Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
31/15.6GASTC-A.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: PENA DE SUBSTITUIÇÃO
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 01/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - A revogação da suspensão da execução da pena de prisão, por violação de deveres e regras de conduta impostos, só pode ser decretada se tiver havido infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social, que revelem que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

Nos presentes autos de Processo Sumário acima identificados, do Juiz 2 do Juízo de Competência Genérica de Santiago do Cacém, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi o arguido AA condenado, por sentença proferida a 22.12.2015 e transitada em julgado a 02.11.2016, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelos art.º 21.º, n.º 1 e 25.º al.ª a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-1, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período mediante regime de prova e com imposição ao arguido dos seguintes deveres e regras de conduta:

a) Não frequentar locais associados à prática de tráfico de estupefacientes, designadamente, a Barbuda, em Sines;

b) Responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;

c) Receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;

d) Informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;

e) Obter autorização prévia do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.

Em cumprimento daquela sentença, a 15.11.2016 foi solicitado à DGRSP a elaboração de plano de reinserção social, com insistência a 10.02.2017 (cf. fls. 891 e 1044).

A 22.02.2017, a DGRSP informou que o arguido tinha sido convocado para a morada constante do processo e não tinha comparecido, nem tinha contactado aqueles Serviços por qualquer forma (cf. fls. 1047) e a 10.03.2017 que o arguido não compareceu na segunda convocatória e que foi, por esse motivo, expedida nova convocatória para outra morada constante do dossiê da DGRSP, mais se comunicando que, caso voltasse a não comparecer, iria ser feita uma “deslocação ao meio” (cf. fls. 1055). Na sequência desta informação, foi o arguido notificado (bem como o seu defensor) para se apresentar na DGRSP, sob pena de revogação da pena de prisão suspensa (cf. fls. 1056 a 1058 e 1068).

Contudo, a 23.03.2017, a DGRSP informa que foi expedida convocatória para a outra morada constante do dossiê daqueles serviços, a qual veio devolvida por ali não residir o seu destinatário.

Mais informou a DGRSP que foram efectuadas várias tentativas de contacto para o número de telemóvel do arguido, sem sucesso (cf. fls. 1072).

A 25.05.2017 o tribunal solicitou à DGRSP informação sobre eventual apresentação do arguido naqueles serviços (cf. fls. 1103). Em resposta, a DGRSP informou que o arguido foi novamente convocado e não compareceu (cf. fls. 1222).

Tendo em conta o exposto, foi ao abrigo do disposto no art.º 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, designada data para audição do arguido, a fim de o tribunal "a quo" ponderar as razões do incumprimento relatado pela DGRSP, (cf. fls. 1224 e 1225). Na data agendada para a sua audição, 20.09.2017, o arguido não compareceu nem justificou a sua ausência, não obstante se encontrar regularmente notificado na morada constante do termo de identidade e residência (cf. fls. 1239 e 1257 e ss.). Pelo que foram emitidos mandados de detenção para garantir a sua comparência na data designada para a continuação daquela diligência (17.10.2017). Contudo, pela PSP da área de residência do arguido foi informado que o mesmo nunca foi localizado naquela morada, não obstante a deslocação daquele OPC em “horas interpoladas” (cf. fls. 1266).

Em sequência, foi em 11-7-2018 proferido o seguinte despacho:
I. Fls. 1272/Ref. 84871833:Das consequências do incumprimento das condições de suspensão da pena de prisão

1. AA foi condenado por sentença transitada em julgado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, sujeita regime de prova (cf. fls. 505).

Decorrido mais de um ano e meio de pena suspensa, não foi possível sequer elaborar plano de reinserção social, uma vez que o Arguido se colocou em paradeiro incerto.

Realizadas as diligências pertinentes a fim de o fazer comparecer pessoalmente para ser ouvido quanto ao não cumprimento de tal dever, revelaram-se as mesmas infrutíferas, sendo o seu paradeiro desconhecido.

O Ministério Público veio promover a revogação do regime de suspensão da pena de prisão aplicado, considerando existir incumprimento culposo.

Devidamente notificado, o Arguido nada disse.
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2. O instituto da suspensão da pena de prisão encontra-se previsto no artigo 50.º e ss. do Código Penal, implicando a sua aplicação a efectivação de um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, no sentido de ser previsível que a simples ameaça da pena de prisão seja suficiente para assegurar a realização das finalidades da punição.

Dispõe o artigo 55.ºdo Código Penal que «se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

impor novos deveres de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º».

Por outro lado, dispõe o artigo 56.º do mesmo diploma legal que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

No caso dos presentes autos, o Arguido demonstrou uma total indiferença e insensibilidade perante a condenação de que foi alvo.

O Arguido sabia que um dos deveres que lhe foram impostos foi a observância do plano individual de readaptação social, que necessitava da sua colaboração para ser elaborado. Não obstante, ausentou-se da morada comunicada aos autos, nunca respondeu aos contactos estabelecidos, nunca contactou a DGRSP ou o Tribunal, nunca justificou o seu comportamento (cf. fls. 1047, 1056-5, 1072, 1222 e audição da Técnica que acompanho a execução da pena). O Arguido, apesar de saber que foi condenado numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, alheou-se completamente do cumprimento da condição da suspensão, actuando como se, afinal, tivesse sido absolvido.

Assim, o Arguido não cumpriu com as condições impostas, nem apresentou qualquer justificação válida para tal omissão.

O comportamento do Arguido no decurso do período da suspensão coloca definitivamente em causa o juízo de prognose positivo que esteve na base da suspensão da pena. O Arguido demonstrou que a suspensão da execução da pena não produziu, no caso concreto, os objectivos pretendidos.

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29 de Outubro de 2014, onde se aborda um caso idêntico, a prova, com o exigido, razoável grau de segurança, da violação grosseira da obrigação imposta, reside tão só, no lapso de tempo que decorreu entre o trânsito em julgado e o início da contagem do período da suspensão até ao presente sem que conste que a arguida haja providenciado pelo cumprimento da obrigação – relatado por Ernesto Nascimento, proc. 297/07.5GAETR-A.P1, disponível para consulta in dgsi.pt.

Resulta evidente ter o Arguido infringido os deveres que lhe foram impostos, donde se impõe que as finalidades que estiveram na origem da suspensão não foram alcançadas.

Pelos mesmos motivos, consideramos que fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento de obrigações que condicionem a suspensão ou impor ao Arguido deveres ou regras de conduta adicionais, não é adequado à sua situação e não é proporcional à gravidade dos factos praticados, ademais porque o seu paradeiro é, há muito, desconhecido.

Assim, tendo por base as considerações supra efectuadas, importa proceder à revogação da suspensão da pena de prisão em que o Arguido foi condenado.
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3. Pelo exposto decido, revogar a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido Nuno Lopes Monteiro e, consequentemente, determino o cumprimento da pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, em que foi condenado no âmbito deste processo.
(…)
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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:

I - O recorrente não esperou pela fiscalização e superintendência dos serviços competentes do Instituto de Reinserção Social para se redimir, e, como é sua obrigação cívica, procurou trabalho e está a desempenhá-lo em diversas funções, facilmente controláveis e susceptíveis de prova no “banco de dados” da Segurança Social.

II - Não se pode imputar ao recorrente a culpa exclusiva dos variados déficites de que enfermam os vários operadores que servem o nosso sistema de justiça, começando pela dificuldade em comunicar pessoalmente com os tribunais, in casu dista cerca de 187 Km da Amadora, passando pelo excesso de trabalho dos Oficiais de Justiça potenciadores de mais problemas na informação, e terminando na absoluta inoperância e incerteza de chegada ao destino das notificações aos bairros problemáticos, caso do arguido.

III - O tribunal a quo violou os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade na administração da justiça, ao converter, sem mais, uma prisão suspensa em prisão efectiva, fundada em razões formais e sem ouvir o arguido incumpridor como é praxe dos nossos tribunais. E não desconhecendo que, para um delinquente primário, a experiência da prisão é fautora de futuros traficantes de droga quando é certo que, em liberdade e em regime de prova, se vigia um arguido pelas companhias a que adere ou que procura. Ora, as piores companhias estão no cárcere, como é sobejamente conhecido.

IV - O tribunal a quo não esgotou as suas possibilidades de saber do paradeiro do arguido faltoso, bastando consultar a base de dados onde facilmente encontraria os locais onde trabalhou e trabalha, e a partir da data do julgamento. Instrumento este de que se socorrem as secretarias judiciais nos casos de execução de bens e de mandados de captura.

V - O recorrente invoca a seu favor e em justificação do seu incumprimento, o que alegou nos artºs 3,4,5,6,7,8 e 9 do presente recurso que, no seu modesto entender, correspondem às circunstâncias vividas e conhecidas pelo homem comum em geral e pelos operadores de justiça em particular.

VI - O douto despacho recorrido viola as garantias de defesa consagradas no artº 32º, nº1 da Constituição da República Portuguesa e os princípios e finalidades das penas ínsitos no artº 40º do Código Penal.

Termos em que, e nos demais de direito, e com o imprescindível suprimento desse alto tribunal, se vem pugnar pela substituição do douto despacho recorrido por outro que ordene a audição do recorrente para que este explique as razões do seu incumprimento perante o IRS, maxime a douta sentença proferida pelo tribunal a quo.
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A Exma. Procuradora-Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:

1.Por sentença proferida a 22.12.2015 e transitada em julgado a 02.11.2016, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B do mesmo diploma legal, na pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e com imposição ao arguido de diversos deveres e regras de conduta, que lhe foram transmitidos presencialmente aquando da leitura da sentença.

2. O arguido não respondeu às convocatórias e aos contactos estabelecidos para elaborar o plano individual de readaptação social, nem às sucessivas notificações do Tribunal a fim de apurar as razões do seu incumprimento.

3. Emitidos mandados de detenção para que comparecesse na continuação da diligência de audição de condenado, o arguido não foi encontrado.

4. De resto, não só o arguido não faz prova, designadamente no presente recurso, de que não tenha recebido as notificações – remetidas por via postal para a morada constante do seu termo de identidade e residência e com prova de depósito – como não se mostrou activamente interessado em colaborar com o tribunal e com os técnicos de reinserção social

5. O arguido manteve-se, assim, incontactável e indisponível para o cumprimento da pena substitutiva da pena de prisão efectiva, nunca contactou a DGRSP nem o tribunal, não obstante ter conhecimento dos deveres (designadamente, de colaboração) a que estava sujeita a suspensão da execução da sua pena de prisão.

6. Razões pelas quais, como bem decidiu o tribunal recorrido “o comportamento do arguido no decurso do período da suspensão coloca definitivamente em causa o juízo de prognose positivo que esteve na base da suspensão da pena”.

7. O facto de o recorrente apresentar, agora, documentos comprovativos da sua inserção laboral não satisfaz todos os objectivos ínsitos no regime da sua suspensão da pena de prisão, uma vez que o regime probatório e as regras de conduta determinados na douta sentença condenatória fazem passar a reinserção social pelo acompanhamento de equipas especializadas para o efeito, designadamente com vista a afastar o arguido dos meios, locais e pessoas associados ao tráfico de estupefacientes.

8. O arguido incumpriu de modo grosseiro e culposo os deveres e regras de conduta a que estava sujeito, concluindo-se que as finalidades subjacentes à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, por motivo que lhe é imputável.

9. Desta forma, o douto despacho recorrido respeita os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, bem como as garantias de defesa constitucionalmente consagradas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa e as finalidades da pena previstas no artigo 40.º do Código Penal.

10. Por tudo o exposto, deve ser mantida a decisão recorrida de revogação da suspensão da pena de prisão, nos seus exactos termos.
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, como é seu timbre, douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.

De modo que a questão posta ao desembargo desta Relação é a de saber se por causa da sua acima descrita conduta deve ou não ser revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido, ao abrigo dos art.º 56.º, n.º 1 al.ª a), do Código Penal.

Vejamos.
Liminarmente importa esclarecer que a suspensão da execução da pena é uma pena de substituição, que tem um regime próprio, com pressupostos formais e materiais e duração legalmente definidos, assumindo modalidades diversas – a simples suspensão na execução, a suspensão sujeita a condições e a suspensão com regime de prova – podendo ser alterada (na duração ou nas condições) e revogada – art.º 50.º a 56.º do Código Penal.

Nos termos do disposto nas al.ª a) e b) do n.º 1 do art.º 56.º do Código Penal, a suspensão da execução da pena é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou cometer crime pelo qual seja condenado, revelando, desse modo, que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Relativamente ao primeiro pressuposto – incumprimento das condições da suspensão – resulta da conjugação do disposto nos art.º 55.º e 56.º, do Código Penal, que qualquer alteração à suspensão da execução da pena, por violação dos deveres ou das regras de conduta impostas na sentença, pressupõe a culpa no não cumprimento da obrigação e que a hipótese de revogação apenas pode colocar-se nos casos em que a culpa se revele grosseira, exigindo-se culpa no não cumprimento das condições a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena e sendo necessária a imputação ao agente de um juízo de censura ético-jurídica por ter actuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso, atentas as concretas circunstâncias que tenham ficado demonstradas.

Como dissemos, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão por violação de deveres e regras de conduta impostos só pode ser decretada se tiver havido infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social.

Ora no caso dos autos e na feliz síntese que do recurso fez a Exma. Magistrada do M.º P.º que na 1.ª Instância lhe respondeu, o recorrente alega que:

i. O arguido teve dificuldade em comunicar com o tribunal.

ii. O tribunal "a quo" não esgotou as suas possibilidades de saber o paradeiro do arguido.

iii. O arguido procurou trabalho, cumprindo os objectivos de inserção social.

iv. O tribunal "a quo" violou os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, bem como as garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e os princípios e finalidades das penas ínsitos no artigo 40.º do Código Penal.

Ora bem.
De acordo com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 6/2010, publicado no Diário da República n.º 99/2010, Série I de 21-5-2010, o condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou a sua extinção e, com ela, a cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de que «as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada»).

Tal como todas as anteriores notificações, a notificação do despacho recorrido foi remetida para a morada constante do termo de identidade e residência prestado pelo arguido e ali depositada, conforme comprovam as provas de depósito juntas aos autos a fls. 1068, 1119, 1239, 1285, 1303 e 1348.

O arguido prestou termo de identidade e residência e não indicou nos autos qualquer outra morada, pelo que a prova de depósito de carta postal na morada indicada pelo arguido faz prova da sua notificação. Nestes termos – como bem assinala a Exma. Magistrada do M.º P.º que na 1.ª Instância respondeu ao recurso, – caberia ao arguido garantir que transmitia ao tribunal morada na qual assegurasse que tinha efectivo conhecimento das notificações que lhe eram dirigidas. Tal dever resulta sobretudo da sua sujeição a termo de identidade e residência, como também dos deveres e regras de conduta que lhe foram impostos, ou seja, do facto de se saber sujeito a regime de prova e, por isso, sujeito ao dever de colaboração, tanto com o tribunal, como com os técnicos da DGRSP.

Por outro lado, entendendo que não recebera as ditas notificações por razões que não lhe são imputáveis, competia-lhe comprovar isso mesmo, afastando a presunção da sua notificação em que se consubstancia a prova de depósito. E para o efeito não basta tecer considerações sobre o bairro onde o mesmo reside, pois que, ao contrário do que parece ser invocado nas motivações de recurso, existem diversas provas de depósito (em receptáculo postal), e não de mera distribuição, das notificações efectuadas ao arguido. Tal como decidiu o ac. TRE de 7-12-2012, proc. 26/04.5PEFAR-A.E1, www.dgsi.pt, a presunção de notificação contida no artigo 113.º, n.º 2 do Código de Processo Penal só pode ser ilidida pelo notificado, nos termos do artigo 254.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, não podendo o juiz dela conhecer oficiosamente.

Ademais, o arguido esteve presente na leitura da sentença condenatória, tendo nessa circunstância sido esclarecido da natureza da pena em que foi condenado (e da qual não interpôs recurso) e dos deveres e regras de conduta a que a suspensão da pena de prisão era sujeita, sob pena de revogação da mesma. Assim, não é verdade que não tivesse conhecimento da sua situação processual. A verdade é que o arguido, ao longo dos dois anos que já volveram sobre a leitura da sentença ou do ano e meio sobre o trânsito em julgado da mesma, nunca se disponibilizou para cumprir os deveres a que estava sujeito, designadamente, mantendo-se contactável e comparecendo sempre que notificado. Alheou-se superiormente do decidido na sentença quanto ao regime de prova, seguiu a sua vida como se nada fosse, como se tivesse sido absolvido, não tivesse que prestar satisfações ao tribunal nem à tal de DGRSP – e agora a razão dessa atitude é da responsabilidade das secretarias judiciais, do juiz, dos serviços postais, do defensor que tinha na altura, muito pouco ou quase nada tendo o arguido a ver com essas minudências todas, postura que afinal revela é até que ponto é que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Assim, constando dos autos as diversas notificações regularmente efectuadas ao arguido na morada do termo de identidade e residência, bem como a menção das várias vezes em que da DGSP lhe ligaram sem sucesso para o telemóvel e, como tal, as inúmeras oportunidades que lhe foram dadas para cumprir as obrigações a que foi sujeita a suspensão da pena de prisão e, bem assim, para justificar o seu incumprimento, bem como a derradeira tentativa de o fazer comparecer pessoalmente, através de mandados de detenção, sem que o arguido fosse localizado, não só é forçoso concluir pelo incumprimento grosseiro e culposo das regras e deveres de conduta a que o arguido estava sujeito, como apenas restava ao tribunal recorrido revogar a suspensão da execução da pena de prisão.

E quanto à falta de audição presencial do arguido:

Recorde-se que foi ao abrigo do disposto no art.º 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, designada data para audição do arguido, a fim de o tribunal "a quo" ponderar as razões do incumprimento relatado pela DGRSP, (cf. fls. 1224 e 1225). Na data agendada para a sua audição, 20.09.2017, o arguido não compareceu nem justificou a sua ausência, não obstante se encontrar regularmente notificado na morada constante do termo de identidade e residência (cf. fls. 1239 e 1257 e ss.). Pelo que foram emitidos mandados de detenção para garantir a sua comparência na data designada para a continuação daquela diligência (17.10.2017). Contudo, a PSP da área de residência do arguido informou que o mesmo nunca foi localizado naquela morada, não obstante a deslocação daquele OPC em “horas interpoladas” (cf. fls. 1266).

Ora, como se decidiu no ac. TRG de 6-3-2017, proc. 182/11.6GAFAF.G1, www.dgsi.pt, I) Não tendo sido possível a audição pessoal do condenado, por motivos imputáveis ao próprio, não se pode dizer que o tribunal a quo, ao revogar a suspensão da execução da pena de prisão, cometeu a nulidade prevista no artº 119º, al. c) do CPP, por falta de cumprimento do disposto no artº 495º, nº 2, do mesmo diploma legal.

II) A entender-se o contrário, estar-se-ia a premiar um condenado que se mantém incontactável, como sucede, in casu, assim entorpecendo e retardando intoleravelmente a ação da justiça.

E quanto à curiosa alegação do arguido que não era nem se mostra necessária a intervenção da DGSP ou do tribunal "a quo" para que o arguido se inserisse socialmente, porque ele arranjou trabalho e está empregado – além de frisar novamente a sobranceria e indiferença do arguido em relação ao teor da sua condenação, – temos a dizer que embora o arranjar de emprego seja sem dúvida importante à ressocialização do delinquente, esta não se reduz àquela condição, tanto assim que os crimes não são cometidos exclusivamente por desempregados. Além disso e por mais que isso pelos vistos custe ao arguido, não é ele que está na condição de decidir como é que bem se cumpre o plano da sua própria reinserção social.

Como se salienta na resposta que na 1.ª Instância foi dada pelo M.º P.º ao recurso, neste caso concreto impunha-se, nomeadamente, que o arguido se integrasse socialmente afastado dos meios, locais e pessoas ligados à actividade de tráfico de estupefaciente. Razão pela qual, entre outras, não pode agora considerar-se que, à revelia do tribunal e das equipas de inserção social, o arguido cumpriu todos os objectivos e finalidades de reinserção social da pena em que foi condenado, como se a intervenção e o acompanhamento daquelas equipas não fossem necessários. Na verdade, a suspensão da pena de prisão em que o arguido foi condenado não foi simples, mas subordinada a regime de prova e aos concretos deveres e regras de conduta acima transcritos. Ao não comparecer quando por inúmeras vezes foi regulamente notificado, mantendo-se incontactável e inviabilizando a elaboração de plano de reinserção social, durante mais de um ano e meio, o arguido incumpriu de modo grosseiro e culposo os deveres de colaboração a que estava sujeito, levando a concluir-se que as finalidades subjacentes à aplicação da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, por motivo imputável ao arguido.

Não se mostra, assim, que o tribunal "a quo" tenha violado os princípios da proporcionalidade, da adequação e da necessidade, bem como as garantias de defesa consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e os princípios e finalidades das penas ínsitos no artigo 40.º do Código Penal.

IV
Termos em que se decide negar provimento ao recurso e manter na íntegra a decisão recorrida.

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça, atendendo ao trabalho e complexidade de tratamento das questões suscitadas, em quatro UC’s (art.º 513.º e 514.º do Código de Processo Penal e 8.º, n.º 9, do RCP e tabela III anexa).
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Évora, 7-1-2020

(elaborado e revisto pelo relator)

João Martinho de Sousa Cardoso
Ana Maria Barata de Brito