Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1339/14.3TBPTM.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
LEGITIMIDADE
DESCENDENTE
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
ESTABELECIMENTO DE FILIAÇÃO
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Não ocorre nulidade processual pela não realização de audiência prévia para discussão da ilegitimidade dos autores arguida pelos réus na contestação, decidindo-se no despacho saneador pela procedência daquela exceção, se os autores, na petição inicial, entraram abertamente na discussão da sua legitimidade.
2. O artigo 1818º do Código Civil consagra um direito próprio dos descendentes e do cônjuge sobrevivo a instaurarem ação de investigação de maternidade/paternidade ou a prosseguirem com ela, se o pretenso filho faleceu ainda em prazo para a sua propositura ou na sua pendência.
3. O direito de investigação da paternidade é um direito eminentemente pessoal e insuscetível de transmissão, razão pela qual a legitimidade processual que o mencionado artigo 1818º confere aos familiares, ali identificados, decore da titularidade do direito que lhes é reconhecido.
4. O estabelecimento do prazo de caducidade no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, para a investigação de paternidade – aplicável por força da remissão prevista no artigo 1873º do mesmo diploma – na redação dada àquele pela Lei nº 14/2009, de 01.04, não padece de qualquer inconstitucionalidade.
5. Não viola a Constituição que o exercício do direito de investigação esteja condicionado pelo prazo atualmente fixado no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, também não contraria a aplicação do mesmo prazo ao filho que, após a morte do progenitor, decide instaurar investigação da paternidade deste.
6. – É manifestamente extemporânea a instauração de ação de investigação de paternidade decorridos que são 102 anos sobre o nascimento do pretenso filho (pai dos 1º e 2 autores e avô dos 3º e 4º autores) e da pretensa filha (mãe do 5º autor) e 81 anos sobre a data em que os dois (irmãos gémeos) atingiram a maioridade.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
AA, BB, CC, DD e EE, intentaram a presente ação com processo comum de declaração contra FF, GG, HH e II, pedindo que:
«a) Seja JJ, considerado perfilhado por LL, nos termos dos artigos 1894º, 1853, alínea b), 2315º e 344º, nº 2, todos do Código Civil;
b) Seja MM, considerada perfilhada por LL, nos termos dos artigos 1894º, 1853º, alínea b), 2315º e 344º, nº 2, todos do Código Civil;
c) Seja judicialmente reconhecida a paternidade biológica de JJ, declarando-se como seu pai biológico, o investigado LL, reconhecendo-se a filiação jurídica, nos termos dos artigos 1869º, 1818º, 1817º, nº 1, todos do Código Civil, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 497/77 de 25 de Novembro de 1977 e conjugados com o Acórdão nº 23/2006 proferido pelo Tribunal Constitucional e publicado no Diário da República de 8 de Fevereiro de 2006;
d) Seja judicialmente reconhecida a paternidade biológica de MM, declarando-se como seu pai biológico, o investigado LL, reconhecendo-se a filiação jurídica, nos termos dos artigos 1869º, 1818º, 1817º, nº 1, todos do Código Civil, com a redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 497/77 de 25 de Novembro de 1977 e conjugados com o Acórdão nº 23/2006 proferido pelo Tribunal Constitucional e publicado no Diário da República de 8 de Fevereiro de 2006;
e) Seja judicialmente reconhecida a paternidade de JJ, declarando-se como seu pai biológico, LL, reconhecendo-se a filiação jurídica, por se verificarem as presunções de paternidade previstas no art. 1871º, nº 1, alíneas a), d) e e) do Código Civil;
f) Seja judicialmente reconhecida a paternidade de MM, declarando-se como seu pai biológico, LL, reconhecendo-se a filiação jurídica, por se verificarem as presunções de paternidade previstas no art. 1871º, nº 1, alíneas a), d) e e) do Código Civil;
g) Seja efetuado novo assento de nascimento de JJ, eliminando todas as menções discriminatórias da sua filiação, adicionando-se o nome do pai biológico, LL, bem como a avoenga paterna, ou seja, NN e OO;
h) Seja efetuado novo assento de nascimento de MM, eliminando todas as menções da sua filiação, adicionando o nome do pai biológico, LL, bem como a avoenga paterna, ou seja, o seu avô paterno NN e sua avó materna OO;
i) Seja retificado o nome de JJ, sendo-lhe adicionado o apelido de seu pai biológico e passando a figurar no novo assento de nascimento, o seu nome completo, ou seja, "JJ …";
j) Seja retificado o nome de MM, sendo-lhe adicionado o apelido de seu pai biológico e passando a figurar no novo assento de nascimento, o seu nome completo, ou seja, "MM …";
l) Seja efetuado novo assento de nascimento do Autor EE e eliminadas as menções da sua filiação, nomeadamente a ausência da avoenga materna, ou seja, do seu avô LL, incluindo o mesmo no novo assento de nascimento, retificando-se o seu nome e lhe seja adicionado o apelido de seu avô materno, passando a figurar no novo assento de nascimento, o seu nome completo, ou seja, "EE …".
m) Seja efetuado novo assento de nascimento da Autora AA e eliminadas as menções da sua filiação, nomeadamente a ausência da avoenga paterna, ou seja, do seu avô LL, incluindo o mesmo no novo assento de nascimento, retificando-se o seu nome e lhe seja adicionado o apelido de seu avô paterno, passando a figurar no novo assento de nascimento, o seu nome completo, ou seja, "AA …";
n) Seja efetuado novo assento de nascimento do Autor BB e eliminadas as menções da sua filiação, nomeadamente a ausência da avoenga paterna, ou seja, do seu avô LL, incluindo o mesmo no novo assento de nascimento, retificando-se o seu nome e lhe seja adicionado o apelido de seu avô paterno, passando a figurar no novo assento de nascimento, o seu nome completo, ou seja, "BB …";
o) Seja comunicada à Conservatória do Registo Civil de Monchique, nos termos do artigo 78° do Código de Registo Civil, a decisão proferida na lide sobre a investigação de paternidade.»
Alegaram, em síntese, que JJ, falecido a 03.01.2007 e MM, falecida a 08.01.2001, ambos filhos de PP, foram concebidos fruto de relações sexuais de cópula completa mantidas entre esta e seu patrão, LL, em cuja casa trabalhava como criada de servir, tendo o mesmo se aproveitado da posição de superioridade sobre aquela para a sedução e com ela manter o procriador relacionamento sexual, sendo que apenas com o dito LL a PP manteve tal tipo de relacionamento e sempre JJ e MM trataram e foram tratados por LL como seu pai e assim foram vistos e considerados por toda a comunidade, incluindo pelos descendentes do casal HH e QQ.
Por testamento cerrado outorgado em 25.06.1946, que nunca apareceu, foram JJ e MM reconhecidos por LL como seus filhos.
Os autores AA e BB são descendentes de JJ, os autores CC E DD são descendentes de RR que era filho de JJ e o autor EE é filho de MM.
Os réus contestarem e, para além de impugnarem parte da factualidade alegada na petição inicial, invocaram as exceções da ilegitimidade ativa e da caducidade.
Quanto à ilegitimidade afirmam que a ação de investigação de paternidade só poder ser instaurada pelo filho que pretende ver a sua paternidade estabelecida, sendo certo que aqueles cuja paternidade não está estabelecida (JJ e MM) já há muito faleceram, não sendo eles, mas os seus descendentes que intentaram a presente ação.
No que respeita à caducidade do direito sustentaram ter já há muito decorrido o prazo de que JJ e MM dispuseram para intentar ação de investigação de paternidade, tendo o respetivo direito se extinguido com a sua morte.
Os autores, notificados da contestação apresentada, não responderam.
No despacho saneador foi julgada “verificada a exceção de ilegitimidade processual ativa”, com a consequente absolvição dos réus da instância.
Inconformados, os autores apelaram do assim decidido, rematando as suas alegações com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1) NOS TERMOS DO ART. 637º, N.º 2 DO CPC, OS FUNDAMENTOS ESPECÍFICOS DA RECORRIBILIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA NO DESPACHO SANEADOR, SÃO:
A) PRÁTICA DE UM ACTO NULO, POR VIOLAÇÃO DO PRINCIPIO DO CONTRADITÓRIO;
B) MÁ INTERPRETAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA;
C) INCORRECTA APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL;
D) ERRADA APLICAÇÃO DA LEI SUBSTANTIVA;
E) VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DA LEI;
F) VIOLAÇÃO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS, DO CONTRADITÓRIO, DA IGUALDADE, DA CONFIANÇA, DO PRINCIPIO DO RETROCESSO SOCIAL, DO DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL, DO DIREITO À CONSTITUIÇÃO DE FAMÍLIA, DA PROIBIÇÃO DE RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.
2) OS RECORRIDOS INVOCARAM NA CONTESTAÇÃO, A EXCEPÇÃO DILATÓRIA DA ILEGITIMIDADE PROCESSUAL DOS RECORRENTES;
3) OS RECORRENTES, NÃO APRESENTARAM RÉPLICA, POR NÃO SER PROCESSUALMENTE ADMISSIVEL, POIS, A RÉPLICA SÓ PERMITE AO AUTOR APRESENTAR A SUA DEFESA QUANTO À MATÉRIA DA RECONVENÇÃO, SE ESTA EXISTIR, ART. 584º DO CPC;
4) OS RECORRENTES, NÃO APRESENTARAM RESPOSTA À EXCEPÇÃO DEDUZIDA PELOS RECORRIDOS NA CONTESTAÇÃO;
5) CASO OS RECORRENTES TIVESSEM APRESENTADO RÉPLICA, ESTE SERIA UM ACTO IRREGULAR, QUE NÃO PRODUZIRIA QUALQUER EFEITO PROCESSUAL, MAS O SEU DESENTRANHAMENTO E ELIMINAÇÃO DO PROCESSO ELETRÓNICO;
6) APESAR DE TER EXISTIDO A ALEGAÇÃO DE UMA EXCEPÇÃO NA CONTESTAÇÃO DOS RECORRIDOS, O JUIZ NÃO CUMPRIU OS SEUS DEVERES DE GESTÃO PROCESSUAL, ART. 6º, N.º 1 E DE ADEQUAÇÃO FORMAL, ART. 547º, AMBOS DO CPC, E NÃO FACULTOU AOS RECORRENTES, A POSSIBILIDADE DE INTRODUZIR UM TERCEIRO ARTICULADO DE MODO A APRESENTAREM RESPOSTA À EXCEPÇÃO DILATÓRIA DEDUZIDA PELOS RECORRIDOS, E POR ESCRITO, ART. 3º, N.º 4 DO CPC;
7) DO PONTO DE VISTA TÉCNICO-JURÍDICO, A EXCEPÇÃO DA ILEGITIMIDADE PROCESSUAL DOS ORA RECORRENTES MOSTRA-SE DE COLOCAÇÃO COMPLEXA, JUSTIFICANDO-SE, AQUI O EXERCÍCIO DO DIREITO DO CONTRADITÓRIO PELO AUTOR, E POR ESCRITO;
8) A EXCEPÇÃO DILATÓRIA EM CAUSA NÃO FOI DEBATIDA NOS ARTICULADOS, NOS TERMOS DO ART. 592º, Nº 1, ALÍNEA B) DO CPC;
9) NÃO SE MOSTROU OBSERVADO O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO, VERIFICANDO-SE UMA NULIDADE PROCESSUAL NOS PRESENTES AUTOS, QUE DEVE FERIR O DESPACHO PROFERIDO NOS TERMOS DO ART. 92º, Nº 1, ALÍNEA B) DO CPC;
10) POIS, NÃO É POSSIVEL PROFERIR DESPACHO NOS TERMOS DO ART. 92º, Nº 1, ALÍNEA B) DO CPC, SEM QUE AS EXCEPÇÕES SE ENCONTREM PREVIAMENTE DEBATIDAS NOS ARTICULADOS;
11) SÓ EM PRINCIPIO É VERDADE, QUE O FILHO SEJA O ÚNICO TITULAR DE LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE;
12) A MÃE, TEM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA, DURANTE A MENORIDADE DO FILHO, NUMA SITUAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL;
13) O TUTOR DO FILHO INCAPAZ, TEM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA, NUMA SITUAÇÃO DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL;
14) O MINISTÉRIO PÚBLICO, TEM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE, INTERVINDO EMNOME PRÓPRIO, NA PROSSECUÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO QUE É A DESCOBERTADA VERDADE DA FILIAÇÃO BIOLÓGICA DA PESSOA HUMANA, NOS TERMOS DO ART. 1865º, Nº 5 DO CÓDIGO CIVIL;
15) O CÔNJUGE NÃO SEPARADO JUDICIALMENTE DE PESSOAS E BENS TEM LEGITIMIDADE ACTIVA PARA PROSSEGUIR NA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE, SE O FILHO FALECER NA PENDÊNCIA DA CAUSA, NUMA SITUAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL, LEGAL E DIFERIDA, ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL;
16) OS DESCENDENTES DO FILHO TÊM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA PARA PROSSEGUIR NA ACÇÃO, SE ESTE FALECER NA PENDÊNCIA DA CAUSA, NUMASITUAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL, LEGAL E DIFERIDA, ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL;
17) O CÔNJUGE NÃO SEPARADO JUDICIALMENTE DE PESSOAS E BENS TEM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA LEGAL E INICIAL PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE SE ESTE O FILHO FALECER, SEM A HAVER INTENTADO, MORRER ANTES DE TERMINAR O PRAZO EM QUE O PODIA FAZER., ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL.
18) OS DESCENDENTES DO FILHO TÊM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA LEGAL E INICIAL PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE SE ESTE O FILHO FALECER, SEM A HAVER INTENTADO, MORRER ANTES DE TERMINAR O PRAZO EM QUE O PODIA FAZER., ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL.
19) O RECORRENTE EE TEM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA LEGAL E INICIAL PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE EM SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DE MM PORQUANTO ESTA FALECEU, SEM A HAVER INTENTADO E POR TER FALECIDO ANTES DE TERMINAR O PRAZO EM QUE O PODIA FAZER., ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, CONJUGADO COM O ART. 1871º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, E AINDA CONJUGADO COM O ACÓRDÃO N.º 23/2006 DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, PROFERIDO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2006;
20) OS RECORRENTES AA; BB, CC E DD TÊM LEGITIMIDADE PROCESSUAL ACTIVA LEGAL E INICIAL PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE EM SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL DE JJ PORQUANTO ESTE FALECEU, SEM A HAVER INTENTADO E POR TER FALECIDO ANTES DE TERMINAR O PRAZO EM QUE O PODIA FAZER., ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, CONJUGADO COM O ART. 1871º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, E AINDA CONJUGADO COM O ACÓRDÃO N.º 23/2006 DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, PROFERIDO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2006;
21) TODOS OS RECORRENTES SÃO PARTES LEGITIMAS, PORTADORES DE LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA NUMA POSIÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL EM RELAÇÃO AOS DE CUJUS E PORTADOR DA LEGITIMIDADE PROCESSUAL ORIGINÁRIA, OS FILHOS COM A PATERNIDADE DESCONHECIDA, JJ E MM;
22) O DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE É UM DIREITO PESSOAL, E É APENAS E EXCEPCIONALMENTE TRANSMITIDO MORTIS CAUSA, ART. 1818º EX VI ART. 1873º, AMBOS DO CÓDIGO CIVIL;
23) TODOS OS RECORRENTES, AGEM NOS PRESENTES AUTOS NO EXERCICIO DE UM DIREITO POTESTATIVO QUE É PESSOAL, DE CARIZ SUBSTANCIAL E CONSTITUTIVO, QUE É SEU, QUE É PRÓPRIO E NÃO DE TERCEIRO, AGINDO DE IURE PROPRIO;
24) O INTERESSE PÚBLICO NO ESCLARECIMENTO DAS RELAÇÕES DE FILIAÇÃO À LUZ DESTA VERDADE, BIOLÓGICA MOTIVAM ESTE REGIME MAIS ALARGADO DE LEGITIMIDADE PROCESSUAL PARA INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE;
25) A TITULARIDADE DE UM INTERESSE PRÓPRIO NA PROCEDÊNCIA OU IMPROCEDÊNCIA DA ACÇÃO É ENCABEÇADO PELOS RECORRENTES;
26) AS CONDIÇÕES DO EXERCÍCIO DO DIREITO E DE EXISTÊNCIA DE LEGITIMIDADE PROCESSUAL DOS RECORRENTES, DECORREM DO DIREITO SUBSTANTIVO, NOMEADAMENTE DO CÓDIGO CIVIL E NÃO DO DIREITO PROCESSUAL;
27) JJ, FALECEU, SEM QUE TIVESSE INTENTADO, EM VIDA, CONTRA O PRESUMIDO PAI, QUALQUER ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE.
28) MM, FALECEU, SEM QUE TIVESSE INTENTADO, EM VIDA, CONTRA O PRESUMIDO PAI, QUALQUER ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE.
29) O DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, É UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE EMERGE DO DIREITO À INTEGRIDADE PESSOAL, E EM PARTICULAR DO DIREITO À INTEGRIDADE MORAL, ART. 25º, N.º 1 E DO DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL, ART. 26º, N.º 1, AMBOS DA CRP.
30) JJ E MM, NUNCA TIVERAM A POSSIBILIDADE LEGAL DE INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO CONTRA O PRETENSO PAI, AO ABRIGO DO CÓDIGO CIVIL DE 1867, POR LHES ESTAR VEDADA ESSA POSSIBILIDADE, EM VIRTUDE DE SEREM FILHOS ADULTERINOS E DO PRETENSO PAI, SER INÁBIL;
31) JJ E MM, NUNCA TIVERAM A POSSIBILIDADE LEGAL DE INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO CONTRA O PRETENSO PAI, AO ABRIGO DO CÓDIGO CIVIL DE 1966, PELO FACTO DE JÁ TER DECORRIDO O PRAZO DE DOIS ANOS APÓS A MAIORIDADE DESTES;
32) JJ E MM NÃO TIVERAM A POSSIBILIDADE LEGAL DE INTENTAR UMA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO CONTRA O PRETENSO PAI, AO ABRIGO DO DECRETO-LEI N.º 497/77, PELO FACTO DE JÁ DECORRIDO O PRAZO DE DOIS ANOS APÓS A MAIORIDADE DESTES;
33) O DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, É UM DIREITO DE PERSONALIDADE, INDISPONIVEL, NÃO SE ENCONTRANDO NA LIVRE DISPONIBILIDADE DO FILHO, NÃO PODENDO ESTE RENUNCIAR OU ABDICAR LIVREMENTE DO DIREITO DE VER ESTABELECIDA A SUA PATERNIDADE, E QUE PERTENCE REFLEXAMENTE AOS SEUS FAMILIARES;
34) O DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADEOU A MATERNIDADE, DECORRE DO INTERESSE PÚBLICO NO ESTABELECIMENTO DO PARENTESCO;
35) O DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, DECORRE DO INTERESSE PÚBLICO DA COINCIDÊNCIA ENTRE A VERDADE JURÍDICA E A VERDADE BIOLÓGICA.
36) O ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, ESTABELECE UM REGIME PRÓPRIO EM RELAÇÃO À NORMA DO ART. 1864º DO CÓDIGO CIVIL, PARA QUE ESTES LEGITIMADOS EXTRAORDINÁRIOS INVESTIGUEM A FILIAÇÃO DO FILHO JÁ FALECIDO;
37) A PROPOSITURA DA ACÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DA PATERNIDADE, NÃO ESTÁ CONDICIONADA TEMPORALMENTE POR PARTE DOS LEGÍTIMADOS EXTRAORDINÁRIOS E ENUNCIADOS NO ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, COMO ACONTECE ACTUALMENTE COM O TITULAR DA LEGITIMIDADE DIRECTA E ORIGINÁRIA, O FILHO;
38) A NORMA CONTIDA NO ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, É UMA NORMA ESPECIAL EM RELAÇÃO AO ART. 1869º, TAMBÉM DO CÓDIGO CIVIL;
39) O MERITISSIMO JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL A QUO, NA QUALIDADE DE INTERPRETE, NÃO FEZ QUALQUER INTERPRETAÇÃOE CONSEQUENTE APLICAÇÃO DA NORMA CONTIDA NO ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, COMO O DEVERIA FAZER;
40) O MERITISSIMO JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL A QUO, VIOLOU AAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO, PREVISTAS NO ART. 9º DO CÓDIGO CIVIL, VIOLANDO ASSIM, O ESTATUIDO NOS ARTIGOS 203º 111º, N.º 1, AMBOS DA CRP.
41) AO NÃO SER CONCEDIDA LEGITIMIDADE PROCESSUAL AOS RECORRENTES, AO ABRIDO DO ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, FOI VIOLADO O PRINCIPIO DA IGUALDADE, CONSAGRADO NO ART. 13º DA CRP.
42) AO NÃO SER CONCEDIDA LEGITIMIDADE PROCESSUAL AOS RECORRENTES, AO ABRIDO DO ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL, FOI VIOLADO O DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL DOS RECORRENTES.
43) À DATA DO ÓBITO DE JJ E EM VIRTUDE DO ACÓRDÃO N.º 23/2006 DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, PROFERIDO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2006, CONJUGADO COM O ART. 1871º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, COM A REDACÇÃO CONFERIDA PELO DECRETO-LEI N.º 497/77 DE 25 DE NOVEMBRO DE 1977, NÃO EXISTIA UM PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, PELO QUE O ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL TEM QUE SER INTERPRETADO A ESSA DATA, POR SER ESSA A DATA DA TRANSMISSÃO DO DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, DE FORMA ACTUALISTA.
44) À DATA DO ÓBITO DE MM E EM VIRTUDE DO ACÓRDÃO N.º 23/2006 DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, PROFERIDO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2006, CONJUGADO COM O ART. 1871º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, COM A REDACÇÃO CONFERIDA PELO DECRETO-LEI N.º 497/77 DE 25 DE NOVEMBRO DE 1977, NÃO EXISTIA UM PRAZO PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, PELO QUE O ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL TEM QUE SER INTERPRETADO A ESSA DATA, POR SER ESSA A DATA DA TRANSMISSÃO DO DIREITO DE INVESTIGAR A PATERNIDADE, DE FORMA ACTUALISTA.
45) A INTERPRETAÇÃO DO ART. 1818º DO CÓDIGO CIVIL À DATA DO ÓBITO DE JOSÉ ANTÓNIO E DE LAURA DA CONCEIÇÃO, CONJUGADO COM O ACÓDÃO N.º 23/2006 DE INCONSTITUCIONALIDADE COM FORÇA OBRIGATÓRIA GERAL, PROFERIDO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL E PUBLICADO NO DIÁRIO DA REPÚBLICA DE 8 DE FEVEREIRO DE 2006, E COM O ART. 1871º, N.º 1 DO CÓDIGO CIVIL, DEVE SER INTERPRETADO DO SEGUINTE MODO: “O CÔNJUGE NÃO SEPARADO JUDICIALMENTE DE PESSOAS E BENS OU OS DESCENDENTES DO FILHO PODEM PROSSEGUIR NA ACÇÃO, SE ESTE FALECER NA PENDÊNCIA DA CAUSA; MAS SÓ PODEM PROPÔ-LA SE O FILHO FALECER, SEM A HAVER INTENTADO.”.
46) O ARTIGO 1818º DO CÓDIGO CIVIL, NÃO PODERÁ SER CONJUGADO COM A ACTUAL REDACÇÃO DO 1817º, TAMBÉM DO CÓDIGO CIVIL E QUE LHE FOI CONFERIDA PELA LEI N.º 14/2009, DE 1 DE ABRIL, EM VIRTUDE DA TEORIA DO FACTO PASSADO.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser concedida procedência ao presente Recurso de Apelação e a sentença recorrida e proferida pelo meritíssimo juiz de Direito do Tribunal a quo revogada, proferindo-se decisão no sentido de admitir todos os ora recorrentes como sendo titulares de legitimidade extraordinária em substituição processual dos titulares do vínculo controvertido, em substituição processual de JJ e substituição processual de MM, e os autos prosseguirem os seus normais termos, pelo que só assim, se fará, JUSTIÇA».

Os réus contra-alegaram, batendo-se pela confirmação do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608°, n° 2, 635°, nº 4 e 639°, n° 1, do CPC), são as seguintes as questões que cumpre dilucidar e resolver:
- se ocorre nulidade processual decorrente da dispensa da audiência prévia, por violação do princípio do contraditório, em virtude de não ter sido permitido aos autores pronunciarem-se sobre a exceção da ilegitimidade ativa invocada pelos réus na contestação;
- se os autores têm legitimidade para propor uma ação de investigação de paternidade de seus pais, falecidos quando a ação foi proposta.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Resulta dos autos que os factos relevantes para decidir este recurso, além dos enunciados no relatório, são os seguintes:
1 - A presente ação foi proposta em 27 de Abril de 2014 (cfr. fls. 197).
2 – JJ nasceu em 23 de Julho de 1911 e faleceu em 3 de Janeiro de 2007, tendo sido registado sem indicação da sua paternidade (cfr. doc. de fls. 141).
3 - MM nasceu em 23 de Julho de 1911 e faleceu em 8 de Janeiro de 2001, tendo sido registada sem indicação da sua paternidade (cfr. doc. de fls. 140).
4 – A autora AA nasceu no dia 16 de Setembro de 1948, constando do seu assento de nascimento que é filha de JJ e de SS e a menção, na avoenga paterna, de “avô incógnito” (cfr. doc. de fls. 142).
5 – O autor BB nasceu no dia 8 de Julho de 1941, constando do seu assento de nascimento que é filho de JJ e de SS e a menção, na avoenga paterna, de “avô incógnito” (cfr. doc. de fls. 143).
6 – O autor CC nasceu no dia 29 de Setembro de 1961, constando do seu assento de nascimento que é filho de RR e de TT e a menção, na avoenga paterna, de “JJ e SS” (cfr. doc. de fls. 144).
7 – O autor DD nasceu no dia 4 de Dezembro de 1967, constando do seu assento de nascimento que é filho de RR e de TT e a menção, na avoenga paterna, de “JJ e SS” (cfr. doc. de fls. 145)
8 – LL, cuja paternidade em relação ao pai dos autores AA e BB, do avô dos autores CC e DD e da mãe do autor EE, os autores pretendem estabelecer, nasceu em 13 de Março de 1879 e faleceu em 4 de Julho de 1974 (cfr. doc. de fls. 154).
9 – Apresentada a contestação pelos réus e remetidos os autos à 2ª Secção de Família e Menores da Instância Central do Tribunal da Comarca de Faro, o Mm.º Juiz a quo proferiu despacho a mandar notificar a contestação aos autores.

O DIREITO
Da nulidade processual resultante da não realização da audiência prévia
Sustentam os recorrentes, no essencial, que a exceção da ilegitimidade ativa suscitada pelos réus na contestação não foi debatida nos articulados nem na audiência prévia que o Mm.º Juiz a quo dispensou, mostrando-se dessa forma violado o princípio do contraditório, pelo que não era possível ao proferir despacho saneador a apreciar aquela exceção, sob pena de violação do princípio do contraditório, como na realidade sucedeu.
Vejamos.
Dispõe o nº 2 do art. 590º do CPC[1] que, findos os articulados, o juiz profere despacho pré-saneador para algum dos fins previstos nas alíneas a) a c) do referido normativo legal.
Não havendo lugar a tal despacho ou concluídas as diligências do mesmo resultantes, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins previstos nas várias alíneas do nº 1 do art. 591º, nomeadamente, facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa [al. b)], ou proferir despacho saneador, nos termos do nº 1 do art. 595º [al. d)].
Não se realiza audiência prévia nas ações não contestadas que tenham de prosseguir em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do art. 568º, ou quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados (art. 592º, nº 1).
Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a audiência prévia, quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº 1 do art. 591º - ou seja, quando se destine, apenas, a proferir despacho saneador, a determinar adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova (art. 593º, nº 1) -, caso em que, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados, profere despacho sobre aquelas matérias, bem como programa os atos a realizar na audiência final (art. 593º, nº 2), podendo as partes requerer a realização da audiência prévia se pretenderem reclamar do despacho na parte em que determinou adequação formal, simplificação ou agilização processual, ou identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova (593º, nº 3).
O art. 595º versa sobre o despacho saneador, dispondo o seu nº 1 que o mesmo se destina a: a) conhecer das exceções dilatórias ou nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou, que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente; b) conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.
O art. 597º regula os termos posteriores aos articulados nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, conferindo ao juiz um amplo poder de gestão e adequação processual, norteado pela necessidade e a adequação do ato ao fim do processo.
Da ponderação conjugada destas disposições legais teremos de concluir que, nas ações de valor superior a metade da alçada da Relação - como é o caso -, a realização de audiência prévia não é obrigatória, mas é a regra, não se realizando, apenas, nos casos previstos no art. 592º, ou quando seja dispensada pelo juiz, nas ações que hajam de prosseguir.
Revertendo ao caso concreto, há que refutar a afirmação dos recorrentes de que a exceção da ilegitimidade dos autores suscitada pelos réus na contestação não foi debatida nos articulados.
Na verdade, logo na petição inicial, acautelando a possibilidade dos réus virem invocar aquela exceção[2], os autores pronunciaram-se de forma exaustiva sobre a matéria da legitimidade ativa, bastando para tanto atentar que a partir do artigo 406º até ao artigo 750º da petição inicial – portanto ao longo de 344 artigos – os autores esgrimem argumentos no sentido de convencerem o tribunal de que lhes assiste legitimidade para proporem a presente ação.
Pode mesmo dizer-se que a arguição pelos réus, na contestação, da exceção de ilegitimidade ativa, mais não foi do que uma resposta àquilo que os autores logo adiantaram sobre a matéria na petição inicial.
A situação em apreço é assim subsumível ao disposto no art. 592º, nº 1, al. b), nos termos do qual, quando o processo houver de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, a audiência prévia não se realiza.
Não se afigura, pois, que tenha havido violação do princípio do contraditório.
Dizem ainda os recorrentes que o Mm.º Juiz «não cumpriu os seus deveres de gestão processual, art. 6º, nº 1 e de adequação formal, art. 547º, ambos do CPC, e não facultou aos recorrentes a possibilidade de introduzir um terceiro articulado de modo a apresentarem resposta à exceção dilatória deduzida pelos recorridos, e por escrito, art. 3º, nº 4 do CPC».
Trata-se de uma conclusão que não encontra suporte na dinâmica processual existente, desde logo porque o Mm.º Juiz ordenou expressamente que os autores fossem notificados da contestação, o que pode bem ser entendido como a concessão da possibilidade para que aqueles se pronunciassem sobre as exceções invocadas pelos réus na contestação, não podendo por isso dizer-se que uma eventual resposta dos autores, que não ocorreu, seria mandada desentranhar dos autos.
Seja como for, tendo os autores ao longo de mais de 300 artigos da petição inicial esgrimido todos os argumentos que entenderam no sentido de demonstrarem a sua legitimidade processual, não é sustentável a defesa de que a exceção em causa não foi debatida nos articulados.
E ainda que se admitisse a existência de uma irregularidade processual com a não realização da audiência prévia, o que se não concede, teria aqui inteira aplicação o que a propósito de uma situação análoga se escreveu no Acórdão da Relação de Lisboa de 24.03.2015[3]:
«Nestas condições, anular a sentença por falta de audiência prévia de discussão da exceção em causa só se traduziria em perda de tempo e em atos inúteis que só iriam prejudicar a celeridade processual, em patente violação do princípio constante do art. 6º do CPC.
A irregularidade praticada em nada prejudica o exame e decisão da causa, tanto mais que a autora pôde levantar a questão nas atuais alegações de recurso.
Assim o que é preciso é apreciar agora a exceção deduzida, poupando as partes a demoras inúteis».
Em suma, não ocorreu qualquer nulidade com a prolação do despacho saneador recorrido, não se mostrando violadas as normas indicadas pelos recorrentes ou quaisquer outras.

Da legitimidade dos autores
A questão fulcral em discussão no recurso é a de saber se os autores/recorrentes têm legitimidade para propor uma ação de investigação de paternidade do pai dos 1º e 2º autores (avô dos 3º e 4º autores) e da mãe do 5º autor, já falecidos quando a ação foi proposta.
O Mm.º Juiz a quo entendeu que não, com o fundamento de que a lei (art. 1869º do CC) atribui a legitimidade apenas e só ao “filho” e não aos descendentes, pois se quisesse que o direito à ação fosse atribuído também aos descendentes dos filhos, teria usado a expressão descendentes e não a restritiva e inequívoca expressão “filho”.
A sede normativa para a resolução da questão da legitimidade (processual) dos autores não se encontra, porém, no artigo 1869º, mas sim no art. 1818º, nº 1, - ex vi do art. 1873º, ambos do Código Civil -, onde se prescreve:
«O cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens ou os descendentes do filho podem prosseguir na acção, se este falecer na pendência da causa; mas só podem propô-la se o filho, sem a haver intentado, morrer antes de terminar o prazo em que o podia fazer» (itálico nosso).
Como observam Pires de Lima e Antunes Varela[4], «enquanto vivo for, não há dúvida de que o filho (por si mesmo ou por intermédio do seu representante) é quem exclusivamente dispõe, nos casos abrangidos pelo artigo 814º, do poder de intentar a acção neste referida (o mesmo se podendo afirmar em relação à investigação da paternidade, por força da remissão contida no art. 1873º). Porém, uma vez falecido o filho, e havendo ainda a possibilidade de a acção ser proposta, a qualquer das pessoas, isolada ou conjuntamente, a quem o artigo 1818º confere legitimidade para o fazer, é atribuído um direito próprio, inteiramente autónomo, de propor a acção. É um direito que a lei concede a cada titular, não no interesse próprio dele, mas no interesse da sociedade familiar – e que ele exerce com plena legitimidade, quer a acção proceda ou não proceda».
Feito o devido enquadramento da questão, importará de seguida saber se ainda é possível a ação ser proposta, pois só assim estará assegurada a legitimidade dos autores.
Ora, o pai dos 1º e 2º autores e avô dos 3º e 4º autores, nascido em 23 de Julho de 1911, atingiu a maioridade em 23 de Julho de 1932 (ou seja, aos 21 anos, nos termos dos artigos 97º e 311º do Código Civil de 1867 então em vigor); assim sendo, quando foi proposta esta ação, já tinham passado muito mais de dez anos sobre a data da maioridade do pai e avô dos referidos autores; mais precisamente, haviam decorrido oitenta e um anos sobre esse momento, uma vez que se aplica o prazo previsto na lei em vigor no momento do exercício do direito (ou seja, da propositura da ação), a Lei nº 14/2009, de 1 de Abril[5].
O mesmo se diga, aliás, quanto à mãe do 5º autor, irmã gémea do pai dos 1º e 2º autores e também nascida em 23 de Julho de 1911.
Ora, uma vez que o exercício do direito de investigação está condicionado pelo prazo fixado no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil (dez anos posteriores à maioridade ou emancipação do investigante), o qual in casu se mostra largamente ultrapassado, não pode reconhecer-se legitimidade aos autores para proporem a presente ação.
Afirmam, porém, os recorrentes que têm legitimidade para intentar uma ação de investigação da paternidade em substituição processual dos seus pais e avô (no caso dos 3º e 4º autores), por estes terem falecido sem a haver intentado e por terem falecido antes de terminar o prazo em que o podiam fazer, nos termos do artigo 1818º, conjugado com o art. 1871º, nº 1, ambos do Código Civil, e com o acórdão nº 23/2006 do Tribunal Constitucional[6] (conclusões 19 e 20).
Nos termos do art. 1817º, nº 1, do CC, na sua atual redação, a ação de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos 10 anos posteriores à sua maioridade.
Tal preceito tinha uma redação diversa que fixava o prazo de caducidade em dois anos depois da maioridade. Porém, no mencionado Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006[7], foi declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do referido normativo, no segmento referente ao prazo de caducidade, na medida em que previa “para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante”, por desrespeitar os artigos 16º, nº 1, e 36º da CRP.
Da fundamentação de tal aresto não decorre, porém, «a necessária imprescritibilidade do direito potestativo de investigação da paternidade, considerando-se legítima a aprovação de normas de direito ordinário que disciplinem temporalmente esse direito, como veio a ocorrer posteriormente, através da Lei nº 14/09, de 1-4. A declaração de inconstitucionalidade foi sustentada simplesmente no facto de se considerar que o referido prazo de dois anos não assegurava eficazmente a tutela daquele direito de natureza pessoal e familiar»[8].
Na sequência de tal declaração de inconstitucionalidade sucedeu-se, ao menos aparentemente, um vazio legislativo. Uma vez que, em simultâneo com tal declaração de inconstitucionalidade, não foi alterada a redação do nº 1 do art. 1817º do CC, gerou-se uma situação de indefinição quanto à existência de algum prazo geral para a propositura das ações de investigação de paternidade.
A situação foi resolvida pela Lei nº 14/09, de 1 de Abril, que, além de fixar o prazo geral de caducidade em 10 anos a partir da maioridade ou da emancipação do investigante, reforçou ainda a extensão temporal do exercício do direito nos termos que ficaram fixados nos nºs 2 a 4, designadamente para os casos em que haja conhecimento superveniente de factos ou de circunstâncias justificativas da propositura da ação de investigação.
Acontece que mesmo depois desta alteração legislativa continuou a discutir-se a constitucionalidade do novo regime jurídico, designadamente no segmento que consignava o referido prazo de 10 anos para a interposição de ações de investigação de paternidade.
Embora a inconstitucionalidade do novo preceito tenha sido afirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça em vários arestos[9], o Tribunal Constitucional, por diversas vezes, vem negando ao preceituado no art. 1817º, nº 1, do CC, na sua atual redação, o juízo de inconstitucionalidade, como emerge designadamente do Acórdão do Plenário nº 401/2011, de 22.09.2011, do Acórdão nº 704/2014, de 28.10.14, ou do Acórdão nº 547/2014, de 15.07.2014
É este o entendimento que assumimos também, na esteira, entre outros, do Acórdão do STJ de 17.11.2015[10] com os argumentos que aí foram expostos e que aqui nos permitimos transcrever:
«Tal como disse o acórdão nº 401/2011 referido:
“ O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem também já teve oportunidade de se pronunciar sobre a compatibilidade de limitações temporais ao exercício do direito de investigação de paternidade com os princípios da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Extraindo do “ direito ao respeito da vida privada e familiar”, consagrado no artigo 8º, nº 1 da Convenção, um direito fundamental ao conhecimento das origens genéticas, o Tribunal tem entendido que a existência de um prazo limite para instauração duma acção de reconhecimento judicial da paternidade não é, só por si, violadora da Convenção, importando verificar se a natureza, duração e características desse prazo resultam num justo equilíbrio entre o interesse do investigante em ver esclarecido um aspecto importante da sua identidade pessoal, o interesse do investigado e da sua família mais próxima em serem protegidos de demandas respeitantes a factos da sua vida íntima ocorridos há já muito tempo, e o interesse público da estabilidade das relações jurídicas. Neste discurso é realçado que o “ direito ao respeito da vida privada e familiar” não assiste apenas à pessoa que pretende saber quem são os seus pais e estabelecer o respectivo vínculo jurídico, mas também protege os investigados e suas famílias, cuja tutela não pode deixar de ser considerada, importando harmonizar os interesses opostos”.
Ainda citando aquele acórdão acrescentaremos que o direito ao conhecimento da paternidade biológica, assim como ao estabelecimento do respetivo vínculo jurídico cabem no âmbito de proteção quer do direito fundamental à identidade pessoal previsto no art. 26º, nº 1 da CRP quer do direito fundamental de constituir família integrado na previsão do art. 36º, nº 1 do mesmo diploma fundamental.
Mas a proteção destes direitos que não são absolutos tem de ser compatibilizado com os outros interesses ou valores igualmente constitucionalmente protegidos e com eles conflituantes.
As restrições aos referidos direitos fundamentais prosseguidos pelos investigantes da maternidade/paternidade constam também de outras disposições como as decorrentes do art. 1987º, integrado em matéria de adoção.
Os interesses do investigado ou da sua família na sua segurança de ver definida uma situação de verificação de uma relação de maternidade/paternidade que tem, obviamente e também, reflexos patrimoniais, coincidem com as finalidades do estabelecimento de prazos de caducidade.
Além disso, ainda encontramos um interesse público a apontar no mesmo sentido, interesse esse que se traduz na urgência na definição da organização jurídico social, nomeadamente estabelecendo, tão cedo quanto possível, o vínculo genético da filiação, tendo reflexos em matéria de impedimentos matrimoniais.
Citando, mais uma vez, o referido acórdão nº 401/2011, diremos:
“ É do interesse público que se estabeleça o mais breve possível a correspondência entre a paternidade biológica e a paternidade jurídica, fazendo funcionar o estatuto da filiação com todos os seus efeitos, duma forma estável e que acompanhe durante o maior tempo possível a vida dos seus sujeitos”.
Logo nenhum obstáculo constitucional existe na fixação de prazos de caducidade para o exercício do direito aqui em causa, desde que estes sejam razoáveis, razoabilidade esta que tem sido unanimemente reconhecido ao prazo do nº 1 do art. 1817º aqui em causa.»
Defendem, porém, os recorrentes que o artigo 1818º do CC, estabelece um regime próprio em relação à norma do artigo 1864º do mesmo Código, «para que estes legitimados extraordinários investiguem a filiação do filho já falecido» (conclusão 36), e que «a propositura da ação de investigação da paternidade não está condicionada temporalmente por parte dos legitimados extraordinários e enunciados no art. 1818º do Código Civil, como acontece com o titular da legitimidade direta e originária, o filho» (conclusão 37).
Mas não têm razão.
É certo que, concluindo-se no sentido da legitimidade constitucional da subordinação a um prazo de caducidade do direito de investigar a maternidade ou a paternidade, será inevitável concluir igualmente que não é inconstitucional a previsão de um prazo de caducidade para a hipótese de a ação ser proposta por um descendente do pretenso filho.
Mas já não é certo que um juízo de inconstitucionalidade tenha necessariamente que levar à segunda inconstitucionalidade. Tenha-se presente, para além do mais, como já o referimos, que não se afigura correto entender que o direito de investigar a paternidade, encabeçado pelo pai e avô dos autores, se transmitiu a estes.
O que resulta do disposto no artigo 1818º do Código Civil, quando permite aos descendentes e, desde a reforma do Código Civil de 1977, ao cônjuge sobrevivo, que continuem com a ação iniciada pelo investigante-filho, ou que a proponham, se este morreu ainda no prazo legalmente definido para a iniciar, é antes a atribuição de um direito próprio desses familiares[11].

O direito de investigação da paternidade é um direito eminentemente pessoal, insuscetível de transmissão. A legitimidade (processual) que o artigo 1818º do Código Civil confere aos familiares ali identificados decorre da titularidade do direito que lhes é reconhecido.
De qualquer maneira, «seguro é que a não inconstitucionalidade da norma contida no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, segundo a qual o direito do (pretenso) filho de instaurar a ação de investigação da paternidade caduca se a ação não for instaurada durante a sua menoridade ou nos dez anos posteriores à maioridade ou à emancipação, implica a não inconstitucionalidade da norma segundo a qual o filho do (pretenso) filho, se este último não tiver proposto a ação de investigação, só a pode propor “antes de terminar o prazo” de dez anos, contados a partir da maioridade daquele»[12].
Contrariamente ao que defendem os recorrentes, como se viu supra, é à data da propositura da ação de investigação de paternidade que tem de ser interpretado o art. 1818º do CC, e não à data do falecimento do pai e avô dos quatro primeiros autores e da mãe do 5º autor.
Aliás, os recorrentes dispuseram da possibilidade de instaurar a referida ação depois de em 08.02.2006 ter sido publicada no Diário da República o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 que declarou a inconstitucionalidade daquele preceito com força obrigatória geral, até à data em que foi alterado aquele normativo que fixou em 10 anos o prazo de caducidade.
Esta possibilidade emergia do facto de a declaração de inconstitucionalidade ter esvaziado de conteúdo o art. 1817º, nº 1, do CC, determinando a possibilidade de ser exercitado o direito sem qualquer limitação de prazo (como resultava do entendimento jurisprudencial que maioritariamente foi assumido pelo STJ).
Esta possibilidade que objetivamente foi conferida aos recorrentes e de que estes, no entanto, não fizeram qualquer uso, impede que se considere a verificação de qualquer inconstitucionalidade decorrente da sujeição ao prazo de 10 anos que acabou por ser fixado pelo legislador.
Vejamos, por último, a inconstitucionalidade decorrente da alegada violação do princípio da igualdade (conclusão 41).
Na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/2006 foram julgadas procedentes ações de investigação da paternidade que haviam sido instauradas depois de ter decorrido o prazo de dois anos fixado no art. 1817º, nº 1, do CC, no pressuposto de que transitoriamente deixou de existir qualquer prazo de caducidade (facto extintivo).
Relativamente às ações que se encontravam pendentes na data da entrada em vigor da Lei nº 14/09, o legislador ainda procurou corrigir a situação, prescrevendo no seu art. 3º a aplicação imediata do novo regime de caducidade aos processos que ainda não se encontravam cobertos por decisão judicial transitada em julgado. Porém, tal norma de direito transitório confrontou-se com a violação do princípio da proteção da confiança, como foi declarado no Acórdão do Tribunal Constitucional, de 24.03.2011, publicado no D.R. de 13-5-11, ou no Acórdão nº 323/2013, de 13.05.2013, no processo nº 761/12.
Daí decorreu que certas ações de investigação da paternidade que ainda se encontravam pendentes na data em que entrou em vigor a Lei nº 14/09 foram decididas sem a interferência de qualquer prazo de caducidade, por inaplicabilidade do art. 1817º do CC, na sua nova redação.
Tal ocorreu designadamente com as que deram origem aos acórdãos do STJ de 24.05.2012 ou de 19.06.2014.
No caso concreto, porém, não se coloca nenhuma das referidas questões. A ação foi instaurada em 27.04.2014, depois da entrada em vigor do novo regime que em exclusivo é aplicável ao caso.
O facto de naquele período intercalar, isto é, entre a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral do nº 1 do art. 1817º do CC e a alteração introduzida pela Lei nº 14/09, terem sido propostas e julgadas procedentes ações que não sofreram o efeito extinto emergente da caducidade do direito, não permite concluir, como pretendem os recorrentes pela violação do princípio da igualdade.
Escreveu-se a este propósito no Acórdão do STJ de 22.10.2015[13]:
«…, os efeitos jurídicos que, por via directa ou indirecta, foram extraídos do juízo de inconstitucionalidade firmado sobre o que se dispunha na anterior redacção do nº 1 do art. 1817º do CC em determinadas acções já definitivamente julgadas não interferem nem impedem a extracção dos efeitos que decorrem de normas infraconstitucionais que, como a da actual redacção do art. 1817º, nº 1, foram posteriormente aprovadas.
O sistema normativo, designadamente o que regula a matéria da investigação de paternidade, é por natureza dinâmico, sofrendo modificações impulsionadas pela alteração das circunstâncias de ordem social, por via de meras opções de natureza legislativa ou, como ocorreu no caso, em função das regras de controlo da constitucionalidade.
Naturalmente que é expectável que das modificações legais possa decorrer a modificação do resultado da resolução de conflitos de interesses ou da apreciação de interesses juridicamente relevantes, estando os Tribunais obrigados a aplicar em cada momento as normas constitucionais e infraconstitucionais em vigor e que, de acordo com as regras, sejam aplicáveis a cada caso.
Por isso, o facto de alguns investigantes terem obtido o reconhecimento da sua paternidade em circunstâncias semelhantes àquelas em que o A. se encontrava e de a este ser negado esse mesmo efeito por via da caducidade em face do actual regime, não implica, por si, a formulação de um juízo de desconformidade constitucional das normas que ao caso são aplicáveis.
A negação de qualquer violação do princípio da igualdade emerge do simples facto de não existir uma total identidade do regime jurídico que deve ser aplicado naquelas acções e na presente acção, tendo em conta as modificações que entretanto ocorreram e que se repercutem, sem dúvida alguma, nas acções de investigação de paternidade instauradas depois da entrada em vigor do novo regime legal».
Aqui chegados, há que concluir pela não inconstitucionalidade do prazo indiretamente fixado pelo artigo 1818º do CC para delimitar o momento até ao qual o filho do falecido progenitor que, em vida, não propôs a ação de investigação, pode propor esta. No fundo, a lei reconhece ao interessado direto – o filho do investigado – o direito de decidir sobre o reconhecimento jurídico da relação de filiação de que será parte; e, se não infringe a Constituição que o exercício do direito de investigação esteja condicionado pelo prazo fixado no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, também não a contraria a aplicação do mesmo prazo ao filho que, após a morte do progenitor, decide instaurar a ação.
Resta observar que, no caso, é particularmente visível a extemporaneidade da propositura da ação, que se reflete inexoravelmente na (i)legitimidade dos autores/recorrentes. À data da propositura da ação, como se viu, haviam decorrido 102 anos sobre o nascimento e 81 anos sobre a data em que atingiram a maioridade o pai dos 1º e 2º autores e a mãe do 5º autor, e 7 anos sobre a morte do primeiro e 13 anos sobre a morte da segunda, que manifestamente não quiseram fazer reconhecer a sua filiação paterna.
Improcedem, assim, as conclusões em sentido contrário dos recorrentes, não se mostrando violadas as normas invocadas ou quaisquer outras.

Sumário:
I – Não ocorre nulidade processual pela não realização de audiência prévia para discussão da ilegitimidade dos autores arguida pelos réus na contestação, decidindo-se no despacho saneador pela procedência daquela exceção, se os autores, na petição inicial, entraram abertamente na discussão da sua legitimidade.
II – O artigo 1818º do Código Civil consagra um direito próprio dos descendentes e do cônjuge sobrevivo a instaurarem ação de investigação de maternidade/paternidade ou a prosseguirem com ela, se o pretenso filho faleceu ainda em prazo para a sua propositura ou na sua pendência.
III – O direito de investigação da paternidade é um direito eminentemente pessoal e insuscetível de transmissão, razão pela qual a legitimidade processual que o mencionado artigo 1818º confere aos familiares, ali identificados, decore da titularidade do direito que lhes é reconhecido.
IV – O estabelecimento do prazo de caducidade no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, para a investigação de paternidade – aplicável por força da remissão prevista no artigo 1873º do mesmo diploma – na redação dada àquele pela Lei nº 14/2009, de 01.04, não padece de qualquer inconstitucionalidade.
V – Não viola a Constituição que o exercício do direito de investigação esteja condicionado pelo prazo atualmente fixado no nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, também não contraria a aplicação do mesmo prazo ao filho que, após a morte do progenitor, decide instaurar investigação da paternidade deste.
VI – É manifestamente extemporânea a instauração de ação de investigação de paternidade decorridos que são 102 anos sobre o nascimento do pretenso filho (pai dos 1º e 2 autores e avô dos 3º e 4º autores) e da pretensa filha (mãe do 5º autor) e 81 anos sobre a data em que os dois (irmãos gémeos) atingiram a maioridade.

IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho saneador recorrido, embora com fundamentação não coincidente.
Custas pelos recorrentes.
*
Évora, 21 de Abril de 2016
Manuel Bargado
Albertina Pedroso
Elisabete Valente
_________________________________________________
[1] Serão desde Código os artigos adiante citados sem menção de origem.
[2] Como, aliás, já o haviam feito no âmbito da ação que com o nº 2200/09.TBPTM, proposta pelos aqui 1º, 2º e 5º autores e pelo pai dos aqui 3º e 4º autores contra os aqui réus, na qual foi igualmente julgada procedente a exceção da ilegitimidade ativa e os réus absolvidos da instância, decisão essa que não transitou em julgado pelo facto de ter sido julgada extinta a instância, por deserção, por falta de impulso processual na sequência de despacho que declarou suspensa a instância até à habilitação do falecido autor RR, pai dos aqui 3º e 4º autores (cfr. fls. 270 a 279).
[3] Proc. 1224/14.9TBPDL.L1-1, in www.dgsi.pt.
[4] Código Civil Anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1995, p. 88.
[5] Assim, por exemplo, os acórdãos do STJ de 29.01.2002, proc. 01A3796 e de 15.05.2014, proc. 3444/11.9TBTVD.L1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do artigo 1817º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873º do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante
[7] Publicado no D.R., I Série, de 08.02.2006.
[8] Acórdão do STJ de 22.10.2015, proc. 1292/09.5TBVVD.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Alguns dos quais citados no Acórdão do STJ de 22.10.2015 a que se alude na nota anterior.
[10] Proc. 30/14.5TBVCD.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do STJ de 15.05.2013, proc. 787/06.7TBMAI.P1.S1 e Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cit..
[12] Acórdão do STJ de 15.05.2014 citado na nota 5.
[13] Citado na nota 8 supra.