regras gerais do art.º 817, nºs 2 a 4;
- no mais aplicam-se as regras privativas dos artigos 20º a 26ª da Portaria 282/2013, sem prejuízo do Despacho 12.624/2015;
- e, em tudo o que não estiver especialmente regulado nelas, as regras da venda em estabelecimento de leilão, em rigor, as constantes nos artigos 834º nºs 3 4 e 835º.
Dir-se-ia pois, que a contrario não se remete para as regras comuns, salvas as do artigo 817º, nºs 2 a 4, do CPC.
Mas não é assim, pois como explica Rui Pinto[4], «a venda em leilão eletrónico é uma das “restantes modalidades de venda” a que se refere o nº 2 do artigo 811º, pelo que, no que não estiver regulado nos níveis normativos referidos nos nºs 2 e 3 do artigo 837º, são de aplicar residualmente, tanto as normas do regime da venda mediante propostas em carta fechada a que o dito artigo 811º nº 2 atribui uma aplicabilidade geral – os artigos 818º, 819º, 823º e 828º -, como, ainda, as disposições gerais dos artigos 811º a 815º e 842º a 845º que iniciam a Subsecção V em que se acha o artigo 837º.»
E, mais adiante, no que ao caso importa:
«A adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º nº 10 do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça. Esse regime é o que se acha no artigo 827º e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário.
Deve, a este propósito, ser notado que o mesmo nº 10 estabelece um prazo de dez dias, contados da notificação da conclusão do leilão, para o agente de execução titular do processo dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente».
Face ao disposto nos citados preceitos legais, conclui-se que na venda executiva por leilão eletrónico a transmissão da propriedade do bem vendido só se opera com o pagamento integral do preço e a satisfação das obrigações fiscais inerentes à transmissão e a emissão do respetivo título de transmissão - o instrumento de venda.
No caso dos autos, o que se verifica é que, na data em que a executada pretendeu liquidar a sua responsabilidade na execução (08.06.2018)[5], a agente de execução ainda não havia emitido o título de transmissão, que apenas o foi em 11.06.2018, pelo que a venda ainda não se mostrava concretizada.
É que, segundo o citado art.º 827º, nº 1, do CPC, a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito da venda, como sucede no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional [arts. 408º, nº 1, 874º, e 879º, al. a), e 578º nº 1 todos do CC], mas só ocorre com a emissão do título de transmissão por parte do agente de execução no caso de venda por propostas em carta fechada/venda em leilão eletrónico (no caso da venda por negociação particular com a outorga do instrumento da venda), para o que se torna necessário que se verifique mostrar-se paga a totalidade do preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão[6].
No mesmo sentido se pronunciaram Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes[7], que sustentam que só com a adjudicação termina o processo da venda, não sendo o depósito uma mera condicio juris, que se limite (extrinsecamente) a condicionar a eficácia da venda, mas um elemento constitutivo da venda executiva por proposta em carta fechada; dar a venda sem efeito mais não é do que verificar que ela não se chegou a aperfeiçoar, extinguindo os efeitos do contrato preliminar (constituído por proposta e aceitação) que a antecede.
Ora, tendo a executada pretendido liquidar a sua responsabilidade em data anterior à emissão do título de transmissão, apenas tinha de pagar o crédito exequendo e as custas, nos termos do nº 1 do art. 847º do CPC e não também os créditos reclamados, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, como entenderam a agente de execução e a Sr.ª Juíza a quo.
Deve, assim, possibilitar-se à executada liquidar a sua responsabilidade e dar-se sem efeito o ato da venda (art. 839º, al. c), do CPC).
O recurso merece, pois, provimento.

Sumário:
I - A venda em processo de execução produz os mesmos efeitos da venda realizada através de um negócio jurídico, ou seja tem como efeitos essenciais as obrigações de entregar a coisa e de pagar o preço, e a transmissão da propriedade da coisa - artº 879º als. a) a c) do Código Civil.
II - Mas, ao contrário do que sucede na venda negocial, em que a transferência da propriedade se dá por mero efeito do contrato, diferentemente sucede na venda executiva, porquanto nela os bens só são adjudicados ao proponente após se mostrar integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, e apenas depois é que é emitido, pelo agente de execução, o título de transmissão, ou seja, a transferência de propriedade apenas ocorre com a emissão do título de transmissão.
III – Na venda por leilão eletrónico, a adjudicação, cuja decisão é da competência do agente de execução, deve ser realizada nos termos previstos para a venda por propostas em carta fechada, por força da parte final do artigo 8º, nº 10, do Despacho n.º 12624/2015 da Ministra da Justiça. Esse regime é o que se acha no artigo 827º e inclui a emissão pelo agente de execução de título de transmissão a favor do proponente adjudicatário.
IV – Tendo a executada pretendido liquidar a sua responsabilidade em data anterior à emissão do título de transmissão, apenas tinha de pagar o crédito exequendo e as custas, nos termos do nº 1 do art. 847º do CPC e não também os créditos reclamados, nos termos do nº 2 do mesmo preceito.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que possibilite à executada efetuar o pagamento da quantia exequenda, juros e custas respetivas, ficando sem efeito o ato da venda.
Custas pelo recorrido/exequente.
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Évora, 6 de Dezembro de 2018
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Tomé Ramião

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[1] Cfr., neste sentido, Miguel Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, p. 383.
[2] Norma aplicável, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda, ex vi do art.º 811º, nº 2, do CPC.
[3] Esta Portaria foi alterada pela Portaria 349/2015, de 13.10, a qual manteve inalterada a redação de qualquer um dos preceitos legais que estatuem sobre a venda em leilão eletrónico.
[4] A Ação Executiva, AAFDL Editora, Lisboa-2018, p. 871 e seguintes.
[5] É o que decorre da informação prestada nos autos pela agente de execução em 28.06.2018: «A agente de execução foi contactada telefonicamente pelo mandatário da executada Dr. António Pereira na sexta-feira dia 08 de Junho do corrente mês ao final da tarde a informar que a executada tinha o dinheiro para pagar a divida e para indicar o IBAN».
[6] Cfr. Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 8ª ed., p. 371, referindo-se à venda por propostas em carta fechada, cujo regime, como vimos supra, é em tudo idêntico à venda em leilão eletrónico.
[7] Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, nºs 3 das anotações aos arts. 894 º e 898º, citados por Lebre de Freitas, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5ª edição, Coimbra Editora, 2009, p. 329.