Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
691/08.4OALGS.E1
Relator: MARIA MARGARIDA BACELAR
Descritores: AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
AUSÊNCIA DO ARGUIDO
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I. A presença do arguido na audiência é obrigatória, constituindo a realização na audiência na sua ausência nulidade insanável (artigo 119.º, al. c) CPP).
II. Não obstante, a lei permite que a audiência possa decorrer sem a presença do arguido, sendo pressuposto determinante dessa possibilidade que o arguido tenha sido regularmente notificado da data para ela designada (artigo 331.º, n.º 1 CPP).
III. Com efeito o arguido quando presta termo de identidade e residência, indica a morada para qual lhe serão enviadas as notificações respeitantes ao processo, assumindo a obrigação de não mudar de residência sem informar o Tribunal (artigo 196.º, n.º 3, als. b) CPP).
IV. Se mudar de residência sem informar o Tribunal, sendo-lhe remetida notificação, por via postal simples, para a indicada no TIR, informando da data designada para julgamento, considerar-se-á que foi regularmente notificado das datas designadas para a audiência de julgamento (artigos 313.º, n.ºs 1 e 3 e 113.º, n.º 3, al. c) CPP).
V. E isso legitimará o prosseguimento da audiência na sua ausência (artigos 196.º, n.º 3, al. d) CPP).
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
No Tribunal Judicial da Comarca de Faro - Juízo de Competência Genérica de Lagos - Juiz 2, mediante acusação do Ministério Público, foi julgado em processo comum com intervenção do tribunal singular, com documentação das declarações oralmente prestadas em audiência, o Arguido AA, nascido a 27 de Novembro de 1975, (...)
A final, foi decidido julgar a acusação procedente, e, em consequência, condenar o referido arguido:
a) como autor material de um crime de ameaça, previsto e punido pelos artigos 153º, n.º 1, e 155º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena parcelar de cento e vinte dias de prisão substituída por multa à razão de 5 euros por dia.
b) como autor material de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181º, nº 1, 184º, do Código Penal, na pena parcelar de cento e vinte dias de prisão substituída por multa à razão de 5 euros por dia.
c) cumular juridicamente as penas em que foi condenado, referidas em a) e b), e consequentemente condenar o arguido AA na pena única de duzentos e cinco dias de prisão, substituída por multa razão de 5 euros por dia.
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso da referida decisão, formulando as seguintes conclusões:
1 – Nos presente Autos foi o Arguido acusado da prática de dois crimes dolosos consumados de:
a) Ameaça, previsto e punido pelos artigos 153 nº 1 e 155 nº 1 alínea a) e de
b) Crime de Injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181 nº 1 e 184 todos do Código Penal.
2 – O Tribunal a quo decidiu o seguinte:
a) Condenar o Arguido AA, por autoria material do crime doloso consumado de ameaça, previsto e punido pelos artigos 153, nº 1 e 155 nº 1 alínea a) do C. Penal, na pena parcelar de cento e vinte (120) dias de prisão, substituída de multa à razão de 5€ por dia.
b) Condenar o arguido AA, por autoria material do crime doloso consumado de Injúria agravada previsto e punido pelos artigos 181 nº 1 e 184 do C. Penal na pena parcelar de cento e vinte (120) dias de prisão substituída por multa à razão de 3€ por dia.
3 – Cumular juridicamente as penas impostas nos termos do art.º 77 do C. Penal e consequentemente condenar, o Arguido AA a uma pena única de duzentos e cinco (205) dias de prisão, substituída por multa à razão de 5€ por dia.
4 – Descontar um dia de detenção sofrido pelo arguido nos termos do art.º 80 nº 2 do C. Penal.
5 – Condenando o Arguido AA a uma pena única de 204 dias de prisão, substituída por multa á razão de 5€ por dia, num total de 1.020€ (mil e vinte euros).
6 – O recorrente não se conforma com a medida da pena decretada pelo Tribunal a quo, entendendo que:
7 – O Tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do art.º 71 do C. Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude acentuada, não demonstrando a intensidade do grau da ilicitude – se reduzido moderado ou elevado.
8 – O Arguido, por não estar presente no dia da Audiência e Julgamento e ter informado o Tribunal a quo, da sua nova residência … tem direito a que a sua causa seja reapreciada, e que, seja realizada nova audiência e julgamento, tal direito encontra-se consagrado na Constituição da República Portuguesa, vide art.º 32 que tem como título Direitos, Liberdades e Garantias, e no capítulo dos Direitos Liberdades e Garantias Pessoais.
9 – Ao arguido assiste-lhe o Direito de recurso, de recorrer da decisão, que não concordou, que corrija o erro cometido pelo Tribunal A quo e que se faça justiça no caso.
10 – Na matéria de facto provada, nada consta sobre as condições pessoais do arguido e sua situação económica designadamente, nada consta, sobre a sua situação familiar, se tem ou não profissão se é estudante se está ou não empregado, se tem ou não encargos pessoais.
11 – Nos termos do art.º 412 do C.P.P. o recorrente pretende a repetição da Audiência e julgamento, pois não teve a possibilidade de ser ouvido, embora tenha informado o Tribunal sobre o seu paradeiro e da mudança de residência e de País.
12 – O Tribunal, limitou-se a ouvir a parte acusatória
13 – O Tribunal a quo tinha o poder / dever de averiguar do paradeiro do arguido, e de o notificar para a nova morada, cuja informação constava dos Autos desde 17/10/2008.
14 – Não o tendo feito, o arguido, não teve a possibilidade de se pronunciar, nem de se defender, nem de apresentar matéria de prova, necessária á descoberta da verdade e boa decisão de causa.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Excia, deverá ser dado, provimento ao presente Recuso, julgando-se nula a sentença proferida a fls… e em consequência, ordenado que o Meritíssimo Juiz “a quo” admita a realização de nova Audiência e Julgamento, como é de inteira Justiça!
O Ministério Público respondeu às motivações de recurso apresentadas pelo Arguido Recorrente, pugnando pela improcedência do mesmo.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve Vista dos autos, emitindo parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.417º do CPP, na sequência do que o Arguido/Recorrente reiterou a argumentação já aduzida na sua motivação, no sentido da procedência do recurso por ele interposto.
Colhidos os vistos e efectuada a conferência prevista no art.º 419º do CPP, cumpre apreciar e decidir.

FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS NA SENTENÇA RECORRIDA
São os seguintes os factos que a sentença recorrida indica como estando provados:
1.No dia 31 de Agosto de 2008, pelas 6.41 horas, na Travessa (…), porque estava a causar distúrbios à porta da Discoteca (…) o arguido AA foi abordado pelo agente da PSP, BB, que pretendia acalmar e sossegar os ânimos daquele.
2. O agente BB encontrava-se no pleno exercício das suas funções de autoridade pública, devidamente uniformizado e fardado, envergando a farda oficial da autoridade policial a que pertencia.
3. Neste enquadramento, o arguido, dirigindo-se ao queixoso, disse "filho da puta", "vocês são todos uns cabrões" e "faço-lhes a folha”, ao mesmo tempo que simulava uma arma com a sua mão, apontando-a ao agente Calisto.
4. por causa desta ameaça, efectuada de forma séria e convicta, e porque referencia o arguido como possuidor de uma personalidade conflituosa e desordeira, o ofendido BB ficou receoso que aquele concretizasse a ameaça.
5. As palavras proferidas pelo arguido AA, dirigidas aa agente BB, foram ditas em voz alta perante um número indeterminado de pessoas,
6. O agente BB sentiu-se magoado pelas expressões injuriosas de que foi vítima, para além de ficar muito ofendido sua honra e consideração, e de ter sido humilhado perante as outras pessoas como agente de autoridade.
7. O arguido AA agiu deliberadamente, com intenção de insultar e dizer mal do ofendido BB, tendo proferido aquelas expressões de forma audível e explícita perante outras pessoas, não obstante saber que se dirigia a um agente da Polícia de Segurança Pública no exercício das funções.
8. Actuou ainda com o intento acrescido de ameaçar seriamente o ofendido BB, visando assustá-lo e intimidá-lo com a promessa de uma agressão futura.
9. Agiu o arguido de modo livre. com a perfeita consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei.
10. O arguido foi detido no 31 de Agosto de 2008, e foi restituído liberdade nesse mesmo no dia.

A MOTIVAÇÃO DA DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO PROFERIDA PELO TRIBUNAL “A QUO”
O Tribunal a quo fundamentou do seguinte modo a sua convicção quanto aos factos que considerou provados:
“1.Na ausência do arguido, foi ouvida a testemunha CC, que assistiu aos acontecimentos e ouviu o arguido gritar para os agentes da PSP, designada mente o agente BB, dizendo palavrões e palavras insultuosas, que, todavia, não conseguiu recordar,
2 A testemunha BB tinha clara lembrança do que aconteceu, e pôde reproduzir as palavras que agora ficaram provadas, explicando ainda que a ameaça o deixou apreensivo, por ter o arguido mostrado ser uma pessoa de natureza violenta,
3- A testemunha DD, colega do agente BB, reproduziu basicamente o dito por este último.”

O OBJECTO DO RECURSO DO ARGUIDO
Perante os factos considerados provados pela 1ª instância, importa agora curar do mérito dos recursos, tendo-se em atenção que é pelas conclusões que o recorrente extrai da sua motivação que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem, sem prejuízo para a apreciação de questões de oficioso conhecimento e de que ainda se possa conhecer - Cfr. o Ac do STJ de 3.2.99 in BMJ 484, pág 271; o Ac do STJ de 25.6.98 in BMJ 478, pág 242; o Ac do STJ de 13.5.98 in BMJ 477, pág 263; SIMAS SANTOS/LEAL HENRIQUES in “Recursos em Processo Penal” cit., págs. 74 e 93, nota 108; GERMANO MARQUES DA SILVA in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, pág. 335; JOSÉ NARCISO DA CUNHA RODRIGUES in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387; e ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363).«São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal “ad quem” tem de apreciar» (GERMANO MARQUES DA SILVA, ibidem).
As questões essenciais suscitadas pelo Recorrente (nas conclusões da sua motivação) são as seguintes:
1) Se o arguido foi indevidamente julgado na sua ausência (já que o mesmo não foi notificado da data designada para julgamento).
2) Medida da Pena.

O MÉRITO DO RECURSO DO ARGUIDO
1) SE O ARGUIDO FOI INDEVIDAMENTE JULGADO NA SUA AUSÊNCIA, JÁ QUE O MESMO NÃO FOI NOTIFICADO DA DATA DESIGNADA PARA JULGAMENTO.
O arguido/recorrente alega, em síntese, que o julgamento não devia ter tido lugar na sua ausência, já que não foi notificado da data designada para julgamento por se encontrar em Cabo Verde desde 17/10/2008, facto que o Tribunal não desconhecia.
É manifesta a sem razão do Recorrente.
Vejamos:
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 332º do Código de Processo Penal, «é obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos artigos 333º, nºs 1 e 2, e 334º, nºs 1 e 2» do citado diploma legal.
Por sua vez, estabelece a alínea c) do artigo 119º do referido código que constitui nulidade insanável «a ausência do arguido ..., nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência».
Não estando, no caso sub judice, em causa nenhuma das situações previstas no artigo 334º do C. P. P., importa analisar se a audiência de julgamento que teve lugar nos presentes autos poderia ter sido realizada sem a presença do arguido por se encontrarem preenchidos os pressupostos previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 333º do referido Código.
De acordo com o nº 1 do citado preceito legal, pressuposto determinante, para o prosseguimento da audiência sem a presença do arguido, é que ele tenha sido “regularmente notificado” da data para ela designada.
In casu, tendo o arguido/recorrente prestado termo de identidade e residência (vg. Fls. 5 dos autos) a notificação da data designada para julgamento foi efectuada por via postal simples (artigo 313º, nº 3 do C.P.P.) nos termos previstos no artigo 113º, nº 1, alínea c), para a morada indicada pelo arguido para esse fim.
Tendo sido escrupulosamente cumpridos, pelos serviços postais, os formalismos legais exigíveis pelo citado artigo 113º do CPP, – os serviços postais lavraram a Prova de Depósito -, temos que o arguido foi regularmente notificado das datas designadas para a audiência de julgamento.
Como bem observa o Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo, “cumpre tão-somente afirmar que o arguido foi devidamente notificado para a morada indicada no Termo de Identidade e Residência, que prestou nos autos.
Nem consta dos autos qualquer correio electrónico a solicitar a alteração da morada, conforme alega o recorrente.
Pelo que não foi cometida qualquer nulidade.” (negrito e sublinhado nosso)
Mutatis Mutandis no que concerne à notificação do despacho de acusação, proferido contra o arguido/recorrente.
Efectivamente, a partir do momento em que o arguido presta termo de identidade e residência e indica uma determinada morada, sendo notificado de que, se mudar de residência deverá informar o Tribunal para posteriores notificações, considera-se notificado nessa mesma morada indicada, através de via postal simples (art.º 196º e 113° n° 1 al. c) e 3 do C.P. Penal).
Nenhuma censura merece, portanto, a decisão do Tribunal a quo quando determinou, por despacho fundamentado, que a audiência de julgamento decorresse na ausência do arguido.
Consequentemente, o recurso improcede, quanto a este item.

2) Medida da Pena
Nos termos do art.º 71º, nº1, do C. Penal, «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Estabelece, ainda, o art.º 71º, nº2, do C. Penal que, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Assim, atendendo à moldura penal abstracta aplicável aos crimes praticados pelo arguido/Recorrente e as circunstâncias supra enumeradas, nenhum reparo merecem as penas parcelares e única aplicadas pelo Tribunal a quo ao ora Recorrente, à taxa diária de €5,00 (cinco) euros (valor mínimo aplicável), pelo que deve ser mantida.

Não se evidencia, portanto, a apontada excessividade das penas parcelares e única impostas ao ora Recorrente.

DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação em negar provimento ao presente recurso, assim confirmando, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo do Recorrente.
Taxa de justiça: 4 UCs

Évora, 21/ 06/ 2022