Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
687/11.9TASTR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
CASO JULGADO
Data do Acordão: 07/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Tendo o Juiz de Instrução decidido, na fase de inquérito, não dar a sua concordância à suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público, não pode o arguido, na sequência da acusação depois deduzida, requerer a abertura de instrução a fim de, a final, vir a ser decidida a suspensão provisória do processo.
II - A instrução não é o meio processualmente adequado para obter a alteração/revogação da decisão antes proferida, com fundamento na simples divergência do recorrente quanto ao decidido, por a tal obstarem os princípios da confiança e da segurança que devem merecer as decisões judiciais (princípios que decorrem do caso julgado).
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Santarém (Santarém, Instância Central, Secção Instrução Criminal, J2) correu termos o Inquérito n.º 687/11.9TASTR, no qual foi decidido, por despacho de 1.12.2014, indeferir o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, em síntese, por se entender que “não é legalmente admissível requerer a abertura de instrução com a finalidade única de o processo vir a ser suspenso provisoriamente… uma vez que o arguido não põe em causa a acusação deduzida pelo Ministério Público, pretendendo apenas, pelos fundamentos que aduz, a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo”, quanto a aplicação desse instituto foi anteriormente rejeitada e o arguido não sindicou tal decisão em sede de recurso.
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2. Recorreu o arguido AFGB, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1 - O Código de Processo Penal, que privilegia, como resposta à pequena e média criminalidade, a ideia de oportunidade, consenso e diversão, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007 alargou a aplicação do instituto de suspensão provisória do processo, nomeadamente, à fase de instrução.
2 - Atualmente é entendimento dominante, quer na jurisprudência, quer na doutrina, que a instrução é admissível, mesmo quando - por via de requerimento para abertura da instrução - o arguido pretenda apenas que lhe seja aplicada a suspensão provisória ao processo.
3 - O douto despacho ora recorrido não fez uma correta interpretação da finalidade e alcance da fase de instrução, à luz das alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007.
4 - O douto despacho ora recorrido viola o disposto nos artigos 287 n.º 1 al.ª a) e 307 n.º 2 do Código de Processo Penal.
5 – Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogado o despacho recorrido e, em consequência, ser substituído por outro que admita o requerimento para abertura de instrução, com a finalidade pretendida pelo arguido.
3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 – Em abstrato é de acolher a tese do recorrente quanto à admissibilidade da abertura da instrução com a finalidade de o arguido obter a suspensão provisória do processo.
2 - Contudo, revertendo ao caso concreto, essa fase processual não é admissível, na medida em que, no fundo, o arguido pretende a suspensão provisória do processo, da qual o Juiz de Instrução já discordou no inquérito.
3 - Durante o inquérito, o Ministério Público propôs e o arguido aceitou a suspensão provisória do processo, pelo período de seis meses, sujeita às injunções de este entregar €300 aos Bombeiros Voluntários de Santarém e prestar 50 horas de serviço de interesse público.
4 - Porém, o Mm.º JIC não concordou com essa proposta.
5 - O despacho em que o Juiz de Instrução manifesta a sua discordância em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, não é recorrível, de harmonia com o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 16/2009, de 18 de novembro de 2009, publicado no DR, 1.ª Série, de 24 de dezembro de 2009.
6. Se a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público, visando a suspensão provisória do processo, não é impugnável em sede de recurso, muito menos é admissível a instrução apenas para reapreciar a possibilidade de aplicação desse instituto, afastada em momento anterior, perante os mesmos pressupostos de facto e de direito.
7. Logo, embora por razões diversas das aduzidas no despacho recorrido, a instrução não é admissível no caso dos autos e o recurso não deve proceder, dada a sua manifesta inutilidade.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 241 a 246).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª b) do CPP).
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6. Para tanto importa considerar:
1 – Por despacho de 29.10.2012 (fol.ªs 178 a 182) o Ministério Público propôs a suspensão provisória do processo “por um período de seis meses”, mediante determinadas injunções aí impostas ao arguido (AFGB), e determinou a remessa dos autos ao Mm.º Juiz de Instrução, nos termos do art.º 281 n.º 1 do CPP.
2 – O Exm.º Juiz, por despacho de 5.11.2012 (fol.ªs 185 e 186), decidiu não concordar com a suspensão provisória do processo, pelos fundamentos que aí exarou.
3 – Nessa sequência, o Ministério Público deduziu a acusação de fol.ªs 190 a 193, na qual requer o julgamento do arguido (AFGB, aí melhor identificado), em Processo Comum com intervenção de Tribunal Singular, a quem imputa os factos aí descritos, que considera integrarem um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 256 n.º 1 al.ªs a), f) e d) do CP, e um crime de burla, na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 217 n.º 1 e 22 do CP.
4 – Veio então o arguido, por requerimento de fol.ªs 199 a 203, no qual – manifestando a sua discordância quanto ao despacho do Exm.º Juiz de Instrução, que não deu a sua concordância à suspensão provisória do processo – requerer a abertura de instrução, pedindo que seja proferido despacho de pronúncia e aplicada a suspensão provisória do processo, nos termos dos art.ºs 281 e 307 n.º 2 do CPP.
5 – Sobre esse requerimento recaiu o despacho de fol.ªs 207 a 208 – o despacho recorrido - no qual se decidiu não admitir “o requerimento de abertura de instrução, por legalmente inadmissível”.
Mais consta desse despacho:
“… a fase de instrução visa apenas comprovar judicialmente a decisão de acusar ou arquivar, não tendo como finalidade apenas a suspensão provisória do processo.
A redação dada ao n.º 2 do artigo 307 do CPP apenas significa que uma vez colhidos indícios de que foi cometido um crime existe a possibilidade de não levar o visado a julgamento, aplicando-se a suspensão provisória do processo, mediante, nesta fase, a concordância do Ministério Público.
… não tendo o Juiz de Instrução Criminal concordado com a mesma (a suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público), por entender ser o grau da culpa do arguido elevado, a qual poderia ter sido sindicada em sede de recurso…
Decorre do exposto que não é legalmente admissível requerer a abertura de instrução com a finalidade única de o processo vir a ser suspenso provisoriamente…”.
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7. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
Tais conclusões – porque delimitam o âmbito do recurso, como é pacífico na jurisprudência dos tribunais superiores – devem ser claras e precisas, de modo a que não se suscitem dúvidas, quer quanto às razões da divergência do recorrente relativamente à decisão recorrida, quer quanto às questões que pretende ver apreciadas/conhecidas pelo tribunal superior.
Atentas as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo arguido, assim consideradas, uma única questão vem colocada à apreciação deste tribunal, que é a se saber se – tendo o Juiz de Instrução decidido, na fase de inquérito, não dar a sua concordância à suspensão provisória do processo proposta pelo Ministério Público – pode o arguido, na sequência da acusação então deduzida, requerer a abertura de instrução a fim de, a final, vir a ser decidida a suspensão provisória do processo, ex vi art.º 307 n.º 2 do CPP.
Esta é, pois, a questão a decidir.
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Dispõe o art.º 307 n.ºs 1 e 2 do CPP que, “encerrado o debate instrutório, o Juiz profere despacho de pronúncia ou de não pronúncia, que é logo ditado para a ata…”, sendo “correspondentemente aplicável o disposto no art.º 281, obtida a concordância do Ministério Público”; o art.º 281, por sua vez, estabelece que “… o Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, determina, com a concordância do Juiz de Instrução, a suspensão provisória do processo, mediante a imposição ao arguido de injunções e regras de conduta, sempre que se verificarem os seguintes pressupostos:

e) Ausência de um grau de culpa elevado; e
f) Ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir”.
Daqui se pode inferir que, verificados os pressupostos de que depende a suspensão provisória do processo, o Juiz de Instrução, encerrado o debate instrutório, pode decretar a mesma, desde que obtida a concordância do Ministério Público.
Por outro lado, atentos os objetivos que se visam com a instrução – que visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art.º 286 n.º 1 do CPP) – entendemos que nada obsta a que a instrução seja requerida, pelo arguido, com vista a demonstrar que se verificam os pressupostos da suspensão provisória do processo, pois que essa é uma das circunstâncias que obsta a que o arguido seja submetido a julgamento (nesse sentido podem ver-se os acórdãos da RC de 30.01.2013 e da RL de 15.01.2014, ambos in www.dgsi.pt, no seguimento de outra jurisprudência citada pelo recorrente na motivação do recurso).
A questão que se coloca nada tem a ver com admissibilidade da instrução com essa finalidade, que não se discute.
A questão tem antes a ver com as consequências da decisão do JIC, em que, na fase de inquérito, decidiu não dar a sua concordância à suspensão provisória do processo, por não se verificarem – pelas razões que aí constam - os pressupostos para tal (despacho de 5.11.2012, que consta de fol.ªs 185 e 186).
Aquela decisão, não sendo passível de recurso - veja-se o acórdão para fixação de jurisprudência de 18.11.2009, proferido no Proc. 270/09.9YFLSB, onde se decidiu que “a discordância do Juiz de Instrução em relação à determinação do Ministério Público visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do art.º 281 do CPP, não é passível de recurso” – também não foi objeto de qualquer pedido de aclaração ou correção, pelo que, esgotados os prazos em que tal podia ser requerido, tornou-se definitiva, com força obrigatória, não podendo ser alterada/revogada por uma decisão posterior do JIC (que já se pronunciou sobre tal questão); isto a menos que tal pedido se baseasse em factualidade diversa da aí considerada e, por isso, não abrangida pelo caso julgado, o que no caso não acontece.
A instrução – da competência do JIC - não é, consequentemente, o meio processualmente adequado para sindicar uma sua decisão anterior, transitada em julgado, ou seja, para obter a alteração/revogação da decisão antes proferida, com fundamento na simples divergência do recorrente quanto ao decidido, por a tal obstarem os princípios da confiança e da segurança que devem merecer as decisões judiciais, que decorrem do caso julgado.
E sendo assim, como é, a instrução – com tal finalidade – não é legalmente admissível, por não ser o meio processualmente adequado para obter a alteração/revogação da decisão antes proferida e que com ela se visa alcançar.
Improcede, por isso, o recurso.
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8. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 5 e tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 14-07-2015
Alberto João Borges
Maria Fernanda Pereira Palma