Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
82/19.1T9ORQ.E1
Relator: ANA BACELAR
Descritores: ELEMENTO SUBJECTIVO
DOLO
MODALIDADES
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Data do Acordão: 04/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – Como elementos essenciais à sua afirmação, o dolo pressupõe – (i) o conhecimento dos elementos e circunstâncias descritas nos tipos legais de crimes, sendo costume distinguir entre o conhecimento material desses elementos e o conhecimento do seu sentido ou significação – elemento intelectual (ii) a especial direção da vontade de realização daqueles elementos do tipo de crime – elemento volitivo, e (iii) a consciência da ilicitude – elemento emocional.
II - O artigo 14.º do Código Penal diz-nos que (i) age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar – dolo direto, (ii) age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta – dolo necessário, e (iii) quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização – dolo eventual.
III – A atenuação especial da pena pressupõe que nos deparemos com factos que consubstanciam um caso extraordinário ou excecional em que a imagem global resultante da atuação da(s) atenuante(s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora


I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 82/19.1T9ORQ do Juízo Central Cível e Criminal ... [...] da Comarca ..., o Ministério Público acusou
1. AA, solteiro, vendedor, nascido a .../.../1986, na freguesia ... do concelho ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., em ..., ...,
pela prática
a) Em autoria matéria e na forma consumada, de
- um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 1, alínea e) e n.º 2, alínea a), por referência aos artigos 202.º, alínea b) e 203.º, n.º 1, todos do Código Penal;
- um crime de burla informática, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1 e n.º 5, alínea a), do Código Penal;
- um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.ºs 1, 2 e 3 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro.
b) em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação ou contrafação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3, do Código Penal.

2. CC, casado, operário fabril, nascido a .../.../1968, na freguesia ... do concelho ..., filho de DD e de EE, residente na Rua ..., em ..., ...,
pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de falsificação ou contrafação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d) e n.º 3, do Código Penal.

A Santa Casa da Misericórdia ... pediu a condenação do Arguido AA a pagar-lhe a quantia de € 49 920,69 (quarenta e nove mil novecentos e vinte euros e sessenta e nove cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais que afirma ter suportado, acrescida de juros de mora vencidos, no montante de € 4 890,86 (quatro mil oitocentos e noventa euros e oitenta e seis cêntimos), e vincendos até efetivo e integral pagamento.

O Arguido CC apresentou contestação escrita, onde invoca não ter praticado os factos que sustentam a acusação e oferece o merecimento dos autos.

O Arguido CC apresentou contestação escrita, onde invoca padecer de problema de adição ao jogo, que constitui a géneses dos factos descritos na acusação e que o obriga a tratamento psiquiátrico.
Alega, ainda, ter providenciado pela exclusão de acesso a salas de jogo reais e virtuais.
Que se encontra a pagar a dívida à Santa Casa de Misericórdia ....
Que é delinquente primário. E que tem inserção familiar, profissional e social.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, por acórdão proferido e depositado a 14 de dezembro de 2022, foi decidido:
«a) Julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência:
- Absolver o arguido AA da prática de um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º n.º 2 da Lei do Cibercrime;
- Absolver o arguido AA da prática de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelos arts. 256.º n.º 3 do Cód.Penal;
- Absolver o arguido CC da prática de um crime de falsificação de documento agravada, p. e p. pelos arts. 256.º n.º 1 al. d) e n.º 3 do Cód.Penal;
b) Condenar o arguido AA pela prática, como autor material, de:
· um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º n.º 2 al. b) do C. Penal da pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;
· um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 221.º n.º 1 e n.º 5 al. a) do C. Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
· um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º n.ºs 1 e 3 da Lei do Cibercrime, na pena de 1 (um) ano de prisão;
· um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º n.º 1 d) do Cód.Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
c) Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido AA na pena única de 7 (sete) anos de prisão.
d) Condenar o arguido AA nas custas devidas a título criminal, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC`s.
e) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenar o demandado a pagar à demandante Santa Casa da Misericórdia ... a quantia de 22.375,27€ (vinte e dois mil, trezentos e setenta e cinco euros e vinte sete cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a data da notificação para contestar até integral pagamento;
f) Condenar o demandado e a demandante nas custas do enxerto cível na proporção do respetivo decaimento

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«I - O Recorrente foi condenado, pela prática, em autoria material, um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º n.º 2 al. b) do C. Penal da pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelo art. 221.º n.º 1 e n.º 5 al. a) do C. Penal na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; um crime de falsidade informática, p. e p. pelo art. 3.º nº.s 1 e 3 da Lei do Cibercrime, na pena de 1 (um) ano de prisão; um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º nº. 1 d) do Cód.Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 7 (sete) anos de prisão, com a qual não se conforma por excessiva, desadequada, desproporcional e injusta.
II - O recorrente insurge-se ainda por erradamente o acórdão ter dado como provado o ponto 61 dos factos provados, quando teria que ter sido dado como provado que o recorrente mostrou arrependimento.
III - O recorrente prestou declarações confessórias em audiência de julgamento, participou proactivamente com a Policia Judiciária na investigação
IV - Praticou diversos atos para tentar ressarcir os danos causados, até onde lhe era possível.
V - Ao dar como provado os pontos 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 38 e 39, conjugando com o facto de o arguido não ter qualquer tipo de antecedentes criminais, não ter praticado quaisquer crime após os factos, estar inserido social, familiar e profissionalmente bem inserido, eram razões bastantes para ser aplicada uma atenuação especial da pena.
VI - Decorre igualmente que interiorizou de forma evidente o desvalor da sua conduta e realizou o perigo que representa a adição ao jogo pelo que se encontra a ser acompanhado por médico psiquiatra.
VII - O Tribunal a quo deveria ainda ter considerado também por provado que “Não se apurou que o arguido tenha tido qualquer lucro com o dinheiro indevidamente apropriado à Santa Casa da Misericórdia para além do aplicado em apostas de jogo.”
VIII - Inexiste nos autos qualquer elemento de prova que faça com que se possa concluir que o arguido tenha tido qualquer lucro pessoal do dinheiro resultante das apostas, para além das quantias que aplicava de imediato em novas apostas online.
IX - Todos os atos ilícitos que o recorrente praticou ocorreram exclusivamente pela adição ao jogo, tratando-se de uma circunstância exógena.
X - Sendo uma disposição das coisas que ele não domina, não sendo tanto uma circunstância facilitadora mas, mais propriamente, incentivadora da prática ilícitos em causa e que determina consequentemente a uma diminuição especial da culpa do agente, a qual não foi valorada em sede de Acórdão, quando deveria ter sido.
XI - As penas parcelares são ainda extremamente excessivas e gravosas.
XII - Desde logo, os valores em causa furtados, nunca ultrapassaram em cada situação a quantia de 369,03 euros.
XIII - Foram precisos três anos para que a Santa Casa da Misericórdia considerasse como criminalmente relevante a conduta que o recorrente vinha a adotar com o dinheiro desta.
XIV - O recorrente imediatamente assumiu as suas responsabilidades e encetou diligencias para proceder à reparação dos danos causados até onde lhe era possível.
XV - Reconhece-se naturalmente que a soma dos valores apurados ao longo de três anos atingem um valor consideravelmente elevado, mas humildemente se entende que o grau de ilicitude é médio-baixo tendo em conta os valores que eram subtraídos de cada vez, que eram próximos de valores diminutos por um lado, como por outro a pessoa coletiva a quem foi subtraído essas quantias monetárias não passou por intermédio dessas condutas dificuldades financeiras ou de subsistência...
XVI - A este propósito, conforme relatório de contas da Santa Casa da Misericórdia, em https://www.scml.pt/, o património ativo desta, fixava-se no ano de 2019 no valor de € 888.029.088,00 (oitocentos e oitenta e oito milhões vinte e nove mil e oitenta e oito euros).
XVII - Deverá proceder-se à correta alteração da classificação do dolo direto para eventual, como atenuação do grau de conduta do recorrente, a valorar na fixação das penas parcelares, e da pena a fixar em cúmulo.
XVIII - É manifestamente notório que o recorrente agiu somente por impulso da doença, e conformava-se com o resultado previsto como possível no momento das suas condutas, já que por um lado nunca negou a factualidade imputada, assumiu prontamente aquando do seu despedimento a sua responsabilidade e a própria natureza dos crimes, nomeadamente burla informática, falsidade informática, falsificação de documento, e furto de quantias monetárias constantes em documentos contabilísticos, é manifestamente notório à luz da experiencia comum que mais cedo ou mais tarde iria ser apanhado pela entidade patronal.
XIX - O recorrente também não se conforma não ter sido valorado pela decisão recorrida o facto das necessidades de prevenção geral não se sobreponham sobre as necessidades de prevenção especial serem diminutas.
XX - O Tribunal a quo deveria ter considerado como proporcional, justa e adequada a condenação nas penas parcelares da seguinte forma:
XXI - pena não superior a três anos e seis meses de prisão relativamente ao crime de furto qualificado;
XXII - pena de multa relativamente ao crime de burla informática;
XXIII - pena de multa relativamente ao crime de falsidade informática;
XXIV - pena de multa relativamente ao crime de falsificação de documento.
XXV - Em cúmulo jurídico não deveria ser aplicada uma pena de prisão superior a 5 anos de prisão.
XXVI - Pena essa, por existir um juízo de prognose favorável, tem condições formais e materiais bastantes para ser suspensa na sua execução, com apertado regime de prova, e condicionado ao peticionado no pedido de indemnização civil à assistente.
XXVII - Afigura-se-nos pois, de acordo com o exposto, que a apreciação da matéria de facto por parte do Tribunal a quo merece reparo, porquanto, salvo melhor opinião em contrário, não formou a sua convicção por critérios lógicos, objetivos, e em obediência às regras da experiência comum.
XXVIII - Humildemente se entende que o Douto Acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 124.º, n.º 1; 127.º; 410.º, n.º 2, a), e c); 379.º, n.º 1, c), ambos do CPP, e ainda o disposto nos artigos 40.º; 71.º; 77.º, e o art. 32.º da CRP.
XXIX - Suplicando-se assim desta feita Misericórdia, Clemência e JUSTIÇA!

Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Venerandos Juízes Desembargadores suprirão, deve o presente Recurso obter provimento e, em consequência, ser o recorrente o douto acórdão revogado e ser substituído por decisão que condene o recorrente numa pena única não superior a 5 anos, suspensa na sua execução, com regime de prova e subordinada ao pagamento do valor peticionado no pedido de indemnização civil deduzido pela assistente Santa Casa da Misericórdia.
Fazendo-se assim a Costumada e Inolvidável Justiça que Vos rotula!»

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1) Dos factos provados 31, 32, e 40 a 47, resulta que o arguido, ora recorrente, não praticou qualquer ato concreto no sentido de se encontrar demonstrado o seu sincero arrependimento, devendo, em consequência, manter-se o facto provado 61 do Acórdão recorrido.
2) Conforme resulta dos factos provados no Acórdão recorrido, o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido são de considerar bastante elevados, bem como as necessidades de prevenção geral, igualmente de grau bastante elevado.
3) A perturbação mental - jogo patológico - de que o recorrente sofre não limitou a sua capacidade em se determinar em função da noção da ilicitude dos factos, por conseguinte, não haverá lugar à diminuição especial da culpa do agente.

Por tudo isto se conclui no sentido do presente recurso ser declarado totalmente improcedente e, consequentemente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos
****
V. EXAS, SRS JUIZES CONSELHEIROS, FARÃO, COMO É HABITUAL, A MELHOR
JUSTIÇA.»
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer [transcrição]:
«Acompanhamos a completa resposta apresentada pelo Ministério Público em 1ª instância (Ref.ª ...44).
Porque a mesma nos parece fundamentada, qualquer adenda de substância seria despiciente, restando-nos acompanhá-la, na íntegra.

Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado improcedente

Observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento;
- da atenuação especial da pena;
- da diminuição acentuada da culpa;
- do dolo eventual;
- da desadequação, por excesso, das penas impostas;
- do modo de cumprimento da pena.
û
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
«1. Desde 1 de Novembro de 2015 e até 26 de março de 2019 o arguido AA foi funcionário da Santa Casa da Misericórdia ..., desempenhando as funções de escriturário de 1.ª, competindo-lhe tratar da correspondência, do atendimento de chamadas telefónicas e registo de assiduidades.
2. O arguido AA, durante três meses, e até 27 de setembro de 2019, exerceu o cargo de Secretário da Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia ....
3. A partir do ano de 2017, em data não concretamente apurada, o arguido AA passou a estar autorizado a efetuar pagamentos a fornecedores autorizados da Santa Casa da Misericórdia ..., tendo-lhe sido fornecidos as credenciais das contas bancárias tituladas pela Instituição junto da Caixa Geral de Depósitos e da Caixa de Crédito Agrícola.
4. Em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o ano de 2018, o arguido AA apoderou-se do código do cofre instalado na Secretaria da Santa Casa da Misericórdia e da chave do mesmo e fez uma cópia desta, sem autorização ou consentimento da Instituição.
5. O arguido AA, na posse do código e da cópia da chave, entre os anos de 2018 e 2019, após o horário de expediente e durante os dias úteis, acedeu ao cofre fechado, instalado na Secretaria da Santa Casa da Misericórdia, e retirou do seu interior diversas quantias em numerário, fazendo-as suas, sem o consentimento ou autorização da Instituição e contra a vontade desta.
6. O arguido, do mesmo modo descrito em 5., durante o ano de 2018, apoderou-se de uma quantia total de 71.976€, fê-la sua, sem o consentimento ou autorização da Instituição e contra a vontade desta.
7. No ano de 2019, o arguido AA, do modo descrito em 5., apoderou-se das seguintes quantias monetárias, que se encontravam no interior do cofre instalado na Secretaria da Santa Casa da Misericórdia, nomeadamente:
- No dia 1 de fevereiro de 2019: 190,00€;
- No dia 14 de fevereiro de 2019: 701,19€;
- No dia 18 de fevereiro de 2019: 125,00€;
- No dia 20 de fevereiro de 2019: 390,00€;
- No dia 4 de março de 2019: 130,00€;
- No dia 7 de março de 2019: 160,00€;
- No dia 8 de março de 2019: 260,00€;
- No dia 12 de março de 2019: 280,00€;
- No dia 13 de março de 2019: 160,00€;
- No dia 15 de março de 2019: 95,00€;
- No dia 18 de março de 2019: 80,00€;
- No dia 20 de março de 2019: 190,00€;
- No dia 20 de março de 2019: 270,00€;
- No dia 21 de março de 2019: 90,00€;
- No dia 25 de março de 2019: 370,00€.
Perfazendo uma quantia total de 3 491,19€.
8. Para além das quantias referidas em 7., durante o ano de 2019, o arguido AA, nas mesmas circunstâncias acima descritas, apoderou-se da quantia de 18 408,81€.
9. O arguido AA, com as condutas acima descritas, apoderou-se, entre os anos 2018 e 2019 da quantia monetária global de 93.876,00€, pertencentes à Santa Casa da Misericórdia, sem a autorização daquela e contra a sua vontade, fazendo-as suas.
10. O arguido AA agiu com o propósito concretizado de fazer suas as quantias monetárias que se encontravam no interior de cofre fechado da Instituição da Santa Casa da Misericórdia, usando para tanto o código de acesso e a cópia de uma chave do cofre, bem sabendo que aquelas quantias não lhe pertenciam e que agia contra a vontade e sem a autorização da Instituição a quem pertenciam, tendo se apoderado de uma quantia monetária de 93.876,00€.
11. O arguido AA agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
12. Entre 25 de Fevereiro de 2018 e 25 de março de 2019, o arguido AA, utilizou as credenciais de acesso à conta bancária ...14 da Caixa Geral de Depósitos e à conta bancária ...52 da Caixa de Crédito Agrícola, ambas tituladas pela Santa Casa da Misericórdia ... e, sem autorização ou consentimento da Instituição, através do sistema “homebanking”, efetuou pagamentos às entidades A..., B... e C..., SA.
13. Da forma acima descrita, o arguido AA, através das credenciais das contas bancárias descritas em 12., utilizando o serviço homebanking, efetuou as seguintes transferências com as referências ...67 e ...13, para a entidade
A...:
- 12/04/2018 – 298,00€;
- 04/05/2018 – 348,00€;
- 07/05/2018 – 268,00€;
- 14/05/2018 – 248,00€;
- 16/05/2018 – 238,00€;
- 29/06/2018 – 286,00€;
- 02/07/2018 – 294,00€;
- 04/07/2018 – 168,00€;
- 10/07/2018 – 278,00€;
- 12/07/2018 – 258,00€;
- 13/07/2018 – 317,00€;
- 24/07/2018 – 364,00€;
- 25/07/2018 – 248,00€;
- 27/07/2018 – 330,00€;
- 14/08/2018 – 368,00€;
- 22/08/2018 – 218,00€;
- 23/08/2018 – 268,00€;
- 28/08/2018 – 209,00€;
- 28/08/2018 – 192,00€;
- 29/08/2018 – 117,00€;
- 30/08/2018 – 238,00€;
- 04/09/2018 – 205,00€;
- 12/09/2018 – 198,00€;
- 12/09/2018 – 220,00€;
- 17/09/2018 – 307,00€;
- 05/11/2018 – 248,00€;
- 04/12/2018 – 238,00€;
- 11/12/2018 – 228,00€;
- 17/12/2018 – 268,00€;
- 17/12/2018 – 273,00€;
- 18/12/2018 – 281,00€;
- 22/12/2018 – 287,00€;
- 03/01/2019 – 283,00€;
- 07/01/2019 – 178,00€;
- 11/01/2019 – 186,00€;
- 14/01/2019 – 231,00€;
- 16/01/2019 – 236,00€;
- 18/01/2019 – 262,00€;
- 23/01/2019 – 268,00€;
- 30/01/2019 – 176,00€;
- 19/02/2021 – 262,00€;
- 21/02/2019 – 248,00€;
- 25/05/2019 – 278,00€;
- 25/02/2019 – 268,00€;
- 27/02/2019 – 286,00€;
- 27/02/2019 – 278,00€;
- 01/03/2019 – 274,00€;
- 01/03/2019 – 268,00€;
- 04/03/2019 – 291,00€;
- 06/03/2019 – 268,00€;
- 07/03/2019 – 282,00€;
- 07/03/2019 – 252,00€;
- 08/03/2019 – 287,00€;
- 11/03/2019 – 278,00€;
- 12/03/2019 – 278,00€;
- 12/03/2019 – 287,00€;
- 13/03/2019 – 296,00€;
- 13/03/2019 – 289,00€;
- 15/03/2019 – 286,00€;
- 15/03/2019 – 352,00€;
- 19/03/2019 – 284,00€;
- 19/03/2019 – 327,00€;
- 21/03/2019 – 342,00€;
- 22/03/2019 – 314,00€;
- 25/03/2019 – 296,00€,
Perfazendo a quantia global de 17.297,00€.
14. As transferências acima realizadas tiveram como beneficiário BONNAL LTD, com morada em Chirosima 2, Levanta Court Block A, 1st floor, Flat/office 101, email payment@1xbet.com, website http://1xbet.com.
15. Do mesmo modo, o arguido AA, através das credenciais das contas bancárias descritas em 12., utilizando o serviço homebankig, efetuou as seguintes transferências com as referências ...93 e ...49, para a entidade B...:
- 26/02/2018 – 268,55€;
- 24/07/2018 – 287,00€;
- 31/10/2018 – 262,00€;
- 20/12/2018 – 282,00€;
- 18/02/2019 – 283,00€;
- 18/03/2019 – 293,91€
Perfazendo a quantia global de 1 676,46€.
16. Do mesmo modo, o arguido AA, através das credenciais das contas bancárias descritas em 12., utilizando o serviço homebankig, efetuou as seguintes transferências com as referências ...19 e ...50, para a entidade C... (... e ...):
- 07/03/2021 – 59,43€;
- 19/03/2019 – 369,03€
Perfazendo a quantia global de 428,46€.
17. As transferências realizadas em 16. destinaram-se a contas tituladas pelo arguido AA e por CC, junto da entidade bancária C....
18. Com as condutas descritas nos pontos 12. a 17, o arguido AA efetuou transferências no montante global de 19.401,92 €, para as entidades A..., B... e C... SA, as quais não eram fornecedores da Santa Casa da Misericórdia ..., e fê-lo sem autorização ou consentimento da Instituição, agindo contra a sua vontade e, assim, causando-lhe o correspondente prejuízo.
19. O arguido AA, nos anos de 2017, 2018 e 2019, declarou à Autoridade Tributária os seguintes rendimentos totais: 16.596,7€, 16.348,26€ e 5.728,33€, respetivamente.
20. Entre os anos de 2016 a 2019, o arguido AA jogou em diversos sites de apostas online, nomeadamente bet.pt, betclic, betrally e na 1xbet, utilizando a conta n.º ...34 da entidade SKRILL, a entidade Trustly e a conta n.º ...81 da Neteller, para efeitos de depósitos e levantamentos de fundos monetários provenientes das apostas e jogo online.
21. O arguido AA, entre 1 de janeiro de 2017 e 25 de outubro de 2019, através da conta bancária PT IBAN ...76 da Caixa Geral de Depósitos, por si titulada, recebeu um valor total de 991 378,86€ de transferências a crédito provenientes das entidades EarthPorth, Trustly, Paysafe, Ppro Financial, Skrill Limited, Royal Pay, Sai Royal, Adyen NV e STG ADYEN, provenientes de jogos e apostas online.
22. Através da conta identificada em 21. o arguido AA, entre os anos de 2017 a 2019, procedeu ao pagamento de serviços às entidades A..., B... e C..., perfazendo as seguintes quantias, 30 267,00€, 8 092,97€ e 3 558,20€, respetivamente.
23. Entre 1 de janeiro de 2017 e 26 de março de 2019, o arguido procedeu ao depósito em numerário da quantia global de 163 999,10€, na conta bancária PT IBAN ...76 da Caixa Geral de Depósitos, por si titulada.
24. Tanto as quantias em numerário de que o arguido se apoderou, melhor descritas nos pontos 5. a 10., como as transferências bancárias por si realizadas, e melhor descritas nos pontos 12. a 18., visavam o pagamento online a entidades relacionadas com as apostas e o jogo online.
25. O arguido AA ao atuar da forma descrita nos pontos 12 a 18, utilizando, sem autorização e abusivamente, as credencias de acesso das contas bancárias tituladas pela Santa Casa da Misericórdia, que apenas ao seu titular permitiam o acesso ao processamento de operações bancárias, agiu com o propósito concretizado de obter para si um enriquecimento patrimonial que não lhe era devido, correspondente ao valor das quantias monetárias que transferiu para as entidades acima identificadas à custa da correspetiva supressão do património da Santa Casa da Misericórdia no mesmo valor, o que quis e conseguiu.
26. O arguido tinha pleno conhecimento que ao introduzir as credenciais das contas bancárias acima identificadas, introduzia nesse sistema dados que lhe permitiam desencadear o acesso às contas bancárias tituladas pela Santa Casa da Misericórdia ..., assim realizando as respetivas transferências bancárias.
27. Ao agir do modo descrito, o arguido AA fez crer no sistema bancário que os movimentos bancários (transferências/pagamentos) estavam a ser efetuados pelo seu legítimo titular, introduzindo dados erróneos no sistema informático que regula a movimentação de contas através da internet, induzindo em erro a entidade bancária que validou as operações bancárias em causa, acreditando que se tratavam de ordens legítimas do titular da conta, com vista a, por meio de tal artifício, alcançar para si, como alcançou, benefícios económicos ilegítimos.
28. O arguido AA sabia ainda que através das credenciais de acesso àquelas contas bancárias e ao introduzir referências e entidades para a realização de transferências/pagamentos, criava informaticamente dados informáticos de carácter não genuíno, com a intenção de serem considerados genuínos e, através de tais operações, atuar como se fosse o legítimo titular daquelas contas bancárias, com a intenção de que fossem tomadas por verdadeiras e reais aquelas operações bancárias, assim, induzindo em erro a entidade bancária e causando prejuízo à ofendida Santa Casa da Misericórdia ....
29. Em 26 de Março de 2019 o arguido AA denunciou o contrato de trabalho celebrado com a Santa Casa da Misericórdia ....
30. Em 27 de Março de 2019, através de carta por si assinada e remetida à Santa Casa da Misericórdia ..., o arguido AA pediu a demissão do exercício das funções de secretário da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia ..., reconhecendo que “indevida, ilegítima e irrefletidamente me apropriei de quantias da instituição e que consequentemente não me pertenciam”.
31. Em 30 de março de 2019 o arguido AA assinou um documento particular intitulado “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, onde se confessou como devedor à Santa Casa da Misericórdia da quantia de 84 190,31€.
32. Por decisão proferida em 23 de novembro de 2020, no âmbito do processo n.º 1057/19...., que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Cível foram julgados improcedente os embargos de executado, sentença confirmada no Acórdão proferido em 25 de fevereiro de 2021, pelo Tribunal da Relação de Évora, 1057/19...., reconhecendo-se a validade do documento particular acima referido.
33. O arguido AA, por forma a devolver parte das quantias em dívida, por si reconhecidas, pediu ajuda financeira a CC e BB, seus progenitores.
34. Assim, CC e BB, com o apoio de arguido AA iniciaram um processo de crédito hipotecário – reforço de hipoteca de imóvel, junto da instituição bancária Millennium BCP, sucursal de ..., com o propósito de devolver a quantia de 40.000€ à Santa Casa da Misericórdia ....
35. Toda a documentação necessária para o processo de crédito foi remetida para a entidade bancária através do email ..., conta titulada pelo arguido AA, bem como foi este que diligenciou pela entrega de documentação noutras sucursais e solicitou esclarecimentos quanto ao desenvolvimento do processo.
36. O arguido AA, entre 19 de maio de 2019 e 9 de outubro de 2019, através do seu email ..., enviou diversos emails para FF, Mandatário da Santa Casa da Misericórdia, em que informava os desenvolvimentos relativos ao processo de crédito.
37. Nessa sequência, em junho de 2019, o arguido CC assinou o cheque bancário Millennium BCP com o n.º ...15 e entregou-o ao arguido AA, que o remeteu pelos correios para FF, enquanto Mandatário da Santa Casa da Misericórdia ....
38. Em 12 de Junho de 2019, o arguido AA, através do email ..., remeteu a FF comprovativo de envio de cheque.
39. Em 9 de Outubro de 2019, o arguido AA, através do email ..., informou FF que a escritura seria realizada no dia 22 de outubro de 2019.
40. No dia 23 de outubro de 2019, a Santa Casa da Misericórdia ... procedeu ao depósito do cheque bancário Millennium BCP com o n.º ...15, na conta n.º ...30 da Caixa Geral de Depósitos, titulada pela Santa Casa da Misericórdia ....
41. Em 25 de outubro de 2019, a Caixa Geral de Depósitos procedeu à devolução do referido cheque, com a informação de “cheque revogado – extravio”.
42. Sucede que, no dia 22 de outubro de 2019, pelas 13h21, o arguido CC, por tal lhe ter sido informado pelo seu filho, o arguido AA, deslocou-se à GNR, Posto Territorial ... e declarou o extravio do cheque n.º ...15 do Millennium BCP.
43. Em seguida, na mesma data, cerca das 13h41, o arguido CC, junto da sucursal de ... do Millennium BCP, efetuou pedido por escrito de revogação do cheque n.º ...15, sacado sobre a conta ...17, constando que “o cheque já estava assinado e foi perdido/desaparecido”.
44. No dia 23 de outubro de 2019, o arguido AA enviou uma mensagem escrita a FF com o seguinte conteúdo: “Bom dia Dr.º Como é do seu conhecimento apresentou queixa no MP contra mim, a partir desse momento as coisas mudaram. O cheque que vocês têm está anulado e é favor devolver para a minha morada se faz favor e não o colocar no banco (…)”.
45. O arguido CC, após tal lhe ter sido informado pelo arguido AA, ao dar instrução ao banco Millennium BCP para a revogação do cheque bancário n.º ...15, comunicando que o cheque se encontrava “perdido/extraviado”, juntando uma participação efetuada na mesma data junto da GNR, agiu com o propósito concretizado que o Banco devolvesse esse cheque com base nessa indicação.
46. O arguido AA bem sabia que as razões invocadas junto da GNR e do Banco eram falsas, como sabia que tinha entregue o referido cheque à Santa Casa da Misericórdia ..., para pagamento das quantias por si devidas.
47. O arguido AA com a sua conduta quis e conseguiu impedir o pagamento da quantia titulada nesse cheque pelo banco sacado, com intenção de, deste modo, alcançar benefício para si, ao impedir o débito da quantia titulada no cheque e de causar prejuízo patrimonial à denunciante, o qual é, pelo menos, de valor igual ao do montante titulado pelo cheque.
48. O arguido AA, agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Mais se provou que:
Pedido de indemnização Civil:
49. A demandante instaurou contra o demandado a ação executiva que corre termos sob o n.º 1057/19.... com vista ao pagamento da quantia de 84 190,31 €, acrescida de juros de mora.
50. O demandado detém um crédito sobre a demandada no valor de 2.510,76€ relativo a créditos laborais e de 4.201,58€ relativo a pagamentos efetuados por aquele diretamente a fornecedores.

Arguido AA:
51. O arguido sofre de uma perturbação de jogo patológico.
52. À data dos factos o arguido tinha capacidade de avaliar a ilicitude do seu comportamento.
53. O arguido AA reside com os progenitores, agregado a que retornou, após rutura em 2019, na sequência dos presentes autos, de união de facto que manteve por alguns meses. O conjunto familiar habita em casa própria do agregado, localizada na malha urbana de ..., concelho ..., a qual detém adequadas condições de habitabilidade.
54. O arguido AA encontra-se ativo laboralmente, exercendo as funções de motorista de ligeiros, na queijaria Quinta ..., procedendo à distribuição diária de queijos por diversas regiões, desde o ..., à ..., zona de ... e .... A situação económica do arguido assenta no respetivo vencimento, num montante aproximado a 900,00€ mensais, ao qual são efetuados os descontos legais e penhora por dívidas a particulares, apresentando um rendimento líquido mensal no valor de € 690,00.
55. Nos tempos livres procura conjugar as visitas ao filho, GG, a perfazer 3 anos de idade, com os treinos trissemanais que efetua, em face do exercício da atividade de ..., que mantém há 17 anos.
56. Natural de ..., localidade em que sempre residiu, à exceção de um período de cerca de sete meses, no qual residiu em ... com a companheira, AA integrou o agregado dos progenitores do qual também fez parte a irmã, mais nova, e atualmente autonomizada na zona ..., onde trabalha e reside. Beneficiou de uma situação económica estável, associada aos desempenhos laborais dos pais, trabalhadores fabris, o pai em fábrica de ... e a mãe em ..., ocupações que ambos mantêm.
57. Frequentou o primeiro ciclo do ensino básico em ..., tendo completado o 12.º ano de escolaridade na sede do concelho, em ....
58. Após a frequência escolar passou a manter ocupação laboral, tendo-se enquadrado na Santa Casa da Misericórdia durante alguns anos, mediante a celebração e renovação de alguns contratos de trabalho. Tem experiência laboral na área da distribuição e vendas, nomeadamente de pão e produtos congelados.
59. O arguido AA requereu em 10.07.2021 a sua autoexclusão perante o Serviços de Regulação e Inspeção de Jogos, quer online, quer no acesso às salas de jogos dos casinos, tendo, paralelamente, iniciado a frequência de consulta de psiquiatria, para tratamento da sua compulsão/adição, tendo-lhe sido prescrito Topiramato 25 mg e Trazodona 150mg.
60. Revela capacidade para identificar os valores e os bens jurídicos violados com os comportamentos em juízo.
61. Não demonstrou qualquer arrependimento.
62. O arguido AA não tem antecedentes criminais.

Arguido CC:
63. O arguido CC residia, à data dos factos, com o cônjuge e o filho de ambos, AA, coarguido no presente processo, em habitação propriedade da família, na morada dos autos, em ..., situação que se mantém.
64. A subsistência económica da família encontrava-se assegurada pelo vencimento do arguido, empregado fabril numa fábrica de ..., e cônjuge, funcionária numa ..., dado que AA não contribuía de modo significativo ou regular, por decisão dos pais, que privilegiavam poupar o mesmo aos encargos correntes para que organizasse a sua vida pessoal.
65. Natural de ..., local de residência dos progenitores, sendo o segundo, por ordem de nascimento, de uma fratria de cinco elementos, uma consanguínea e quatro uterinos, o arguido é atualmente o único da fratria, dado que todos os seus irmãos faleceram vítimas de doença, do foro oncológico e cardíaca. A família subsistia, economicamente, do vencimento do casal, ambos trabalhadores na área dos serviços agrícolas, em regime sazonal, vivenciando situação de grande carência. Contava CC cerca de 16 anos de idade quando o progenitor faleceu e a Junta de Freguesia, como forma de apoio à família, integrou a progenitora nos seus serviços, passando assim esta a auferir um vencimento modesto, mas regular.
66. Integrou o ensino em idade própria, tendo frequentado a escola existente no meio, concluindo o 4.º ano de escolaridade sem reprovações. Em resultado das dificuldades económicas da família o arguido não prosseguiu os estudos, iniciando a atividade laboral aos 10/11 anos de idade, como guardador/cuidador de gado caprino.
Permaneceu cerca de dois anos nesta atividade, após o que trabalhou durante algum tempo na área dos serviços agrícolas, e com cerca de 16/17 anos iniciou atividade laboral na área da construção civil, em ... e na zona de residência. Posteriormente iniciou atividade laboral como empregado fabril, em fábrica existente no local de residência.
67. Com 18 anos de idade contraiu matrimónio, mantendo residência na aldeia de ..., também local de nascimento e residência do cônjuge, e fruto desta relação, que até hoje mantém, nasceram os seus dois filhos, um rapaz e uma rapariga. Atualmente e desde há vinte e quatro anos o arguido mantém integração laboral na fábrica de ... existente no local onde reside, o cônjuge na fábrica de ... e o filho. A filha mais nova reside em ..., tendo-se autonomizado do agregado familiar de origem, embora os pais, dentro das suas possibilidades, lhe prestem apoio ao nível económico ou em géneros. A situação económica do agregado permite satisfazer as necessidades e encargos do mesmo, não sem dificuldade, tendo em atenção que os vencimentos são relativamente modestos e existe a necessidade de apoiar o filho no âmbito do presente processo, destacando-se a hipoteca efetuada à habitação, com uma despesa de cerca de 250/260 euros mensais.
68. Nos tempos livres CC cuida e explora uma horta com vista a assegurar muitos dos alimentos para o agregado e com regularidade também trabalha na fábrica, de acordo com as necessidades da entidade patronal, por quem nutre grande respeito e consideração. Concomitantemente, manifesta-se de modo muito positivo relativamente ao trabalho que desenvolve e à equipa de trabalho.
69. O impacto do presente processo tem sido devastador em termos pessoais, dado sempre ter pautado a sua vida pelo cumprimento das regras, normas e obrigações.
70. O arguido CC não tem antecedentes criminais

Relativamente a factos não provados, consta da(o) sentença\acórdão que [transcrição]:
«Com relevância para a causa não se provou que:
- em 2017 o arguido AA apoderou-se do código do cofre instalado na Secretaria da Santa Casa da Misericórdia e da chave do mesmo e fez uma cópia desta, sem autorização ou consentimento da Instituição;
- durante o ano de 2017, o arguido apoderou-se de uma quantia total de 20.833,08€, fê-la sua, sem o consentimento ou autorização da Instituição e contra a vontade desta.
- o arguido AA apoderou-se do valor total de € 114.709,08.
- o arguido CC bem sabia que as razões invocadas junto da GNR e do Banco eram falsas, como sabia que o arguido AA tinha entregue o referido cheque à Santa Casa da Misericórdia ..., para pagamento das quantias por este devidas.
- o arguido CC com a sua conduta quis e conseguiu impedir o pagamento da quantia titulada nesse cheque pelo banco sacado, com intenção de, deste modo, alcançar beneficio para si, quer ao impedir o débito da quantia titulada no cheque e de causar prejuízo patrimonial à denunciante, o qual é, pelo menos, de valor igual ao do montante titulado pelo cheque.
- o arguido CC, agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
***
De salientar que não foram tidos em consideração os factos alegados que consubstanciam meras negações da acusação.»

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«O Tribunal fundou a sua convicção nas declarações do arguido AA, conjugadas com a demais prova testemunha produzida bem como a prova documental e pericial carreada para os autos.
Concretamente o Tribunal considerou:
- Denúncia, fls. 6 a 8;
- Documento particular autenticado de confissão de dívida e acordo de pagamento, fls. 9 a 14;
- Extratos contabilísticos da Santa Casa da Misericórdia ..., fls. 35 a 42;
- Recibos de remunerações AA, fls. 43;
- Comprovativo de transferências bancárias, fls. 44 a 49;
- Conferência de Caixa da Santa Casa da Misericórdia ..., fls. 50 a 68;
- Comprovativos de transferências bancárias, fls. 69 a 75;
- Conferência de Caixa da Santa Casa da Misericórdia ..., fls. 76, 83, 85, 103, 109, 112, 255 a 265;
- Comprovativos de transferências bancárias, fls. 77 a 82, 84 a 85, 87 a 98, 107, 110 a 111, 113 a 116, 121 a 123;
- Extratos bancários da conta de crédito agrícola n.º ...09, titulada pela Santa Casa da Misericórdia ..., fls. 99 a 102, fls. 104 a 106, 108 a 111, 117 a 120;
- Informação bancária Instituição A... LDA, fls. 132 e 133;
- Informação Instituição C... SA, fls. 134 e 135;
- Informação Instituição B..., fls. 136.
- Auto de busca e apreensão, fls. 193 a 195;
- Autorização para acesso, leitura e extração e análise de dados armazenados em serviços de internet, fls. 196 e 197;
- Auto de apreensão, fls. 199 a 201;
- Reportagem Fotográfica, fls. 202 a 204;
- Auto de diligência forense em ambiente digital, fls. 211;
- Informação Banco Portugal, fls. 225;
- Informação C..., SA, fls. 237 a 239;
- Reportagem fotográfica, fls. 299;
- Informação da Instituição A..., fls. 309;
- Auto de análise suportes digitais apreendidos, fls. 431 a 442;
- Listagem de pagamentos efetuados através das contas bancárias da Santa Casa de Misericórdia ..., fls. 449;
- Cópia de declarações de IRS do ano de 2017 e 2018, fls. 451 a 463;
- Print screen sms, fls. 513;
- Denúncia de contrato de trabalho, fls. 514;
- Demissão do cargo de secretário da Mesa Administrativa, fls. 515;
- Ata n.º ...19, Assembleia Geral da Irmandade da Santa Casa da Misericórdia, fls. 516 e 517;
- Folhas de presenças, fls. 562 a 577;
- Cópia de declarações de IRS do ano de 2019, fls. 579 a 588;
- Auto de análise II, fls. 592 a 600;
- Informação instituições bancárias, fls. 601 e 602.
- Denúncia, fls. 2 a 5 (Inquérito 247/19....-Apenso);
- Cheque bancário Millennium BCP n.º ...15;
- Aviso de devolução de cheque revogado n.º ...15, fls. 12 (Inquérito 247/19....-Apenso);
- Documentação bancária proposta de crédito imobiliário e pedido de revogação cheque bancário n.º ...15, fls, 17 a 23 (Inquérito 247/19....-Apenso).
- Extrato conta Santa Casa de Misericórdia ..., fls. 659 e 660;
- Informação contabilística Santa Casa de Misericórdia ..., fls. 661;
- Auto de Análise III, fls. 668 a 672;
- Cópia de Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo 1057/19...., fls. 704 a 711;
- Cópia da Sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., processo n.º 1507/19....
- Anexo II – Documentação bancária referentes às contas bancárias tituladas por AA;
- Anexo III – Ficheiros informáticos das contas de correio eletrónico de AA.
- Documentos juntos com as contestações.
Apenas o arguido AA prestou declarações, assumindo parcialmente os factos. Negou ter-se apoderado da chave e dos códigos do cofre logo no ano de 2017, justificando que apenas em 2018 e devido a problemas com uma funcionária que por motivos pessoais chegava tarde, lhe foi dada a chave da secretaria onde se encontrava o referido cofre. Quanto ao demais referiu achar estranho o valor imputado relativamente ao ano de 2018 (embora não o negasse) alegando que se podia tratar de um erro porquanto os vales de correio que entravam eram contabilizados como numerário, mas na realidade eram de imediato depositados na conta bancária. Confirmou os restantes valores de que se apropriou, a forma como o fez e tudo o que se seguiu após ter sido descoberto, designadamente as diligências efetuadas junto da entidade bancária pelos seus pais, de forma a conseguirem um crédito que lhe permitisse pagar, ainda que parcialmente, o valor de que se tinha apoderado. Mais confirmou que quando teve conhecimento de que afinal estava em curso um processo crime, de imediato decidiu impossibilitar o pagamento da quantia que havia acordado uma vez que a Santa Casa da Misericórdia, em seu entender, havia incumprido o acordado. Por esse motivo, mentiu ao seu pai dizendo-lhe que o cheque que este havia assinado (e que ele tinha entregue, sem lhe dizer, à SCM) se tinha extraviado, levando-a a efetuar as declarações que se mostram juntas aos autos, assim obviando ao seu pagamento. Referiu-se ainda ao seu vício com o jogo, afirmando que todas as quantias de que se apoderou foram por si utilizadas nas apostas.
Sendo esta a sua versão dos factos e no que se refere aos factos por ele não admitidos, importa apreciar a demais prova de forma a aquilatar se a mesma foi ou não confirmada.
Relativamente à atuação do arguido no ano de 2017 a prova produzida não contrariou as declarações do arguido. Com efeito, o próprio representante da SCM, HH, que veio aos autos relatar a forma como tiveram conhecimento dos factos, os procedimentos seguidos com vista a apurar a identidade do autor dos furtos e os valores apurados, de uma forma que não deixou reservas a este Tribunal, não foi capaz de situar o momento em que o arguido teve acesso às chaves em data diferente daquela indicado por este. A funcionária da instituição II, colega de trabalho do arguido, admitiu também que à data por este indicada (2018) estava a atravessar uma fase difícil na sua vida e que, por tal motivo, poderia chegar atrasada, havendo, pois, a necessidade de nessa altura terem sido entregues as chaves da secretaria ao arguido. Em face do que supra ficou exposto e na ausência de outra prova nesse sentido, o Tribunal considerou não provado que o arguido tivesse subtraído as verbas desde o ano de 2017.
Já quanto ao ano de 2018 e não obstante a estranheza manifestada pelo arguido, o Tribunal não teve dúvidas em considerar que os valores subtraídos foram os indicados. Tal resulta não só da documentação junta aos autos e já referida, conjugada com as declarações da testemunha JJ, contabilista da empresa. Esta testemunha prestou um depoimento isento e desinteressado, esclarecendo a forma como teve conhecimento dos factos e o apuramento que efetuou dos valores que foram subtraídos. Confrontado com as dúvidas suscitadas pelo arguido relativamente à possibilidade de existência de valores duplicados, esclareceu que tal não se verificava, existindo sempre um acerto entre os valores de uma rubrica e outra. Mais referiu que as contas eram aprovadas apenas em março do ano seguinte a que respeitavam, assim se justificando que apenas em 2019 tivessem realmente apurado o que se estava a passar.
Relativamente a esta matéria cumpre ainda referir que as quantias apropriadas são perfeitamente compatíveis com aquilo que eram as apostas diárias efetuadas pelo arguido cuja documentação junta aos autos demonstra à saciedade.
Finalmente no que concerne à atuação do coarguido CC, atentas as declarações do arguido AA, assumindo integralmente a prática dos factos e afirmando que o pai nunca teve conhecimento de que as declarações que efetuava não correspondiam à verdade e na ausência de qualquer outra prova em sentido contrário, não restou senão ao Tribunal aceitar a versão apresentada pelo arguido.
As intenções do arguido e o conhecimento do caracter reprovável da sua conduta resultam manifestos em face dos factos objetivos que resultaram provados.
A personalidade do arguido, designadamente o seu vício de jogo resulta não só das suas próprias declarações como também da diversa documentação relativa às apostas por ele efetuadas, designadamente os diversos emails trocados com os sites de apostas quando os valores depositados não eram de imediato creditados, chegando a fazer depósitos consecutivos.
Acresce que também a perícia psiquiátrica dá conta desse mesmo vício, concluindo que não obstante tal patologia, o arguido tinha a capacidade de avaliar a ilicitude dos seus atos.
O Tribunal teve ainda em consideração o teor dos relatórios sociais juntos aos autos.
Quanto à inexistência de qualquer ato demonstrativo de arrependimento e apesar do verbalizado pelo arguido, todo o seu comportamento posterior demostra o contrário. Não só o arguido, após ter tomado conhecimento da existência do presente processo, manipulou o seu pai de forma a que este declarasse o extravio do cheque dado como garantia de pagamento, como o tom das suas conversações com a SCM mudou radicalmente, anunciando desde logo que já não iria pagar. Mas não se ficou por aqui. Na execução que contra ele foi movida deduziu embargos alegando, além do mais, não ter noção daquilo que havia assinado. E decorrido que está todo este tempo, o arguido não efetuou tentativa para ressarcir a sua antiga entidade patronal dos prejuízos que causou, sendo que as quantias monetárias cobradas até ao momento o foram coercivamente no âmbito daquela execução. Alias, tal ausência de arrependimento resulta das próprias declarações do arguido em julgamento, justificando o não pagamento como resposta à instauração dos autos, ou seja, uma forma de retaliação.
Considerou-se ainda o teor dos CRC´s juntos aos autos.
Finalmente de referir que as testemunhas indicadas pelos arguidos nada mais acrescentaram relativamente àquilo que já constava dos relatórios sociais
û
Conhecendo.
Para o que imposta fazer anteceder as considerações de facto sobre as de direito e, no domínio destas últimas, dar prioridade aos aspetos da previsão jurídica sobre aqueles outros que decorrem da sua verificação.

(i) Os factos provados
A incorreta valoração da prova produzida em julgamento
Entende o Recorrente que deve corrigir-se o que consta do ponto 61 dos factos provados – aí passando a constar que mostrou arrependimento.
Invoca, para tanto, que as suas declarações em julgamento foram confessórias, que participou proactivamente com a Polícia Judiciária na investigação dos seus atos e que procurou ressarcir os danos que causou, até onde lhe foi possível.

Impõe-se uma definição prévia de conceitos.
A confissão é, etimologicamente, o ato de concordar, o reconhecimento.
Definindo a confissão, diz-nos o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, no seu Tomo III, que é a declaração dos próprios erros ou culpas, que é o reconhecimento da culpa ou acusação, por parte do arguido, perante a autoridade ou a justiça.
O arrependimento é o pesar sincero por algum ato ou omissão. É o ato de contrição, revelador de um firme propósito de não tornar a fazer.
A confissão não envolve, necessariamente, arrependimento. E esta conclusão acentua-se quando o reconhecimento da prática dos factos é irrelevante para o seu apuramento.

A jurisprudência, a este propósito, não revela dissonância.
«I - Só o arrependimento sincero, objetivado em atos que inequivocamente o demonstrem, conduz, nos termos do artigo 72.º, n.º 2, alínea c), do Código Penal, à atenuação especial da pena.
II - O arrependimento é um ato interior mas a sua demonstração tem de ser ativa, visível: o agente tem de revelar que rejeitou o mal praticado, de modo a convencer o tribunal de que, se no futuro vier a ser confrontado com uma situação idêntica, não voltará a delinquir. Em casos de crime de resultado, a demonstração da sinceridade do arrependimento passa, nomeadamente, pela reparação do mal provocado, pelo propósito sério da sua reparação, ou até pela apresentação de desculpas ao lesado
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24 de abril de 2013, proferido no processo n.º 491/07.9PASTS.P1, e acessível em www.dgsi.pt

«I -A existência de arrependimento é uma questão de facto relevante porque, a verificar-se, constitui circunstância atenuante a ponderar mormente na determinação da medida da pena, enquanto atitude posterior à prática do facto e indicador de menor probabilidade de reiteração criminosa no futuro.
II - No entanto, a simples admissão dos factos, quando ocorra, não implica necessariamente a existência de arrependimento, que nalguns casos não passa de mera estratégia de defesa.
III - O arrependimento, para pesar em favor do arguido, não se demonstra em regra através de meras palavras de contrição, mas sim de actos que evidenciem que interiorizou o desvalor da sua conduta, lamenta tê-la praticado, pretende atenuar na medida do possível as suas consequências nefastas e está resolvido a não tornar a delinquir.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14 de janeiro de 2014, proferido no processo n.º processo 7/11.2GBPTM.1, e acessível em www.dgsi.pt

«I - A confissão integral e sem reserva do arguido dos factos de que é acusado, tem um valor que varia segundo o contributo que fornece para a descoberta da verdade.
II - Essa confissão fundamenta uma atenuação especial da pena se se traduzir numa verdadeira e imprescindível colaboração para a descoberta da verdade, sem a qual não se sustentaria a condenação e constituir uma inequívoca manifestação de culpabilidade.»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 5 de junho de 2015, proferido no processo n.º 8/13.6PSPRT.P1, e acessível em www.dgsi.pt

O acórdão recorrido não deixa a menor dúvida quanto à inexistência de qualquer ato demonstrativo de arrependimento por banda do Arguido – apesar de ter verbalizado esse sentimento.
«Não só o arguido, após ter tomado conhecimento da existência do presente processo, manipulou o seu pai de forma a que este declarasse o extravio do cheque dado como garantia de pagamento, como o tom das suas conversações com a Santa Casa da Misericórdia mudou radicalmente, anunciando desde logo que não iria pagar. Mas não se ficou por aqui. Na execução que contra ele foi movida deduziu embargos alegando, além do mais não ter noção daquilo que havia assinado. E decorrido que está todo este tempo, o arguido não efetuou tentativa para ressarcir a sua antiga entidade patronal dos prejuízos que causou, sendo que as quantias monetárias cobradas até ao momento o foram coercivamente no âmbito daquela execução. Aliás, tal ausência de arrependimento resulta das próprias declarações do arguido em julgamento, justificando o não pagamento como resposta à instauração dos autos, ou seja, uma forma de retaliação
Acresce que a confissão do Arguido em julgamento não foi determinante para o apuramento dos factos provados, não estando também demonstrada qualquer atitude proativa do mesmo com a investigação. E muito menos provada ficou a tentativa de reparação dos prejuízos causados.
O ponto 61 dos factos provados permanecerá inalterado.
E o recurso, neste segmento, não procede.

Pretende, ainda, o Arguido se inclua entre a factualidade provada que «Não se apurou que tenha tido qualquer lucro com o dinheiro indevidamente apropriado à Santa Casa da Misericórdia para além do aplicado em apostas de jogo
Esta vontade do Arguido causa-nos alguma perplexidade.
A vantagem\lucro que o Arguido poderia obter com a apropriação indevida de dinheiro pertencente à Santa Casa da Misericórdia ... é mesmo esse dinheiro – a quantia de que se apoderou e que ascende a € 133 277,92 (cento e trinta e três mil duzentos e setenta e sete euros e noventa e dois cêntimos).
E o destino que deu a essa quantia em dinheiro é irrelevante para a prática dos crimes que lhe são imputados e pelos quais veio a ser condenado.
Ao que acresce não estar demonstrado que o Arguido tenha utilizado exclusivamente no jogo, gastando, a quantia em dinheiro de que se apoderou.
Também aqui não vislumbramos razão para alterar a factualidade provada.
Improcedendo este segmento do recurso.

Resta deixar expresso que do exame da sentença recorrida – do respetivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se deteta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Efetivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida.
E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se deteta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

(ii) Da diminuição acentuada da culpa
Do dolo eventual
Afirma o Recorrente que todos os atos ilícitos que praticou «ocorreram exclusivamente pela adição ao jogo, tratando-se de uma circunstância exógena.
Sendo uma disposição das coisas que ele não domina, não sendo tanto uma circunstância facilitadora mas, mais propriamente, incentivadora da prática dos ilícitos em causa e que determina consequentemente a uma diminuição especial da culpa do agente (…)».

E invocando que agiu por impulso da doença e se conformava com o resultado previsto como possível no momento das suas condutas, entende que deve proceder-se à alteração da classificação do dolo direto para eventual.

Vejamos se lhe assiste razão.
Ensina o Professor Eduardo Correia [[3]] que «O crime não é só a negação de quaisquer valores, mas a negação dos específicos valores jurídico-criminais.
Com isto não se esgotam ainda, porém, os elementos do conceito de crime.
Para que este exista não basta, na verdade, que uma conduta seja tipicamente antijurídica; é preciso também que ele possa ser reprovada ao seu agente, isto é, que seja culposa.
E, assim, ao lado daquele juízo de valor que refere o comportamento humano a bens ou valores jurídicos, outro juízo de valor se requer como elemento do crime – a culpa, a qual se analisa na censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente.
Entendida assim a culpa como censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso, está tal pensamento ligado à aceitação da liberdade do agente., à aceitação do seu “poder de agir de outra maneira”.
(…)
A liberdade de cada um para se autodeterminar de harmonia com os valores, pressuposto da culpa ética, está em larga medida confirmada pelos estudos sobre o homem, que as próprias ciências da natureza não podem contestar.
(…)
A aceitação desta perspetiva não significa, contudo, que deva ou possa partir-se de um livre arbítrio absoluto.
(…) mesmo aceitando, como se deve, que o delinquente quando se decidiu pelo crime poder-se-ia ter decidido de outra maneira, não pode recusar-se que um conjunto de circunstâncias exógenas e endógenas facilitam ou dificultam a sua decisão de o cometer.
(…)
Partindo pois desta limitação interna e externa do postulado da liberdade, ou seja, de um indeterminismo relativo, já se compreende que, antes de se censurar alguém, antes de se considerar culpado o agente por um certo facto seu, se averigue como decorreu o respetivo processo de motivação.
Assim, para se lhe referir a culpa não bastara averiguar-se que a prática do facto foi levada a cabo por dolo ou negligência. É preciso verificar se o seu autor é imputável, como importa ainda, por outro lado, investigar se a situação exterior, no quadro da qual foi tomada a resolução de o levar a cabo, não foi tal que tivesse furtado ao agente a liberdade de atuar de outra maneira. A culpa não se esgotará na simples relação psicológica entre a vontade e um certo facto – v.g. dolo – mas exigirá, ao seu lado, além da imputabilidade do agente, que, dadas as circunstâncias em que atuou, se pudesse exigir dele outro comportamento.
(…)
Resumindo:
Para se poder censurar o agente por não ter atuado de modo diverso, e, portanto, para o tornar culpado pelo facto, será sempre necessário averiguar se ele, no caso concreto, tinha a suficiente liberdade de determinação; e assim será necessário investigar:
1.º - de um ponto de vista endógeno, se o agente era imputável;
2.º - dum ponto de vista exógeno, se não havia quaisquer circunstâncias exteriores, na moldura das quais se desenvolveu o facto, que se configurassem de tal modo que arrastassem o agente irresistivelmente para a sua prática, roubando-lhe toda a possibilidade de se comportar diferentemente;
3.º - finalmente, se o facto se pode imputar pessoalmente ao agente a título de dolo ou negligência.
Elementos do juízo de culpa serão, pois: a imputabilidade do agente; a sua atuação dolosa ou por negligência, a existências de circunstâncias que tornam não exigível outro comportamento.»

Para que a culpa do agente por um facto exista é necessário que este lhe possa ser subjetivamente imputado a título de dolo ou de negligência.
Interessa-nos, tão-só, o dolo.
Que pressupõe, como elementos essenciais à sua afirmação – (i) o conhecimento dos elementos e circunstâncias descritas nos tipos legais de crimes, sendo costume distinguir entre o conhecimento material desses elementos e o conhecimento do seu sentido ou significação – elemento intelectual (ii) a especial direção da vontade de realização daqueles elementos do tipo de crime – elemento volitivo, e (iii) a consciência da ilicitude – elemento emocional.
O artigo 14.º do Código Penal diz-nos que (i) age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, atuar com intenção de o realizar – dolo direto, (ii) age ainda com dolo quem representar a realização de um facto que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta – dolo necessário, e (iii) quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente atuar conformando-se com aquela realização – dolo eventual.

A adição é uma perturbação crónica que conduz uma pessoa a repetir compulsivamente e de forma involuntária um determinado comportamento recompensante que pode causar danos.
O vício em jogos é classificado pela CID (Classificação Internacional de Doenças) como um transtorno chamado de jogo patológico, que se refere a episódios repetitivos e frequentes de jogos que passam a prejudicar toda a vida da pessoa, interferindo em sua saúde mental e física.
Isto posto, a adição ao jogo não constitui circunstância exógena a quem dela padece. É endógena.
E porque assim é, fica sem suporte o raciocínio expresso pelo Recorrente quanto à diminuição especial da culpa.
E o recurso improcede, ainda neste segmento.

Ficou demostrado que o Recorrente sofre de uma perturbação de jogo patológico.
Mas demonstrado ficou também que à data dos factos em causa nos presentes autos o Recorrente tinha capacidade de avaliar a ilicitude do seu comportamento.
Atente-se, ainda, que dos factos provados decorre o preenchimento de todos os elementos constitutivos dos crimes que conduziram à condenação do Recorrente.

E invocando que agiu por impulso da doença e se conformava com o resultado previsto como possível no momento das suas condutas, entende que deve proceder-se à alteração da classificação do dolo direto para eventual.
Da factualidade considerada como provada nos pontos 10, 11, 25, 47 e 48 decorre que o Arguido agiu com dolo direto. Tal como foi considerado no acórdão recorrido.
O Arguido não impugna esta factualidade.
E o que invoca não encontra demonstração no processo.
Improcedendo o recurso, também neste segmento.

(iii) Da atenuação especial da pena
Diz o Recorrente que a factualidade considerada como provada nos pontos 29, 30, 31, 33, 34, 35, 36, 38 e 39, associada ao caráter primário da delinquência, à circunstância de não ter cometido, entretanto, qualquer crime, e à inserção familiar, social e profissional de que dispõe, deveriam ter conduzido à atenuação especial da pena.

Vejamos se lhe assiste razão.

O artigo 72.º do Código Penal trata da atenuação especial da pena nos seguintes termos:
«1 — O tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
2 — Para efeito do disposto no número anterior, são consideradas, entre outras, as circunstâncias seguintes:
a) Ter o agente atuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;
b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;
c) Ter havido atos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;
d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.
3 — Só pode ser tomada em conta uma única vez a circunstância que, por si mesma ou conjuntamente com outras circunstâncias, der lugar simultaneamente a uma atenuação especialmente prevista na lei e à prevista neste artigo.»

«A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema, que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excecionais, em que a imagem global do facto resultante da atuação da (s) atenuante (s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo.
Daí estarmos perante um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa, com redução de um terço no limite máximo da moldura prevista para o facto e várias hipóteses na fixação do limite mínimo.
Adianta o Mestre de Coimbra, no já citado Direito Penal Português, As Consequências [...], II, § 453, pág. 306, a propósito das circunstâncias descritas nas alíneas do artigo 72.º, n.º 2, do Código Penal, que constituem exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuada contida na cláusula geral do artigo 73.º, n.º 1 (atual artigo 72.º) que: «passa-se aqui algo de análogo — não de idêntico — ao que sucede com os exemplos-padrão: por um lado, outras situações que não as descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 72.º podem (e devem) ser tomadas em consideração, desde que possuam o efeito requerido de diminuir, por forma acentuada, a culpa do agente ou as exigências da prevenção; por outro lado, as próprias situações descritas naquelas alíneas não têm o efeito «automático» de atenuar especialmente a pena, só o possuindo se e na medida em que desencadeiem o efeito requerido». E conclui que a acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção constitui o autêntico pressuposto material da atenuação especial da pena.»
Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 13/2015, de 9 de setembro de 2015, publicado no Diário da República, Iª Série, n.º 202, de 15 de outubro de 205


«I - A atenuação especial só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos “normais”, “vulgares” ou “comuns”, “lá estão as molduras penais normais, com os seus limites máximo e mínimo próprios” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, §454).»
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de março de 2010, proferido no processo n.º 242/08.0GHSTC.S1, e acessível em www.dgsi.pt

«A atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28 de setembro de 2011, proferido no processo n.º 318/10.4JACBR.C1, e acessível em www.dgsi.pt

«I - O instituto da atenuação especial da pena tem em vista casos especiais expressamente previstos na lei, bem como, em geral, situações em que ocorrem circunstâncias anteriores, contemporâneas ou posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade de pena – artigo 72.º, n.º 1, do Código Penal.
II - Pressuposto material da atenuação especial da pena é, pois, a ocorrência de acentuada diminuição da culpa ou das exigências de prevenção, sendo certo que tal só se deve ter por verificado quando a imagem global do facto, resultante das circunstâncias atenuantes, se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo. Por isso, a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excecionais pode ter lugar.
III - Trata-se, assim, de uma válvula de segurança, só aplicável a situações que, pela sua excecionalidade, não se enquadram nos limites da moldura penal aplicável ao respetivo crime, ou seja, a situações em que se mostra quebrada a relação/equivalência entre o facto cometido e a pena para o mesmo estabelecida, consabido que entre o crime e a pena há (deve haver) uma equivalência.»
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de outubro de 2011, proferido no processo n.º 319/10.2PGALM.L1.S1, e acessível em www.dgsi.pt

«1 - A atenuação especial da pena tem que ver com circunstâncias excecionais, que funcionam como “válvula de segurança” perante a multiplicidade e a diversidade de situações que a vida real revela e a que o legislador, apesar da preocupação de abarcá-las quanto possível, não consegue dar resposta suficientemente justa mediante a previsão abstrata das medidas das penas.
2 - O seu carácter eminentemente excecional não pode ser esquecido, sob pena das finalidades da punição se verem postergadas, pelo que não é suficiente um quadro em que as atenuantes sejam importantes, mas sim que estas sejam de molde a concluir-se que, só através da “correção” à medida da pena, se obtém uma solução justa, sempre, contudo, sujeita à acentuada diminuição da ilicitude do facto e da culpa e das necessidades punitivas.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20 de outubro de 2020, proferido no processo n.º 241/19.7PBSTR.E1, e acessível em www.dgsi.pt

Recordemos o que consta da factualidade provada convocada pelo Arguido:
29. Em 26 de Março de 2019 o arguido AA denunciou o contrato de trabalho celebrado com a Santa Casa da Misericórdia ....
30. Em 27 de Março de 2019, através de carta por si assinada e remetida à Santa Casa da Misericórdia ..., o arguido AA pediu a demissão do exercício das funções de secretário da Mesa Administrativa da Santa Casa de Misericórdia ..., reconhecendo que “indevida, ilegítima e irrefletidamente me apropriei de quantias da instituição e que consequentemente não me pertenciam”.
31. Em 30 de março de 2019 o arguido AA assinou um documento particular intitulado “Confissão de Dívida e Acordo de Pagamento”, onde se confessou como devedor à Santa Casa da Misericórdia da quantia de 84 190,31€.
33. O arguido AA, por forma a devolver parte das quantias em dívida, por si reconhecidas, pediu ajuda financeira a CC e BB, seus progenitores.
34. Assim, CC e BB, com o apoio de arguido AA iniciaram um processo de crédito hipotecário – reforço de hipoteca de imóvel, junto da instituição bancária Millennium BCP, sucursal de ..., com o propósito de devolver a quantia de 40.000€ à Santa Casa da Misericórdia ....
35. Toda a documentação necessária para o processo de crédito foi remetida para a entidade bancária através do email ..., conta titulada pelo arguido AA, bem como foi este que diligenciou pela entrega de documentação noutras sucursais e solicitou esclarecimentos quanto ao desenvolvimento do processo.
36. O arguido AA, entre 19 de maio de 2019 e 9 de outubro de 2019, através do seu email ..., enviou diversos emails para FF, Mandatário da Santa Casa da Misericórdia, em que informava os desenvolvimentos relativos ao processo de crédito.
38. Em 12 de Junho de 2019, o arguido AA, através do email ..., remeteu a FF comprovativo de envio de cheque.
39. Em 9 de Outubro de 2019, o arguido AA, através do email ..., informou FF que a escritura seria realizada no dia 22 de outubro de 2019.
Tenhamos ainda presente que caráter primário da delinquência, a circunstância de o Recorrente não ter cometido, entretanto, qualquer crime, e a inserção familiar, social e profissional de que dispõe.
Estes factos consubstanciam um caso extraordinário ou excecional em que a imagem global do facto resultante da atuação da(s) atenuante(s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respetivo ?
Claramente que não.
Já arredámos a verificação de qualquer das circunstâncias invocada pelo Arguido, no sentido de aligeirar a sua responsabilidade – não há arrependimento, não ocorre diminuição da culpa, e a intenção com que o Arguido agiu traduz dolo direto.
Acresce que o Recorrente se limitou a selecionar os factos que o podem beneficiar, como se os restantes que constam da factualidade provada não existissem.
Nomeadamente os que permitiram ao Tribunal de 1.ª Instância concluir – e muito bem – que «Não só o arguido, após ter tomado conhecimento da existência do presente processo, manipulou o seu pai de forma a que este declarasse o extravio do cheque dado como garantia de pagamento, como o tom das suas conversações com a Santa Casa da Misericórdia mudou radicalmente, anunciando desde logo que não iria pagar. Mas não se ficou por aqui. Na execução que contra ele foi movida deduziu embargos alegando, além do mais não ter noção daquilo que havia assinado. E decorrido que está todo este tempo, o arguido não efetuou tentativa para ressarcir a sua antiga entidade patronal dos prejuízos que causou, sendo que as quantias monetárias cobradas até ao momento o foram coercivamente no âmbito daquela execução. Aliás, tal ausência de arrependimento resulta das próprias declarações do arguido em julgamento, justificando o não pagamento como resposta à instauração dos autos, ou seja, uma forma de retaliação

Não se verificam os pressupostos da atenuação especial da pena consagrados no artigo 72.º ao Código Penal.
E o recurso, neste segmento, não procede.

(iv) Da desadequação, por excesso, das penas impostas
Entende o Recorrente serem desadequadas, por excesso, as penas que lhe foram impostas.
E pretende ser punido (i) em pena não superior a 3 (três) anos e 6 (seis) meses pela prática do crime de furto qualificado, (ii) em pena de multa, pela prática do crime de burla informática, (iii) em pena de multa pela prática do crime de falsidade informática, (iv) em pena de multa, pela prática do crime de falsificação de documento e, (v) em cúmulo jurídico na pena única de 5 (cinco) anos de prisão.

A estrutura do recurso que avaliamos permite-nos concluir que esta pretensão do Recorrente tinha, também, pressuposta alteração factual e conceptual que não ocorreu.
Aspeto a que acresce que o Recorrente «também não se conforma por se ter entendido que as necessidades de prevenção geral in casu são elevadas, pois a especificidade das circunstâncias do agente, e da censurabilidade da conduta, permitem diferenciar-se dos restantes crimes desta natureza, pelas próprias particularidades em que os factos se verificaram, levando a que necessidades de prevenção geral se não sobreponham a necessidades de prevenção especial, que se consideram ser diminutas

Recordemos o que consta do acórdão a este propósito.
«A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido (art. 71.º do CP). Sendo que, em caso algum, a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n. 2, do CP).
Dispõe, ainda, o art.º 40.º, do CP, que “a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (n.º 1). Acrescenta o art.º 71.º, n.º 1: “A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.
Em suma, a culpa e a prevenção constituem os dois termos do binómio que importa ter em conta para encontrar a medida correta da pena (neste sentido, acórdão do STJ de 17-03-1999, Proc. n.º 1135/98 - 3.ª Secção).
É, pois, à luz de tais princípios, que terá de ser encontrada a pena adequada ao caso concreto.
No caso concreto são as seguintes as penas abstratas:
- prisão de 2 a 8 anos para o crime furto qualificado;
- prisão até 5 anos ou multa até 600 dias para o crime de burla agravada;
- prisão até 5 anos ou multa até 600 dias para o crime de falsidade; informática;
- prisão até 3 anos ou pena de multa para o crime de falsificação de documento.
Na condenação deve dar-se prevalência em penas não privativas da liberdade (art. 70.º do CP), atendendo às finalidades da punição.
Ora no caso concreto, a conduta do arguido vista na sua globalidade impossibilita a opção pela pena de multa. Com efeito o valor apropriado pelo arguido, a sua forma de atuação, aproveitando-se das funções que lhe foram confiadas e a sua postura procurando evitar o pagamento dos prejuízos por si causados demonstram que as necessidades de prevenção especial são bastante elevadas.
Acresce que é entendimento deste Tribunal que esta prevalência deve aferir-se, em regra, na pena única, preservando a unidade e coerência lógicas da punição. Ou seja, por regra devem evitar-se penas mistas porquanto não alcançam as finalidades da punição. É, de resto, o que resulta do n.º 4 do preâmbulo do DL 48/95, de 15-3, ao justificar a extinção de penas cumulativas de multa e prisão.
Donde, serão aplicadas penas de prisão. Importa então ponderar:
- O grau de ilicitude do facto: será de considerar bastante elevado no que respeita a todos os crimes praticados tendo em conta os valores apropriados; o arguido manipulou o seu pai e falsificou documentos como forma de obviar ao pagamento à Santa Casa da Misericórdia das quantas que lhe eram devidas, após se ter reconhecido devedor das mesmas e ter entregue esse mesmo cheque como garantia desse pagamento, como retaliação pela existência do presente processo crime;
- O modo de execução do facto: apropriação de verbas a coberto da total confiança que em si era depositada e da ausência de devida fiscalização e controle, não tendo sequer necessidade de dissimular a sua atuação;
- O dolo do arguido, que reveste a forma de dolo direto, muito intenso uma vez que resulta duma atividade que se desenrolou no tempo durante mais de um ano;
- Os motivos que determinaram a prática do facto - enriquecimento ilegítimo através da apropriação indevida de dinheiro que pertencia à Santa Casa da Misericórdia para sustentar o seu vício de jogo;
- As condições pessoais do arguido relativas ao seu percurso de vida, enquadramento social e familiar e sua situação económica, na medida dos factos que resultaram provados e o vício de jogo de que padece;
- A conduta anterior ao facto e posterior a este, sendo de atentar, em seu benefício, a inexistência de antecedentes criminais, a sua auto exclusão dos sites de jogos/apostas e acompanhamento médico e em seu desfavor a ausência de qualquer ato demonstrativo de arrependimento, sendo manifesto a sua total indisponibilidade em ressarcir os prejuízos causados, sendo que os únicos pagamento efetuados até ao momento foram coercivos;
- Por outro lado há que ter em conta que as necessidades de prevenção geral são elevadas atenta a frequência e gravidade com que são praticados crimes desta natureza, que geram um sentimento generalizado de desconfiança.
Tudo visto e ponderado, e considerando ainda que o crime de falsidade de informática constituiu o meio através do qual o arguido consumou o crime de burla informática, considera-se adequada a condenação nas seguintes penas parcelares:
- quatro anos e seis meses de prisão relativamente ao crime de furto qualificado;
- dois anos e seis meses de prisão relativamente ao crime de burla informática;
- um ano relativamente ao crime de falsidade informática;
- um ano e seis meses relativamente ao crime de falsificação de documento.

Procedendo ao cúmulo jurídico das penas acabadas de fixar, temos como limite mínimo a pena de quatro anos e seis meses de prisão e como limite máximo a pena de nove anos e seis meses.
Tendo em conta a matéria provada quanto aos crimes cometidos e à personalidade do arguido, designadamente o seu vício de jogo e a sua postura com vista a evitar o ressarcimento dos danos (art. 77.º do Cód.Penal) considera-se adequada a condenação numa pena que se situe no patamar médio daqueles limites, fixando-se assim a pena única em sete anos de prisão.»

O raciocínio do Tribunal recorrido é absolutamente claro e inequívoco quanto às razões da escolha das penas e da determinação do seu quantum.
O recurso que avaliamos não fragiliza tal raciocínio, sendo certo que não foi dada prevalência à prevenção geral sobre a prevenção especial. O Tribunal limitou-se a acentuar que as «necessidades de prevenção geral são elevadas atenta a frequência e gravidade com que são praticados crimes desta natureza, que geram um sentimento generalizado de desconfiança.»

Nenhum reparo nos merece a opção por penas privativas de liberdade.
Todavia, no contexto descrito no acórdão recorrido e com os olhos postos na ausência de antecedentes criminais do Recorrente, entendemos que as penas de prisão a impor não devem ultrapassar o primeiro quarto das respetivas molduras penais abstratas.
Assim, fixamos (i) em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão a condenação pela prática do crime de furto qualificado, (ii) em 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão a condenação pela prática do crime de burla informática, (iii) em 1 (um) ano de prisão a condenação pela prática do crime de falsidade informática, e (iv) em 1 (um) ano de prisão a condenação pela prática do crime de falsificação de documento.
E em cúmulo jurídico, deve ser imposta a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

(v) Do modo de cumprimento da pena
Considerando que a pena imposta, em cúmulo jurídico ultrapassa os 5 (cinco) anos de prisão e o disposto no n.º 1 do artigo 50.º do Código Penal, a questão de uma pena de substituição não pode colocar-se.
Tornando-se inútil o conhecimento do recurso, neste segmento.


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência,
a) Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material,
- de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204.º, n.º 2, alínea b) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- de um crime de burla informática, previsto e punido pelo artigo 221.º, n.º 1 e n.º 5, alínea a), do Código Penal, na
pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
- de um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 e n.º 3, da lei do Cibercrime, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) manter, em tudo o mais, o decidido.

Sem tributação.

û
Évora, 2023 abril 18
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Maria de Fátima Cardoso Bernardes

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] in “Direito Criminal”, Tomo I, Livraria Almedina, 1971, fls. 315 e seguintes.