Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
95/17.8JASTB.E2
Relator: ANA BACELAR
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
ACTO SEXUAL DE RELEVO
IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I - A lei penal não fornece uma densificação do conceito de ato sexual de relevo, nem casuística exemplificativa. Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes.
II – O comportamento do arguido com as suas alunas, que envolveu a introdução uma das suas mãos por dentro da roupa das menores e, em contacto com a pele destas, o toque, a carícia, a massagem no pescoço, peito/tronco, mamilos e barriga, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna. E tem cariz sexual, pelas zonas que o arguido escolheu para tal “contacto” e pela forma como o estabeleceu – com a pele das crianças, por baixo da roupa que envergavam. É um contacto com o que não está à vista, perfeitamente calculado, que exige esforço e revela busca de intimidade.
III. Mas não tem o relevo exigido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal – (i) porque ocorreu apenas uma vez, com cada uma das referidas crianças, (ii) porque ocorreu em público e (ii) porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito.
IV. Neste contexto, tais comportamentos não entravam de forma significativa a livre determinação sexual das vítimas. Pelo que fica apenas preenchida a previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal – cometeu o arguido onze crimes de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação do Évora

I. RELATÓRIO
No processo comum n.º 95/17.8JASTB do Juízo Central Criminal de Setúbal [Juiz 2] da Comarca de Setúbal, mediante acusação pública, foi pronunciado
AAA, (…),
pela prática, em autoria material e concurso real, de vinte e seis crimes de abuso sexual de crianças agravado, previstos e puníveis pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código Penal.

Não foi apresentada contestação escrita.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, após comunicação de alteração não substancial de factos e de alteração da qualificação jurídica constante da decisão instrutória de pronúncia, por acórdão proferido e depositado em 5 de junho de 2020, foi, entre o mais, decidido:
a) absolver o arguido AAA do cometimento de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal – tendo por ofendidas as menores BBB, CCC, DDD, EEE e FFF;
b) condenar o Arguido AAA pelo cometimento, em autoria material, concurso efetivo e na forma consumada, de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 (cedendo a qualificativa prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea b) do Código Penal) – tendo por vítimas as menores GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ – na pena, por cada um dos crimes, de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão;
c) proceder ao cúmulo das penas parcelares indicadas em b), condenando-se o arguido na pena única de 8 (oito) anos de prisão efetiva;
d) condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com indivíduos menores de idade, que se fixa pelo período de 10 (dez) anos – artigo 69.º-B, n.º 2, do Código Penal;
e) condenar o Arguido no pagamento das custas e encargos penais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC’s, aqui considerando a circunstância de ter sido requerida a abertura da instrução – cfr. artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 524.º do Código de Processo Penal, e artigos 8.º, n.º 5 e 16.º do Regulamento das Custas Processuais.

Na sequência de recurso interposto pelo Arguido, este Tribunal da Relação, por acórdão proferido em 10 de novembro de 2020, ordenou o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade.

Devolvido o processo à 1.ª Instância, em 18 de novembro de 2021 foi proferido novo acórdão, onde, entre o mais, se decidiu:
«1. Absolver o arguido AAA do cometimento de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças agravados, previstos e punidos pelos artigos 171.º n.º 1 e 177.º n.º 1, alínea b) do Código Penal – relativamente aos factos imputados sobre as menores BBB, CCC, DDD, EEE, E’E’E’ e FFF;
2. Condenar o arguido AAA pela prática em autoria material e na forma consumada no ano letivo de 2017/2017 na sala de aulas onde lecionava na Escola Primária (…) de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1, cedendo a qualificativa prevista no artigo 177.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal nas seguintes penas parcelares:
a) 2 (dois) anos de prisão pelos factos praticados sobre as menores MMM, OOO, QQQ, SSS, YYY, UUU, VVV, WWW, III, HHH e LLL, num total de 22 anos de prisão.
b) 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pelos factos praticados sobre as menores NNN, PPP, ZZZ, JJJ, GGG, RRR, TTT, KKK e YYY, num total de 13 anos e 6 meses de prisão.
c) Proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares e condenar o arguido AAA na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão.
d) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com crianças menores de 14 anos, por período que se fixa em 20 (vinte) anos.
(…)»

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:
«1 - Entende o recorrente, que o acórdão prolatado padece da nulidade prevista na alínea c) do artigo 379.º do C.P.P, uma vez que, a acusação/pronúncia é omissa quanto à narração dos factos que integravam o tipo p.p. no n.º 1 do artigo 171.º do C.P.
1.1 - Cotejando os factos objeto da dita comunicação, ocorrida na sessão do dia 05.11.2021, com o acervo factual vertido no novo Acórdão, constata-se que o Tribunal “a quo” transformou uma conduta atípica numa conduta típica, uma vez que, os factos “novos” aditados, passaram a constituir os pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 9, dos factos dados como provados, que concretizam o que o arguido fez a cada uma das 20 (vinte) menores, detalhando assim o modo de execução e as circunstâncias em como aquele lhes terá tocado, especificando desta forma os atos sexuais, – Idem (bold e sublinhado nosso). Cfr. despacho de acusação de 26/08/2019 com refª Citius n.º 88788042, ata da leitura da decisão instrutória de 21/11/2019 com refª Citius n.º 89362010, ata de 05/11/2021 com refª Citius n.º 93498778, ata da leitura do acórdão de 18/11/2021 [pág. 18 do acórdão] com refª Citius n.º 93596082, depósito de 19/11/2021 com refª Citius n.º 93607239 e Ac. da Relação de Coimbra de 21/06/2015 - proc.n.º 89/12.0EACBR.C1 (bold e sublinhado nosso).
1.2 - Ora, não estando em causa uma deficiente redação da peça acusatória, factos meramente circunstanciais, nem tão pouco perante a descrição de uma mesma realidade de modo diferente, tratando-se, antes, de elementos essenciais do tipo objetivo, de forma alguma compatíveis com a mera remissão para elementos de prova pré-existentes nos autos, afigura-se-nos claro ter agido o tribunal à margem da ratio que preside à alteração não substancial dos factos [artigo 358.º do CPP], não podendo igualmente, na nossa perspetiva, a situação ser sanada com recurso ao regime do artigo 359.º do CPP, na medida em que, conforme a define o legislador, alteração substancial dos factos é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis” al. f) do art.º 1.ºdo CPP]. – Idem.
1.3 - (...) Não divergimos, assim, da fundamentação do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015 [in DR, 1.ª série, de 27 de janeiro de 2015] quando, a propósito da impossibilidade de, com recurso ao artigo 358.º do CPP, colmatar a ausência da descrição na acusação dos elementos subjetivos do tipo, refere: (...) ”Porém, se não é aplicável, nestas situações, o mecanismo do art.º 358.º do CPP, também não será caso de aplicação do art.º 359.º, pois, correspondendo a alteração à transformação de uma conduta não punível numa conduta punível (e, nesse sentido, substancial) ou, como querem alguns, uma conduta atípica numa conduta típica, a verdade é que ela não implica imputação ao arguido de crime diverso. Pura e simplesmente, os factos constantes da acusação (aqueles exatos factos) não constituem crime, por não conterem todos os pressupostos essenciais de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança criminais” - Cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº17/2015, publicado no DR, 1.ª série, de 27 de janeiro de 2015 (bold e sublinhado nosso).
1.4 - Desconsiderada que foi prova pré-estabelecida (memórias futuras) que já aquando da respetiva prolação constavam dos autos de inquérito, inquirições essas que determinariam a possibilidade de introduzir os factos na acusação imprescindíveis à conformação do ilícito típico em questão.
1.5 - Descartada que foi tal prova, a acusação/pronúncia não continha os factos integradores do crime de abuso sexual de crianças, p.p. no n.º 1 do art. 171.º do C.P.. Pelo que, o Tribunal de 1.ª instância ao aditar os factos 4, 5, 6, 7, 8 e 9 e ao dá-los como assentes no acórdão, transformou uma conduta atípica para uma conduta típica, violando o princípio da tipicidade contido no art.º 1.º do Código Penal, princípio esse corolário do principio da legalidade ,consagrado no artigo 29.º, n.º 1, da Lei Fundamental, “nullum crimen sine lege”, tal princípio da tipicidade exprime-se, em direito penal, na exigência de normas prévias, escritas e precisas e igualmente desrespeitou o principio do acusatório constitucionalmente imposta pelo n.º 5 do art.º 32.º da CRP.
1.6. - E, por tal motivo, o Tribunal “a quo” tomou conhecimento de questão que não podia conhecer, violando destarte os princípios da tipicidade, legalidade, do acusatório e da vinculação temática.. - Vide n.º 1 do artigo 29.º, e 32.º n.ºs 5 e 8 todos da CR, artigo 1.º CP, artigo 118.º, alínea b) do n.º3 do art.º 283.º, e 2 do artigo 308.º, art.º 340.º, n.º 1 do artigo 358.º e n.º 1 do art.º 355.º todos do Código de Processo Penal.
1.7 - Assim se considerando, devem Vossas Excelências, julgar verificada a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia nos termos do art.º 379.º n.º 1 al. c) do C.P.P. e, em consequentemente, podem absolver o recorrente.
2.- Entende o recorrente que o Tribunal a quo, não podia ter dado como provados os factos numerados sob os números 4, 5 e 6 do acórdão recorrido, com base na valoração de prova pré-constituída não indicada na acusação/pronúncia, nem apresentada oficiosamente para exame e discussão em julgamento, quer de prova indicada na acusação (declarações para memória futura), mas que assumiu como impercetível e até parcialmente perdida, para assim sustentar a decisão condenatória.
2.1 - A acusação e do despacho de pronúncia padecem de deficiente descrição factual, omissão que deveria ter gerado a absolvição do recorrente, mas que após reenvio do autos pelo venerando Tribunal da Relação de Évora para novo julgamento, o Tribunal a quo optou superar através da alteração factual nos termos do artigo 358.º do Código de Processo Penal.
2.2 - Opõe o recorrente que essas normas dada a deficiência da prova não podem ser usadas como expediente, para alterar o objeto do processo, e que foi precisamente o que sucedeu no caso “sub judice”,
2.3 - Veja-se a matéria que no acórdão o tribunal à quo deu por assentes nos pontos 4, 5 e 6, que se dão por reproduzidos;
2.4 - Sendo que, as provas antecipadas que foram valoradas pelo Tribunal “a quo”, para dar como provados estes identificados factos do acórdão, foram as filmagens – (aprendidas aquando da busca no quarto do arguido na casa onde vivia com seus pais); os fotogramas - Extraídos destas filmagens; as declarações do arguido em sede de 1.º interrogatório judicial; e, as declarações para memória futuraVd. págs. 18 a 24
2.5 - Ora as filmagens e aos fotogramas não foram arroladas pelo M.P. como meios de prova na acusação porque: quanto ao crime p. e p. pelo artigo 199.º do C.P., carecia de legitimidade, pelo que arquivou, nesta parte os autos.
2.6 - Também, não o fez quanto ao crime público p. e p. pelo 171.º, n.º 1 do C.P., porque nas filmagens e os fotogramas os visados não eram “vitimas” nos autos;
2.7 - Ora, não tendo o Ministério Público indicado a referida prova na acusação entende a defesa que o tribunal a quo só a poderia usar na decisão se a carreasse para julgamento, oficiosamente, e ao abrigo do disposto do artigo 340º do CPP, e mediante a devida comunicação, ao arguido, o que não sucedeu.
2.8 - Já que, embora as filmagens na praia e na piscina aprendidas na busca domiciliária e os fotogramas delas extraídos constassem do processo desde a fase de inquérito, não foram indicados pelo Ministério Público nos meios de prova arrolados na acusação e a produzir em julgamento;
2.9 - E nem foram apresentados oficiosamente pelo Tribunal, em sede de audiência de julgamento, em obediência aos princípios da imediação e do contraditório, para serem examinados e discutidos, não podendo pois, perante a omissão desta formalidade legal, o tribunal fundamentar a sua decisão nessas provas.
2.10 - Pelo que, é forçoso concluir, que esses elementos constituem prova proibida, que o Tribunal “a quo” não podia valorar para sustentar os factos que deu como provados sob os n.ºs 4, 5 e 6 do acórdão.
2.11 - Idêntica conclusão é, a nosso ver, igualmente válida para a prova antecipada arrolada pelo Ministério Público na acusação, ou seja, para as declarações do arguido em sede de 1.º interrogatório judicial e para as declarações para memória futura.
2.12 - Porque, em sede de 1.º interrogatório judicial, o arguido negou a prática dos crimes de gravações e fotografias ilícitas e de abuso sexual de crianças e em sede de julgamento, usou do direito ao silêncio, faculdade que lhe assiste e que não impede a reprodução das declarações por este prestadas em 1º interrogatório judicial.
2.13 - Já quanto as declarações prestadas pelo arguido sobre as filmagens, em sede de 1.º interrogatório judicial tal regra não se aplica porque tal matéria não consta da acusação e foi objeto de arquivamento nesse despacho final do inquérito, nesta vertente constituindo meio proibido de prova;
2.14 - E ainda porque o que o arguido declarou, quanto a essas filmagens, que elas incidiam sobre indivíduos que não são as visadas nos presentes autos; e porque restante que declarou respeita a crime de gravações e fotografias ilícitas que, ilícito que resultou arquivado pelo Ministério Público, por falta de legitimidade para exercer a ação penal.
2.15 - Donde, não pode o Tribunal “a quo” desconhecer que tais declarações constituíam, nesta parte, prova proibida, e que, ao considerar tal prova, coloca em causa as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, delas não podia socorrer-se para sustentar os factos que deu como provados sob os n.ºs 4, 5 e 6 do novo.
2.16 - O mesmo se dirá, quanto à valoração que foi feita pelo Tribunal a quo no que respeita às declarações para memória futura, prestadas, nos termos do artigo 271.º do Código de Processo Penal, pelas menores envolvidas nas condutas imputadas ao arguido e descritas nos pontos 5 e 6 dos factos assentes.
2.17 - Essas provas pré-constituídas, indicadas na acusação, não carecem de ser lidas ou reproduzidas em sede de julgamento para que possam ser tomadas em conta e constituir prova validamente considerada para a formação da convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto
2.18 - Todavia, para essa fundamentação decisória era indispensável que essas declarações/ prova testemunhal, estivessem em condições de ser apreciadas no seu todo o que não se mostra respeitado quando o registo destas se mostre, de alguma forma, comprometido, como sucede no caso em apreço.
2.19 - Ora, é o próprio Tribunal a quo que salienta que, das declarações gravadas em DVD só algumas estão percetíveis, como por exemplo a filmagem da DDD, havendo outras em que o registo ou nunca se materializou ou se perdeu, como é o caso das declarações para memória futura das menores, UUU, VVV, WWW, YYY, VVV, E’E’E’, e da FFF - Idem pág. 18.
2.20 - E ainda que, das declarações gravadas no sistema citius, há partes dos depoimentos que estão impercetíveis, e que essas impercetibilidades se encontram rigorosamente refletidas nas declarações reduzidas a escrito por via das transcrições materializadas nas pastas anexas nos autos,
2.21 - Pelo que, não se pode conceder na decisão do tribunal a quo, quando decide valorar esta prova, dando como provados os factos indicados sob os n.ºs 4 a 6 do acórdão posto em crise, desconhecendo a totalidade das declarações.
2.22 - Porque, a prova que haverá de servir de fundamento à convicção do julgador sobre a matéria de facto, não pode, em caso algum, mostrar-se violada na sua integridade probatória.
2.23 - Destarte, diante do cenário altamente fragmentado de declarações para memória futura que se deixou descrito - umas porque se perderam, outras porque são impercetíveis ou não chegaram sequer a ser registadas, - considera a defesa que a posição do Tribunal “a quo” é indefensável e a decisão é nula;
2.24 - A opção de avançar na decisão final condenatória diante de uma prova “assaltada” na sua genuinidade, compromete, irremediavelmente, a função jurisdicional e o direito de defesa do arguido em sede de recurso! Como se defende o arguido da factualidade que lhe é imputada, e que o tribunal a quo assentou por provada, quando os autos não fornecem a prova completa, se a prova testemunhal se apresenta deficiente, cortada, perdida e incompleta?
2.25 - E, como pode arguido recorrente impugnar a matéria de facto, designadamente a dos pontos 4, 5 e 6 da decisão revidenda, se dos autos não consta toda a prova produzida para nela apoiar a sua argumentação.
2.26 - Nenhum arguido pode ser condenado, como o foi o recorrente, se o tribunal de julgamento não dispuser de toda a prova produzida in casu, pelas testemunhas, cujos depoimentos nem sequer tomou, diretamente, em audiência e se, as gravações para memoria futura que acolheu, se encontram impercetíveis, algumas foram perdidas e outras não ficaram sequer registadas.
2.27 - Mas o tribunal a quo, reconhecendo esta realidade probatória, optou por premiar o arguido com as declarações em falta (porque foram perdidas, não gravadas ou impercetíveis) tomando-as por desfavoráveis àquele, apesar de não as conhecer, e fundamentar a sua decisão de facto apenas nas declarações salvas (porque gravadas, transcritas), e como se esgrime a justeza desta ponderação?
2.28 - Mais, como pode o Tribunal de 1.a instância apreciar e decidir e condenar o arguido com depoimentos cujas gravações – memória futura - acolheu reconhecendo se encontram impercetíveis, algumas foram perdidas e outras não ficaram sequer registadas.
2.29 - A prova produzida, e que haverá de servir de fundamento à convicção do julgador sobre a matéria de facto, não pode, em caso algum, mostrar-se violada na sua integridade probatória. Pelo que, a prova assim produzida e acolhida na decisão mostra-se, sem dúvida, ferida de nulidade insanável, já que, não é só a função jurisdicional que está aqui em causa, como, igualmente, o direito de defesa do recorrente. - Cfr. artigos 9.º do Código de Processo Penal e 32.º n.º 1 e 5 e 202.º da CRP.
2.30 - Destarte, uma tal realidade probatória como aquela com que nos deparamos, representa uma violação da função de julgar e de apreciar todos os factos submetidos a Juízo para subsumi-los ao direito – Cfr. artigos 9.º do Código de Processo Penal e 202.º da CRP.
2.31 - E que, naturalmente, tem implicações indiscutíveis não só na função jurisdicional, como, igualmente, nos direitos e garantias constitucionais do arguido, que vê a sua posição prejudicada pela errada valoração de uma prova que influencia a decisão da causa – Cfr. 32º e 202º todos da CRP e 9º, 355.º, n.º 2 e 356.º todos do CPP.
2.32 - Assim, na decisão condenatória de que se recorre, quis o Tribunal “a quo” sanar uma nulidade que é, na sua essência, insanável, já que, a deficiência da mencionada prova, não lhe permitia exercer cabalmente a sua função jurisdicional, afetando a mais pura função da judicatura, que é a de julgar e decidir com base em todo o acervo probatório e não só uma parte da prova - Vide
2.33 - Mais, como conseguirá o tribunal a quem cumprir a sua função, e reapreciar o recurso de facto, se está impedido de aceder a toda a prova produzida, não só aquela que constitui a fundamentação da decisão, ou a que o recorrente invoca, mas a toda a prova? - Cfr. Art.s 412º e 428º e 431º todos do CPP
2.34 - “Não tendo sido invocada pelo recorrente a deficiente gravação da prova, nomeadamente da ofendida, mas verificando-se a mesma, ainda que a lei não comine expressamente esta nulidade como insanável, nem por isso a mesma pode deixar de ser de conhecimento oficioso, porquanto está em causa o exercício da plena jurisdição por este tribunal de recurso, o que, manifestamente, deve ser equiparado à falta do número de juízes que devem constituir o tribunal ou à violação das regras legais relativas a respetiva composição” - Cfr. Ac. Relação de Lisboa de 11.07.2019, in proc. n.º 120/17.2T9PTS.L1
2.35 - Com efeito, a deficiente gravação da prova constitui erro apenas imputável à atividade do tribunal, não sendo, por isso, defensável que as consequências de tal erro se possam transferir para os destinatários da decisão, mormente por inutilizar a apreciação do recurso quanto à matéria de facto.- Vide Acórdão citado.
2.36 - Ao decidir como decidiu, lançando-se na condenação do arguido, preenchendo com prova proibida e com abalo da função que lhe está cometida, os elementos do tipo em falta na acusação genérica submetida a julgamento, está a decisão proferida ferida de nulidade insanável, que expressamente se invoca e argui.
2.37 - E cujo reconhecimento, por esta via recursiva, reclama por violação da função jurisdicional e do direito de defesa do recorrente, conforme o disposto nos artigos 9.º, 119.º alínea a), 126.º, n.º 1, e 3, 283.º nº. 3; 355.º n.º 2; 356.º; 358.º, 359.º e artigos 32.º, n.º s 1, 5, 8 e 202.º da CRP.
3. - A de saber se o acórdão prolatado padece da nulidade prevista na alínea b) do artigo 379.º do C.P.P, porque, sem prévia comunicação ao recorrente da indicação ou concretização dos meios de prova de onde resultava a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão , exigida pelo art.º 358.º do C.P.P, ou, a exigida pelo art.º 359.º do CP. Tal qual, a de saber se o acórdão sofre do mesmo vício por o recorrente ter sido condenado com base em factos diversos que constituem uma alteração substancial dos imputados na pronúncia, sem que, que tivesse sido dado cumprimento ao disposto no artigo 359º do CPP
3.1 - O Venerando Tribunal da Relação de Évora anulou o acórdão prolatado no que concerne ao ponto 5 da matéria dada como provada, padecia do vicio de insuficiência para a decisão de direito
3.2 - Em 05.11.2021 na sessão de audiência de discussão e julgamento foi comunicada ao recorrente uma alteração não substancial dos factos nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 358.º n.º 1 do Código de Processo Penal (negrito nosso) - Cfr. Ata de 05.11.2021, ref. Citius n.º 93498778.
3.3 - Tendo sido comunicado o seguinte:
“Deliberou o coletivo proceder a uma alteração não substancial de facto nos termos do artigo 358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, passando a imputar ao arguido os seguintes factos:
1. O arguido AAA, (…)
2. No âmbito das suas funções, o arguido AAA, (…).
3. Nesse contexto, o arguido AAA, durante o ano letivo de 2016/2017, passou a manter contacto, de forma quotidiana, com as crianças, suas alunas, todas menores de 14 (catorze) anos de idade, o que sucedeu, em concreto, com:
(…)
4. Desde data não concretamente apurada, mas certamente durante o ano letivo de 2016/2017, o arguido AAA, prevalecendo-se da proximidade de que gozava, das crianças identificadas em 3), por força do exercício das suas funções e, bem assim, da confiança e ascendente que estabeleceu com as mesmas, decidiu e conseguiu manter contactos de natureza sexual com parte daquelas, apesar de estar ciente das suas idades.
5. Assim, o arguido AAA, enquanto se encontrava a ministrar a disciplina (…), no interior da sala de aulas, aproximou-se por trás do lugar de carteira das menores visadas e, aparentando pretender corrigir um exercício ou tirar uma dúvida, mas com o intuito de satisfazer instintos libidinosos que tentou ocultar das próprias visadas e dos restantes menores presentes na sala de aula, posicionou-se por de trás de cada uma delas, debruçando-se sobre o seu corpo e praticou as seguintes condutas, pelo menos uma vez:
a) MMM:
Massajou o pescoço da menor e introduzindo uma das mãos por dentro da roupa, massajou o peito; fez cócegas na barriga por dentro e por fora da roupa.
b) OOO,
Mexeu nas pernas quando a menor trazia uns leggins vestidos e introduziu a mão por dentro da roupa tocando na pele da menor em zona do tronco não concretamente apurada; tratou a menor por “Querida”.
c) QQQ,
Acariciou o peito da menor, por fora e por dentro da roupa, tocando neste caso na pele da menor, mas sem tocar nos mamilos.
d) SSS,
Introduziu a mão por dentro da roupa tocando nos mamilos e acariciou e apertou a barriga da menor por fora da roupa.
e) XXX,
Introduziu a mão por dentro da roupa deslizando a mão em contacto com a pele da menor pelo tronco até à barriga, efetuando movimentos circulares; fez cócegas na barriga.
f) UUU,
Introduziu a mão por dentro da roupa tocando na pele da menor no centro do peito sem chegar a tocar nos mamilos.
g) VVV,
Introduziu a mão por dentro da roupa e deslizou em contacto com a pele do tronco da menor até à zona situada por baixo do peito e acima da barriga.
h) WWW,
Introduziu as mãos por dentro da roupa e tocou na pele da menor na zona do peito entre os mamilos. Acariciou a mesma zona do peito por fora da roupa.
i) III,
Acariciou a barriga da menor por baixo da roupa tocando-lhe na pele.
j) HHH,
Introduziu a mão por baixo da roupa no tronco da menor e acariciou a pele em zona não concretamente apurada fazendo movimentos circulares.
k) LLL,
Introduziu a mão por dentro da roupa, acariciando a pele da menor em zona não concretamente apurada do tronco.
l) NNN,
Acariciou a zona do peito por cima da roupa; fez cócegas na barriga e, segredando ao ouvido da menor, tratou-a por “fofinha” e dizendo-lhe ainda que a mesma era muito querida.
m) PPP,
Sentou a menor ao colo e acariciou-lhe o tronco por cima da roupa, provocando-lhe cócegas.
n) ZZZ,
Acariciou os ombros e o peito da menor por cima da roupa.
o) RRR,
Acariciou a barriga e o tronco da menor na zona do peito, por cima da roupa.
p) TTT,
Acariciou as pernas quando a menor envergava uns calções. Acariciou o tronco na zona das maminhas, a barriga e os ombros da menor, por cima da roupa.
q) YYY
Acariciou a barriga da menor por cima da roupa
r) JJJ,
Acariciou a barriga e o peito da menor por cima da roupa.
s) GGG,
Acariciou o tronco da menor por cima da roupa percorrendo a zona do peito até à barriga.
6. Com o mesmo intuito que tentou igualmente ocultar, aparentando pretender corrigir um exercício, chamou no decurso de uma aula a menor KKK à sua secretária e, conseguida a proximidade necessária, colocou a sua mão por baixo do braço da menor, acariciando por cima da roupa o peito da desta.
7. Ao agir da forma descrita em 5) e 6), o arguido AAA sabia que as crianças eram menores de 14 anos e que tocando e acariciando as mesmas da forma descrita, punha em causa o seu livre desenvolvimento da personalidade, na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.
8. Para tanto, aproveitou a confiança em si depositada pelas crianças identificadas e o ascendente que exercia sobre aquelas, por força das suas funções de professor, que lhe garantiam autoridade e proximidade diária, constrangendo-as a um contacto físico de natureza sexual que as mesmas não queriam e que não estavam habilitadas a consentir.
9. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabia que as condutas que praticou eram proibidas e punidas por lei, tinha capacidade para se determinar de acordo com essa avaliação e controlar o seu instinto libidinoso e, ainda assim, não se absteve de tocar nas menores da forma e com o intuito descritos.
3.4 - Dentro do prazo que lhe foi concedido a defesa requereu a nulidade do mencionado despacho, alicerçando no seu requerimento datado de 15.11.2021, de que, na comunicação que foi efetuada ao arguido este não tinha sido informado quais eram os meios de prova de onde resultavam aqueles factos aditados, bem como, entendia que os aditamentos identificados sob os n.ºs 4 a 9, e, mais concretamente os identificados nos pontos 5 e 6, consubstanciam uma alteração substancial dos factos e não uma mera alteração da qualificação. - Vide ata supra identificada e requerimento de 15.11.2021, ref. Citius n.º 6108030.
3.5 - Em 18.11.2021 na sessão de audiência de discussão e julgamento deu-se a conhecer ao recorrente o acórdão, e, igualmente foi-lhe comunicado que lhe foram indeferidas as nulidades por si requeridas, pelo que, transcreve-se o dito:
“Relativamente às invocadas nulidades e de forma sumária dizer apenas o seguinte: subscrevendo a promoção do Ministério Público o Tribunal considera que se limitou a dar cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa da Relação de Évora, peço desculpa, e que aliás, foi fundamento de repetição de julgamento, caso contrário, não teria sequer sido realizado.
Por outro lado, entende que tudo o mais se reporta a uma distinta redação que não altera o sentido da anterior, muito pelo que contrário, até reduz, sintetizando, pelo que entende o Tribunal que não há aqui nenhuma alteração (…) substancial de facto, porque designadamente não poderá implicar um aumento abstrato da moldura aplicável. Coisa diferente seria, e até poderei avançar nesta sede, se o Tribunal tivesse introduzido factos novos relativamente a outras menores, e posso adiantar que da análise que o Coletivo fez às declarações para memória futura, uma a uma, entendeu o Tribunal que haveria matéria para o Ministério Público ter acusado também pelas menores (…). Não foi sequer feita menção no acórdão, (…) exatamente porque isso traduzir-se-ia numa alteração substancial de facto, com consequências processuais e uma remessa expectável para inquérito relativamente a estas três menores, o que não traria qualquer acréscimo à Justiça, quer na perspetiva das vítimas quer na perspetiva do arguido, portanto essa matéria foi simplesmente ignorada, mantendo-se o objeto do processo exatamente onde estava e que foi fixado e balizado pelo despacho acusatório.
Pelo que, e feita esta sucinta fundamentação se indeferem as invocadas nulidades.” – Cfr. Ata da leitura do acórdão dia 18.11.2021 com a ref. Citius n.º 93596067.
3.6 – Tendo-lhe sido indeferidas as duas nulidades requeridas e sem neste momento se colocar a questão se os factos novos que lhe foram comunicados, constituem ou não uma mera alteração da qualificação jurídica, ou, uma alteração substancial, entende a defesa que quer num caso ou noutro, é obrigatório o Tribunal “a quo” efetuar a prévia comunicação ao recorrente da indicação ou concretização dos meios de prova de onde resultava a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão – Vide requerimento do dia 5.11.2021, ref. Citius n.º 6108030 e ata da leitura do acórdão dia 18.11.2021 com a ref. Citius n.º 93596067.
3.7 - Com é do nosso conhecimento, o nosso processo penal tem natureza/estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório, conforme o preceituado no n.º 5, do artigo 32.º, da CRP.
3.8 - O que significa que o objeto do processo a discutir e a apreciar pelo tribunal, ou dito de outro modo, os factos em apreciação e o seu enquadramento jurídico, estão delimitados pelo teor da acusação ou pela pronúncia.
3.9 - Daí que, atento o princípio da vinculação temática, quando é comunicado ao arguido uma alteração não substancial do factos, ou, substancial, surge então a necessidade de dar cumprimento ao disposto no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, ou, ao disposto no artigo 359º do CPP.
3.10 - O despacho exarado na audiência de discussão e julgamento no dia 05.11.2021 , embora, tenha comunicado ao arguido os factos novos objeto da alteração, porém, não efetuou a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão.
3.11 - Pelo que, não tendo o Tribunal Coletivo efetuado a mencionada comunicação não cumpria as exigências do artº 358º do C.P.P, ou, exigida pelo artº 359º do CPP e por tal motivo o despacho era nulo.
3.12 - Igualmente pugnou no já citado requerimento 15.11.2021, que os factos novos que lhe foram transmitidos de 05.11.2021, consubstanciavam não uma mera alteração da qualificação jurídica, mas, uma verdadeira alteração substancial dos factos. - Vide ata de 05.11.2021, ref. Citiu n.º 93498778 e requerimento do dia 15.11.2021, ref. Citius n.º 6108030
3.13 - Porém, assim não entendeu o Tribunal “a quo”, referindo em síntese (....) que entende que tudo o mais se reporta a uma distinta redação que não altera o sentido da anterior, muito pelo contrário, até reduz, sintetizando, pelo que entende o Tribunal que não há aqui nenhuma alteração (…) substancial de facto, porque designadamente não poderá implicar um aumento abstrato da moldura aplicável (.....) mantendo-se o objeto do processo exatamente onde estava e que foi fixado e balizado pelo despacho acusatório. Cfr. Ata de 05.11.2021, ref. Citius n.º 93498778.
3.14 - Defende o recorrente, que tal alteração é substancial, dado que, tendo sido desconsiderada pelo M.P. prova pré-estabelecida (memórias futuras) das respetivas inquirições que determinariam a possibilidade de introduzir os factos na acusação imprescindíveis à conformação do ilícito típico em questão, coisa que não aconteceu.
3.15 - O Venerando Tribunal da Relação de Évora conclui que quer a acusação quer a pronúncia padeciam do vicio de insuficiência de factos dados como provados - Cfr. Pág. 74.
3.16 - Razão pela qual, entendeu que os factos dados como assentes no anterior acórdão proferido pelo Tribunal de 1.a Instância eram insuficientes para condenar o arguido pelos vinte crimes de abuso sexual de menores, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal.
3.17 - Considera o recorrente que perante tal insuficiência de factos, os factos aditados o Tribunal “a quo” mais concretamente no ponto 4, 5, 6, 7 a 9 quando referem que este se aproximava das menores deliberada e maliciosamente, somente com o intuito de praticar com estas atos sexuais, fingindo para o efeito pretender corrigir exercícios ou tirar dúvidas, de modo a que estas não percebessem da sua pretensão. Cfr. Ata de 05.11.2021, ref. Citius n.º 93498778
3.18 - E, porque igualmente concretizam o que o recorrente teria feito, a cada uma das 20 menores, detalhando o ato sexual praticado, ou seja, a forma e as circunstâncias em que o arguido lhes tocou - Vidé doc. citado.
3.19 - E que tocando e acariciando as mesmas da forma descrita em 5 e 6 - Vidé doc. citado.
3.20 - Poderia ter-se abstido de tocar nas menores da forma e com o intuito libidinoso- Vidé doc. citado.
3.21 - Cotejando os factos objeto da dita comunicação, ocorrida na sessão do dia 05.11.2021, com o acervo factual vertido no novo Acórdão, constata-se que, passaram a constituir os pontos 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Não estava em causa uma deficiente redação da peça acusatória/pronúncia, nem de factos meramente circunstanciais, nem tão pouco perante a descrição de uma mesma realidade de modo diferente, tratando-se, antes, de adição de factos que preenchem os elementos essenciais do tipo, afigura-se-nos claro ter agido o tribunal à margem da ratio que preside à alteração substancial dos factos, exigida pelo artigo 359.º do CPP.
3.22 - Pelo que, aquela transformação do quadro factual descrito na acusação/pronúncia em outro diverso no que se refere a elementos essenciais do tipo, consubstancia uma verdadeira alteração substancial dos factos prevista no art.º 359.º do CPP e não numa mera alteração da qualificação jurídica prevista no art.º 358.º do citado. – Idem (bold e sublinhado nosso). - Cfr. despacho de acusação de 26/08/2019 com refª Citius n.º 88788042, ata da leitura da decisão instrutória de 21/11/2019 com refª Citius n.º 89362010, ata de 05/11/2021 com refª Citius n.º 93498778, requerimento de 15.11.2021, ref. Citius n.º 6108030, ata da leitura do acórdão de 18/11/2021 com refª Citius n.º 93596082, depósito de 19/11/2021 com refª Citius n.º 93607239 e Ac. da Relação de Coimbra de 21/06/2015 - proc. n.º 89/12.0EACBR.C1 (bold e sublinhado nosso).
3.23 - Razão pela qual, o Tribunal “a quo” ao interpretar que, quer o n.º 1 do artigo 358.º, quer o artigo 359.º todos do CPP, no sentido de não haver lugar à prévia comunicação ao recorrente da indicação ou concretização dos meios de prova de onde resultava a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão, viola os princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no artigo 32º, nºs 1 e 5, da Constituição da República.
3.24 - Assim se considerando, devem Vossas Excelências, julgar verificada a nulidade do acórdão nos termos do artº 379.º n.º 1 al. b) do C.P.P. e, em consequência, determinar a remessa dos autos à 1ª instância com vista à respetiva sanação, no caso através da reabertura da audiência de julgamento com a comunicação aos sujeitos processuais da indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão, exigida pelo n.º 1 do art.º 358.º do CPP, ou, pelo art.º 359.º do CPP.
4. - O recorrente foi condenado na pena de 8 anos e 6 meses de prisão, pela prática de 20 (vinte ) crimes de abuso sexual de crianças , p.p. pelos artigos 171.º n.º 1 do C.P. Porquanto, terão sido vitimas de tal ato as suas alunas (…) -Cfr. acórdão.
4.1 - Considera o Apelante que, os descritos comportamentos não se subsumem ao n.º 1 do artigo 171.º do C.P., mas à al. a) do n.º 3 do citado artigo;
4.2 - Pelo que, na sua perspetiva, ao classificá-los como atos sexuais de relevo, o Tribunal “a quo” violou a lei substantiva, incorrendo em erro, quer na interpretação quer na determinação da norma aplicável.
4.3 - E, senão, vejamos: É sabido que o artigo 171º do C.P. visa, no essencial, a proteção dos menores relativamente a práticas sexuais com eles levadas a cabo - Cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, págs. 541 e 543.
4.4 - E que o bem jurídico tutelado por tal norma é a liberdade de crescer na relativa inocência até se atingir a idade da razão - Cfr. Ac. do STJ de 12-07-2005, Processo n.º 05P2442, in www.dgsi.pt).
4.5 - É, igualmente, sabido que então teremos que concluir que “(...) após a revisão do Código Penal de 2007, em matéria de criminalidade sexual, (...) e com esta nova criminalização, a lei penal passou a distinguir, atenta a gravidade que representam em relação ao bem jurídico protegido, três categorias de atos: num primeiro plano, e como os atos sexuais menos graves, como os de estão os “atos de caráter exibicionista” e os contactos de natureza sexual; num segundo plano, estão os atos sexuais graves ou de relevo que integram o conceito de ato sexual de relevo; e num terceiro plano estão os atos sexuais mais graves muito graves ou, na designação de Figueiredo Dias, os “especiais atos sexuais de relevo” (cópula, coito anal e oral e penetração vaginal e anal com objetos ou partes do corpo) (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, cit., pág. 441, e Maria do Carmo Silva Dias, “Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual, Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, Número 8, pág. 259).
4.6 - Sendo que: o n.º 1 do artigo 171.º prevê atos sexuais graves ou de relevo, o n.º 2 prevê atos sexuais muito graves ou gravíssimos e o n.º 3 prevê atos sexuais menos graves.
4.7 - No caso sub judice não estão em causa os atos sexuais de relevo tipificados no n.º 2 do artigo 171º do C.P., ou seja, a cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos.
4.8 - Donde, para o que ora interessa, o exercício a realizar será o que consiste na diferenciação entre ato sexual de relevo, p.p. no n.º 1 do artigo 171º e o de importunação sexual, p.p. no n.º 3 al. a) do mencionado diploma.
4.9 - Ambos atentam contra a autodeterminação sexual do menor ofendido, mas apartam-se quanto ao grau de gravidade da conduta, que será mais leve, embora não irrelevante, nos casos de importunação - Cfr. Ac. do STJ de 12-07-2005, Processo n.º 05P2442, in www.dgsi.pt).
4.10 - Ora, como o artigo 171.º não fornece qualquer critério que permita distinguir quais os casos que integram a previsão do n.º 1 e os que integram a previsão do n.º 3, e em particular, os da sua al. a), importa analisar, no caso concreto, a forma de manifestação dos atos, o contexto em que foram praticados, e a intenção de quem os praticou, quer quanto à sua intensidade para se aquilatar da perigosidade, quer quanto à capacidade de concretização de intuitos e desígnios sexuais visivelmente atentatórios da autodeterminação sexual;
4.11 - Por isso, mal andou o Tribunal de Primeira Instância quando, descurou a idade de algumas das menores, sendo que, até para efeitos de censura acrescida, considerou ser irrelevante apurar com precisão a localização ao centímetro ou ao decímetro quadrado ou anatomia corporal das menores que foi tocada, ou se em cada um dos casos foi à esquerda ou se foi à direita ou se foram em ambas,
4.12 - Bastando-se com a prova de que terá sido uma qualquer delas e que o arguido tocou a parte frontal do tronco das menores, o que se concretizou por vezes zona da barriga, por vezes na zona do peito, somente, sendo relevante apurar se o foi por dentro ou por fora da roupa. - Idem in fine da pág. 27 e pág. 28 do acórdão (bold e sublinhado nosso).
4.13 - Entende o recorrente, face aos factos dados como provados em 3 e 5 e 6 do acórdão tendo em conta de que o arguido lecionou no durante o ano letivo de 2016 e 2017 era então necessário considerar a idade das “vitimas” - WWW, JJJ, GGG, KKK e LLL, já que, as mesmas teriam à data dos factos 7 e 8 anos de idade.
4.14 - Uma vez que, não se desconhecendo porque decorre da experiência comum, que as meninas somente a partir dos 8 a 9 anos, é que começam a ter os primeiros sinais da puberdade e de que os sintomas, são o aparecimento do broto mamário, o "peitinho", e o surgimento de pelos pubianos e/ou axilares.
4.15 - Então, salvo o devido respeito e melhor opinião, mal andou o Tribunal, quando deu como assentes os factos provado e identificado sob o n.ºs 3, 5 e 6, quando afirma que o arguido tocou na zona das maminhas e na zona do peito, bem, na como na motivação, considera irrelevante apurar exatamente qual ou quais as zonas tocadas.
4.16 - Caso tivesse efetuado tal exercício, verificaria que era manifestamente impossível atenta a idade das “vitimas” - que o recorrente em relação à menor WWW, ter acariciado por cima da roupa o peito da menor, tal qual no que concerne à JJJ ter acariciado a barriga e o peito por cima da roupa, igualmente quanto à menor GGG, (...) por cima da roupa ter percorrido a zona do peito até à barriga, bem como, no tocante à KKK, ter acariciado por cima da roupa o peito, e em relação à menor LLL, ter afirmado que aquele acariciou a pele da menor em zona não concretamente apurada no tronco.
4.17 - Razão pela qual, de acordo com a regras de experiência comum e atento o período temporal - 2016/2017 - e, à idade daquelas “vitimas”, considerar, tal como o Tribunal “a quo” fez, de classificar tais atos como atos sexuais de relevo, uma vez, que a puberdade só ocorre a partir dos 8 anos, motivo pelo qual, é ilógico e irracional dar como provado que aquelas menores têm peito, pelo que, salvo o devido respeito e melhor opinião, o Tribunal “a quo” efetuou uma errada interpretação do artigo 171º, que redundou num erro de aplicação do direito;
4.18 - Condenando-se o apelante pelo n.º 1, quando aquele deveria ter sido absolvido, quanto às menores WWW, JJJ, GGG, KKK e LLL, já que atento o período lecionado, 2016 a 2017 esta teriam à data entre 7 a 8 anos de idade, uma vez que, que os comportamentos foram dados como provado em 5.) e 6.) do acórdão não consentiam, segundo os princípios da proporcionalidade e da igualdade, uma interpretação como aquela que realizou o Tribunal “a quo”.
4.19 - E, igualmente o arguido deveria ter sido absolvido em relação à menor YYY, porquanto, o ato dado como provado em 5 traduziu-se numa caricia na barriga da menor por cima da roupa.
4.20 - Devendo, pelas razões mencionadas, absolver o recorrente de 6 (seis) crimes de abuso sexual de crianças p.p. no n.º 1 do art.º 171.º do C.P.
4.21 - Igualmente mal andou o Tribunal, dando como assentes os pontos 5 e 6 dos factos dados como provados, quando classifica os atos sexuais de relevo “praticados” pelo recorrente em relação às menores, identificadas nas alíneas a), b), c) , d), e). f), g), i), j), l), m), n), o), p), condenando-se não o apelante por 20 (vinte) crimes p.p. pelo n.º 1 do artigo 171.º do CP, quando aquele deveria ter sido sancionado pela prática de 14 (catorze) crimes de importunação sexual p.p. pela al. a) do n.º 3 do artigo citado.
4.22 - Em reforço do que disse, veja-se a jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente, o Acórdão da Relação de Évora de 06.06.2017, proferido no processo 77/14.1 GESTC.E1, Ac. STJ de 17.3.04, proc. n.º 439/04-3, e o Acórdão do STJ proferido de 22.02.2018, proferido no processo n.º 351/16.2JAPRT.S1 da 5.ª Secção a Relação de 22.02.2018 e Cfr Ac. STJ de 17.3.04, proc. n.º 439/04-3, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos para todo os efeitos legais e que se encontram identificados na motivação sob o artigo 153, mas que não nos dispensamos de citar pelo menos um deles:
“o mero beijo (ainda que na boca) desacompanhado de quaisquer outros pormenores, não reveste, por si só, a relevância necessária ao preenchimento do tipo
“O facto de o arguido ter dado “um abraço e um beijo na boca”, na menor, não se afigura com relevo, muito menos dela ressalta ter havido qualquer imposição, para dar conteúdo ao elemento típico do crime de importunação sexual de “constrangimento a contacto de natureza sexual”, conforme disposto no art.º 170.º, para onde o art.º 171.º, n.º 3, al. a), do CPP remete -; E, em ambas as normas, quer do artigo 170.º, quer a do art.º 171.º, o predador visa a sua satisfação sexual;
4.23 - Dito isto, atente-se, agora, nos atos praticados pelo arguido e no contexto em que o foram:
ao ministrar a disciplina (…), no interior da sala de aulas, em datas não concretamente apuradas aproximou-se por trás do lugar da carteira das menores visadas (....) na sala de aula, posicionou-se por de trás de cada uma delas, debruçando e sobre o seu corpo e pelo menos fez uma vez
Ex:
a) MMM:
Massajou o pescoço da menor e introduzindo uma das mãos por dentro da roupa, massajou o peito; fez cócegas na barriga por dentro e por fora da roupa;
f) UUU:
Introduziu a mão por dentro da roupa tocando na pela da menor no centro do peito sem chegar a tocar nos mamilos.
i) III:
Acariciou a barriga da menor por baixo da roupa tocando-lhe na pele.
l) NNN:
Acariciou a zona do peito por cima da roupa; fez cócegas na barriga e segredando ao ouvido da menor, tratou-a por “fofinha” e dizendo-lhe ainda que a mesma era muito querida.
m) PPP:
Sentou a menor ao colo e acariciou-lhe o tronco por cima da roupa, provocando-lhe cócegas.
4.24 - É manifesto, que a interação do recorrente com as menores, ocorre na sala de aula, por uma só vez, assume uma gravidade substancialmente menor que a interação que foi patenteada nos casos a que reportam os acórdãos acima apontados.
4.25 - No caso sub judice, o comportamento do recorrente resumiu-se as meras cócegas a festas ou massagens, que realizou com a mão aberta, no tronco das menores, onde lhes tocou por vezes no peito ou na barriga, e uma vezes por baixo da roupa, outras por cima do vestuário que trajavam.
4.26 - Tais gestos/atos não podem, segundo os princípios citados e as regras de experiência comum, ser classificados como atos sexuais de relevo.
4.27 - Tratam-se de atos de intensidade diminuta, que não tiveram em vista a concretização de intuitos e desígnios sexuais visivelmente graves atentatórios da autodeterminação sexual.
4.28 - Devendo antes subsumir-se nos atos de importunação da al. a) do n.º 3 do artigo 171º do C.P., porquanto são desacompanhados de seguida por quaisquer outros atos, como seja, um beijo, ou, mesmo uma carícia na coxa, ou na vagina – neste sentido vd. acórdãos citados entre eles o Ac. STJ de 17/03/04, proc. nº 439/04-3.
4.29 - Pelo que, devem Vossas Excelências alterar a qualificação jurídica realizada pelo Tribunal “a quo” do crime de abuso sexual de crianças , p.p. pelos artigos 171.º n.º 1 do C.P, para o crime de importunação sexual p.p. no n.º 3 al. a) do art.º 171.º do citado código, em relação às alunas identificadas nos factos dados como assentes em 5 e 6, nas alíneas a), b), c), d), e), f), g), i), j), l), m), n), o) e p) condenando-se não o apelante por 20 (vinte) crimes p.p. pelo n.º 1 do artigo 171º do CP, quando aquele deveria ter sido sancionado pela “prática” de 14 (catorze) crimes de importunação sexual p.p. pela al. a) do n.º 3 do artigo citado, dado que, é manifesto, que a interação do recorrente com aquelas, na sala de aula, por uma só vez, assume uma gravidade substancialmente menor que a interação que foi patenteada nos casos a que reportam os acórdão acima apontados.
4.30 - Pugna assim o recorrente, que o Tribunal “a quo” ao interpretar e subsumir que os gestoS por si realizados, na sala de aulas, como atos sexuais de relevo, efetua uma errada interpretação da norma e da sua subsunção dos factos ao direito.
4.31 - Questionando-se na presente sede o processo interpretativo do conceito indeterminado da própria norma incriminadora e da subsunção da situação sub judicie ao tipo legal previsto no art.º 171º, n.º 1 do C.P.
4.32 - Considerando-se que o Tribunal não respeitou “in casu” os limites de interpretação da lei penal decorrentes do princípio da tipicidade, contido no art.º 1º do Código Penal, princípio esse corolário do princípio da legalidade, consagrado no artigo 29.º, nº 1, da Lei Fundamental.
5 - O recorrente impugna a matéria de facto dada como assente, no Acórdão ora recorrido e identificada nos pontos 4 a 11, porquanto, entende que os mesmos foram incorretamente julgados, dado que o Tribunal “a quo” valorou prova proibida, descartou prova produzida em audiência de discussão e julgamento, favorável ao arguido e por isso não a valorou como era seu dever e, no que concerne às que eventualmente podia valorar - as memórias futuras – estas porque algumas delas foram perdidas, outras, porque despareceram, e, daquelas que estão gravadas em grande parte as mesmas estão impercetíveis.
5.1 - Entende que tal vício, conjugado com a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, não permitia que o Tribunal “a quo” pudesse exercer cabalmente a função jurisdicional, tal qual não pode a defesa do recorrente exercer a sua função e igualmente Vossas Excelências terão as mesmas dificuldades, não podendo igualmente exercer cabalmente a vossa função jurisdicional, dado que a prova não pode ser analisada num todo.
5.2 – Apesar de o recorrente estar impedido de impugnar cabalmente a “prova”, tentará demonstrar que o Julgador percecionou mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde efetivamente, ao que foi dito por quem os prestou.
5.3 – Existe erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela e vicia a sua avaliação.
5.4 – Faz uma errada interpretação das regras de experiência comum, daí a existência de um raciocínio ilógico, violando desta forma o princípio da livre apreciação da prova vertido no artº 127.º do C.P.P.
5.5 - Tal censura assenta na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação e igualmente porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos e foi extrapolada a liberdade na formação da convicção.
5.6 - O Tribunal “a quo”, indica que na formação da sua convicção teve como base a análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, declarações para memória futura, primeiro interrogatório judicial de arguido detido e filmagens apreendidas no domicílio, aquando da sua detenção, designadamente no seu quarto e constante de 3 DVD. - Cfr. al. c) da fundamentação de facto (pág. 16 do Acórdão).
5.7 – Existe violação dos passos dados pelo Tribunal “a quo” para a formação de tal convicção, designadamente, porque, se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos, no que concerne às provas antecipadas que foram valoradas pelo Tribunal “a quo” para dar como provados os factos identificados sob os n.ºs 4, 5 e 6 do acórdão foram:
- As filmagens - Aprendidas aquando da busca no quarto do arguido na casa onde vivia com seus pais;
- Os fotogramas - Extraídos destas filmagens;
- As declarações do arguido em sede de 1.º interrogatório judicial; e,
- As declarações para memória futura – Vd. págs. 18 a 24 do acórdão ora recorrido.
5.8 – As filmagens apreendidas no quarto do arguido e os fotogramas delas extraídos, não foram arroladas, pelo Ministério Público, na Acusação que formulou, uma vez que procedeu ao arquivamento do crime p. e p. pelo artigo 199.º do C.P., por carecer de legitimidade.
5.7 – Também não o fez, nem aquando da Instrução, nem durante a audiência de discussão e julgamento, oficiosamente, ao abrigo do disposto do artigo 340.º do CPP. - Cfr. despacho de acusação de 26.08.2019 com ref. Citius n.º 88788042, ata da leitura da decisão instrutória de 21.11.2019 com ref. Citius n.º 89362010, ata de 11.10.2021 da 1.a sessão de julgamento com ref. citius n.º 93295089, ata de 12.10.2021 da 2.a sessão de julgamento com a ref. citius n.º 93308351, ata de 05.11.2021 da 3.a sessão de julgamento, com a ref. citius nº 93498778 e ata de 18.11.2021 da leitura do acórdão com a ref. Citius n.º 93596067.
5.8 – A referida prova (filmagens e fotogramas extraídos), nunca foi examinada nem discutida, do que decorre que foram violados os princípios da imediação e do contraditório, não podendo assim, serem utilizadas pelo Tribunal para fundamentar a sua decisão.
5.9 – A prova em questão (filmagens e fotogramas extraídos), constitui prova proibida, que o Tribunal “a quo” não podia valorar para sustentar os factos que deu como provados sob os n.ºs 4, 5 e 6 do Acórdão ora recorrido. – Cfr. despacho de acusação de 26.08.2019 ref. Citius n.º 88788042, ata de leitura da decisão instrutória de 21.11.2019, ref. Citius n.º 89362010, ata de 11.10.2021 da 1.ª sessão de julgamento, com a ref. Citius n.º 93295089, ata de 12.10.2021 da 2.ª sessão de julgamento, com a ref. Citius n.º 93308351, ata de 05.11.2021 da 3.ª sessão de julgamento, com a ref. Citius n.º 93498778 e ata de 18.11.2021 da leitura do acórdão, com a ref. N.º 93596067, pág. 18 do Acórdão, artigos 1.º, 26.º, n.º 1, 29.º, n.º 1 e 32.º, n.ºs 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República Portuguesa, n.º 1 e 2 do artigo 118.º, n.º 1 e 3 do artigo 126.º, alínea f) do n,º 3 do artigo 283.º, n.ºs 1 e 2 do artigo 308.º e n.º 1 do artigo 355.º, todos do Código de Processo Penal.
5.10 - Idêntica conclusão é, a nosso ver, igualmente válida para a prova antecipada arrolada pelo Ministério Público na acusação, ou seja, para as declarações do arguido em sede de 1.º interrogatório judicial e para as declarações para memória futura.
5.11 - Em sede de 1º interrogatório judicial, o arguido negou a prática dos crimes de gravações e fotografias ilícitas e de abuso sexual de crianças - Cfr. ata de 19.10.2017 do 1º interrogatório do arguido detido, com a ref. citiuis n.º 8483199.
5.12 - Em sede de julgamento, o arguido remeteu-se ao silêncio, tendo-se procedido à reprodução das suas declarações em sede de 1º interrogatório judicial.
5.13 – No caso “sub judice”, as declarações prestadas pelo arguido, na parte referente as filmagens, em sede de 1º interrogatório judicial escapa ao objeto do processo, uma vez que, tal factualidade não consta da acusação e foi objeto de arquivamento, constituindo assim meio proibido de prova e não podendo ser reproduzidas como o foram.
5.14 – O Tribunal “a quo” não pode desconhecer que tais declarações constituíam, nesta parte, prova proibida, e que, ao considerar tal prova, coloca em causa as garantias de defesa do arguido constitucionalmente consagradas, delas não podia socorrer-se para sustentar os factos que deu como provados sob os n.ºs 4, 5 e 6 do Acórdão ora recorrido. - Cfr. despacho de arquivamento e de acusação de 26.08.2019 com a ref. citius n.º88788042, acta da leitura da decisão instrutória de 21.11.2019, ref. Citius n.º 89362010, acta de 19.10.2017 do 1.º interrogatório do arguido detido, com a ref. citiuis n.º 8483199, acta de 11.10.2021 da 1.a sessão de julgamento, com a ref. citius n.º 93295089, acta de 12.10.2021 da 2.a sessão de julgamento, com a ref. citius n.º 93308351, acta de 05.11.2021 da 3.a sessão de julgamento, com a ref. citius n.º 93498778 e ata de 18.11.2021 da leitura do acórdão com a ref. n.º 93596067, pág. 18, 21, 22 e 23 do acórdão, artigos 1º, 26º, n.º 1, 29º n.º 1 e 32º, n.º 1, 2, 5 e 8, da Constituição da República Portuguesa, nº1 e 2 do artigo 118º, nº1 e 3 do artº 126º, alínea f) do nº3 do artigo 283º, nºs 1 e 2 do artigo 308º e nº1 do artigo 355º, todos do Código de Processo Penal.
5.15 - Quanto à intenção libidinosa do arguido, não podia o Tribunal “a quo” dar como provados os factos enumerados sob os pontos 4, 5 e 6, e por isso se impugnam, dado que, dos passos que foram dados para a formação da convicção, aquele Tribunal violou os princípios para a aquisição desses dados objetivos, quando, valora as filmagens aprendidas na sua residência, tal qual, quando valora, as declarações do recorrente sobre as ditas filmagens.
5.16 – E igualmente se censura os passos para a formação de “tal convicção” uma vez que, embora resulte na motivação que houve prova testemunhal, que em nada abalou os factos dados como provados, a verdade é que embora ali conste o nome de MA e AN, nenhuma destas testemunhas foi ouvida, atendendo a que foram prescindidas. Cfr. al. c) da fundamentação de facto (pág.. 16 do Acórdão) e ata de 11/10/2021.
5.17 - Pelo que, daquela “prova” foram violados os passos para a formação de tal convicção, uma vez que, não existem os dados objetivos que se apontam na motivação.
5.18 - Foi desvalorizada prova favorável ao recorrente resultante dos depoimentos das testemunhas FE e de SA, dado que, deles resulta que este antes de ser professor era animador de festas de crianças e nas visitas que efetuava a casa do LO, tinha uma boa interação com as menores, brincava com elas, dava-lhe de comer e pegava-as ao colo e a segunda testemunha SA, confirma a sua atividade de animador, referindo que era uma pessoa bem disposta, educada, alegre e carinhoso, tendo uma boa relação com terceiros. - Cfr. gravação do dia 12.10.2021, 20211012144347_3595002_2871779, minutos 05:17 a 05:57 e 06:47 a 07:33 e 20211012145240_3595002_2871779, minutos 00:00 a 05:11.
5.19 - Do depoimento destas testemunhas resulta que o ora R., durante anos, conviveu de perto com as filhas menores do LO, dava-lhes de comer, pegava-lhes ao colo, brincava com elas e era convidado para animar as suas festas, dos amigos e irmãos da testemunha, e a testemunha SA resulta que esta confirma a sua atividade de animador, referindo que era uma pessoa bem disposta, educada, alegre e carinhoso, tendo uma boa relação com terceiros.
5.20 – Censura-se assim, os princípios para a aquisição desses dados objetivos, como igualmente se censura os passos para a formação de “tal convicção” quando conclui existir intenção libidinosa por parte do arguido para com as suas alunas, dentro da sala de aulas, quando valorou o que não devia, ou seja, as filmagens aprendidas na sua residência e as declarações do ora R. sobre as ditas filmagens, “descartando”, em claro prejuízo do ora Recorrente, já que, da prova testemunhal supra indicada (LO e OL) resulta que o ora R. tinha uma boa interação com menores, brincava com estes e era carinhoso.
5.21 – Assim, o Tribunal a quo não podia concluir com meios de prova proibida, que existia intenção libidinosa do arguido, quando, da prova testemunhal em questão, resulta, claramente que aquele quando brinca e é carinhoso com menores, não o faz com intenção libidinosa. - Cfr. gravação 20211012144347_3595002_2871779.wma, minutos 05:17 a 05:57 e 06:47 a 07:33 e gravação 20211012145240_3595002_2871779.wma, minutos 02:36 a 03:20 e 04:03 a 04:41 e
6.- Contrariamente ao afirmado pelo tribunal a quo, no que concerne ás testemunhas (…), onde afirma que não abalaram as declarações para memória futura, entende o Recorrente, salvo o devido respeito e melhor opinião que os depoimentos das identificadas testemunhas, colocaram em crise tal afirmação. – Cfr. gravações 20211011104427_3595002_2871779.wma, minutos 18:43 a 19:01 e 19:13 a 19:21., gravação 20211011114408_3595002_2871779.wma, minutos 03:10 a 03:21., gravação 20211011115309_3595002_2871779.wma, minutos 04:18 a 05:14., gravação 20211011140503_3595002_2871779.wma, minutos 02:49 a 04:06., gravação 20211011141134_3595002_2871779.wma, minutos 02:44 a 03:05., gravação 20211011141651_3595002_2871779.wma, minutos 01:41 a 02:01., gravação 20211011141950_3595002_2871779.wma, minutos 04:13 a 04H43, gravação 20211011142654_3595002_2871779.wma, minutos 02:06 a 02H43, gravação 20211011143419_3595002_2871779.wma, minutos 02:38 a 03:17, gravação 20211011143909_3595002_2871779.wma, minutos 03:00 a 03:22, gravação 20211012101340_3595002_2871779.wma, minutos 04:43 a 04:56, gravação 20211012102316_3595002_2871779.wma, minutos 03:31 a 03:47 e 09:59 a 10H14, gravação 20211012103415_3595002_2871779.wma, minutos 03:40 a 03:57, gravação 20211012104039_3595002_2871779.wma, minutos 02:39 a 02:55, gravação 20211012104403_3595002_2871779.wma, minutos 02:02 a 02:18., gravação 20211012140416_3595002_2871779.wma, minutos 01:20 a 01:25 e 06:27 a 06:48, gravação
20211012141443_3595002_2871779.wma, minutos 04H08 na 04:19., gravação 20211012142455_3595002_2871779.wma, minutos 03:04 a 03:18., gravação 20211012142945_3595002_2871779.wma, minutos 03:23 a 04:01 e 04:06 a 04:15 e gravação 20211012143520_3595002_2871779.wma, minutos 05:59 a 06:05 e 07:37 a 08:00.
6.1 - IS, esta nada viu no que concerne aos alegados comportamentos do ora R., tendo-se limitado a referir que tudo o que soube, não especificando o quê, foi através das alunas e suas mães (gravações 20211011104427_3595002_2871779.wma, minutos 18:43 a 19:01 e 19:13 a 19:21.);
- FL, tudo o que sabia foi-lhe contado - Não, ver não. Apenas me contaram - com exceção de um episódio com a AT, do qual o ora R.foi absolvido (gravação20211011114408_3595002_2871779.wma, minutos 03:10 a 03:21), sendo que a própria AT afirmou que – ia-me mexer no cabelo, só que eu desviei-me. Foi só isso - (gravação 20211012103415_3595002_2871779.wma, minutos 03:40 a 03:57);
- BE, refere que - Lembro-me. Também o professor… Havia uma menina na minha turma, ela não era portuguesa, já não me lembro do nome dela, mas… ela… ela era… tinha mais dificuldades em inglês e às vezes o professor, sempre que um teste lhe corria mal mandava ela ir lá para trás com ele a um canto da sala, mandava ela sentar-se no joelho dele e ficava a abraçá-la e a dizer que ia correr tudo bem, que ia correr tudo bem, e ela a chorar. E pronto, não me lembro
de mais nada. – (gravação 20211011115309_3595002_2871779.wma, minutos 04:18 a 05:14.), ou seja, porque o teste tinha corrido mal á aluna, sentou-a no joelho, abraçou-a e confortou-a dizendo que ia correr tudo bem, enquanto esta chorava.
- MO, refere que – Na sala, quando estava a corrigir as coisas, Metia-se atrás da pessoa, por cima, e corrigia., Não me lembro – (gravação 20211011140503_3595002_2871779.wma, minutos 02:49 a 04:06.), ou seja, nada viu de relevante na sala de aulas, porquanto, caso algo de anormal se tivesse passado, certamente, de acordo com as regras de experiencia comum, não teria esquecido;
- CA, refere que - Na sala de aula, viste alguma coisa ? Que me lembre assim não, acho que não – (gravação 20211011141134_3595002_2871779.wma, minutos 02:44 a 03:05), ou seja, nada viu de relevante na sala de aulas, porquanto, caso algo de anormal se tivesse passado, certamente, de acordo com as regras de experiência comum, não teria esquecido;
- SO, refere que - Eu não me lembro muito bem das coisas, mas eu acho que não vi nada assim de mal - (gravação 20211011141651_3595002_2871779.wma, minutos 01:41 a 02:01), ou seja, nada viu de relevante na sala de aulas, porquanto, caso algo de anormal se tivesse passado, certamente, de acordo com as regras de experiência comum, não teria esquecido;
- BO, refere que - Normalmente era no braço ou na cara, em outras partes nunca...nunca vi. (gravação 20211011141950_3595002_2871779.wma, minutos 04:13 a 04H43), ou seja, nada viu de relevante na sala de aulas, porquanto, caso algo de anormal se tivesse passado, certamente, de acordo com as regras de experiência comum, não teria esquecido;
- PO, refere que – Nada. Não vi. (…)A única coisa que ele fazia é, punha-se em cima das pessoas para tirar as dúvidas – (gravação 20211011142654_3595002_2871779.wma, minutos 02:06 a 02H43), ou seja, nada viu de relevante na sala de aulas, porquanto, caso algo de anormal se tivesse passado, certamente, de acordo com as regras de experiência comum, não teria esquecido;
- GL, refere que - Juiz: Mais ou menos… Mas recordas-te de alguém se sentar ao colo do professor ou não ? Se não te recordas podes dizer que não te recordas, não tem problema. Gl: Eu… Eram duas meninas. Eu não tenho a certeza, mas acho que era a 8…), Juiz: E mais ? Sentava-se ao colo e era em que contexto que isso acontecia?, GL: Não sei., Juiz: Não sabes… E viste mais alguma coisa?, GL: Não – (gravação 20211011143419_3595002_2871779.wma, minutos 02:38 a 03:17), ou seja, recorda-se de o ora R. terá colocado duas alunas ao seu colo, não sabendo se seria a (…) ou a (…) ou outra, ignorando a razão de tal comportamento por parte delas;
- SC, refere que - Juiz: Mas as aulas com ele corriam bem? SC: corriam – (gravação 20211011143909_3595002_2871779.wma, minutos 03:00 a 03:22), ou seja, nada viu de relevante na sala de aulas, porquanto, caso algo de anormal se tivesse passado, certamente, de acordo com as regras de experiência comum, não teria esquecido;
- TE, apenas fez uma descrição do edifício onde se encontra localizado o colégio (..). – (gravação 20211012100311_3595002_2871779.wma, minutos 00:01 a 10:26), sendo que, deste depoimento não resulta qualquer facto relevante e que abale as memórias futuras;
- FE, refere que - Juiz: Notavas alguma diferença de tratamento com alguns alunos? FE: Não, Juiz: Era tudo igual, tudo corria bem?, FE: Sim – (gravação 20211012101340_3595002_2871779.wma, minutos 04:43 a 04:56), ou seja, nada viu de anormal na sala de aulas, porquanto, caso algo se tivesse passado de diferente, certamente, de acordo com as regras de experiência comum, não teria esquecido;
- DU, refere que – Advogada: Ela era simpático? DU: Sim, ele era simpático, como meu professor ele era simpático, não fazia isso connosco, Advogada: Era carinhoso?, DU: Sim, agia normal. Quando íamos ter aulas com ele, ele agia normal – (gravação 20211012102316_3595002_2871779.wma, minutos 03:31 a 03:47 e 09:59 a 10:14), ou seja, resulta deste depoimento que o comportamento do ora R., nas salas de aula, era normal e não se aproximava das alunas com intuito libidinoso, como o tribunal “a quo” afirma;
- AT, refere que - Juiz: aconteceu alguma coisa na cantina com o professor?, AT: Sim mas eu não consigo dizer muito exatamente porque eu também já não mel lembro porque já foi há muito tempo. Mas… foi basicamente, eu tava a comer, tava de costas e ele passou e ia-me a mexer no cabelo, só que eu desviei-me. Foi só isso – (gravação 20211012103415_3595002_2871779.wma, minutos 03:40 a 03:57), ou seja, deste depoimento resulta que a intenção do arguido seria somente a de lhe mexer no cabelo, razão pela qual, de acordo com as regras de experiencia comum, que existia por parte do ora R. intuito libidinoso com tal ato;
- CR, refere que - Advogada: recordas-te se o professor, nas aulas, mexeu nalguma parte íntima de algumas… se tu viste ele mexer… nalguma parte íntima de algumas meninas?, CR: Não – (gravação 20211012104039_3595002_2871779.wma, minutos 02:39 a 02:55), ou seja, a testemunha afirma que não viu qualquer tipo de ato com intenção libidinosa para com as alunas;
- BZ, refere que - Advogada: alguma vez viu o professor, em relação ao 4º-B mexer nas partes íntimas das meninas ?, Joana: não., Juiz: eras do 4º-B ?, BZ: Sim era., Juiz: Pronto, viste o professor fazer alguma coisa ? BZ: Não – (gravação 20211012104403_3595002_2871779.wma, minutos 02:02 a 02:18), ou seja, a testemunha afirma que não viu qualquer tipo de ato com intenção libidinosa para com as alunas;
- QT, refere que - Advogada: e o tratamento em relação a vocês e aos rapazes era igual?, QT: não me lembro muito disso… mas acho que… não sei, vou ser sincera, não sei., Advogada: se era igual, ser era diferente, qual é a ideia?, QT: acho que era igual, não sei. Não me lembro, desculpe – (Gravação 20211012140416_3595002_2871779.wma, minutos 01:20 a 01:25 e 06:27 a 06:48), ou seja, resulta deste depoimento que o tratamento entre meninas e meninos era igual e, sendo igual, não podia o tribunal concluir que o comportamento para com as alunas era diferente e que este tinha predileção nos alvos para satisfazer os seus instintos libidinosos;
- FR, refere que - Advogada: quando ele ensinava, ou quando ele ia corrigir alguma coisa, alguma vez ele te mexeu nas partes íntimas ?, FR: Não. – (gravação 20211012141443_3595002_2871779.wma, minutos 04H08 na 04:19), ou seja, a testemunha afirma que não viu qualquer tipo de ato com intenção libidinosa para com as alunas;
- MS, refere que - Advogada: olhe, outra coisa que eu lhe queria perguntar. Os rapazes… Ele tinha tratamento diferente entre os rapazes e as raparigas ? Na vossa turma ? MS: enquanto lecionava não – (gravação 20211012142455_3595002_2871779.wma, minutos 03:04 a 03:18), ou seja, resulta deste depoimento que o tratamento entre meninas e meninos era igual e, sendo igual, não podia o tribunal concluir que o comportamento para com as alunas era diferente e que este tinha predileção nos alvos para satisfazer os seus instintos libidinosos
- RC, refere que - Advogada: pronto. Alguma vez viste ele na sala de aulas, ou no recreio, fazer festas às meninas?, RC: Acho que não., Advogada: achas ou tens a certeza?, RC: tenho a certeza, Advogada: que?, RC: que não., Advogada: em relação ao comportamento dos rapazes, na vossa sala, havia diferenças, não havia diferenças?, RC: não havia. – (gravação 20211012142945_3595002_2871779.wma, minutos 03:23 a 04:01 e 04:06 a 04:15), ou seja, a testemunha afirma que não viu qualquer tipo de ato com intenção libidinosa para com as alunas e que o tratamento entre meninas e meninos era igual e, sendo igual, não podia o tribunal concluir que o comportamento para com as alunas era diferente e que este tinha predileção nos alvos para satisfazer os seus instintos libidinosos
- LV, refere que - Advogada: o que é que ele fez ? O que é que tu viste ele fazer?, LV: eu não o vi a fazer nada – (gravação 20211012143520_3595002_2871779.wma, minutos 05:59 a 06:05), ou seja, a testemunha afirma que não viu qualquer tipo de ato com intenção libidinosa para com as alunas.
6.2 – Quanto ao depoimento do SAN, resulta inequivocamente, do seu relato, que este não tem a certeza que os atos que refere dizem respeito á menor (…) ou não:
Juiz: E reparaste se havia partes do corpo em especial ? O corpo vai da cabeça… Vai cá dos cabelos até lá às unhas dos pés, não é ? Onde é que tu vias ?
SAN: eu estava de costas mas via que ele tocava mais na zona do peito. Juiz: Mas como é que… Quem é que tava de costas era o professor ou eras tu ?
SAN: Era eu, tava de… Não, eu não. Eu tava tipo, à frente da minha colega, tá a perceber ? Imagina, eu tou sentado atrás dela.
Juiz: Ah ok. E portanto, vias o professor de costas para ti, é isso ?
Santiago: Sim
Juiz: E porquê ? Lembras-te o que é que sentiste ? O que é que pensaste na altura ?
SAN: Na altura eu perguntava-me porque é que o stor era mais chegado às raparigas e aos rapazes, quando tipo, nós, nós fazíamos alguma coisa mal ele tipo, ficava bue da chateado e às vezes chegava ao pé e agarrava-nos assim.
Juiz: E essa situação que relataste foi a única que viste ?
SAN: Vi mais. Vi só essa parte que pensava que o professor estava a tentar explicar à menina, mas a menina tipo, à menina pronto, à rapariga que neste momento…
Juiz: Quem era ? Quem era ? Lembras-te ? Santiago: Era a PPP
Juiz: Era a PPP. Sim e então, diz lá o que é que ias a dizer.
SAN: Hum… acho que era a PPP, não me lembro. Hum.. eu só sei que ele tava tipo mais ou menos, eu tava de co… de coisa. Ele tava mais aqui deste lado e tava assim com as mãos em volta do peito, e foi o que eu vi, é a única coisa que eu vi.
Procuradora: Se eu bem percebi, a colega estava à frente dele, o professor estava pelas costas da colega entre os dois ?
Juiz: Era ?
Procuradora: O que é que o professor lá ia fazer? Era a PPP que chamava ou era ele que andava a verificar se os alunos estavam a trabalhar ou a fazer desenhos nos cadernos?
Santiago: Isso eu não me lembro. Isso eu não me lembro. Eu só me lembro dessa imagem de ele estar tipo, imagine, eu sou a PPP…
Juiz: Podes exemplificar, se quiseres levantar-te e tudo não tem problema Santiago: Pronto… imagine que isto é a PPP e…
Juiz: Então vai lá para trás da cadeira, faz lá que nós vemos aqui vá… SAN: E o homem estava aqui assim agarrado a ela, e eu estava aqui atrás.
- Cfr. gravação 20211011110415_3595002_2871779.wma, minutos 04:20 a 08:43.
6.3 - E tanto assim é que refere - Juiz: Era a PPP. Sim e então, diz lá o que ias dizer., SAN: Hum…acho que era a PPP, não me lembro (gravação 20211011110415_3595002_2871779.wma, minutos 04:20 a 08:43), ou seja, não tendo a certeza, atendendo ao princípio in dúbio pro reo, não podia o Tribunal a quo ter dado como provado a al. m) do ponto 5 da matéria dada como provado.
6.4 – Mais grave é o facto de o Tribunal a quo ter entendido que o ora R. praticou ato sexual de relevo, referindo que …”a menor quando estava ao seu colo, aquele acariciou-lhe o corpo por cima da roupa provocando-lhe cócegas…”
6.5 – De acordo com as regras de experiência comum, como é possível classificar as “cócegas” como ato sexual de relevo?
6.6 – Assim, mal andou o tribunal a quo, quando condenou o ora R. pelo crime de abuso sexual de menores, p.p. no n.º 1 do artº 171.º do CP.
6.7 – Pelo que, entende-se que o vertido nos artigos 189.º a 192.º, 196.º a 198.º e 220.º a 226.º, da presente peça, resulta que abalou as declarações para memória futura prestadas pelas menores.
7 - Entende a Defesa, ainda, que no que concerne aos relatórios sociais, que o tribunal “a quo” valorou o que não podia, porquanto, as técnicas tecem juízos de valor, de culpabilidade e sobre a vida sexual do arguido, quando se deveriam limitar as suas condições económicas e sociais.
7.1 – Por tal motivo, os referidos relatórios, por via dos indicados juízos de valor, violam o princípio da presunção de inocência, não podendo o Tribunal “a quo” tê-los valorado, nessa parte.
8 – Quanto às declarações para memória futura, entende a Defesa, tal como já acima referido, e é o próprio tribunal que o confessa, algumas não existem porque não foram materializadas, outras desapareceram e as restantes estão, parcialmente impercetíveis, para além de que, as perguntas ali formuladas são sugestivas. – Cfr. pág. 18 do Acórdão.
8.1 – Estando tal prova viciada, não se entende, como é que o Tribunal A Quo” pune, sem poder proceder a uma análise a TODA A PROVA produzida, uma vez que a sua função jurisdicional, não pode, cabalmente, ser desempenhada.
8.2 – Mais grave ainda, é a conclusão que o Tribunal A Quo retira das declarações para memória futura, quando entende que estas, embora estejam embebidas de influências externas, que as menores cochicharam entre si, falaram com seus pais e familiares, outros professores, tomaram conhecimento dos factos através dos órgãos de comunicação social (jornais, tv e internet) e de expressões utilizadas como pedófilo, partes intimas, mexer em sítios privados, são credíveis e que as menores tiveram depoimentos escorreitos e espontâneos, discordando o ora R. de tal conclusão, sendo que para o efeito terá necessariamente de o tribunal ad quem proceder á sua audição/visualização. – Cfr. pág. 19 e 20 do acórdão e vide declarações para memória futura de GGG (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:16:25, efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius nº86692787), HHH (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:13:29, efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86692787), III (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:10:19, efetuada na sessão da tarde do dia 09.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86701500), JJJ (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:13:35, efetuada na sessão do dia 19.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86773763), KKK (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:17:10, efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86692787), LLL (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:14:43, efetuada no dia 07.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86701500), MMM (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:34:17, efetuada no dia 22.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85037834), NNN (gravadas no sistema integrado de gravação digital, com registo de 00:00:01 a 00:28:20, efetuada no dia 22.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85037834), OOO (gravadas no sistema integrado de gravação digital, com registo de 00:00:01 a 00:34:17, efetuada no dia 24.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85054541), PPP (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:33:03, efetuada no dia 24.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85054541), QQQ (gravadas no sistema integrado de gravação com registo de 00:00:01 a 00:21:12, efetuada no dia 24.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85054541), SSS (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:28:26, efetuada no dia 27.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85068571), RRR (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:18:23, efetuada no dia 27.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85068571), TTT (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:16:57, efetuada no dia 27.11.2017,tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85068571), UUU (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:20:49 e 00:00:01 a 00: 16:58, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), VVV (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:15:44, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), WWW (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:31:24, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), XXX (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:27:42, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), YYY (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:03:44 e 00:00:01 a 00:29:44, efetuada na sessão da tarde no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), ZZZ (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:29:18, efetuada na sessão da tarde no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610).
8.3 – Quando, deveria ter tido em conta que tais declarações para memoria futura foram prestadas após as menores terem tido conhecimento de todas as influências supra referidas. – Idem.
8.4 – Assim, atendendo às regras de experiência comum, que o raciocínio deveria ter sido o contrário, ou seja, as menores estavam influenciadas aquando da prestação dos seus depoimentos. – Idem.
9 – No douto Acórdão, ora recorrido, consta no ponto 5 da matéria dada como provada que … enquanto se encontrava a ministrar a disciplina (…), no interior da sala de aulas, aproximou-se por trás do lugar de carteira das menores visadas e, aparentando pretender corrigir um exercício ou tirar uma dúvida, mas com o intuito de satisfazer instintos libidinosos que tentou ocultar das próprias visadas e dos restantes menores presentes na sala…”. – Cfr. ponto 5 da matéria dada como provada.
9.1 – No entanto, praticamente todas as menores ouvidas, em sede de declarações para memória futura ou em julgamento, afirmam que os alunos (meninos ou meninas) o chamavam ao lugar para tirar dúvidas e fazer correções ou que iam á sua secretária corrigir os trabalhos ou tirar dúvidas.
9.2 - Da prova produzida resulta que o ora Recorrente não aparentava pretender corrigir um exercício ou tirar um duvida, mas sim, que efetivamente se deslocava á carteira dos alunos (meninas e meninos) para corrigir exercícios, testes e tirar dúvidas!
9.3 – Fazia-o de forma indistinta a alunas e alunos, sendo que, também fazia correções no quadro ou na sua secretária.
9.4 – Para além de que consta no ponto 2 e 6 da matéria dada como provada: …”lecionava as respetivas aulas e acompanhava escolarmente as crianças…” (…) …”chamou no decurso de uma aula a menor KKK Iria à sua secretária...”. – Cfr. ponto 2 e 6 da matéria dada como provada.
9.5 - Atendendo aos depoimentos de (……..), que referem que o ora Recorrente se deslocava, de forma indistinta, á carteira das alunas e alunos para corrigir exercícios, testes e tirar duvidas, e que também fazia correções no quadro ou na sua secretária, não podia, o tribunal “a quo”, atendendo ás regras de presunção de inocência, dar como provado o vertido no ponto 5 da matéria dada como assente. – Cfr. pág. 28, 43, 71, 80, 81, 128, 141, 168, 169 e 184 da pasta 1 das transcrições, pág. 260 e 261, 296, 352, 424, 426, 437 da pasta 2 das transcrições, pág. 771 e 800 da pasta 3 das transcrições, pág. 862, 863 e 871, da pasta 4 das transcrições, gravação 20211011110415_3595002_2871779.wma, minutos 06:48 a 06:58 e 07:05 a 07:23, gravação 20211011112244_3595002_2871779.wma, minutos 0:05:26 e 0:08:43 e CD de 24/11/2017 minutos 21:34 a 22:02.
10 - Dir-se-á ainda que se dá como provado que o ora R. acariciou o peito da menor QQQ, acariciou e apertou a barriga, por fora da roupa, á menor SSS, acariciou a zona do peito, por fora da roupa, á menor WWW, acariciou a barriga da menor III, acariciou a pela em zona não concretamente apurada da menor (…), acariciou a pele, em zona não concretamente apurada do tronco, da menor (…), acariciou a zona do peito, por cima da roupa, á menor NNN, acariciou o tronco porá cima da roupa, provocando-lhe cocegas, á menor PPP, acariciou os ombros e o peito, por acima da roupa, da menor ZZZ, acariciou a barriga e o tronco na zona do peito, á menor RRR, acariciou as pernas e o tronco, pro cima da roupa, á menor TTT, acariciou a barriga, por cima da roupa, da menor YYY, acariciou a barriga e o peito, por cima da roupa, da menor JJJ, acariciou o tronco, por cima da roupa, da menor GGG, acariciou o peito, por cima da roupa, da menor KKK, quando dos depoimentos destas, nunca é referido que o ora R. as terá acariciado.
10.1 - É manifesto, que a interação do recorrente com as menores, ocorre na sala de aula, por uma só vez, assume uma gravidade substancialmente menor para que se possam classificar como atos sexuais de relevo.
10.2 - No caso sub Júdice, o comportamento do recorrente resumiu-se as meras cócegas a festas ou massagens, que realizou com a mão aberta, no tronco das menores, onde lhes tocou por vezes no peito ou na barriga, e umas vezes por baixo da roupa, outras por cima do vestuário que trajavam. – Cfr. declarações para memória futura de (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:16:25, efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius nº86692787), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:13:29, efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86692787), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:10:19, efetuada na sessão da tarde do dia 09.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86701500), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:13:35, efetuada na sessão do dia 19.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86773763), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:17:10, efetuada na sessão da tarde do dia 06.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86692787), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:14:43, efetuada no dia 07.09.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 86701500), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:34:17, efetuada no dia 22.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85037834), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital, com registo de 00:00:01 a 00:28:20, efetuada no dia 22.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85037834), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital, com registo de 00:00:01 a 00:34:17, efetuada no dia 24.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85054541), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:33:03, efetuada no dia 24.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85054541), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação com registo de 00:00:01 a 00:21:12, efetuada no dia 24.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85054541), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:28:26, efetuada no dia 27.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85068571), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:18:23, efetuada no dia 27.11.2017, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85068571), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:16:57, efetuada no dia 27.11.2017,tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85068571), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:20:49 e 00:00:01 a 00: 16:58, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:15:44, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:31:24, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:27:42, efetuada na sessão da manhã no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:03:44 e 00:00:01 a 00:29:44, efetuada na sessão da tarde no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610), (…) (gravadas no sistema integrado de gravação digital com registo de 00:00:01 a 00:29:18, efetuada na sessão da tarde no dia 07.03.2018, tendo ficado igualmente registadas em vídeo, em formato digital e em suporte físico e ata com a ref. citius n.º 85665610).
10.3 - Tais gestos/atos não podem, segundo os princípios da livre apreciação da prova e das regras de experiência comum, ser classificados como atos sexuais de relevo.
10.4 – Devendo o arguido ser absolvido dos crimes de abuso sexual de menores, p.p. no nº1 do artº 171º do CP, e caso assim se não entenda, em alternativa, subsumir-se os atos “sexuais” imputados ao ora R. em atos de importunação sexual, conforme o previsto na al. a) do n.º 3 do artigo 171º do C.P., porquanto são desacompanhados de seguida por quaisquer outros atos, como seja, um beijo, ou, mesmo uma carícia na coxa, ou na vagina – neste sentido vd. acórdãos citados entre eles o Ac. STJ de 17/03/04, proc. nº 439/04-3

O recurso foi admitido.

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. O acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça versa sobre questão distinta, debruçando-se apenas sobre o elemento subjetivo e sem tomar posição quanto à questão de, através da alteração de factos, se transformar uma conduta atípica numa conduta típica;
2. As gravações e imagens extraídas de equipamento apreendido ao recorrente foram indicadas pelo Ministério Público como prova na acusação onde se pode ler “Toda a dos autos e designadamente:”;
3. O facto de essas imagens constituírem primordialmente prova de um crime de fotografias e gravações ilegítimas, alvo de despacho de arquivamento por inexistência de queixa válida, não significa que as mesmas não possam constituir prova do elemento subjetivo dos crimes pelos quais o recorrente veio a ser condenado, sem que isso constitua qualquer alteração ao objeto do processo;
4. Pese embora as declarações para memória apresentem passagens impercetíveis, tal facto não determina a invalidade das mesmas enquanto meio de prova por não posto em causa o seu sentido global;
5. A alteração de factos operada depois de realizada a audiência de julgamento não integra a definição constante do Artº 1º, alínea f) do Código de Processo Penal, uma vez que não determina o agravamento da moldura penal abstrata nem o preenchimento de um tipo de crime diferente do que havia sido imputado;
6. Não está em causa uma situação em que se transforma uma conduta atípica numa conduta típica porquanto a redação inicial do número 5. da acusação, conjugado essencialmente com o número 3., encerrava já uma conduta subsumível ao tipo objetivo de crime em análise;
7. A alteração operada pelo tribunal limita-se a concretizar a descrição genérica que já constava no número 5. da acusação, especificando a conduta desenvolvida pelo recorrente relativamente a cada uma das menores;
8. Considerando que as vítimas tinham menos de 10 anos de idade, qualquer ato de natureza sexual praticado nas suas pessoas é um ato sexual de relevo, porquanto as mesmas não têm qualquer preparação ou conhecimento que lhes permita exercer liberdade de escolha no que respeita à sexualidade, ficando sempre colocada em causa a sua autodeterminação sexual, bem jurídico que se pretende proteger;
9. O desenvolvimento físico das vítimas, consentâneo com a sua idade física é irrelevante para o preenchimento do tipo de crime em análise;
10. A comunicação da alteração não substancial de factos não tem que conter os meios de prova nos quais se funda essa alteração, já que a modificação se refere à acusação, reportando-se por isso a toda a prova indicada e produzida;
11. A fundamentação de direito e de facto consta apenas do acórdão e também apenas no acórdão se dão como provados os factos, quer os que constavam já da acusação, quer os que lhe foram aditados ou alterados;
12. Não existe erro notório na avaliação da prova nem o recorrente a invoca, já que a sua discórdia se prende com a validade da prova e com a credibilidade dos depoimentos, não existindo nenhum elemento de prova cuja correta avaliação impusesse decisão diversa da que foi tomada.

Face ao exposto, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.»
û
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto pronunciou-se da seguinte forma [transcrição]:
«(…)
3. Parecer sobre as questões a decidir:
3.1.1. Análise:
Quanto à questão de ser omisso o libelo acusatório na descrição dos factos típicos do crime e ao incumprimento do disposto no artigo 358.º e 358.º do CPP
- Tanto o libelo acusatório quanto o douto acórdão contêm a narração factual essencial à imputação e condenação do arguido pelos crimes cometidos. Ainda que exista em grande parte deste tipo de casos uma dificuldade natural na concretização de factualidade jurídica importante, porventura visível na acusação, essa dificuldade normalmente ocorre na identificação do número de crimes, i.e., na questão da unidade ou pluralidade de crimes e não na qualificação jurídica da conduta imputada que, com mais ou menos precisão, está presente na acusação a que os autos se reportam. Ora, no caso deste processo, não só a tipicidade da conduta está comprovada e evidenciada tanto na acusação, como no acórdão, como a pluralidade de crimes ficou rigorosamente apresentada e justificada neste último.
- Tanto a acusação como a pronúncia, se a houver, fixam e definem o objeto do processo e sobre isso vigora o princípio da vinculação temática, que tem subjacentes outros princípios, como o princípio da identidade (segundo o qual o objeto do processo, os factos devem manter-se os mesmos, da acusação ao trânsito em julgado da sentença); princípio da unidade ou indivisibilidade (os factos devem ser conhecidos e julgados na sua totalidade, unitária e indivisivelmente); e princípio da consunção do objeto do processo penal (mesmo quando o objeto não tenha sido conhecido na sua totalidade deve considerar-se irrepetivelmente decidido, e, portanto, não pode renascer noutro processo). Mas se assim é, também vigora o tempero que advém do princípio de investigação nas fases subsequentes ao inquérito (por imperativos de apuramento da verdade material e da realização de justiça material, concretizando a efetiva proteção dos bens jurídicos tutelados pelas infrações criminais e considerando a descrição acusatória, que se quer sintética, dos factos submetidos a julgamento), sendo possível atender a factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime imputado no libelo acusatório que, não constando (de todo ou de forma expressa) da peça acusatória, decorram da discussão da causa realizada seja em fase de instrução, seja em fase de julgamento. E, bem assim, igualmente com as necessárias cautelas, qualificar os factos submetidos a juízo de modo diverso da qualificação que terão merecido em anteriores peças processuais - artigos 1.º, al. f), 124.º, n.º 1 e 2, 303.º, 358.º, 359.º, 379º, n.º 1, al. b), 424º, n.º 3, todos do CPP. No julgamento são conferidas as mais amplas garantias de defesa do arguido, que no caso concreto destes autos se respeitou. A jurisprudência aceita como incluídos nos poderes de investigação do tribunal e constitutivos de uma alteração não substancial de factos, os que são juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime; a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da medida da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, assim, sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objeto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia. Tem a eventual alteração que assumir relevo para a decisão da causa e nisso se inclui – tema discutido pelo recorrente – não haver obstáculo a que o arquivamento de factos pelo MP impeça a sua reapreciação em audiência, ou que essa alteração constitua uma diminuição de objeto em relação à incriminação acusatória, como bem frisou o tribunal a quo aquando do indeferimento do requerimento do arguido a propósito da comunicação efetuada nos termos do artigo 358.º do CPP. Não o fazer é que constituiria nulidade.
- Em suma o tribunal não acrescentou factos novos, mas apenas os especificou por vítimas, mantendo todo o demais contexto imputado (a mesma construção e identificação factual, a mesma valoração social) na pronúncia e em obediência ao determinado pelo TRE (não houve diferença na identidade das vítimas, não houve diferença no grau de imputação, não houve diferença no tempo ou no espaço descritos), razão pela qual não se pode falar em imputação de crime diverso, mas apenas em alteração não substancial, cujo procedimento legalmente estabelecido foi respeitado.
- No mais, acompanham-se as alegações de resposta do MP da 1.ª instância, demonstrativas da convicção fundada de que, nesta parte, o recorrente não tem qualquer razão.

Quanto à questão de se ter valorado meios de prova não indicados na acusação.
- Quanto a isto, o recorrente ignora o facto notório de a acusação ter indicado como prova “toda a dos autos…”, o que inclui a prova pré-constituída deles constante e que o tribunal a quo não poderia, nem deveria ignorar. Também o arguido não as ignorava e sobre eles teve oportunidade de se pronunciar em respeito pelo contraditório, não sendo sustentável reclamar pelo não cumprimento do disposto no artigo 340.º do CPP.
- As gravações e fotogramas, estando nos autos, teriam sempre que ser valoradas pelo tribunal, independentemente da sorte que tiveram em inquérito prévio por crime diverso e independentemente do destino desse inquérito. Não o fazer constituiria omissão de pronúncia.
- Na motivação o tribunal de julgamento consignou que, em benefício do arguido, apenas considerou as declarações para memória futura na parte percetível das gravações e correspondentemente transcritas, desconsiderando tudo o que não foi transcrito. Nesse contexto o tribunal considerou ainda que não ficou com réstia de dúvida sobre a autenticidade dos depoimentos das menores pela razão de ciência que demonstraram, em especial nos atos que individualmente sofreram. A convicção do tribunal está solidamente alicerçada numa análise critica da prova, coerente, verosímil e probatoriamente suportada e não em prova deficiente, impercetível ou vaga.

Quanto ao juízo de subsunção da conduta ao crime de abuso sexual de criança.
- No que respeita à convicção do tribunal sobre o preenchimento do tipo, incluindo o dolo de abuso sexual, o tribunal, de forma adequada, centrou no ponto de vista das vítimas a ofensa ao bem jurídico protegido pelo artigo 171.º do CP, i.e., a liberdade de autodeterminação sexual da vítima-criança menor de 14 anos, o que basta para a consumação de um crime que é de perigo abstrato e de mera atividade, como a doutrina o entende ser, não havendo necessidade de demonstrar qualquer nexo de causalidade. A perceção das vítimas foi, segundo a motivação do tribunal a quo, a de que os toques que sofriam às mãos do arguido, seu professor, não eram normais, nem apropriadas para o contexto escolar e as deixaram incomodadas, desconfortáveis. Se é irrelevante a falta de experiência sexual ou a capacidade para perceber o sentido sexual de um ato para se mostrar preenchido o tipo em causa, no caso o sentido abusador não era de todo ignorado pelas vítimas e afetou a sua autodeterminação. Sendo um conceito ou cláusula aberta a integração de “ato sexual de relevo” há-de corresponder a uma ofensa séria e significativa à intimidade e autodeterminação do sujeito passivo com o fim de satisfazer os apetites sexuais do agente, que podem ter diversa intensidade e diversa fixação obsessiva, mas que só os contornos do caso concreto distinguem, como se disse, com prevalência, o mais objetiva possível, para a perspetiva ética e moral da vítima.
- Os crimes sexuais são crimes em cuja revelação do facto assume particular importância o depoimento ou declaração da testemunha-vítima, crimes relativamente aos quais, na maioria dos casos, o “contador” se resume à pessoa da vítima, como refere a Exma. Conselheira Ana Barata Brito, in Notas da teoria geral da infração na prática judiciária da perseguição dos crimes sexuais com vítimas menores de idade, disponível no site deste TRE.
- Parece-nos evidente que o arguido não podia deixar de ter uma consciência imanente à sua conduta quanto ao significado sexual dos seus atos e ao propósito de ter satisfação sexual com eles, em aproveitamento das funções que exercia e lhe facilitavam o propósito e sobretudo visando vítimas crianças que a lei considera objetivamente, no caso deste tipo de criminalidade, qualificada de especialmente violenta, como vítimas especialmente vulneráveis (artigo 67.º-A do CPP), e fundamentam inclusive uma agravação penal – artigo 177.º do CP. Em suma, não merece crítica o enquadramento jurídico efetuado pelo tribunal a quo.
- No mais, a questão é proficientemente desenvolvida nas alegações do MP na 1.ª instância, que se acompanham sem reserva, salientando que o desenvolvimento físico das vítimas é irrelevante para a integração típica, exatamente porque o que se incrimina no tipo é a conduta dirigida a um sujeito passivo que é infante, molestado na sua intimidade, aproveitando a sua inocência, explorando a sua timidez, manipulando a sua vergonha e invadindo a sua liberdade sexual.

Quanto ao juízo sobre a matéria de facto.
- O recorrente insurge-se contra a não valoração da prova que evidenciou no recurso, citando as partes que se lhe afiguravam relevantes para acentuar a sua importância para um juízo de absolvição. A prova produzida e valorada tem que ver com o objeto do processo e sobre ele a prova que o recorrente quer ver valorada não tem importância. De facto, além das especificidades próprias da prova e do juízo judiciário a fazer sobre elas, já acima referimos que nos crimes sexuais o “contador” se resume o mais das vezes à pessoa da vítima, pelo que não é incomum que o círculo social e familiar do agente não suspeite, nem acredite no comportamento abusador do agente. O contrário seria próprio de um agente ingénuo.
- O recorrente procura demonstrar ter ocorrido erro de julgamento decorrente de uma deficiente valoração da prova, posto que a prova por si selecionada imporia decisão diversa, não consentindo a sua condenação. Porém, apreciada livremente a prova (artigo 127º, do CPP), o tribunal formou a sua convicção como corolário da prova produzida, e o que deu como provado não foi o que o recorrente gostaria que fosse, como se o tribunal estivesse obrigado acolher cada um dos depoimentos e não pudesse escrutinar os que lhe merecem credibilidade, utilidade probatória face ao objeto do processo e os que devem ser desvalorizados na sua livre apreciação plasmada no exame crítico da prova, ainda que vinculados a juízos de verosimilhança, coerência, certeza, precisão e concordância prática que o acórdão recorrido evidencia.
- A impugnação da matéria de facto, tal como invocada pelo Recorrente, em nada afeta a fundamentação do acórdão, posto que, do que se trata, mais não será do que avaliar se a concreta indicação das provas convocadas, impõe, ou não, decisão diversa da recorrida, para tanto não bastando que tais provas a consintam, na justa medida em que não a excluam. Não basta que a prova assinalada pelo Recorrente consentisse uma versão diversa, ainda que porventura coerente, da acolhida pelo Tribunal. Exigir-se-lhe-ia que tal versão alternativa se impusesse àqueloutra. O que resulta dos excertos dos depoimentos invocados no Recurso não coloca minimamente em crise o decidido, não se impondo qualquer revogação da matéria dada como assente. Não há, assim, qualquer erro de julgamento a reconhecer.

3.2. Conclusão:
Concordando com a fundamentação do acórdão e com a posição do MP plasmada na Resposta ao Recurso, em conformidade, somos de parecer que ao Recurso interposto pelo Arguido deve ser negado provimento, confirmando-se integralmente a decisão recorrida

Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Na resposta que apresentou, o Recorrente manteve a posição anteriormente assumida nos autos.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.






II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal.[[2]]

Posto isto, e vistas as conclusões dos recursos, a esta Instância são colocadas as questões:
- da nulidade do acórdão decorrente de excesso de pronúncia;
- da nulidade do acórdão decorrente de falta de indicação dos meios de prova que sustentam os factos objeto de comunicação de alteração não substancial;
- da nulidade do acórdão decorrente da não comunicação de alteração substancial de factos;
- da valoração da prova proibida para sustentar a decisão condenatória;
- da incorreta valoração da prova produzida em julgamento;
- da incorreta subsunção dos factos ao direito.
û
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:
(…)

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:
«O tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento, designada e essencialmente nas declarações para memória futura das menores, transcritas nas pastas 1 a 4 anexas aos presentes autos e no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, prestado perante juiz de instrução criminal.
No que concerne à produção de prova testemunhal, com relevância instrumental de enquadramento, no depoimento das testemunhas (…).
No que concerne à prova documental, teve o tribunal em consideração com relevância essencial na formação da convicção quanto à factualidade relativa à intenção libidinosa do arguido, as filmagens apreendidas no domicílio, aquando da sua detenção, designadamente no seu quarto e constantes de 3 DVD, dos quais foram retirados a título meramente exemplificativo, os fotogramas constantes a fls. 192 a 222. A título meramente instrumental e para efeitos de contextualização foi ainda levado em consideração o seguinte:
a) comunicação da notícia do crime - fls. 9 e 10;
b) auto de denúncia de fls. 144 e 145;
c) ficha de colaborador da empresa ….relativa ao arguido), constante de fls. 28;
d) contrato de prestação de serviços celebrado entre a …. e a entidade gestora do Colégio …, constante de fls. 370;
e) listagem de identificação de alunos das turmas do 3º A, 3º B, 4º A, 4º B, 2º A e 2º Bº, de fls. 29 a 50;
f) certidões de nascimento das menores identificadas nos autos - fls. 278, 280, 281,283, 284, 285, 286, 287, 524, 525, 526, 527, 528, 530, 757, 759, 764, 765, 768, 771, 772, e 1005 a 1007;
g) comunicações atinentes à suspensão de exercício de funções, carreada para os autos a fls. 371 a 390;
h) documentação relativa à entidade exploradora do Colégio …. - fls. 1049 a 1071;
i) regulamento interno do Colégio de … - fls. 1072 a 1107;
j) declarações clínicas (oferecidas em contestação), constantes de fls. 1226 e 1227;
k) relatório social de fls. 1259 a 1261;
l) CRC do arguido.

Concretizando:
A factualidade descrita nos pontos 1 a 3 resultou consensual de toda a produção de prova, não tendo sido negada ou contrariada por qualquer meio probatório. Resulta ainda necessária porque direta ou indiretamente confirmada por todas as testemunhas ouvidas, retirando-se igualmente da ficha de colaborador da empresa … (relativa ao arguido), constante de fls. 28, do contrato de prestação de serviços celebrado entre a … e a entidade gestora do Colégio …, constante de fls. 370; da listagem de identificação de alunos das turmas do (…), de fls. 29 a 50. O tribunal formou a convicção na provada factualidade descrita nos pontos 4, 5 e 6 com base na conjugação das declarações para memória futura prestadas pelas menores envolvidas nas condutas do arguido descritas nos pontos 5 e 6 dos factos provados, as declarações do arguido em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido e as gravações vídeo apreendidas na residência do arguido, mais precisamente no seu quarto, constantes de 3 DVDs juntos aos autos, parcialmente materializadas em fotogramas a fls. 192 a 222.
Importa nesta fase salientar que as declarações para memória futura foram registadas por 3 formas distintas: em vídeo/áudio registado em diversos DVDs, em áudio registado no sistema citius e por escrito por via das transcrições materializadas nas 4 pastas anexas aos autos. Visualizados os DVDs, constata-se que pese embora algumas filmagens estejam percetíveis, como por exemplo a filmagem da menor (…), outras há em que o registo ou nunca se materializou ou se perdeu, como é o caso das declarações para memória futura das menores (…) – veja-se DVD a fls. 996. Ouvida a gravação no sistema citius, constata-se igualmente que algumas partes dos depoimentos estão impercetíveis, sendo que as impercetibilidades encontram-se rigorosamente refletidas nas transcrições com menção à impercetibilidade da gravação nessa parte. Neste contexto, em benefício do arguido, o tribunal considerou apenas as declarações para memória futura na parte percetível das gravações áudio no sistema citius que se encontram devida e percetivelmente transcritas nas pastas de transcrição. Em tudo aquilo que não se encontra transcrito, o tribunal não considerou. Por outro lado, naquilo que é percetível, importa referir que as declarações para memória futura são credíveis, não tendo o tribunal ficado com réstia de dúvidas sobre a autenticidade dos depoimentos das menores, pela honestidade muito própria da idade, que originou que, mesmo nos casos em que se pudesse considerar que a pergunta foi feita em moldes mais sugestivos, as menores foram perentórias e lestas a negar o falso e a corrigir o exagerado. Veja-se a título de exemplo:
A menor MMM que afirmou que o arguido nunca pôs a mão dentro da camisola em contexto de recreio; a NNN que negou que o arguido pusesse as mãos nas “maminhas”, corrigindo que “era só até aqui”; RRR que negou que o arguido alguma vez tivesse posto a mão por dentro da camisola afirmando que quanto a ela só o fez por fora.
Por outro lado, os depoimentos das menores não sendo exatamente iguais não foram contraditórios, muito menos incompatíveis em matéria essencial. O facto de umas menores afirmarem que viram o arguido colocar as mãos por dentro da camisola de determinada menor que, por sua vez afirmou que o arguido apenas lhe colocou a mão por cima da camisola, não compromete o depoimento quer de uma menor quer de outra. Trata-se de diferença facilmente confundível por quem observa e pormenor vulnerável à passagem do tempo em matéria de conservação de memória. Pelo contrário, do ponto de vista de quem sofre a conduta praticada pelo arguido, conserva a experiência na memória de forma mais duradoura, uma vez que percecionada sensorialmente de forma muito intrusiva e anormal pelo toque das mãos do arguido em zona mais íntima do corpo da menor. Assim, o tribunal julgou a matéria de facto limitando as condutas ao que cada menor referiu ter acontecido consigo própria. É exemplo do que se acabou de expor o caso da menor QQQ que afirmou ter visto o professor colocar as mãos por dentro e fora da roupa da menor NNN, contudo esta menor negou que tenha sido por dentro.
Por último, a produção de prova testemunhal, na parte em que depuseram colegas das menores, à semelhança da conjugação entre si das declarações para memória futura, não só não contrariaram as declarações para memória futura, na parte em que foram inócuos por nada terem visto, como nalguns casos as confirmaram. Veja-se a título de exemplo o depoimento de SAN que referiu em audiência de julgamento que viu o arguido colocar as mãos na frente do corpo de PPP, o que lhe pareceu ser na zona do peito e da barriga sendo que esta menor em sede de declarações para memória futura referiu que se sentava perto do menor Santiago, tornando plausível o depoimento daquele. Mais impressivo foi o depoimento de (…), também ele colega, à data, das menores e que afirmou ter visto o arguido colocar as mãos por baixo da roupa de OOO, que, por sua vez, afirmou que o arguido efetivamente lhe punha a mão por dentro da camisola. Em suma, analisada de forma crítica toda a prova produzida, constata-se que inexistem meios de prova antagónicos que impossibilitem contrariando de forma inequívoca as declarações para memória futura que mereceram por parte do tribunal, toda a credibilidade e alicerçaram a convicção do tribunal na prova da factualidade descrita no ponto 5 dos factos provados e que traduz a concretização factual ordenada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora e que justificou a realização de novo julgamento. O ponto mais sensível relacionado com o julgamento da matéria de facto prendeu-se com o apuramento do processo de intenções levado a cabo pelo arguido. O próprio, no único momento em que optou por prestar declarações, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tentou fazer crer ao tribunal que as suas condutas foram praticadas sem qualquer intuito de cariz sexual e que terá sido mal interpretado, contudo, não chegou, nem poderia chegar o tribunal à mesma conclusão em face dos elementos probatórios presentes nos autos.
As menores, todas elas sem exceção sentiram-se desconfortáveis, incomodadas e nalguns casos muito incomodadas. Mesmo aquelas que conscientemente não se aperceberam no momento de qualquer malícia, sentiram incómodo que se perpetuou na memória e que fez com que, a partir do momento que ouviram na escola, em casa ou na televisão, falar do assunto, tivessem imediatamente associado as condutas praticadas pelo arguido, consciencializando-se de que também elas, teriam sido vítimas do arguido.
Veja-se o caso de TTT e RRR que se consciencializaram apenas depois da mãe lhes explicar e MMM que referiu ter tomado consciência do que se passou depois de ter visto o caso na televisão. Quanto à dimensão e gravidade da perceção da conduta do arguido pelas menores, veja-se a título de exemplo as declarações para memória futura de WWW que após o arguido lhe ter tocado nas “maminhas” por dentro da roupa, levou no dia seguinte soutien referindo que era “para me proteger”, sendo certo que estamos a falar de uma menor que à semelhança das demais, não tinha à data iniciado o processo de desenvolvimento mamário descrito de forma pormenorizada no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora. Veja-se YYY que após explicar o desconforto que sentia com as aproximações e contactos perpetrados pelo arguido a instâncias da ilustre mandatária deste, termina de voz embargada em manifesta tentativa de controlo do choro com um “não gosto de falar do professor”. Veja-se igualmente as declarações de MMM, sendo particularmente impressivas nesta matéria as de QQQ quando aborda de forma muito segura a diferença entre os toques, carícias e cócegas dos pais e os gestos praticados pelo arguido. Note-se ainda a título de exemplo as declarações de UUU quando explica porque achou muito estranha a conduta do professor mesmo antes de a mãe lhe explicar o significado do sucedido.
Em suma, foi notória a perceção das vítimas de que os toques que sofriam às mãos do arguido não eram nem normais, nem apropriados para o contexto escolar no âmbito da relação professor/aluna, sendo que sempre que foi perguntado, as menores responderam que nunca nenhum professor para além do arguido, lhes tocou daquela forma.
Veja-se a título de exemplo as declarações de MMM, SSS e WWW. Foi ainda percetível para as próprias que os contactos físicos apenas surgiam se mais nenhum professor estivesse na sala – oiçam-se ou leiam-se as declarações para memória futura de (…), referindo-se à presença ocasional na sala da Professora (…).
Por fim, ainda que alguma dúvida restasse quanto à intenção do arguido na prática da conduta descrita nos pontos 5 e 6 dos factos provados, os vídeos apreendidos nos 3 DVD sempre as dissipariam, trazendo à colação uma personalidade do arguido que é incompatível com um qualquer toque fortuito, inopinado, sem malícia ou intuito de cariz sexual no corpo das vítimas. O tribunal visionou todos os filmes e constatou-se que os mesmos versam especificamente sobre partes do corpo de raparigas menores. Realidade tão notória que permite inclusivamente perceber as características físicas que o arguido prefere, designadamente por menores sem qualquer desenvolvimento mamário, morenas e de corpo roliço. É igualmente notória uma obsessão do arguido na captação das imagens de zonas corporais das menores pois que o visionamento dos filmes não permite sequer perceber a dinâmica da ação envolvente, apenas se percecionando partes dos corpos das menores, designadamente nádegas e peito com aproximações zoom constantes mal o arguido percecionava o alvo que queria captar e afastamentos sempre que o, ou os alvos saíam do alcance da objetiva e era necessário perspetivar a realidade envolvente apenas por breves segundos até localizar novo alvo. Constata-se ainda que no DVD em que o filme é captado numa piscina pejada de menores, não se percebe sequer o que está a ocorrer naquele dia, naquela piscina, designadamente se decorria uma prova de natação, um treino, um evento festivo, ou o que fosse. Nada se sabe porque o enfoque está no corpo das menores, desprezando por completo a atividade desportiva que estaria a decorrer. A título de exemplo basta referir que o arguido não filmou a performance de nenhuma menor dentro da água, não acompanhando qualquer exercício de princípio ao fim ou sequer parcialmente. É particularmente impressionante a parte do filme em que o arguido aproxima a imagem à zona das escadas de acesso à água da piscina, percebendo-se uma notória intenção de “espera” no sentido em que as menores que estivessem na piscina teriam de passar, como efetivamente passaram por aquelas escadas para saírem da piscina, tornando-se o local ideal para filmar grandes planos da zona corporal das nádegas. Igual raciocínio se pode e deve fazer para o filme captado numa praia. Não é possível perceber em que praia o arguido se encontrava ou o que é que estava a ocorrer à volta, porque o arguido fixa a aproxima a imagem de uma forma particularmente obsessiva filmando as nádegas das menores que encontrou. Em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o arguido tentou justificar a posse destes vídeos, apresentando nesta parte um discurso visivelmente comprometido que se tornou atabalhoado e contraditório, sendo facilmente percetível o motivo de tal comprometimento. Tão depressa relativizou os filmes, como logo a seguir referiu não se orgulhar de ter os mesmos, para depois referir que só os vislumbrou uma ou duas vezes. O facto de ter sido o autor do filme revela uma personalidade caracterizada por um desvio sexual relativo a preferência por menores do sexo feminino. O facto de ter vislumbrado tal gravação uma vez que fosse após a produção do filme, agrava consideravelmente a dimensão desse desvio da personalidade, agravando sucessivamente cada visionamento, sendo preocupante a assunção da autoria do filme seguida de duas visualizações contextualizadas na dimensão autocrítica do arguido com um “apenas”. Por fim, de referir que ainda assim não ficou o tribunal convencido de que apenas tenha visualizado os filmes duas vezes, tendo ficado convencido que o facto dos filmes se encontrarem acondicionados no local mais íntimo da residência do arguido (o seu quarto), demonstram por um lado o valor afetivo que o arguido dava aos filmes e, por outro, o conhecimento do seu caráter proibido, sendo provável ou pelo menos possível que os tenha visionado inúmeras vezes, se não mesmo habitualmente. No contexto que acabou de se expor, a existência dos vídeos que comprovam uma personalidade obcecada em partes sexuadas do corpo de menores com idade seguramente inferior a 14 anos, afastam de todo, qualquer possibilidade de em contexto de sala de aula, ter ocorrido um qualquer toque no corpo de uma menor de forma fortuita ou inopinada. Nenhuma dúvida tem este Coletivo relativamente a esta matéria, razão pela qual se julgou a matéria de facto em conformidade. O tribunal formou a convicção de que o arguido pretendeu ocultar a sua conduta de terceiros e até das próprias menores, porque é o que resulta óbvio da conjugação de toda a prova com regras de experiência comum. O caráter proibido da conduta e as consequências penais que estão em curso eram previsíveis, designadamente para o arguido, pelo que optando por praticar as condutas, necessariamente tentou ocultá-las.
Neste sentido, veja-se o depoimento da menor WWW e CCC, relativamente à preocupação do arguido não praticar as condutas imputadas quando se encontrava presente a Professora (…) e o depoimento da testemunha AT que relatou em tribunal que o mesmo lhe desviou o cabelo e que tendo a depoente se virado para o arguido de forma repentina o mesmo interrompeu o que estava a fazer e afastou-se, demonstrando que quando o próprio percecionava que a menor poderia perceber o seu intuito, ou simplesmente manifestar incómodo, cessava de imediato a sua ação.
Ditam regras básicas de experiência comum e de normalidade da vida neste contexto que o arguido tentaria a satisfação sexual através do toque das menores, mas tentando que estas não se apercebessem. Ganharia com isso duas coisas, por um lado evitaria o processo judicial de que está neste momento a ser alvo, por outro, poderia continuar a praticar ad eterno os mesmos factos.
O tribunal formou igualmente a convicção de que o arguido terá agido em contexto de ascendente para com as menores. Para tanto socorreu-se o Coletivo de regras básicas da experiência comum e de normalidade da vida, tendo em conta que os factos foram praticados em sala de aula pelo “senhor professor” e que resulta forçoso da relação professor/aluno, pois que os menores são ensinados em casa e na escola a obedecer ao professor. A tolerância das menores para com o arguido foi de forma muito acentuada maior pelo facto de ser o professor. Dúvidas não restaram ao tribunal de que se não fosse a qualidade de professor, o arguido jamais teria conseguido praticar as condutas descritas nos pontos 5 e 6 dos factos provados. Tudo o mais descrito ainda não fundamentado relativo aos factos descritos nos pontos 7 a 9 resulta óbvio e forçoso atentas regras de experiência comum e de normalidade da vida no contexto de plena imputabilidade do arguido.
O tribunal alicerçou a sua convicção na prova da factualidade descrita no ponto 10 com base nos relatórios sociais juntos aos autos que foram confirmados pelas testemunhas arroladas pelo mesmo na parte relativa à sua capacidade de manter com familiares, amigos e conhecidos não relacionados com as vítimas, um bom relacionamento, consideração, respeito e confiança. O ponto 11 da matéria de facto descreve um juízo elaborado pelos técnicos da DGRSP no aludido relatório e que atendendo ao objeto do processo e ao caráter técnico e profissional desse juízo elaborado com recurso a método científico de observação e análise, se entendeu autonomizar enquanto facto a levar em linha de conta pelo tribunal. Por fim, o tribunal formou a sua convicção na prova da ausência de antecedentes criminais com base no certificado de registo criminal junto aos autos.
No que concerne à convicção do tribunal relativamente à matéria de facto não provada, a mesma foi alicerçada na ausência de referência segura de tais factos pelas menores visadas.»
û
Conhecendo.
Para o que importa fazer anteceder as considerações de facto sobre as de direito e, no domínio destas últimas, dar prioridade aos aspetos da previsão jurídica sobre aqueles outros que dependem da sua verificação.
O conhecimento das causas de nulidade da sentença, pelos efeitos que acarretam, caso se verifiquem, deve preceder o das restantes questões.

(i) Das nulidades
1. Nota prévia
Como refere o Professor Cavaleiro de Ferreira, «… a apreciação do processo, em razão do seu fim, desdenha do que
para esse fim foi acidental ou desnecessário, embora em si mesmo ilegal
A imperfeição do ato processual pode apresentar cambiantes diversas consoante a gravidade do vício que lhe está na
génese e que se poderá situar entre a irregularidade e a inexistência.
Entre estes dois extremos, encontram-se os vícios que dão lugar à nulidade.
Esta, por sua vez, subdivide-se em nulidade insanável e nulidade dependente de arguição.
O nosso Código de Processo Penal adotou um sistema de nulidades taxativas.
Princípio que se encontra consagrado, de forma inequívoca no artigo 118.º do referido diploma legal e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição.
O Código de Processo Penal trata as irregularidades como uma subespécie das nulidades submetendo-as, no entanto, a um regime de arguição muito limitado. Mais do que a figura dogmática das irregularidades, que não afetam a validade nem a eficácia dos atos processuais praticados, este regime revela uma figura distinta do género das nulidades das quais se distingue do ponto de vista penal e, principalmente, processual. No plano substancial, correspondem-lhe vício de menor gravidade.

A invocação de qualquer invalidade processual exige rigor, também quanto à indicação da sua previsão legal.
E não será pelo facto de o Arguido, pela mão da sua Mandatária, se sentir incomodado com qualquer procedimento adotado nos presentes autos que o mesmo é inválido, e que seja aceitável a invocação de nulidades sem a observância das regras consagradas na lei processual penal.

2. Da nulidade do acórdão decorrente de excesso de pronúncia
Invoca o Recorrente que a acusação e a pronúncia são omissas quanto à narração dos factos que integram os elementos constitutivos do crime previsto no n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal.
E porque entende que esta insuficiência de descrição factual não pode ser colmatada – como se fez, ao abrigo do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal – com a comunicação de alteração não substancial de factos, conclui (i) que se transformou uma conduta atípica numa conduta típica e (ii) que se conheceram factos de que não se podia conhecer.

Vejamos se lha assiste razão.
A acusação deduzia nos autos pelo Ministério Público tem o seguinte teor:
«(…)»

A decisão instrutória – de pronúncia – proferida na fase processual da instrução requerida pelo Arguido AAA, tem o seguinte teor:
«(…)»

O acórdão condenatório proferido nos autos em 5 de junho de 2020, na sequência de comunicação de alteração não substancial de factos e de alteração da qualificação jurídica, alicerçou-se nos factos constantes da pronúncia.
Dele destacamos – porque não coincide integralmente com a factualidade constante da pronúncia – o que foi levado ao ponto 5 dos factos provados.
(…)

Na sequência de recurso interposto pelo Arguido, esta Relação, por acórdão proferido em 10 de novembro de 2020, ordenou o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade, com os seguintes fundamentos:
«(…)
A leitura do acórdão da 1.ª Instância, concretamente da parte dele dedicada à fixação dos factos – provados e não provados – deixa o embaraço de uma descrição absolutamente genérica da atividade do Arguido considerada capaz de integrar a prática de crimes de abuso sexual de crianças.
Reportamo-nos ao ponto 5) dos factos provados, onde consta “Assim, o arguido AAA, enquanto se encontrava a ministrar a disciplina de (…), no interior da sala de aulas, em datas não concretamente apuradas, por diversas vezes e em momentos diferentes, aproximou-se das menores (…) e colocou a sua mão, umas vezes sobre a roupa que trajavam, outras no interior da mesma, efetuando movimentos de fricção, nas zonas dos peitos, mamas e barriga, tocando-as e acariciando-as naquelas zonas corporais.”

E sendo estes os factos delimitadores da atividade do Arguido que lhe valeram a condenação, pela prática de 20 (vinte) crimes de abuso sexual de crianças, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) anos de prisão, não podemos, perante os mesmos, deixar de concluir que desconhecemos o que concretamente fez o Arguido para merecer semelhante imputação e condenação.
Apenas parece seguro concluir que o Tribunal de 1.ª Instância terá chegado ao número de crimes cometidos pelo Arguido pelo número de crianças que tocou nos moldes supra mencionados.

(…)
Ou seja, a formulação genérica por que optou o Tribunal de 1.ª Instância para descrever o comportamento do Arguido impede se determine o número de vezes que cada uma das meninas supra identificadas foi por ele tocada e qual a zona dos seus corpos assim atingida.

As questões que colocamos não são bizarria, mas sim aspetos fundamentais para determinar a natureza dos atos praticados [se de natureza sexual e de relevo] o seu enquadramento legal [se enquadráveis na previsão do nº 1 ou do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal] e o seu número [perante o consagrado no artigo 30.º do Código Penal].

E o embaraço a que se aludiu aumenta francamente quando percebemos, da leitura da motivação da decisão de facto, que o Coletivo de Juízes teve a possibilidade de concretizar todos estes aspetos e não o fez.
É o que resulta do relato aí constante dos depoimentos prestados para memória futura pelas meninas referidas no ponto 5) dos factos provados.
Cada uma das meninas identificadas nesse ponto 5) descreveu a forma e as circunstâncias em que o Arguido lhe tocou, bem como o número de vezes em que o fez.

Não se percebe, pois, porque não detalhou o Tribunal de 1.ª Instância semelhantes aspetos.
Temos presente que a acusação e do despacho de pronúncia padecem da mesma deficiente descrição factual. Mas também sabemos que a lei processual penal comporta mecanismos adequados a superar essa deficiência – através da alteração factual consentida pelos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.

Em jeito de conclusão se pode dizer que, perante a factualidade considerada como provada no pronto 5), não podia o Coletivo de Juízes concluir, como concluiu, que o Arguido cometeu vinte crimes de abuso sexual de menores, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 do Código Penal.
Porque os factos que constam como provados no ponto 5) não suportam essas conclusões.
Ao que acresce que a descrição genérica de acontecimentos por que optou o Coletivo de Juízes da 1.ª Instância não permitindo o contraditório, impossibilita qualquer defesa.
Coloquemo-nos no lugar do Arguido e percebemos logo como não permite contestação a apresentação final de um raciocínio sem exibição daquilo em que se alicerça.
Se a alegação factual – em qualquer imputação penal - não pode ser facilitada pelo uso de formas gerais, imprecisas, sem individualização de cada um dos factos, neste tipo de crime a exigência é muito maior dada a amplitude do tipo penal caracterizado por repetição de atos.

(…)
Não fora a convicção, que já se deixou assinalada, de que o Tribunal de 1.ª Instância pode concretizar o comportamento do Arguido, e considerar-se-iam como não escritos, por violação do disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa – garantias de defesa em processo penal – os factos que se relatam, sem concretização, no ponto 5) dos factos provados.
Isto posto, o acórdão recorrido evidencia o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, prevenido na alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

Mas evidencia, ainda, o vício consagrado na alínea c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal – erro notório na apreciação da prova.
Atente-se que do ponto 5) dos factos provados resulta que o Arguido, por diversas vezes e em ocasiões diversas, colocando a sua mão sobre a roupa que trajavam ou por dentro dessa roupa, acariciou as zonas do peito, das mamas e da barriga das menores (…).
Todavia, não é isso que decorre da parte do acórdão destinada a fundamentar os factos nele considerados como provados.
Basta ler o relato dos depoimentos para memória futura de qualquer uma das menores acabadas de mencionar.
Do prestado por GGG resulta que o Arguido, colocando uma das suas mãos por dentro da roupa que a menor trajava, lhe acariciou a barriga e o peito – não refere as mamas.
HHH refere que por dentro da roupa que trajava, o Arguido lhe acariciou a barriga – não refere outras partes do seu corpo.
E por aí adiante, sendo que nenhuma das menores refere, relativamente a si ou a terceira pessoa, tudo aquilo que se deu como provado.
Estamos, pois, perante falha grosseira e ostensiva na avaliação da prova, sendo manifesto que o que se deu como provado está em desconformidade com o que realmente se provou.»

Tendo sido este o “roteiro” dos presentes autos, é quase com surpresa que nos deparamos com o argumento da omissão, quer na acusação, quer na pronúncia, de factos que preencham os elementos constitutivos do crime de abuso sexual de crianças, previsto e punido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal.
Porque surge, agora e tão tarde, pela primeira vez.
E porque tem subjacente uma leitura enviesada da anterior decisão desta Relação.

Do teor da acusação e da pronúncia decorre que, durante o ano letivo de 2016/2017, no interior da sala de aulas ou no recreio da Escola (…), onde ministrava a disciplina (…) a turmas do (…), às menores de 14 (catorze) anos, suas alunas, (…), o Arguido colocou a sua mão sobre a roupa que trajavam, ou no interior da mesma, efetuando movimentos de fricção nas zonas dos seus peitos, mamas, costas, barrigas, nádegas e rabo, tocando-as e acariciando-as.
Dito de outra forma, para que dúvidas não restem, resulta da acusação e da pronúncia que a cada uma das referidas menores o Arguido tocou, com a sua mão por cima e por dentro da roupa que as mesmas trajavam, efetuando movimentos de fricção nas zonas dos seus peitos, mamas, costas, barrigas, nádegas e rabo, tocando-as e acariciando-as.
Das sobreditas peças processuais consta, ainda, que (i) o arguido AAA não ignorava, nem podia ignorar, a idade de tais crianças, as quais eram suas alunas, sabendo que eram menores de 14 (catorze) anos; (ii) bem sabia e não podia ignorar o arguido AAA que, ao atuar desta forma, tocando e acariciando tais crianças, punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade daquelas, na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos (iii) ao agir da forma descrita, o arguido quis e conseguiu satisfazer os seus instintos libidinosos, atuando por gestos, na pessoa das menores, contra a sua vontade, constrangendo-as a um contacto físico de natureza sexual que as mesmas não queriam, aproveitando-se da sua ingenuidade e do facto de serem suas alunas, sabendo que eram menores de 14 (catorze) anos (iv) o arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, bem sabendo que tais condutas lhe estavam vedadas e eram proibidas e punidas por lei.

Destes factos resulta, sem margem para qualquer hesitação, o preenchimento dos elementos constitutivos do crime de abuso sexual de crianças, a que se reporta o artigo 171.º do Código Penal.
E porque assim é, o desenrolar do processo, nada de novo trouxe a tais peças processuais que pudesse colmatar qualquer insuficiência de descrição dos elementos constitutivos de tal crime.

Tenha-se presente que a anterior decisão desta Relação se limita a mandar concretizar o comportamento do Arguido relativamente a cada uma das identificadas menores, com o propósito de o poder avaliar - determinando o número de vezes que cada uma das meninas supra identificadas foi tocada pelo Arguido e qual a zona dos seus corpos assim atingida.
Aspetos que se consideraram de esclarecimento indispensável para determinar a natureza dos atos praticados [se de natureza sexual e de relevo] o seu enquadramento legal [se enquadráveis na previsão do nº 1 ou do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal] e o seu número [perante o consagrado no artigo 30.º do Código Penal].

A descrição genérica do comportamento de quem acusa ou condena pela prática de um qualquer crime é inadmissível, pelos irremediáveis prejuízos que acarreta para o efetivo exercício do direito de defesa.
Sabemos da apetência cada vez mais marcada por este tipo de descrições factuais, que muito facilitam o trabalho de quem as adota, em tempos dominados pelas “contas” dos processos pendentes.

Acresce – ao contrário do invocado pelo Arguido no recurso que agora se conhece – que o reenvio do processo para novo julgamento relativo à sua totalidade não ficou a dever-se a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, mas a erro notório na apreciação da prova, com os seguintes fundamentos:
«Atente-se que do ponto 5) dos factos provados resulta que o Arguido, por diversas vezes e em ocasiões diversas, colocando a sua mão sobre a roupa que trajavam ou por dentro dessa roupa, acariciou as zonas do peito, das mamas e da barriga das menores (…).
Todavia, não é isso que decorre da parte do acórdão destinada a fundamentar os factos nele considerados como provados.
Basta ler o relato dos depoimentos para memória futura de qualquer uma das menores acabadas de mencionar.
Do prestado por GGG resulta que o Arguido, colocando uma das suas mãos por dentro da roupa que a menor trajava, lhe acariciou a barriga e o peito – não refere as mamas.
HHH refere que por dentro da roupa que trajava, o Arguido lhe acariciou a barriga – não refere outras partes do seu corpo.
E por aí adiante, sendo que nenhuma das menores refere, relativamente a si ou a terceira pessoa, tudo aquilo que se deu como provado.
Estamos, pois, perante falha grosseira e ostensiva na avaliação da prova, sendo manifesto que o que se deu como provado está em desconformidade com o que realmente se provou.»

Isto posto, constando do despacho de pronúncia proferido nos autos todos os elementos constitutivos do crime de abuso sexual de crianças, o acórdão recorrido, ao concretizar o comportamento do Arguido, na sequência de decisão desta Relação, não transformou uma conduta atípica numa conduta típica, nem conheceu de factos que não podia conhecer.
E o recurso, neste segmento, improcede.

3. Da nulidade do acórdão decorrente de falta de indicação dos meios de prova que sustentam os factos objeto de comunicação de alteração não substancial
4. Da nulidade do acórdão decorrente da não comunicação de alteração substancial de factos
Entende o Recorrente que o acórdão com que não se conforma enferma de nulidade, por não lhe terem sido comunicados, na ocasião do cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, os meios de prova que sustentaram a alteração não substancial de factos.
E que os factos comunicados, porque constituem alteração substancial de factos, exigiam o cumprimento do disposto no artigo 359.º do Código de Processo Penal.

Com interesse para a decisão a proferir, o processo fornece os seguintes elementos:
(i) Na sessão de julgamento que decorreu no dia 5 de novembro de 2021, foi comunicado aos intervenientes processuais, pelo Senhor Juiz Presidente do Tribunal Coletivo:
«Deliberou o coletivo proceder a uma alteração não substancial de factos nos termos do artigo 358.º, n.º 1 do Código de processo Penal, passando a imputar ao arguido os seguintes factos:
(…)

(ii) O Arguido, através da sua Mandatária, requereu prazo não inferior a 10 (dez) dias para preparação da defesa.

(iii) E neste prazo, que lhe foi concedido, o Arguido dirigiu ao processo requerimento com o seguinte teor:
«(…)
Veio este Tribunal em 05/11/2021 comunicar ao arguido novos factos, que os qualificou como sendo uma alteração não substancial dos factos, e por tal motivo, efetuou a “comunicação” a que alude o disposto no art.º 358.º do CPP.
Porém, não informou o arguido quais os meios de prova de onde resultavam aqueles factos aditados.
Apesar de não ter indicado tais meios de prova, entende o arguido que, os factos novos identificados sob os n.ºs 4 a 9, e, mais concretamente os identificados nos pontos 5 e 6, consubstanciam uma alteração substancial dos factos, e não uma mera alteração não substancial,
Por isso, deveria o Tribunal ter dado cumprimento ao disposto no art.º 359.º do CPP e não ao art.º 358.º, daí que, não tendo este Tribunal previamente realizado tal comunicação, o despacho prolatado é nulo.

VEJAMOS OS FACTOS COMUNICADOS
Manteve ponto 1 e o ponto 3 da acusação,
Relativamente ao ponto 2, consideramos que existe uma alteração não substancial dos factos, quando, este Tribunal acrescenta “(…). (Negrito e sublinhado nosso)
Todavia,
No que concerne ao ponto 4, ponto 5, ponto 6, parte do ponto 7 e pontos 8 e 9, entendemos que, já assim não é, dado que:
No ponto 4 consta da acusação o seguinte:
“Desde data não concretamente apurada, mas certamente durante o ano letivo 2016/2017, o arguido AAA, prevalecendo-se da proximidade de que gozava, das crianças identificadas em 3., por força do exercício das suas funções e, bem assim, da confiança que estabeleceu com as mesmas, conseguiu manter contactos de natureza sexual com aquelas, apesar de estar ciente das suas idades”.
Contudo, foi comunicado pelo Tribunal no ponto 4 o seguinte:
“Desde data não concretamente apurada, mas certamente durante o ano letivo 2016/2017, o arguido AAA, prevalecendo-se da proximidade de que gozava, das crianças identificadas em 3), por força do exercício das suas funções e, bem assim, da confiança e ascendente que estabeleceu com as mesmas, decidiu e conseguiu manter contactos de natureza sexual com parte daquelas, apesar de estar ciente das suas idades”;
Do ponto 5 da acusação consta:
“Assim, o arguido AAA, enquanto se encontrava a ministrar a disciplina (…), no interior da sala de aulas, bem como, durante o recreio, em datas não concretamente apuradas, por diversas vezes e em momentos diferentes, aproximou-se das crianças identificadas em 3., e colocou a sua mão sob a roupa que trajavam, ou no interior da mesma, efetuando movimentos de fricção, nas zonas dos peitos, mamas, costas, barriga, nádegas, e rabo, tocando-as e acariciando-as.”.
Porém, através da dita comunicação o referido ponto 5 passa a ter a seguinte redação:
“Assim, o arguido AAA, enquanto se encontrava a ministrar a disciplina (…), no interior da sala de aulas, aproximava-se por trás do lugar de carteira das menores visadas e, aparentando pretender corrigir um exercício ou tirar uma dúvida, mas com o intuito de satisfazer instintos libidinosos que tentou ocultar das próprias visadas e dos restantes menores presentes na sala de aula, posicionava-se por de trás de cada uma delas, debruçando-se sobre o seu corpo e praticando as seguintes condutas, pelo menos uma vez:
a) MMM:
Massajou o pescoço da menor e introduzindo umas das mãos por dentro da roupa, massajou o peito; fez cócegas na barriga por dentro e por fora da roupa.
b) OOO,
Mexeu nas pernas quando a menor trazia um leggins vestidos e introduziu a mão por dentro da roupa tocando da pele da menor em zona do tronco não concretamente apurada; tratou a menor por “Querida”.
c) QQQ,
Acariciou o peito da menor, por fora e por dentro da roupa, tocando neste caso na pele da menor, mas sem tocar nos mamilos.
d) SSS,
Introduziu a mão por dentro da roupa tocando nos mamilos e acariciou e apertou a barriga da menor por fora da roupa.
e) XXX,
Introduziu a mão por dentro da roupa deslizando a mão em contacto com a pele da menor pelo tronco até à barriga, efetuando movimentos circulares; fez cócegas na barriga.
f) UUU,
Introduziu a mão por dentro da roupa tocando na pele da menor no centro do peito sem chegar a tocar nos mamilos.
g) VVV,
Introduziu a mão por dentro da roupa e deslizou em contacto com a pele do tronco da menor até à zona situada por baixo do peito e acima da barriga.
h) WWW,
Introduziu as mãos por dentro da roupa e tocou na pele da menor na zona do peito entre os mamilos, acariciou a mesma zona do peito por fora da roupa.
i) III,
Acariciou a barriga da menor por baixo da roupa tocando-lhe na pele.
j) HHH
Introduziu a mão por baixo da roupa no tronco da menor e acariciou a pele em zona não concretamente apurada fazendo movimentos circulares.
k) LLL,
Introduziu a mão por dentro da roupa, acariciando a pele da menor em zona não concretamente apurada do tronco.
l) NNN,
Acariciou a zona do peito por cima da roupa; fez cócegas na barriga e, segredando ao ouvido da menor, tratou-a por “fofinha” e dizendo-lhe ainda que a mesma era muito querida.
m) PPP,
Sentou a menor ao colo e acariciou-lhe o tronco por cima da roupa, provocando-lhe cócegas.
n) ZZZ,
Acariciou os ombros e o peito da menor por cima da roupa.
o) RRR,
Acariciou a barriga e o tronco da menor na zona do peito, por cima da roupa.
p) TTT,
Acariciou as pernas quando a menor envergava uns calções. Acariciou o tronco na zona das maminhas, a barriga e os ombros da menor, por cima da roupa.
q) YYY
Acariciou a barriga da menor por cima da roupa
r) JJJ,
Acariciou a barriga e o peito da menor por cima da roupa.
s) GGG,
Acariciou o tronco da menor por cima da roupa, percorrendo a zona do peito até à barriga.”
E ainda no ponto 6 da comunicação:
Com o mesmo intuito que tentou igualmente ocultar, aparentando pretender corrigir um exercício, chamou no decurso de uma aula a menor KKK à sua secretária e, conseguida a proximidade necessária, colocou a sua mão por baixo do braço da menor, acariciando por cima da roupa o peito da menor.”
Em relação ao ponto 7 da acusação:
“Bem sabia e não podia ignorar o arguido AAA que, ao atuar desta forma, tocando e acariciando as crianças identificadas em 3., punha em causa o livre desenvolvimento da personalidade daquelas, na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.”
Já na comunicação consta no seu ponto 7 a seguinte redação:
Ao agir da forma descrita em 5) e 6), o arguido AAA sabia que as crianças eram menores de 14 anos e que tocando e acariciando as mesmas da forma descrita punha em causa o seu livre desenvolvimento da personalidade, na esfera sexual, o que fez com vista a satisfazer os seus instintos libidinosos.”
Continuando, no ponto 8 da acusação consta:
“Para atingir o seu objetivo, o arguido AAA não se coibiu de se fazer prevalecer da confiança em si depositada pelas crianças identificadas em 3., por força das funções que exercia, que lhe garantiam, proximidade constante e diária com aquelas.”
Da comunicação resulta no seu ponto 8:
“Para tanto, aproveitou a confiança em si depositada pelas crianças identificadas e o ascendente que exercia sobre aquelas, por força das suas funções de professor, que lhe garantiam autoridade e proximidade diária, constrangendo-as a um contacto físico de natureza sexual que as mesmas não queriam e que não estavam habilitadas a consentir.”
E ainda, no ponto 9 da acusação resulta:
“O arguido AAA não ignorava nem podia ignorar que, por força das funções que exercia, ministrando aulas de inglês, organizando e assegurando as mesmas, emergia aos olhos das crianças identificadas em 3., suas alunas, numa posição de dominância hierárquica, circunstância de que se valeu para concretizar os seus intentos.”
No entanto, do ponto 9 da comunicação consta o seguinte:
“O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabia que as condutas que praticou eram proibidas e punidas por lei, tinha capacidade para se determinar de acordo com essa avaliação e controlar o seu instinto libidinoso e, ainda assim, não se absteve de tocar nas menores de forma e com o intuito descritos”.
Ora, aditou o Tribunal, mais concretamente no ponto 5, que, o arguido se aproximava das menores deliberada e maliciosamente, somente com o intuito de praticar com estas atos sexuais, fingindo para o efeito pretender corrigir exercícios ou tirar dúvidas, de modo a que estas não percebessem da sua pretensão.
E ainda, concretiza o que o arguido fez, a cada uma das menores, detalhando o ato sexual praticado, ou seja, a forma e as circunstâncias em que o arguido lhes tocou.
Consequentemente, os aditamentos verificados, não se traduzem em factos meramente circunstanciais, antes consubstanciam a necessária concretização em termos factuais de conceitos de direito.
“Os factos” indeterminados ou conclusivos da pronúncia e por isso, insuficientes para preencherem o tipo, com a comunicação efetuada, passam a preencher os elementos típicos do crime para cada uma das menores.
Assim, entende a defesa que o mencionado aditamento consubstancia uma alteração substancial dos factos, e o mecanismo adequado para que tal comunicação fosse realizada, teria de ser o que alude o art.º 359.º do Código do Processo Penal, e não por via do art.º 358º do mesmo código.

Daí que, não tendo sido dado previamente cumprimento ao citado artigo [359º], o despacho nesta parte padece de nulidade, pelo que, deverá ser declarado nulo.
Os procedimentos previstos no art.º 358.º e art.º 359.º do CPP, são exceções ao princípio da vinculação temática, e por tal motivo, têm repercussões na decisão que vier a ser prolatada.
Tanto assim é, que as vias a utilizar para cada comunicação, diferem quanto aos seus efeitos.
“(…) É dentro desta axiologia constitucional que há que situar os artigos 358.º e 359.º do CPP. Tais preceitos não pretendem mais do que expressar os limites da alteração temática do processo penal constitucionalmente admissíveis à face destes princípios do asseguramento de todas as garantias de defesa, da estrutura acusatória do processo e do contraditório, distinguindo as situações de alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia da alteração substancial, e, ainda, enunciar os instrumentos jurídicos cuja realização pretende fazer corresponder ao nível de concretização da normatividade constitucional decorrente de tais princípios, em cada uma dessas diferentes situações. Porque são muito diferentes a extensão e intensidade com que esses princípios sairiam afetados nas duas situações de alteração temática do processo configuradas nos artigos 358.º e 359.º, bem diferentes teriam de ser, e são, as exigências da sua admissibilidade. Digamos que a diferença de regimes é necessariamente consequenciada pela medida em que esses princípios poderão sair afetados” – Cfr. Ac. da 2ª secção do TC n.º 463/2004
Concluindo, é entendimento da defesa que a comunicação levada a cabo, na sessão do dia 05/11/2021, nos precisos termos em que o foi, não se limitou a comunicar uma alteração não substancial dos factos, mas, antes uma verdadeira alteração substancial e por tal motivo, impunha-se que o Tribunal tivesse dado cumprimento ao disposto no art.º 359º do C.P.P, não o tendo feito, nessa parte [pontos 4 a 9, e mais concretamente os pontos 5 e 6], o referido despacho é nulo.
Tendo o tribunal, na nossa ótica, violado desta forma os princípios da legalidade, dos de garantia de defesa e o da vinculação temática – Cfr. art.º 171.º, n.º 1 e art.º 177.º, n.º 1, alínea b) ambos do CP; art.º 1.º, n.º 1, alínea f), art.º 61.º, n.º 1, alínea c), art.º 118.º e art.º 359.º todos do CPP; art.º 32.º, n.º 1 e n.º 5 e art.º 202.º, n.º 2 ambos da CRP.
Pelo exposto, deverá V.Exa., declarar a nulidade de parte do despacho prolatado em 05/11/2021 identificados nos pontos 4 a 9.»

(iv) O Ministério Público pronunciou-se no sentido do indeferimento desta pretensão.

(v) E o Tribunal Coletivo fez exarar em ata a seguinte decisão:
«Relativamente às invocadas nulidades e de forma sumária dizer apenas o seguinte: subscrevendo a promoção do Ministério Público o Tribunal considera que se limitou a dar cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa… da Relação de Évora, peço desculpa, e que aliás, foi fundamento de repetição de julgamento, caso contrário, não teria sequer sido realizado.
Por outro lado, entende que tudo o mais se reporta a uma distinta redação que não altera o sentido da anterior, muito pelo contrário, até reduz, sintetizando, pelo que entende o Tribunal que não há aqui nenhuma alteração (…) substancial de facto, porque designadamente não poderá implicar um aumento abstrato da moldura aplicável. Coisa diferente seria, e até poderei avançar nesta sede, se o Tribunal tivesse introduzido factos novos relativamente a outras menores, e posso adiantar que da análise que o Coletivo fez às declarações para memória futura, uma a uma, entendeu o Tribunal que haveria matéria para o Ministério Público ter acusado também pelas menores (…), CCC e (…). Não foi sequer feita menção no acórdão, (…) exatamente porque isso traduzir-se-ia numa alteração substancial de facto, com consequências processuais e uma remessa expectável para inquérito relativamente a estas três menores, o que não traria qualquer acréscimo à Justiça, quer na perspetiva das vítimas quer na perspetiva do arguido, portanto essa matéria foi simplesmente ignorada, mantendo-se o objeto do processo exatamente onde estava e que foi fixado e balizado pelo despacho acusatório.
Pelo que, e feita esta sucinta fundamentação se indeferem as invocadas nulidades

A lei impõe conteúdos obrigatórios a determinadas peças do processo, concretamente à acusação e à pronúncia, conforme decorre dos artigos 283.º, n.º 3, e 308.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Exigência que deriva das finalidades que se reconhecem a tais peças processuais, entre as quais se destaca a delimitação do objeto do processo e a garantia de possibilidade de exercício efetivo, por banda do arguido, de todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para defender a sua posição e contrariar a acusação.
A estrutura acusatória do nosso processo penal, consagrada no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa[[3]], significa, desde logo, que é pela acusação [ou pela pronúncia, havendo-a] que se define o objeto do processo [thema decidendum].
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira[[4]], «O princípio acusatório (…) é um dos princípios estruturantes da constituição processual penal. Essencialmente, ele significa que só se pode ser julgado por um crime precedendo acusação por esse crime por parte de um órgão distinto do julgador, sendo a acusação condição e limite do julgamento. Trata-se de uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial. Cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não conduzir oficiosamente a investigação da responsabilidade penal do arguido (princípio do inquisitório)
Esta vinculação temática do Juiz do julgamento – à matéria constante da acusação – constitui para o arguido uma garantia de defesa, na qual se inclui claramente o princípio do contraditório, que traduz[[5]] «o dever e o direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; o direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afetados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efetiva no desenvolvimento do processo; em particular, direito do arguido de intervir no processo e de pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo, o que impõe designadamente que ele seja o último a intervir no processo; a proibição por crime diferente do da acusação, sem o arguido ter podido contraditar os respetivos fundamentos
Todavia, as preocupações de justiça subjacentes ao processo penal fazem com que tal estrutura acusatória não tenha sido consagrada de forma absoluta.
Efetivamente, como decorre do disposto no artigo 124.º e no n.º 4 do artigo 339.º, em julgamento devem ser apresentados todos os factos invocados pela acusação, pela defesa, e pelo demandante civil, quando o haja, produzidas e examinadas todas as provas e explanados todos os argumentos, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
Ao que acresce a possibilidade de alteração dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, consagrada nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal – alteração não substancial e substancial desses factos, respetivamente.

«I - Tem-se entendido, de um modo geral, que os princípios constitucionais do processo penal impõem que ao arguido sejam reconhecidas todas as possibilidades de se opor à acusação contra si deduzida, em ordem a evitar uma condenação injusta, tanto ao nível da matéria de facto, como no plano do direito, o que implica, além do mais, que lhe seja conferido o ensejo de discutir com efetividade os juízos jurídicos formulados pela entidade acusadora.
II - O pleno exercício pelo arguido das garantias de defesa que lhe assistem tem como pressuposto lógico a estabilização do objeto processual logo que este tenha sido fixado pela acusação ou pela pronúncia, quando esta exista, objeto esse que, de acordo com o disposto nos arts. 283.º e 308.º nº 2 do CPP, se compõe obrigatoriamente de uma narrativa factual e de um certo enquadramento jurídico-penal dos factos narrados.
III - Nesta ordem de ideias, qualquer alteração do objeto processual tem de ser necessariamente excecional e tem de ocorrer de modo a deixar ao arguido a oportunidade de reorganizar a sua defesa, na medida necessária, o que equivale a dizer, em concreto, dentro dos condicionalismos definidos pelos arts. 358.º e 359.º do CPP.»
Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 21 de outubro de 2014, proferido no processo n.º 14/09.5GBRMZ.E1, e acessível em www.dgsi.pt

O Código de Processo Penal define, na alínea f) do seu artigo 1.º, a alteração substancial dos factos como «aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis».
Daqui resulta que, qualquer alteração dos factos que não implique a imputação de crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis, é uma alteração não substancial dos factos.
Consagra-se no artigo 358.º do Código de Processo Penal, a propósito da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, que«1 - Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa
2 – Ressalva-se do disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.
3 – O disposto no n.º 1 é correspondentemente aplicável quando o tribunal alterar a qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
E no artigo 359.º do mesmo Código, que disciplina a alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, preceitua-se que
«1 – Uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia não pode ser tomada em conta pelo tribunal para o efeito de condenação no processo em curso, nem implica a extinção da instância.
2 – A comunicação da alteração substancial dos factos ao Ministério Público vale como denúncia para que ele proceda pelos novos factos, se estes forem autonomizáveis em relação ao objeto do processo.
3 – Ressalvam-se do disposto no n.º 1 os casos em que o Ministério Público, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelos novos factos, se estes não determinarem a incompetência do tribunal.
4 – Nos casos referidos no número anterior, o presidente concede ao arguido, a requerimento deste, prazo para preparação da defesa não superior a 10 dias, com o consequente adiamento da audiência, se necessário.»

«I – A jurisprudência tem considerado que não existe uma alteração dos factos integradora do artigo 358.º do CPP, quando a factualidade dada como provada na sentença consiste numa mera redução daquela que foi indicada na acusação ou da pronúncia, por não se terem dado como assentes todos os factos aí descritos [cf. Ac. TC n.º 330/97, in DR II, 1997/jul./03].
II – O mesmo sucede quando apenas existam alterações de factos relativos a aspetos não essenciais, manifestamente irrelevantes para a verificação da factualidade típica ou da ocorrência de circunstâncias agravantes [cf. Ac. STJ de 1991//abr./03, de 1992/nov./11 e de 1995/out./16, in BMJ n.º 406/287, n.º 421/309 e em www.dgsi.pt].
III – Também tal não ocorrerá quando se tratar de uma simples descrição do contexto temporal e do ambiente físico em que a ação do arguido se desencadeou, quando o mesmo não é mais do que a reafirmação ou a ilação explícita de factos que sinteticamente já se encontravam narrados na acusação ou na pronúncia [Ac. TC n.º 387/2005, de 2005/jul./13, in DR II, 2005/Out./19].
IV – Do mesmo modo, não se poderá falar de alteração dos factos com relevo para a decisão, quando a decisão condenatória se sustenta exclusivamente nos factos constantes da acusação e da contestação e o recorrente não foi surpreendido com os factos, dadas as considerações que precedem [cf. o Ac. STJ de 23/06/2005, processo n.º 1301/05, CJ, Tomo 2/2005).
V – Daí que se possa dizer, que "só constitui alteração substancial dos factos a modificação que se reporte a factos constitutivos do crime e a factos que tenham o efeito de imputação de um crime punível com uma pena abstrata mais grave. A modificação dos restantes factos que constem da acusação ou da pronúncia constitui alteração não substancial dos factos, desde que sejam relevantes para a decisão da causa" e que "(... ) não há crime diverso em face da mera alteração das circunstâncias da execução do crime (incluindo o dia, hora, local, modo de execução e instrumento do crime), desde que essas circunstâncias não constituam elementos do tipo legal, nem constituam um outro facto histórico unitário" [Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2007, pp. 41].»
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de dezembro de 2015, proferido no processo n.º 260/12.4PJPRT.P1 e acessível em www.dgsi.pt

A alteração factual levada a cabo pelo Tribunal de 1.ª Instância tem os contornos que lhe são assinalados pelo Recorrente – no domínio dos factos que foram objeto dessa alteração.
Mas deles não decorre que estejamos perante uma alteração substancial de factos.
Porque os factos aditados, que tiveram o propósito de permitir o exercício do cabal direito de defesa do Arguido, destinam-se a especificar e enquadrar circunstancialmente outros factos, já constantes da pronúncia, e não têm como efeito a imputação de crime diverso do contido neste peça processual, nem a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Dito de outra forma, os factos novos pertencem ao mesmo facto histórico considerado unitariamente, dentro da definição espacial e temporal em causa, sem descontinuidade com o facto histórico enunciado na pronúncia e não envolvem alteração dentro do quadro típico ilícito aplicável nem no domínio das sanções aplicáveis.

Resta referir que a lei não impõe, aquando da comunicação de alteração não substancial de factos – a única que nos importa – que se dê a conhecer os elementos probatórios em que se alicerça.
Pela razão óbvia de que tais elementos serão os que foram produzidos em julgamento.
E porque não compete, nessa fase do processo, sindicar a convicção do Tribunal quanto à possível inclusão, entre os factos provados dos que são objeto da comunicação de alteração não substancial, mas tão-só, permitir ao Arguido que, perante eles, organize a sua defesa.

Isto posto, e sem necessidade de outras explicações, é evidente, nestes segmentos, a improcedência do recurso.

5. Da valoração da prova proibida para sustentar a decisão condenatória
Entende o Recorrente que o Tribunal de 1.ª Instância sustenta a decisão condenatória que proferiu em prova proibida, concretamente, (i) em prova pré-constituída não indicada na acusação nem na pronúncia, nem apresentada em julgamento – as filmagens e os fotogramas; (ii) em prova indicada na acusação, mas que se assumiu como impercetível e até parcialmente perdida – as declarações para memória futura das menores.

Quanto ao primeiro aspeto, temos por adquirido que as provas apresentadas por quem acusa hão-de chegar ao conhecimento do acusado antes da fase do julgamento.
É o que resulta do disposto no n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal – a acusação contém, sob pena de nulidade, as provas a produzir e a requerer em julgamento.

A acusação deduzida no processo – de fls. 969 a 977 – indica toda a prova dos autos.
E o mesmo consta da decisão instrutória de pronúncia de fls. 1159 a 1173 – onde se indica a prova da acusação.

O que significa que inclui as filmagens apreendidas ao Arguido e os fotogramas que delas foram retirados.
Impõe-se, ainda, referir que o Arguido tem conhecimento do conteúdo de tais filmagens, sendo certo que foi quem as realizou, e da sua apreensão no processo.
Não foi, também por isso, surpreendido com provas que desconhecia.

A valoração das filmagens e dos fotogramas surge isenta de reparo.
E o recurso, neste segmento, não procede.

Quanto ao segundo aspeto, importa recordar o que consta do acórdão recorrido, na parte dela relativa à “Convicção do Tribunal”, a propósito das declarações para memória futura das menores.
«Importa nesta fase salientar que as declarações para memória futura foram registadas dor 3 formas distintas: em vídeo/áudio registado em diversos DVDs, em áudio registado no sistema citius e por escrito por via das transcrições materializadas nas 4 pastas anexas aos autos. Visualizados os DVDs, constata-se que peses embora algumas filmagens estejam percetíveis, como por exemplo as filmagens da menor (…), outras há em que o registo nunca se materializou ou se perdeu, como é o caso das declarações para memória futura das menores (…)– Veja-se DVD a fls. 996. Ouvida a gravação no sistema citius, constata-se igualmente que algumas partes dos depoimentos estão impercetíveis, sendo que as impercetibilidades encontram-se rigorosamente refletidas nas transcrições com menção à impercetibilidade da gravação nessa parte. Neste contexto, em benefício do arguido, o tribunal considerou apenas as declarações para memória futura na parte percetível das gravações áudio no sistema citius que se encontram devida e percetivelmente transcritas nas pastas da transcrição. Em tudo aquilo que não se encontra transcrito, o tribunal não considerou. Por outro lado, naquilo que é percetível, importa referir que as declarações para memória futura são credíveis, não tendo o tribunal ficado com réstia de dúvidas sobre a autenticidade dos depoimentos das menores, pela honestidade própria da idade, que originou que, mesmo nos casos em que se pudesse considerar que a pergunta foi feita em moldes mais sugestivos, as menores foram perentórias e lestas a negar o falso e a corrigir o exagerado. Veja-se, a título de exemplo:
A menor mmm que afirmou que o arguido nunca pôs a mão dentro da camisola em contexto de recreio; a NNN que negou que o arguido pusesse as mãos nas “maminhas”, corrigindo que “era só até aqui”; RRR que negou que o arguido alguma vez tivesse posto a mão por dentro da camisola afirmando que quanto a ela só o fez por fora.
Por outro lado, os depoimentos das menores não sendo exatamente iguais não foram contraditórios, muito menos incompatíveis em matéria essencial. O facto de umas menores afirmarem que viram o arguido colocar as mãos por dentro da camisola de determinada menor que, por sua vez afirmou que o arguido apenas lhe colocou a mão por cima da camisola, não compromete o depoimento quer de uma menor quer de outra. Trata-se de diferença facilmente confundível por quem observa e pormenor vulnerável à passagem do tempo em matéria de conservação de memória. Pelo contrário, do ponto de vista de quem sofre a conduta praticada pelo arguido, conserva a experiência na memória de forma mais duradoura, uma vez que percecionada sensorialmente de forma muito intrusiva e anormal pelo toque das mãos do arguido em zona mais íntima do corpo da menor. Assim, o tribunal julgou a matéria de facto limitando as condutas ao que cada menor referiu ter acontecido consigo própria. É exemplo do que se acabou de expor o caso da menor QQQ que afirmou ter visto o professor colocar as mãos por dentro e fora da roupa da menor NNN, contudo esta menor negou que tenha sido por dentro.
Por último, a produção de prova testemunhal, na parte em que depuseram colegas das menores, à semelhança da conjugação entre si das declarações para memória futura, não só não contrariaram as declarações para memória futura, na parte em que foram inócuos por nada terem visto, como nalguns casos as confirmaram. Veja-se a título de exemplo o depoimento de SAN que referiu em audiência de julgamento que viu o arguido colocar as mãos na frente do corpo de PPP, o que lhe pareceu ser na zona do peito e da barriga sendo que esta menor em sede de declarações para memória futura referiu que se sentava perto do menor SAN, tornando plausível o depoimento daquele. Mais impressivo foi o depoimento de AGO, também ele colega, à data, das menores e que afirmou ter visto o arguido colocar as mãos por baixo da roupa de OOO, que, por sua vez, afirmou que o arguido efetivamente lhe punha a mão por dentro da camisola. Em suma, analisada de forma crítica toda a prova produzida, constata-se que inexistem meios de prova antagónicos que impossibilitem contrariando de forma inequívoca as declarações para memória futura que mereceram por parte do tribunal, toda a credibilidade e alicerçaram a convicção do tribunal na prova da factualidade descrita no ponto 5 dos factos provados e que traduz a concretização factual ordenada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora e que justificou a realização de novo julgamento.»

As questões relacionadas com proibições de prova e nulidades de prova são muitas vezes confundidas.
«Com frequência, até mesmo em contexto judiciário, fala-se em “proibições de prova” ou “prova proibida” não apenas para referenciar o conceito que, em princípio, no rigor técnico-jurídico, deveria estar reservado para essa expressão, mas, numa aceção mais lata (e imprecisa), atribui-se a essa locução o significado de algo de que o Tribunal pura e simplesmente não pode servir-se para formar a sua convicção e fundamentar a sua decisão. Ou seja, de vícios que não se circunscrevem às (verdadeiras e autênticas) “proibições de prova”, mas que incluem também as “provas nulas” (stricto sensu) ou “nulidades de prova” derivadas de nulidades processuais.
(…)
A finalidade do processo penal não é a descoberta da verdade a qualquer custo, mas a sua prossecução através dos meios processualmente admissíveis à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º da Constituição da República Portuguesa/CRP), ainda que isso possa conduzir, e muitas vezes por certo conduz, à impossibilidade de acesso à intitulada verdade “material” ou histórica. É hoje unânime entre os Autores a asserção de que “não é nenhum princípio da ordenação processual que a verdade tenha de ser investigada a todo o preço” e também que “o objetivo do esclarecimento e punição dos crimes é, seguramente, do mais elevado significado; mas ele não pode representar sempre, nem sob todas as circunstâncias, o interesse prevalecente do Estado”: o “Estado tem de revelar alguma superioridade ética: não pode combater o crime, por mais grave que ele seja, cometendo, ele próprio, outros crimes”.
Como decorrência desta conceção, o art. 32.º da CRP (“Garantias de processo criminal”), no seu n.º 8, prescreve que “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, mandamento constitucional que é, por sua vez, replicado no art. 126.º do CPP.
Nos termos do art. 126.º-1 do CPP (correspondente ao art. 32.º-8/1.ª parte da CRP), “São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” (o n.º 2 do preceito faz uma indicação exemplificativa6 de provas ofensivas dessa integridade física ou moral, mesmo que com consentimento do visado). São as chamadas “proibições absolutas”, em relação às quais não há nenhuma possibilidade de cedência.
Por sua vez, de acordo com o art. 126.º-3 do CPP (correspondente ao art. 32.º8/2.ª parte da CRP), “Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular”. São as denominadas “proibições relativas” – justificadas pela necessidade de dotar a justiça penal de instrumentos que lhe permitam a maior eficácia possível porquanto essa justiça é, afinal, ela própria, um elemento primordial da ideia de Estado de Direito8 –, admitindo-se que, sob certas condições, possa haver interferência (que então deixará de ser abusiva) na esfera de alguns direitos fundamentais: neste campo é, pois, concebível uma ingerência nos direitos da pessoa se a lei a previr ou o respetivo titular nela consentir.
(…)
As proibições de prova estão, assim, diretamente ligadas à salvaguarda dos direitos fundamentais e representam uma barreira ao apuramento dos factos, traduzindo, portanto, limites à descoberta da verdade – são uma resposta para vícios substanciais. Quer dizer, “o direito processual penal português privilegia a dimensão material-substantiva das proibições de prova. A interpretação e aplicação dos respetivos preceitos terão, por isso, de partir da compreensão das proibições de prova como instrumentos de garantia e tutela de valores ou bens jurídicos distintos – e contrapostos – dos representados pela procura da verdade e pela perseguição penal”.
As nulidades processuais, estando também de certo modo e indiretamente relacionadas com os direitos fundamentais, visam, no essencial, o regular funcionamento do processo para que este decorra segundo as prescrições da lei (maxime quanto à obtenção de provas legalmente admissíveis/não proibidas) – são uma resposta para vícios formais. Através da sua previsão o legislador não se propõe assegurar, em primeira linha, a proteção de bens jurídicos fundamentais, antes assume um programa mais restrito que é o de ordenar o modo como o processo se desenrola (quem, quando, onde e como devem produzir-se os atos processuais).»[[6]]

A valoração das declarações para memória futura que constam do processo, nos termos em que o Tribunal de 1.ª Instância a fez – excluindo o que delas não era percetível – não constitui prova proibida nem prova nula.
Porque essas declarações não foram obtidas mediante compressão dos direitos fundamentais em termos não consentâneos com a autorização constitucional e, por isso, não integram a previsão do artigo 126.º do Código de Processo Penal.
E também porque a valoração de tais declarações, com exclusão do que delas não se entende, não constitui invalidade processual face ao disposto nos artigos 118.º, 119.º, 120.º e 123.º, todos do Código de Processo Penal.

A questão suscitada pelo Recorrente reconduz-se à bondade do raciocínio do Tribunal de 1.ª Instância no que toca à valoração das mencionadas filmagens e fotogramas e será, de seguida, apreciada.
Pelo que o recurso, neste segmento, também improcede.

6. Da incorreta valoração da prova produzida em julgamento
Entende o Recorrente ter sido incorretamente valorada a prova produzida em julgamento.
Porque (i) foi valorada prova proibida, (ii) foi desconsiderada prova que lhe é favorável, (iii) interpretaram-se de forma desajustada os depoimentos de algumas menores (iv) e valoraram-se depoimentos de testemunhas que não foram inquiridas, porque prescindidas e (v) consideraram-se indevidos juízos de valor sobre a vida sexual do Arguido.

Vejamos se lhe assiste razão.
Com o propósito de bem expressar o nosso entendimento, impõe-se se precisem conceitos.
Em causa está o modo como pode sindicar-se a valoração da prova feita em 1.ª Instância, determinante para a fixação dos factos que aí se consideraram como provados e não provados – sindicância que pode fazer-se num primeiro momento fora e, depois, no âmbito dos vícios que devem ser aferidos perante o texto da decisão em causa [dito de outra forma, e respetivamente, no domínio da impugnação ampla da matéria de facto e no domínio da impugnação restrita da matéria de facto].

A impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto [ou aquela que se encontra fora do âmbito da previsão do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal], depende da observância dos requisitos consagrados nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, ou seja:
«(...)
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
(...)»
E ocorrendo impugnação da matéria de facto, com observância das regras acabadas de mencionar, o Tribunal, conforme se dispõe no n.º 6 do artigo 412.º do Código de Processo Penal, «procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta de verdade e a boa decisão da causa
Encontramo-nos no domínio dos vícios do julgamento. No domínio do erro na “aquisição” da prova, que ocorre quando o Julgador perceciona mal a prova – porque o conteúdo dos depoimentos não corresponde ao que, efetivamente, foi dito por quem os prestou.
Erro do Julgador, no momento em que perceciona a prova, em que toma contacto com ela, e não no momento em que a avalia. Erro que pode viciar a avaliação da prova, mas que a antecede e dela se distingue.
Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, página 1131, em anotação ao artigo 412.º do Código de Processo Penal, afirma que «a especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorretamente julgado (...)»; «a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (...) mais exatamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento».
«(...) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação. O grau acrescido de concretização exigido pela Lei nº 48/2007, de 29.8, visa precisamente impor ao recorrente que relacione o conteúdo específico do meio de prova que impõe decisão diversa da recorrida com o facto individualizado que considera incorretamente julgado (...).».[[7]]
De onde é lícito concluir que «o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros».[[8]]
Ou seja, a gravação das provas funciona como “válvula de segurança” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto.

A sindicância da matéria de facto pode, ainda, obter-se pela via da invocação dos vícios da decisão [e não do julgamento] – impugnação restrita da matéria de facto –, de conhecimento oficioso, que podem constituir fundamento de recurso, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito [n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal].
Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:
«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
(...)»
Tais vícios, que se encontram taxativamente enumerados no preceito legal acabado de mencionar, terão de ser evidentes e passíveis de deteção através do mero exame do texto da decisão recorrida [sem possibilidade de recurso a outros elementos constantes do processo], por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada constitui «lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, ocorrendo quando se conclui que com os factos considerados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato que é preciso preencher.
Porventura melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o Tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final.
Ou, como vem considerando o Supremo Tribunal de Justiça, só existe tal insuficiência quando se faz a “formulação incorreta de um juízo” em que “a conclusão extravasa as premissas” ou quando há “omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre factos alegados ou resultantes da discussão da causa que sejam relevantes para a decisão, ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão”[[9]]
A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.» [[10]]
O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.» [[11]]

Não pode incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efetuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência – valoração que aquele Tribunal é livre de fazer, ao abrigo do disposto no artigo 127.º do Código Penal.
Mas tal valoração é, também, sindicável.
O que equivale a dizer que a matéria de facto pode ainda sindicar-se por via da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Neste preceito legal consagra-se um modo não estritamente vinculado na apreciação da prova, orientado no sentido da descoberta da verdade processualmente relevante[[12]], pautado pela razão, pela lógica e pelos ensinamentos que se colhem da experiência comum, e limitado pelas exceções decorrentes da “prova vinculada” [artigos 84.º (caso julgado), 163.º (valor da prova pericial), 169.º (valor probatório dos documentos autênticos e autenticados) e 344.º (confissão) do Código de Processo Penal] e está sujeita aos princípios estruturantes do processo penal, entre os quais se destaca o da legalidade da prova [artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa, e artigos 125.º e 126.º do Código de Processo Penal] e o do “in dubio pro reo” [artigo 32.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa].[[13]]
Enformado por estes limites, o julgador perante o qual a prova é produzida – e quem se encontra em posição privilegiada para dela colher todos os elementos relevante para a sua apreciação crítica – dispõe de ampla liberdade para eleger os meios de que se serve para formar a sua convicção e, de acordo com ela, determinar os factos que considera provados e não provados.
E, por ser assim, nada impede que dê prevalência a um determinado conjunto de provas em detrimento de outras, às quais não reconheça, nomeadamente, suporte de credibilidade.
«O ato de julgar é do Tribunal, e tal ato tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção. Tal operação não é pura e simplesmente lógico-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objetivos para uma formação lógico-intuitiva.
Como ensina Figueiredo Dias (in Lições de Direito Processual Penal, 135 e ss.) na formação da convicção haverá que ter em conta o seguinte:
- a recolha de elementos – dados objetivos – sobre a existência ou inexistência dos factos e situações que relevam para a sentença, dá-se com a produção da prova em audiência;
- sobre esses dados recai a apreciação do Tribunal – que é livre, art.º 127.º do Código de Processo Penal – mas não arbitrária, porque motivada e controlável, condicionada pelo princípio da persecução da verdade material;
- a liberdade da convicção, aproxima-se da intimidade, no sentido de que o conhecimento ou apreensão dos factos e dos acontecimentos não é absoluto, mas tem como primeira limitação a capacidade do conhecimento humano, e portanto, como a lei faz refletir, segundo as regras da experiência humana;
- assim, a convicção assenta na verdade prático-jurídica, mas pessoal, porque assume papel de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis- como a intuição.
Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objetivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objetiváveis).
Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência a perceção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e a oralidade) a da dúvida inultrapassável (conduzindo ao princípio in dubio pro reo).
A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz perceber os dados não objetiváveis atinentes com a valoração da prova.
A Constituição da República Portuguesa impõe a publicidade da audiência (art.º 206.º) e, consequentemente, o Código Processo Penal pune com a nulidade a falta de publicidade (art.º 321.º); publicidade essa que se estende a todo o processo – a partir da decisão instrutória ou quando a instrução já não possa ser requerida (art.º 86.º), querendo-se que o público assista (art.º 86.º/a); que a comunicação social intervenha com a narração ou reprodução dos atos (art.º 86.º/b)); que se consulte os autos, se obtenha cópias, extratos e certidões (art.º 86.º/c)). Há um controlo comunitário, quer da comunidade jurídica quer da social, para que se dissipem dúvidas quanto à independência e imparcialidade.
A oralidade da audiência, que não significa que não se passem a escrito os autos, mas que os intervenientes estejam fisicamente perante o Tribunal (art.º 96.º do Código de Processo Penal), permite ao Tribunal aperceber-se dos traços do depoimento, denunciadores da isenção, imparcialidade e certeza que se revelam por gestos, comoções e emoções, da voz, p. ex..
A imediação que vem definida como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de tal modo que, em conjugação com a oralidade, se obtenha uma perceção própria dos dados que haverão de ser a base da decisão.
É pela imediação, também chamado de princípio subjetivo, que se vincula o juiz à perceção à utilização à valoração e credibilidade da prova.
A censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.
Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão [[14]]
E, seguindo tais ensinamentos, não resta senão concluir que não basta defender que a leitura feita pelo Tribunal da prova produzida não é a mais adequada, o que supõe que a mesma é possível, sendo, antes, necessário demonstrar que a análise da prova, à luz das regras da experiência comum ou da existência de provas inequívocas e em sentido diverso, não consentiam semelhante leitura.

Posto isto, e de regresso ao processo, considerando o teor das conclusões da motivação do recurso e a fundamentação da matéria considerada na 1.ª Instância, impõe-se concluir que o desconforto do Recorrente relativamente a parte desta – julgada como provada nos pontos 4 a 11 -, não assenta em qualquer divergência entre o que afirma ter sido dito no decurso da audiência de julgamento e aquilo que quem julgou diz que se disse, nessa mesma ocasião.
E porque assim é, o dissídio do Recorrente relativamente à matéria de facto constante dos pontos 4 a 11 dos considerados como provados deve ser avaliado ao nível da violação do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal e, num segundo momento, através da verificação de algum dos vícios prevenidos no n.º 2 do artigo 410.º do mesmo compêndio legal.

O acórdão recorrido, na parte que dedica à “Convicção do Tribunal” é claro e exaustivo quanto à seleção dos factos provados e não provados.
Prevaleceram as declarações das menores, na parte em que obtiveram corroboração em outros meios de prova.
E é assim simples, porque o Arguido, no exercício de direito que lhe assiste, se remeteu ao silêncio, e porque as testemunhas que arrolou em sua defesa não tinham conhecimento dos factos em causa neste processo.

Valorou o Tribunal prova que não foi produzida?
Diz o Arguido que sim, porque do acórdão – a fls. 16 – constam como relevantes os depoimentos das testemunhas (…), depoimentos que não foram prestados, porque quem apresentou estas testemunhas deles prescindiu.
E convoca, em abono da sua afirmação, o consta da ata da sessão de julgamento que decorreu no dia 11 de outubro de 2021.

Assiste razão ao Recorrente.
As testemunhas (…), porque prescindidas, não prestaram depoimento.
A sua menção no acórdão, nos termos expostos, não faz sentido.
Mas porque não há qualquer outra menção a estas testemunhas no acórdão recorrido, resta assinalar um provável lapso, sem consequências.

Valorou o Tribunal prova proibida?
Valorou o Tribunal de forma desajustada os depoimentos das menores ?
Do que acima já se deixou dito – no ponto 5. – decorre e concluiu-se que não foi valorada prova proibida.
As filmagens apreendidas nos autos e os fotogramas delas extraídos encontram-se entre as provas apresentadas pelo Ministério Público na acusação. E foram acolhidas no despacho de pronúncia.
A sua valoração não merece reparo.
Acresce que o Arguido não contesta a opinião que o Tribunal formou sobre o conteúdo de tais filmagens, mas tão-só que tenham sido valoradas.
Assim sendo, no domínio em que nos encontramos, nada mais há a acrescentar.

Quanto às declarações para memória futura das menores também já nos pronunciámos que a sua valoração não envolve qualquer proibição ou invalidade – no mesmo ponto 5.
Por outro lado, tais declarações, foram valoradas com as cautelas assinaladas na fundamentação da seleção factual – valorou-se o que era percetível no sistema citius e se encontra transcrito, quando obteve confirmação em outros elementos probatório [declarações de outras testemunhas].
Este raciocínio não merece reparo.
E atente-se que os depoimentos das menores – a cuja audição procedemos no sistema informático citius – têm o conteúdo que o Tribunal de 1.ª Instância lhes atribuiu.
Os excertos dos depoimentos transcritos pelo Recorrente – para demonstrar que alguns dos depoimentos das menores, vítimas do comportamento do Arguido, foram interpretados de forma desajustada – não invalidam, nem infirmam a conclusão acabada de tirar. Referimo-nos aos excertos “circunscritos” dos depoimentos das testemunhas (…).
Por último, a intenção com que o Arguido agiu – de satisfazer os seus instintos libidinosos –, porque do domínio interior ou íntimo e na ausência de confissão, há-de retirar-se de outros factos e não, necessariamente, de prova testemunhal.
As zonas do corpo das menores (…) que o Arguido tocou, a forma como o fez e o contacto de pele que procurou bastam para afirmar o propósito de satisfação de instintos libidinosos.

Foi indevidamente desconsiderada prova favorável ao Arguido?
Refere-se o Arguido aos depoimentos das testemunhas que arrolou, FE e SA, de onde resulta que aquele, antes de ser (…), era animador de festas de crianças, mantendo com estas trato afável – era pessoa bem disposta, educada, alegre e carinhosa.
Não tendo as referidas testemunhas conhecimento direto dos factos imputados nestes autos ao Arguido e referindo as mesmas aspetos da sua vida longínqua – antes de ser professor – não vemos a utilidade dos seus depoimentos.

E, por isso, com interesse para a decisão da causa, não foi desconsiderada prova favorável ao Arguido.

Foram considerados indevidos juízos de valor sobre a vida sexual do Arguido?
É questão que o Arguido coloca relativamente ao teor doS relatórios sociais que foram juntos ao processo. E à matéria factual deles retirada e que consta dos factos provados.
Recordemo-la.
«Das narrativas do arguido depreende-se que as suas aprendizagens sobre matérias de cariz sexual decorreram da informação transmitida pelo sistema de ensino e órgãos de comunicação social, da vivência das próprias experiências sexuais com as namoradas, a partir da adolescência, e da visualização de algum material com conteúdo pornográfico.
De acordo com o próprio, a sua trajetória sexual tem privilegiado o contexto das relações de namoro por, alegadamente, preferir situações de conjugação entre a “atração física e emocional” (sic), não obstante tenha referido episódios pontuais de envolvimento sexual fortuito.
O arguido não detalhou ou quantificou quantas relações de namoro manteve.
(…)
Da avaliação realizada pela DGRSP no plano da elaboração de relatório social, destaca-se negativamente os seguintes indicadores que, de acordo com a literatura científica respeitante ao crime de abuso sexual, correspondem a fatores considerados de risco: uma trajetória profissional maioritariamente desenvolvida junto de um público infanto-juvenil, ausência de estabilidade nos relacionamentos amorosos/sexuais e minimização da gravidade dos factos ilícitos constantes da acusação.
Ficaram evidenciados, em contraste, os seguintes fatores de proteção apontados pela referida literatura: inexistência de condenações anteriores, suporte familiar ajustado e capacidade de cumprimento de regras, nomeadamente as da medida de coação em execução.
(…)
A DGRSP elaborou a seguinte conclusão em sede de relatório social:
“Neste sentido, verifica-se que, em caso de condenação, as necessidades identificadas em AAA parecem centrar-se nas dificuldades de reflexão crítica em termos de aprofundamento de eventuais problemáticas no campo da sexualidade e da sua motivação para a aprendizagem utilização de estratégias alternativas de comportamento, num contexto de intervenção clínica específica na área da saúde, e que atualmente rejeita. A manter-se, este posicionamento do arguido poderá neutralizar eventuais intervenções nesta área que possam vir a ser equacionadas pelo Sistema de Administração da Justiça Penal.»

Juízos de valor indevidos serão opiniões despropositadas.
Não os vislumbramos – aos juízos de valor indevidos - no que se deixa transcrito, sendo certo que os relatórios sociais nada mais referem a propósito da vida sexual do Arguido.
Nada tem de invulgar o percurso do Arguido de aprendizagens sobre matérias de cariz sexual.
A ausência de estabilidade nos relacionamentos amorosos/sexuais do Arguido não é a regra prevalecente entre os homens. Mas a constatação deste facto é a penas isso, não envolvendo opinião de “anormalidade” que não coincida com o contrário do que a maioria faz.

Os indicadores favoráveis e desfavoráveis nos crimes sexuais são conhecidos. A sua enumeração é obrigação dos técnicos de reinserção social, e nada mais do que isso.

A conclusão elaborada e que foi desnecessariamente transcrita na sentença, como facto provado, é a opinião de quem elaborou o relatório, face aos elementos que dele constam.
Encerra juízo de valor, mas que não pode qualificar-se de indevido.

Aqui chegados, não obstante compreendermos o desconforto inerente à revelação pública da intimidade, torna-se difícil compreender o incómodo agora revelado pelo Arguido, que se remeteu ao silêncio num processo por crimes de natureza sexual e que contém a prova documental que temos referido.
O direito ao silêncio é inquestionável e não pode prejudicar a defesa.
Mas não a pode beneficiar, impedindo a valoração de prova que consta do processo e que não foi contrariada por uma explicação de quem a podia e devia dar.
As razões do recurso, no segmento que agora nos ocupa, evidenciam que o Recorrente pretende sobrepor a avaliação própria que faz da prova àquela que foi feita pelo Tribunal recorrido.
Ou seja, o Recorrente não afirma, nem demonstra, que a avaliação da prova feita pelo Tribunal recorrido não é possível. E a mera constatação de tal possibilidade é, por si só, impeditiva da intervenção desta Relação ao nível da modificação factual.

Já se deixaram assinaladas as razões expressas na sentença recorrida quanto à avaliação da prova produzida em julgamento.
A sua repetição constituiria ato inútil.
Importa, isso sim, deixar expresso que a leitura da prova feita pelo Tribunal recorrido se revela perfeitamente plausível, porque consonante com declarações e depoimentos prestados, com o conteúdo de documentos juntos ao processo e com as regras da experiência comum [a normalidade dos acontecimentos].
E contra semelhante “leitura” não concorrem provas inequívocas e em sentido diverso, que não a consintam.

Posto isto, e concluindo, surge como evidente que a não aceitação que o Recorrente manifesta relativamente ao modo como Tribunal de 1.ª Instância decidiu a matéria de facto não radica na existência de provas que impusessem decisão diversa da que foi proferida, mas tão-só na sua análise pessoal da prova e na sua vontade de a sobrepor a quem tem o poder\dever de a fazer.
O que não pode aceitar-se.

Mas aqui chegados impõe-se corrigir o que parece ser um lapso na formulação da alínea p) do ponto 5 dos factos provados.
A menor TTT até junho/julho de 2017 não podia ter “maminhas”.
Porque entre setembro de 2016 e junho/julho 2017 [período em que decorre o ano letivo de 2016/2017], tinha 8 (oito) anos de idade, tendo completado os 9 (nove) anos de idade em 7 de julho de 2008.
Sem necessidade de mais explicações, dada a notoriedade do que se afirma e porque não foi constatado o contrário, altera-se a alínea p) do ponto 5 dos factos provados por forma a que da mesma passe a constar:
«TTT,
Acariciou as pernas quando a menor envergava uns calções.
Acariciou o tronco, na zona do peito, a barriga e os ombros da menor, por cima da roupa.»

Resta deixar expresso que do exame da sentença recorrida – do respetivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se deteta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Efetivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida.
E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se deteta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal.
Assim sendo, e com a alteração da alínea p) do ponto 5 dos factos provados nos termos supra referidos, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

Procedendo parcialmente o recurso, neste segmento.

7. Da incorreta subsunção dos factos ao direito
Afirma o Recorrente que a factualidade considerada como provada, no acórdão com que não se conforma, não evidencia ato sexual de relevo, nem sequer ato sexual nas situações em que tocou as menores por cima da roupa que vestiam.
Pelo que deve ser absolvido, nestas situações e integrada a sua restante conduta na previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal – praticou crimes de importunação sexual.

Em causa, nestes autos, está a prática de crimes de abuso sexual de crianças, previstos e puníveis pelo artigo 171.º do Código Penal.
Foi o Arguido, ora Recorrente, condenado pela prática de 20 (vinte) desses crimes, integrando-se a sua conduta na previsão do n.º 1 do mencionado preceito legal.
Onde, entre o mais, se prevê e pune a prática de ato sexual de relevo com ou em menor de 14 (catorze) anos.

A lei penal, embora também referindo o ato sexual de relevo na coação sexual – artigo 163.º -, no abuso sexual de pessoa internada – artigo 166.º - e na fraude sexual – artigo 167.º -, não fornece uma densificação do conceito, nem casuística exemplificativa.
Esta situação confere margem de apreciação a quem julga, em função das realidades sociais, das conceções dominantes e da própria evolução dos costumes.

Ato sexual será todo aquele ato que exteriormente e de forma objetiva revele conexão com a sexualidade, que assuma um conteúdo ou um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade.
No domínio do direito penal, ato sexual será aquele que assume uma natureza, um conteúdo ou um significado diretamente relacionado com a esfera da sexualidade e que contende com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica.
E por ato sexual de relevo entende-se toda a conduta que tenha conotação sexual objetiva que seja abstratamente adequada – segundo a suscetibilidade de ser reconhecido por um observador como possuindo uma conotação sexual – à satisfação de instintos sexuais e que coloquem em causa, com gravidade, a liberdade de expressão ou de autodeterminação sexual do menor.
Ou seja, ao exigir-se que o ato sexual seja de relevo, é forçado excluir-se os atos insignificantes ou bagatelares, mas também aqueles que não representem «entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima» (v.g. «atos que, embora “pesados” ou em si “significantes” por impróprios, desonestos, de mau gosto ou despudorados, todavia pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade, não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima»).[[15]]

«Deste modo, (…), em matéria de criminalidade sexual, (…), a lei penal passou a distinguir, atenta a gravidade que representam em relação ao bem jurídico protegido, três categorias de atos: num primeiro plano, e como atos menos graves, estão os “atos de caráter exibicionista” e “os contactos de natureza sexual”; num segundo plano, estão os atos que integram o conceito de “ato sexual de relevo”; num terceiro plano estão os atos sexuais mais graves ou, na designação de Figueiredo Dias, “especiais atos sexuais de relevo” (cópula, coito anal e oral e penetração vaginal e anal com objetos ou partes do corpo) (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, cit., pág. 441, e Maria do Carmo Silva Dias, “Repercussões da Lei n.º 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual, Revista do CEJ, 1.º Semestre de 2008, Número 8, pág. 259).»
Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 105/2013, de 20 fevereiro 2013, acessível em www.tribunalconstitucional.pt

E é este o sentido da jurisprudência, dominante e mais recente.
Dela destacamos o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13 de janeiro de 2016, proferido no processo n.º 53/13.1GESRT.C1 e os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de julho de 2021, proferido no processo n.º 325/20.9PLSNT.S1, e de 12 de janeiro de 2022, proferido no processo n.º 1079/20.4PASNT.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt

O comportamento do Arguido com as suas alunas (…), que envolveu a introdução uma das suas mãos por dentro da roupa das menores e, em contacto com a pele destas, o toque, a carícia, a massagem no pescoço, peito/tronco, mamilos e barriga, é absolutamente desajustado em ambiente escolar, entre professor e aluna e entre adulto e criança que não tenham relacionamento familiar muito próximo.
E tem cariz sexual, pelas zonas que o Arguido escolheu para tal “contacto” e pela forma como o estabeleceu – com a pele das crianças, por baixo da roupa que envergavam.
Dito de outra forma, não é um contacto com o que está à vista [mãos, braços, cabeça], mas é um contacto com o que não está à vista, perfeitamente calculado, que exige esforço e revela busca de intimidade.
Mas não tem o relevo exigido pelo n.º 1 do artigo 171.º do Código Penal – (i) porque ocorreu apenas uma vez, com cada uma das referidas crianças, (ii) porque ocorreu em público e (ii) porque, como primeira abordagem do género, é suscetível de ter deixado dúvida, em meninas tão jovens, quanto ao seu propósito.
E neste contexto, entendemos que tais comportamentos do Arguidos não entravam de forma significativa a livre determinação sexual das vítimas.
Assim sendo, os sobreditos comportamentos do Arguido integram a previsão da alínea a) do n.º 3 do artigo 171.º do Código Penal.
Cometeu o Arguido 11 (onze) crimes de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual.

A forma como o Arguido tocou as menores (…), não reveste natureza sexual.
O Arguido acariciou e fez cócegas a estas menores, por cima da roupa que as mesmas envergavam, na zona do peito/tronco, barriga e ombros.
As cócegas são modo vulgar de estabelecer contacto e de brincar com crianças das idades das referidas menores.
E carícias são, etimologicamente, festas e mimos. É o toque suave com a mão, como demonstração de afeto ou carinho.
O tratamento da menor NNN por “fofinha” e o ter-lhe o Arguido dito que era “muito querida”, não assumem relevo para além de um comportamento desadequado em contexto escolar, entre professor e aluna.
No que concerne à menor TTT, o desconhecimento da zona das pernas da mesma tocada pelo Arguido não permite ir além da qualificação de tal comportamento como desadequado em contexto escolar, entre professor a aluna.
Assim sendo, os sobreditos comportamentos do Arguido não integram a prática de qualquer crime.

Aqui chegados, resta determinar as penas a impor.
Porque não ocorre qualquer das circunstâncias que, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, permite a atenuação especial das penas, a moldura penal abstrata que corresponde ao crime cometido pelo Recorrente situa-se entre 1 (um) mês e 1 (um) ano de prisão ou multa entre 10 (dez) e 120 (cento e vinte) dias – artigos 170.º, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, do Código Penal.

Na escolha da pena e se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, manda a lei penal, no seu artigo 70.º, dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Na determinação da medida da pena, face ao disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, está o Tribunal vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.
Na determinação concreta da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.
Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, contam-se o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respetivas consequências.
Cumpre, ainda, referir que nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).

«Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, corretamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
(...)
Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exatamente a convicção de que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida ótima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exato da pena. Abaixo do ponto ótimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efetiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
(...)
Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto ótimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem atuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vetor mais importante daquele pensamento.»
Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas. «Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efetivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar[[16]]

Na escolha das penas, considerando que a postura processual do Arguido não é reveladora da interiorização do comportamento que se apurou ter adotado relativamente a crianças, suas alunas – no exercício de direito que lhe assiste, remeteu-se ao silêncio –, que crimes de natureza sexual contra crianças têm incidência muito preocupante, também pela probabilidade de repetência, e causam enorme alarme social, arredamos a aplicação de pena não privativa de liberdade.
Na determinação das penas, considerando as circunstâncias elencadas no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal – com destaque, ainda, para as circunstâncias em que os crimes ocorreram, para a mediana gravidade das suas consequências, para o carácter primário da delinquência, e para a personalidade do Arguido–, entendemos ajustada a imposição ao Arguido da pena de 6 (seis) meses de prisão para cada um dos crimes de importunação sexual e, em cúmulo jurídico, a pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão.

Resta agora determinar se a execução desta pena de prisão deve ou não ficar suspensa.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição.
Como resulta do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão tem dois pressupostos: um formal – ser a sanção aplicada de medida não superior a cinco anos – e um material – ser de concluir, face à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição são, como se extrai do artigo 40º, nº 1, do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a integração do agente na sociedade.

«I - A suspensão da pena é uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e o arguido condenado.
II - Na base de uma decisão de suspender a execução de uma pena está sempre uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial.
III - Porém, o juízo de prognose que o tribunal faz não tem carácter discricionário e, muito menos, arbitrário. O tribunal ao decretar a medida terá de refletir sobre a personalidade do agente, sobre as condições da sua vida, sobre a sua conduta ante et post crimen e sobre o circunstancialismo envolvente da infração.»[[17]]

O pressuposto material da aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal, «atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativo ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta (…) – “bastarão para afastar o delinquente da criminalidade” (…). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.
A lei torna deste modo claro que, na formulação do aludido prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto. Por isso, crimes posteriores àquele que constitui o objeto do processo, eventualmente cometidos pelo agente, podem e devem ser tomados em consideração e influenciar negativamente a prognose. Como positivamente a podem influenciar circunstâncias posteriores ao facto, ainda mesmo quando elas tenham sido já tomadas em consideração – na medida do possível (…) – em sede de medida de pena (…).
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correção”, “melhora” ou – ainda menos “metanoia” das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, (…) uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”

Aqui chegados, e a propósito do papel que deve ter a prevenção geral no domínio da imposição da suspensão da execução da pena de prisão, importa ter presente que «Ela deve surgir aqui unicamente sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico (…), como limite à atuação das exigências de prevenção especial de socialização. Quer dizer: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e estabilização contrafática das expectativas comunitárias.» [[18]]

De regresso ao processo, estamos convictos que, não obstante o Arguido não ter assumida a prática dos atos que se apurou ter cometido, os trâmites deste processo tiveram um enorme impacto na sua vida – os factos que neles estão em causa impõem desonra, a existência deste processo teve divulgação na comunicação social, foi imposta medida de coação privativa de liberdade, e tornou-se impossível continuar a lecionar.
A condenação imposta vai acompanhá-lo por período de tempo muito superior à menção da mesma no seu certificado do registo criminal.
O Arguido não tem antecedentes criminais.
E tendo, ainda, presente as circunstâncias em que os crimes ocorreram e a inserção familiar de que o Arguido dispõe, não podemos afirmar que estamos perante alguém com propensão para o desrespeito das regras vigentes.
O que nos leva a concluir que ainda dispõe de envolvência que permite “apostar” que se vai afastar da prática de outros crimes.

Assim, execução da pena fica suspensa na sua execução pelo período de 5 (cinco) anos, acompanhada de regime de prova, a gizar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

Resta uma palavra para a pena acessória de proibição de funções.
Verificando-se os pressupostos consagrados no n.º 2 do artigo 69.º-B do Código Penal, entendemos ajustado proibir o Arguido, pelo período de 5 (cinco) anos, de lecionar a crianças com idade inferior a 14 (catorze) anos.


III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se:
1. alterar o ponto 5 dos factos provados, por forma a que a sua alínea p) passe a ter a seguinte redação:
«TTT, acariciou as pernas quando a menor envergava uns calções.
Acariciou o tronco, na zona do peito, a barriga e os ombros da menor, por cima da roupa.»
2. absolver o Arguido AAA da prática de 9 (nove) crimes de abuso sexual de crianças, agravado, previstos e punidos pelo artigo 171.º, n.º 1 e 177.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal e em que figuravam como vítimas as menores (…);
3. Condenar o Arguido AAA,
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima MMM, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima OOO, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima QQQ, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima SSS, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima XXX, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima UUU, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima VVV, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima WWW, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima III, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima HHH, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
- pela prática de um crime de importunação sexual, na modalidade de constrangimento a contacto de natureza sexual, previsto e punido pelos artigos 171.º, n.º 3, alínea a), e 170.º, ambos do Código Penal, de que foi vítima LLL, na pena de 6 (seis) meses de prisão;
4. Condenar o Arguido AAA, em cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 7 (sete) meses de prisão.
5. Suspender a execução desta pena pelo período de 5 (cinco) anos, acompanhada de regime de prova, a gizar pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.
6. Proibir o Arguido AAA, durante 5 (cinco) anos, do exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, designadamente no domínio da docência, cujo exercício implique o contacto regular com crianças menores de 14 (catorze) anos.
7. Manter, em tudo o mais, o decidido.

Sem tributação.
û
Évora, 24 de maio de 2022
Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz
Renato Amorim Damas Barroso
Gilberto da Cunha – Presidente da Secção

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[1] ] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.
[2] ] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].
[3] ] «O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os atos instrutórios que a lei determinar subordinados ao
princípio do contraditório.»
[4] ] In “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Volume I, Coimbra Editora, 2007, a página 522.
[5] ] Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra citada, a página 523.
[6] ] João de Matos-Cruz Praia, in “Proibições de prova em processo penal: algumas particularidades no âmbito da prova por reconhecimento e da reconstituição do facto”, acessível em Julgar Online, dezembro de 2019
[7] 6] No mesmo sentido, Maia Gonçalves, in “Código de Processo Penal Anotado”, 17.ª Edição, páginas 965 e 966.
[8] 7] Cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de dezembro de 2005 e de 9 de março de 2006, processos n.º 2951/05 e n.º 461/06, respetivamente, acessíveis in www.dgsi.pt.
[9] 8] Simas Santos e Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7ª Edição – 2008, Editora Reis dos Livros, página 72 e seguintes.
[10] 9] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.
[11] ] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.
[12] 11] O julgamento surge, na estrutura do processo penal, como o momento de comprovação judicial de uma acusação – é o momento do processo onde confluem todos os elementos probatórios relevantes, onde todas as provas têm de se produzir e examinar e onde todos os argumentos devem ser apresentados, para que o Tribunal possa alcançar a verdade histórica e decidir justamente a causa.
[13] 12] O princípio in dubio pro reo, sendo o correlato processual do princípio da presunção de inocência do arguido, constitui princípio relativo à prova, decorrendo do mesmo que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal. Dito de outra forma, o princípio in dubio pro reo constitui imposição dirigida ao Juiz no sentido de se pronunciar de forma favorável ao arguido, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a decisão da causa.
[14] ] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, relatado pelo Senhor Conselheiro Rui Moura Ramos – acessível em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos.
[15] ] Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, página 449.
[16] ] Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª Edição, páginas 79 a 83.
[17] ] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de janeiro de 2002, relatado pelo Senhor Conselheiro Franco de Sá, no processo n.º 3026/01 – 3.ª secção – acessível em www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/criminal/criminal2002.pdf
[18] ] Professor Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, 3.ª Reimpressão, Coimbra Editora,
páginas 333 e 342 e seguintes.