Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
274/15.2T8TMR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: MINISTRO DO CULTO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
TRIBUNAL DO TRABALHO
COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
Data do Acordão: 05/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Quando o autor fundamenta a ação num contrato de trabalho - que pode ou não ser verdadeiro e provado - com alegação de factos tendentes a integrar os elementos desse negócio, a secção especializada de trabalho é competente para conhecer do pedido formulado pelo autor e condenar e absolver, conforme se provarem ou não os factos integradores da causa de pedir invocada.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 274/15.2T8TMR.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Apelante: B… (autor).
Apelada: C… (ré).

Tribunal Judicial da comarca de Santarém, Tomar, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho – J2

1. O A. veio intentar ação declarativa com processo comum contra a ré e pede a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 1.978,58, a título de retribuições base vencidas e não pagas nos meses de dezembro de 2014 e janeiro de 2015, acrescidas das vincendas até efetivo pagamento enquanto não for resolvido o contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Na contestação veio a ré alegar, para além do mais, que nada deve ao autor, sendo certo que as funções eclesiásticas desenvolvidas pelos ministros do culto não têm enquadramento em qualquer regime de índole laboral, pois o autor aceitou exercer o ministério pastoral por escolha de Cristo e vocação. O vínculo vocacional entre A. e R. cessou em 20 de outubro de 2014, tendo a ré efetuado ao autor o pagamento da atribuição mensal e ajudas de custo, nada mais lhe sendo devido.
Conclui a R. que não havendo qualquer tipo de ligação entre ambos não existe qualquer suspensão de contrato e como tal não é devido o pagamento dos vencimentos vencidos.
Foi dispensada a realização da audiência preliminar, fixado o valor à causa em € 1 978,58 e de seguida foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Nos termos de facto e de direito expostos, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada e consequentemente absolvo a ré.

2. Inconformado, veio o A. interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
a) - Os factos provados e que serviram de fundamento para a decisão, isto é, o A. trabalhava como Ministro do Culto, sob as ordens, fiscalização e direção da ré, auferindo mensalmente uma quantia ilíquida de € 870,67, acrescida de outras quantias a título de ajudas de custo e duma casa para habitar e a decisão final de que não se trata dum contrato de trabalho, estão em franca oposição e contradição pelo que e nos termos do art.º 615.º n.º 1, al. c) do C.P.C. a sentença é nula.
b) -Uma vez que a MM.ª Juiz decidiu que a relação entre as partes não era um contrato de trabalho, não podia ela ter dado como deu uma decisão de mérito sob a questão que lhe foi colocada pelo A., dado o Tribunal ser materialmente incompetente para conhecer desse pedido, pelo que se deveria ter limitado a absolver a R. da instância. Não o fazendo, a decisão é nula nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1, al. d) “in fine” do C.P.C.
c) - A decisão da ré de não qualificar no Regulamento Interno, como de trabalho, o contrato existente entre as partes não tem força jurídica para derrogar a definição do contrato de trabalho do art.º 11.º do C. do T.
d) - A douta sentença em recurso, ao decidir não qualificar como de trabalho o contrato existente entre as partes, violou não só diretamente o disposto no art.º 11.º do C. do T., como o art.º 9.º n.º 3 do C. Civil, e o princípio Constitucional da Confiança no Estado de Direito Democrático ínsito no art.º 2.º da Constituição.
e) -A Lei da Liberdade Religiosa (Lei 16/2001 de 22/06) ao dispor “expressis verbis” no art.º 16.º n.ºs 3 e 4 que o exercício do ministério pelo ministro do culto, quando ele proporcione meios de sustento é considerado como atividade profissional, está a dizer que no caso do A. a quem a ré proporciona esses meios de sustento, o contrato estabelecido entre as partes é um contrato de trabalho.
f) - A MM.ª Juiz ao decidir que o contrato estabelecido entre o A. e a R. não é um Contrato de Trabalho, violou o disposto no art.º 11.º do Código do Trabalho vigente, assim como o disposto no art.º 16 n.ºs 3 e 4 da Lei 16/2001, de 22/06 (Lei da Liberdade Religiosa) e o art.º 2.º da C.R.P.
Nestes termos e invocando ainda o douto suprimento de V.ªs Exas, deve ser dado provimento ao recurso em conformidade com as conclusões.

3. A R. respondeu e concluiu nos seguintes termos:
A) Não houve, por parte do tribunal a quo, qualquer erro na apreciação e valorização dos factos dados como provados e não provados.
B) O A. nunca celebrou qualquer contrato de trabalho com a R. ou com as igrejas de que foi ministro do culto, havendo apenas laços de comunhão espiritual entre um e outras e uma subordinação meramente religiosa do A. à R., pois “(…) o autor passou a integrar a igreja da R., a partir de julho de 2006, como “Ministro do Culto”, segundo os ritos daquela confissão religiosa respeitando e agindo de harmonia com os respetivos estatutos, praticando atos que enquadram a missionação e difusão da confissão professada, não visando tal atividade qualquer vantagem económica de origem financeira, pois o único compromisso assumido pela R. foi o de garantir os meios de subsistência considerados de necessários ao cabal desempenho da missão que é designada ao ministro do culto.”(in, Douta sentença proferida em 1.ª Instância).
C) Como os ministros do culto são pessoas, que tem necessidades básicas como qualquer ser humano, tais como comer, vestir e calçar, dormir, etc a ré atribui a cada ministro do culto uma determinada quantia mensal convencional e ajudas em espécie (das ajudas fraternais dos seus membros) para o sustento do seu ministro sagrado e para que, aquele possa desempenhar condignamente a sua missão evangelizadora e pregadora.
D) Não ocorrendo os pressupostos definidores do contrato de trabalho entre A. e R., fica sem suporte toda a construção jurídica elencada na PI, pois exercendo o A. um múnus espiritual não tem os direitos fixados na legislação laboral, logo a figura da suspensão ou resolução do contrato de trabalho cai por terra.
E) Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pela falta manifesta, completa e absoluta de fundamento do presente recurso que, assim, deve ser julgado improcedente.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exa. doutamente suprirá, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, em consequência, ser confirmada a decisão proferida pelo Tribunal recorrido, com todos os efeitos legais.


4. Em conferência, cumpre decidir.

5. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1 – Nulidades da sentença
2 – A existência de contrato de trabalho.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
Por acordo das partes (uma vez que não foram impugnados pela ré) e dos documentos juntos aos autos resultam provados os seguintes factos:
- A ré é uma pessoa coletiva, sem fins lucrativos, que tem como objeto pregar o evangelho eterno de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (Registo de Pessoas Coletivas Religiosas) sob o nº ….
- O autor entrou ao serviço da ré no dia 15/07/2006, desempenhando as funções de Ministro do Culto, sob as ordens, fiscalização e direção da ré, primeiro na zona de Elvas e Évora e depois, em 2009 foi transferido pela ré para a zona de Tomar
- Enquanto ministro do culto o autor recebia uma importância mensal fixa ilíquida no montante de € 870,67, acrescida de outras quantias a título de ajudas de custo.
- A ré disponibilizou ao A. a casa onde este continua a habitar desde que veio desempenhar as suas funções para Tomar, sita na …, em Tomar.
- Com data de 29/09/2014 a ré enviou uma carta ao autor, informando-o que a partir do dia 20/10/2014 cessava o exercício das funções de Ministro do Culto dentro do Território da …, tendo-lhe sido retirada a sua credencial de Ministro do Culto, da lista de Ministros do Culto da ré, que teve como consequência o autor deixar de exercer quaisquer funções ministeriais dentro da “…”.
- Posteriormente a esta carta, o autor recebeu da ré pelo menos a importância de € 1.392,00.
- A UPASD é a entidade religiosa sob a qual estão organizadas todas as comunidades que constituem a C… no território português, radicada nos termos da Lei n.º 16/2001, Lei da Liberdade Religiosa.
- A União Portuguesa dos …tem como órgãos, definidos nos seus Estatutos, a Assembleia-Geral de Comunidades, o Conselho Diretor e o Conselho Fiscal (também designado estatutariamente por Comissão de Verificação e Finanças).
- A Assembleia-Geral de Comunidades é o órgão representativo máximo das comunidades de membros, chamadas comummente “igrejas locais” e reúne ordinariamente de cinco em cinco anos, com objetivos eclesiásticos, nomeadamente: planificação para o cumprimento da missão e do objeto da Igreja; eleição do Conselho Diretor e do Conselho Fiscal e de novos dirigentes eclesiásticos para o período de mandato subsequente; proposta, discussão e votação de alterações estatutárias; credenciação de ministros do culto; análise e aprovação dos relatórios das atividades eclesiásticas; outros necessários para o seu funcionamento.
- Uma das competências do Conselho Diretor é a de atribuir, suspender ou retirar credenciais e autorizações.
- O desempenho da função vocacional de Ministro do Culto é ainda objeto de um regulamento interno designado por Regulamento do Obreiro;
- A ré, por carta regista com aviso de receção, datadas de 22 e 24 de outubro informou o SEF e o Consulado do Brasil de que o A., devido a avaliação negativa continuada tinha cessado a sua atividade vocacional ao serviço da UPASD, com efeitos a partir de 20 de Outubro de 2014.
- O autor enquanto pastor difundia o culto, dava acompanhamento e apoio religioso aos membros das Igrejas a seu cargo, presidia e celebrava cerimónias religiosas e campanhas de evangelização.

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos acima.
1 – Nulidades da sentença
2 – A existência de contrato de trabalho.

B1) Questões prévias
No parágrafo segundo dos factos provados consta a expressão “sob as ordens, fiscalização e direção da ré”.
No caso concreto trata-se de apurar se entre o A. e a R. existe um contrato de trabalho, pelo que tal expressão é conclusiva, na exata medida em que leva a concluir que existe uma relação subordinada entre as partes, mas que só pode decorrer dos factos provados.
Assim, consideramos não escrita a expressão “sob as ordens, fiscalização e direção da ré”, constante do parágrafo segundo dos factos provados.
As nulidades arguidas no requerimento de interposição do recurso dependem da qualificação do contrato existente entre as partes, pelo que iremos conhecer em primeiro lugar da existência ou não de tal contrato de trabalho.

B2) A existência de contrato de trabalho
O que está em causa nestes autos é apreciar como era exercida de facto a prestação do A.: se estava sujeito a diretivas da ré ou não, ou seja, como devem ser qualificados os factos apurados.
Trata-se de matéria de facto que não tem a ver com a validade da relação jurídica, mas sim com o modo como era prestada a atividade do A. com a finalidade de apurar se existe subordinação jurídica, a espinha dorsal do contrato de trabalho.
O art.º 11.º do CT prescreve que contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra pessoa ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.
Por sua vez o art.º 12.º do CT prescreve que se presume a existência de contrato de trabalho quando, na relação a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verificarem algumas das seguintes caraterísticas:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinado pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periocidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
A lei – art.º 12.º do CT – acolheu as caraterísticas que, em geral, a doutrina e a jurisprudência já apontavam para a qualificação do contrato de trabalho.
Caraterísticas como: a vinculação a horário de trabalho estabelecido pelo empregador; a prestação do trabalho em instalação do empregador ou em local por ele escolhido; a existência de controlo externo do modo da prestação da atividade; a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa; a existência de uma retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; a propriedade dos instrumentos do trabalho; o pagamento dos subsídios de férias e de Natal.
Com interesse para a decisão desta matéria está provado que: - a ré é uma pessoa coletiva, sem fins lucrativos, que tem como objeto pregar o evangelho eterno de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, registada no Registo Nacional de Pessoas Coletivas (Registo de Pessoas Coletivas Religiosas) sob o nº …;
- O autor entrou ao serviço da ré no dia 15/07/2006, desempenhando as funções de Ministro do Culto, primeiro na zona de Elvas e Évora e depois, em 2009 foi transferido pela ré para a zona de Tomar;
- Enquanto ministro do culto o autor recebia uma importância mensal fixa ilíquida no montante de € 870,67, acrescida de outras quantias a título de ajudas de custo;
- A ré disponibilizou ao A. a casa onde este continua a habitar desde que veio desempenhar as suas funções para Tomar, sita na …Tomar;
- Com data de 29/09/2014 a ré enviou uma carta ao autor, informando-o que a partir do dia 20/10/2014 cessava o exercício das funções de Ministro do Culto dentro do Território da U.P.A.S.D., tendo-lhe sido retirada a sua credencial de Ministro do Culto, da lista de Ministros do Culto da ré, que teve como consequência o autor deixar de exercer quaisquer funções ministeriais dentro da “União dos…”.
- Posteriormente a esta carta, o autor recebeu da ré pelo menos a importância de € 1.392,00.
- A UPASD é a entidade religiosa sob a qual estão organizadas todas as comunidades que constituem a C… no território português, radicada nos termos da Lei n.º 16/2001, Lei da Liberdade Religiosa; e
- O autor, enquanto pastor, difundia o culto, dava acompanhamento e apoio religioso aos membros das Igrejas a seu cargo, presidia e celebrava cerimónias religiosas e campanhas de evangelização”.
Esta factualidade revela claramente que o A. prestou de facto a sua atividade para a R. como ministro de culto e que esta lhe pagava uma quantia certa mensalmente, bem como lhe proporcionava habitação para residir.
Este facto, porém, não pode enquadrar-se na alínea d) do n.º 1 do art.º 12.º do CT, porquanto faltam factos concretos de onde possa extrair-se que a quantia paga era a contrapartida da atividade prestada e não apenas uma quantia para o sustento e habitação do autor, ministro do culto.
A atividade do autor e da ré está regulada na Lei n.º 16/2001, de 22 de junho, chamada Lei da Liberdade Religiosa, a qual no seu art.º 16.º prescreve que os ministros do culto têm liberdade de exercer o seu ministério (n.º 1); o exercício deste é considerado atividade profissional do ministro do culto quando lhe proporciona meios de sustento, bastando como prova destes para efeito de regularização de residência a ministros do culto estrangeiros a sua garantia pela respetiva igreja ou comunidade religiosa (n.º 3); e os ministros do culto das igrejas e demais comunidades religiosas inscritas têm direito às prestações do sistema de segurança social nos termos da lei, sendo obrigatoriamente inscritos pela igreja ou comunidade religiosa a que pertençam, salvo se exercerem por forma secundária a atividade religiosa e o exercício da atividade principal não religiosa não determinar a inscrição obrigatória num regime da segurança social (n.º 4).
Destas norma jurídicas não pode extrair-se a conclusão de que a expressão “o exercício do ministério é considerado atividade profissional do ministro do culto quando lhe proporciona meios de sustento” é equivalente à equiparação a contrato de trabalho.
A lei visa esclarecer que a atividade do ministro do culto é considerada profissional para os fins que aí refere: inscrição na segurança social e obtenção de autorização de residência, quando lhe proporciona meios de subsistência.
É o caso dos autos.
Não se provaram factos concretos de onde se possa concluir que havia subordinação jurídica. A atribuição de uma quantia monetária e de uma habitação para residência do autor, não são só por si indícios suficientes que levem a presumir a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré.
Falta a alegação e prova de factos de onde se possa concluir que a relação jurídica existente entre as partes constitui um contrato de trabalho.
Não ocorre qualquer inconstitucionalidade, pois do que se trata é da falta de alegação e prova de factos de onde se possa concluir pela existência de um contrato de trabalho.
Nesta conformidade, concluímos pela inexistência de um contrato de trabalho entre as partes.

B3) Nulidades da sentença
O apelante conclui que:
a) - Os factos provados e que serviram de fundamento para a decisão, isto é, o A. trabalhava como Ministro do Culto, sob as ordens, fiscalização e direção da ré, auferindo mensalmente uma quantia ilíquida de € 870,67, acrescida de outras quantias a título de ajudas de custo e duma casa para habitar e a decisão final de que não se trata dum contrato de trabalho, estão em franca oposição e contradição pelo que e nos termos do art.º 615.º n.º 1, al. c) do C.P.C. a sentença é nula; e que
b) - Uma vez que a MM.ª Juiz decidiu que a relação entre as partes não era um contrato de trabalho, não podia ela ter dado como deu uma decisão de mérito sob a questão que lhe foi colocada pelo A., dado o tribunal ser materialmente incompetente para conhecer desse pedido, pelo que se deveria ter limitado a absolver a R. da instância. Não o fazendo, a decisão é nula nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1, al. d) “in fine” do C.P.C.

A nulidade invocada na alínea a):
Como já decidimos supra, a expressão: “sob as ordens, fiscalização e direção da ré” foi considerada não escrita, por ser conclusiva.
Já decidimos que os factos provados não permitem concluir pela existência de um contrato de trabalho entre o A. e a ré.
Assim, não vemos que exista qualquer oposição e contradição entre os factos dados como provados e a decisão, pelo que inexiste a nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1, al. c) do CPC.

A nulidade invocada na alínea b):
Conclui o apelante que uma vez que a Mma. juiz decidiu que a relação entre as partes não era um contrato de trabalho, não podia ela ter dado como deu uma decisão de mérito sob a questão que lhe foi colocada pelo A., dado o tribunal ser materialmente incompetente para conhecer desse pedido, pelo que se deveria ter limitado a absolver a R. da instância. Não o fazendo, a decisão é nula nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1, al. d) do CPC.
O autor configurou a ação como de processo comum emergente de contrato individual de trabalho e peticiona a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 1.978,58, a título de retribuições base vencidas e não pagas nos meses de dezembro de 2014 e janeiro de 2015, acrescidas das vincendas até efetivo pagamento enquanto não for resolvido o contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Para o efeito, alega factos tendentes a comprovar a causa de pedir que fundamenta o pedido formulado contra a ré.
A causa de pedir e o pedido pressupõem a existência de um contrato de trabalho válido celebrado entre as partes.
Face aos termos em que a ação foi proposta, a competência deve aferir-se tendo em conta o direito que o autor se arroga e que pretende ver judicialmente protegido.
O autor invoca um contrato de trabalho para propor a ação contra a ré e alega factos tendentes a integrar os elementos desse negócio jurídico.
Assim, independentemente de se provar ou não a existência da relação laboral, a secção de competência especializada de trabalho é competente para conhecer do mérito da causa.
No caso dos autos, não se provou a existência do contrato de trabalho invocado pelo autor e que está na base do pedido formulado contra a ré.
Embora o autor não tenha logrado provar os elementos constitutivos do contrato de trabalho, pressuposto essencial para a procedência do pedido formulado, a secção de competência especializada de trabalho da instância central de Tomar do tribunal da comarca de Santarém tem competência para proferir decisão de mérito, como proferiu, e absolver a ré do pedido formulado, com base na causa de pedir invocada.
O autor não está impedido de propor outra ação noutra secção especializada do mesmo tribunal, ou num tribunal de jurisdição diferente, se invocar outra causa de pedir ou formular pedido diferente do que formulou nestes autos.
Quando o autor fundamenta a ação num contrato de trabalho - que pode ou não ser verdadeiro e provado - com alegação de factos tendentes a integrar os elementos desse negócio, a secção especializada de trabalho é a competente para conhecer da ação[1].
A decisão a proferir pela secção especializada de trabalho é uma decisão de mérito que conhece do pedido e condena ou absolve conforme se prova ou não a causa de pedir invocada.
No caso, a sentença conheceu do pedido formulado pelo autor e absolveu a ré do pedido, uma vez que não se provou a existência do contrato de trabalho.
Assim, entendemos que a sentença recorrida não padece do vício de omissão ou de excesso de pronúncia, pelo que não se verifica a nulidade prevista no art.º 615.º n.º 1, alínea d), do CPC.
Nestes termos, julgamos a apelação totalmente improcedente e decidimos confirmar a sentença recorrida.

Sumário: quando o autor fundamenta a ação num contrato de trabalho - que pode ou não ser verdadeiro e provado - com alegação de factos tendentes a integrar os elementos desse negócio, a secção especializada de trabalho é competente para conhecer do pedido formulado pelo autor e condenar e absolver, conforme se provarem ou não os factos integradores da causa de pedir invocada.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário com que litiga.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 12 de maio de 2016.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Alexandre Ferreira Baptista Coelho

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[1] Ac. STJ, de 01.04.1998, Processo n.º 98S233, www.dgsi.pt/jstj.