Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
23269/11.0YYLSB-A.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE INFORMAR
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - No art.º5º do D.L. nº 446/85, de 25.10 impõe-se à parte que utilize cláusulas contratuais pré-formuladas para uma pluralidade de contratos, independentemente das pessoas que os venham a subscrever, para serem aceites no seu todo – cláusulas contratuais gerais - o dever de comunicação e de informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.
II - Estabelece a lei o princípio de que a comunicação deve ter em consideração a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, de forma a que o aderente, usando da diligência própria do cidadão médio, normal ou comum, possa aceder a um conhecimento completo e efectivo.
III- A natureza do contrato em causa – de comercialização de cartões de desconto – demandaria que o seu aderente entendesse que estaria a pagar uma mensalidade e anuidade pela concessão de um mero cartão que lhe proporcionaria eventuais descontos de que poderia jamais beneficiar.
IV - O consumidor, carecia, também, de ficar com um exemplar do contrato para saber exactamente não só as vantagens que tal cartão pelo qual se sujeitou a pagar uma tão significativa mensalidade e anuidade afinal lhe facultaria mas também para saber quais as consequências da mora no pagamento da dita mensalidade, se existia cláusula penal etc. etc.
V - Não tendo resultado provado, como se impunha, terem sido as cláusulas contratuais gerais insertas no contrato em apreço sido comunicadas à consumidora as mesmas não podem deixar de ter-se por integralmente excluídas.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO:
1. BB, Executada nos autos de execução apensos onde é Exequente «Massa Insolvente de CC – COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, S.A.» veio deduzir oposição à execução, pedindo que a mesma seja declarada procedente e que por via dela seja declarada a inexistência de cláusulas contratuais insertas no contrato invocado pela exequente no título executivo e seja inexigível à oponente o montante peticionado.
Referiu, para tanto e em síntese, que em data que não se recorda mas anterior a 17/11/2007, se deslocou ao Pavilhão do Nera sito na zona industrial de Loulé com o intuito de visitar um evento relacionado com um outlet de roupa e calçado e para aceder ao evento pagou um bilhete no valor de 2,00 €, recebendo um cupão que colocou numa tômbola aí existente e cerca de 1 semana após esse evento recebeu um telefonema para a sua casa de um funcionário bem falante da empresa “CC – COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTO, S. A.”, dando-lhe os parabéns por ter ganho uma viagem num cruzeiro que incluía dois acompanhantes, prémio que deveria ir levantar no dia 17/11/2007 ao Hotel Eva em Faro e a oponente apesar de mostrar reservas à forma insistente como feita a abordagem, acedeu ao convite e no dia 17/11/2007 deslocou-se ao referido hotel para fazer a reserva da viagem no cruzeiro que o referido funcionário lhe comunicou ter ganho e quando lá chegou viu muita gente no local, o que estranhou e pretendeu vir embora, mas a forma persistente de abordagem dos colaboradores da sociedade “CC – COMERCIALIZAÇÃO DE CARTÕES DE DESCONTOS S.A.” que recebiam as pessoas, aliciando-as com promessas de vantagens, levou-a a permanecer nesse hotel e aguardar a sua vez de ser atendida e quando chegou a sua vez foi recebida por uma senhora e por um senhor, os quais após a terem sentado numa mesa daquelas instalações discorreram durante cerca de 1 hora sobre as vantagens de um cartão designado Key Club que lhe era apresentado em forma de brochura o qual, segundo eles, oferecia descontos em lojas, serviços, viagens e toda a uma panóplia de outros bens que incluíam até medicina dentária, informando ainda que após a assinatura de um contrato relativo à aquisição desse cartão lhe seria entregue o tal prémio que a oponente ficara convencida que havia ganho e que consistia numa viagem num cruzeiro que permitia levar 2 acompanhantes. e a oponente completamente asfixiada por 1 hora de autêntica “lavagem cerebral” acedeu finalmente a assinar um documento, do qual não possui qualquer cópia e de que não lhe foi dada nenhuma explicação, apenas que ficaria a pagar várias prestações mensais e sucessivas no valor de 50,00 €.
Vindo o cartão Key Club a ser posteriormente enviado pelo correio para a residência da oponente que o recebeu, mas que não chegou nunca a utilizar, mas ainda pagou à sociedade “CC-Comercialização de Cartões de Desconto, S. A” 7 prestações por inteiro, no valor de 350,00 € e metade de uma prestação no valor de 25,00 €, num valor total de 375,00 € e além do montante pago, em momento algum lhe foi dito ou explicado que o cartão Key Club tinha associado um encargo anual.
Mais alegou que foi coercivamente empurrada para a assinatura de algo que não precisava, nem nunca sequer utilizou, já que estava ali apenas para reservar uma viagem que havia ganho segundo um funcionário da “CC-Comercialização de Cartões de Desconto, S. A”, não tendo sido informada do clausulado do contrato que assinou, nomeadamente do respeitante à aceitação, direito de retractação, período de reflexão, renúncia, anuidade do cartão e da totalidade dos encargos, pelo que os colaboradores da referida sociedade violaram flagrantemente o disposto nos artigo 5º e 6º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, sendo que a oponente nunca beneficiou de nenhuma viagem de cruzeiro nem tirou qualquer benefício do cartão Key Club.
A Exequente contestou a fls. 34 e ss, alegando, em suma, que aquando da celebração do contrato a Embargante forneceu todos os seus dados pessoais e foi-lhe devidamente explicado o clausulado do contrato, nomeadamente o modo de denúncia do mesmo, a obrigatoriedade do pagamento da anuidade, como era calculada, mês de vencimento, envio de informação relativa às parcerias e modo de utilização dos cartões de desconto, e todas essas informações constam do clausulado do contrato, muito se estranhando que a Embargante venha alegar total desconhecimento de cláusulas quando aquela é mediadora de seguros, possuindo, por isso, formação académica e certamente que está familiarizada com a celebração de contratos e tudo o que a eles diz respeito e da análise do contrato não se antolha a existência de alguma clausula que fosse menos perceptível para a Embargante e em lugar algum da lei se exige que as cláusulas sejam explicadas “tintim por tintim” e oralmente ao contraente, bastando a disponibilização do contrato para ler, eventualmente acompanhada da prestação dos esclarecimentos referidos no artigo 6º da LGCG e a assinatura sem ler, por opção do contraente não equivale à omissão da prestação de esclarecimentos, pelo que não pode a Embargante alegar total desconhecimento do documento que aceitou assinar como justificação para o não cumprimento das suas obrigações que quis assumir.
Termina a exequente pedindo que a oposição à execução seja julgada improcedente, prosseguindo a execução os termos legais.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio subsequentemente a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.

2. É precisamente desta sentença que vem interposto recurso pela embargante que formulou na sua apelação as seguintes conclusões:
A) Os presentes autos de recurso vêm interpostos da aliás douta sentença proferida pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, proferida em 04/12/2018 que julgou a oposição à execução totalmente improcedente por não provada e, em consequência, determinou o prosseguimento dos trâmites normais da execução.
B) Tal decisão, ainda que sustentada em factos, parte de um exercício jurídico formal realizado pelo Tribunal decidente, cujo desiderato veio a ser a decisão de inexistência de fundamento legal para a exclusão das cláusulas do contrato Keyclub.
C) Tal exercício, contudo, parte de premissas que são erradas e que, sem qualquer intervenção voluntária de quem decide, acabam por deturpar gravemente o conteúdo decisório da sentença ora em crise.
D) Procurando a recorrente com a presente impugnação, demonstrar que a decisão não só poderia como deveria ser outra, pois o formalismo decisório deve sempre ceder à procura da verdade material, nomeadamente quando a solução formal se encontra viciada.
E) Censura-se, pois, a errada apreciação da prova levada a cabo pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, que deu como provados factos sem prova para tal.
F) Ou seja, deu por provado erradamente que a exequente cumpriu os deveres de comunicação e informação a que estava adstrita aquando da outorga do contrato Key Club Premium e por via disso, decidiu, que as cláusulas do contrato, especialmente as respeitantes à aceitação, direito de retratação, período de reflexão, renúncia, anuidade do cartão e da totalidade dos encargos não devem ser consideradas excluídas do mesmo.
G) Salvo o devido respeito por opinião contrária, há insuficiência da prova produzida em audiência de julgamento para os factos que erradamente o Mmo. Juiz do Tribunal a quo deu como provados.
H) Com efeito, a executada celebrou com a exequente um contrato de aquisição (compra e venda: artigo 874.º do CC) de um cartão de desconto comercializado por esta (facto 2).
I) Do contrato a que a executada se limitou a aderir, constam inúmeras cláusulas contratuais gerais – elaboradas sem prévia negociação individual para adesão por destinatários indeterminados -, sujeitas por isso à disciplina do Decreto- Lei n.º 446/85, de 25/10 (LCCG, com as alterações posteriores, entre elas a do Decreto-Lei n.º 220/95, de 31/08).
J) Se estas cláusulas não tiverem sido comunicadas nos termos do artigo 5, as mesmas têm-se por excluídas dos contratos (artigo 8.º/a) da LCCG).
K) Segundo o artigo 5.º, nºs. 1 e 2, da LCCG, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra ao aderente e por outro lado essa comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efetivo por quem use de comum diligência.
L) A executada não foi informada do clausulado do documento que assinou, não foi lido nem dado a ler, em momento algum, o conteúdo das “Condições Gerais” do contrato dos autos, nem obviamente lhe foi dada qualquer explicação sobre o mesmo, nomeadamente do respeitante a Aceitação, Direito de Retractação, Período de Reflexão, Renúncia, Anuidade do cartão e da totalidade dos encargos, o que, no caso em concreto, teria determinado que a oponente – sem a pressão que lhe foi feita no Hotel Eva em Faro por promotores da CC ou Key Club – no remanso da sua casa, liberta da pressão asfixiante dos vendedores da CC, pudesse então, de forma racional, ponderar se aquele contrato lhe oferecia alguma vantagem real, se tinha condições para suportar o encargo daquelas prestações, ou, verificando que não, pudesse o mesmo exercer os seus direitos, nomeadamente o de retratação.
M) Atendendo a que foi coercivamente empurrada para a assinatura de algo que não precisava, nem nunca sequer utilizou.
N) Mais ainda, e por maioria de razão, as “Condições Gerais” daquele contrato, não foram nunca negociadas entre as partes, o que determina que o contrato invocado pela ora recorrente, caia sem dúvida no âmbito dos chamados contratos de adesão.
O) De forma inequívoca, os colaboradores da “CC”, violaram flagrantemente o disposto nos artigos 5º e 6º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25/10, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 220/95, de 31 de Agosto.
P) Pelo que, consequentemente, as cláusulas inseridas naquele contrato devem ser consideradas expurgadas dele e, como tal, tidas como inexistentes, aplicando o disposto no artigo 8º do sobredito diploma.
Q) E o ónus da prova dessa comunicação – adequada e efetiva – cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (artigo 5.º/3 da LCCG), ou seja cabia à exequente fazer essa prova e não à executada.
R) Certo é que, a exequente tentou cumprir com este ónus, alegando que todas as cláusulas insertas no verso do contrato tinham sido lidas e detalhadamente explicadas à exequente, mas não o conseguiu provar.
S) Como no ponto de facto 2 está dado como provado que: “35. O Titular do Cartão Key Club Premium declara aceitar as condições do contrato das quais teve prévio e atempado conhecimento, tendo-lhe sido entregue um exemplar e prestado as necessárias informações sobre o conteúdo do mesmo. O Promotor do cartão (…) O Titular tomou conhecimento e declara aceitar o presente contrato. O Titular (...) Data: 17 de Novembro de 2007", poderia pensar-se, a uma primeira leitura deste ponto de facto, que as cláusulas contratuais gerais tinham sido comunicadas na íntegra à executada. Mas explicar-se as condições gerais de aquisição do cartão que é o que nos parece ter sido referido pela testemunha Pedro A… que não presenciou a assinatura do contrato, ao dizer “… além do cartão Keyclub que permitia o acesso a descontos, o contrato contempla também um cartão de saúde e um cartão Master Card a ser emitido pelo Banco Santander Totta, S.A.”, não é comunicar, na íntegra, aquelas concretas cláusulas contratuais gerais que constam do contrato.
T) E nenhum outro facto existe, para além da cláusula 35 do documento de fls. 49 verso dos autos e do depoimento da testemunha Pedro A… que permita concluir que as cláusulas contratuais gerais foram comunicadas, na íntegra, à executada, aqui recorrente.
U) Tal qual decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-06-2012 proferido nos autos de Processo n.º 2527/10.7TBPBL.L1-2, que teve como relator o Exmo Sr. Juiz Desembargador Pedro Martins e que pode ser consultado em www.dgsi.pt:
“I- Dar notícia de cláusulas contratuais gerais (que estão na página que se assina ou no verso dela) não é fazer a comunicação das mesmas exigida pelo art. 5 da LCCG. E a falta dessa comunicação implica a exclusão de tais cláusulas contratuais gerais do contrato em causa [art. 8/a) da LCCG].
II – A cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando esta, tais ccg serão excluídas também por força do art. 8/d) da LCCG.”
V) Não foi dado, pois, o devido relevo ao facto de a ora recorrida não ter conseguido provar que os promotores/colaboradores da CC /Key club comunicaram ou informaram, devidamente, as cláusulas contratuais gerais.
W) Tal exclusão, que aliás é de conhecimento oficioso, deve ser declarada por este tribunal.
Termos em que deve o recurso deve ser julgado procedente, por provado, e, por via dele, ser declarada a inexistência de todas as cláusulas contratuais que constam do verso do documento assinado pela recorrente e por via disso, declarar-se ser inexigível à recorrente o montante peticionado.

3. Não houve contra-alegações.

4. Dispensaram-se os vistos.

5. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à questão de saber se as cláusulas constantes do contrato subjacente ao crédito exequendo são (in) válidas.

II- FUNDAMENTAÇÃO
i.). É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:
“1. Factos assentes:
Com interesse para a decisão, a considerar a seguinte factualidade:
1. A exequente «Massa Insolvente de CC-Comercialização de Cartões de Desconto, S. A» intentou, em 15 de Junho de 2011, ação executiva contra BB, apresentando como título executivo o Requerimento de Injunção nº 31654/11.1YIPRT apresentado em 10/02/2011 e ao qual foi conferida força executiva em 22/03/2011;
1.A.[1] Nesse requerimento de injunção a ora exequente alegou o seguinte:
1) Entre a Requerente e a Requerida foi celebrado um contrato de prestação de serviços a que coube o número 60918.
2) No âmbito do referido contrato a Requerente ficou obrigada a entregar à Requerida um cartão, denominado Key Club, que proporciona um conjunto de serviços e descontos, o que fez, e a Requerida ficou obrigada a pagar o seu preço, acrescido do valor da sua anuidade, durante todo o tempo que durasse o referido contrato.
3) O preço do referido cartão foi fixado em várias prestações mensais.
4) Acontece que a Requerida apenas liquidou 7 prestações, por inteiro, no valor de €350,00, e 1 prestações parcialmente, no valor de € 25,00, ficando em dívida o valor de €4.266,00.
5) O não pagamento de qualquer uma das prestações importou no vencimento de todas as restantes.
6) Pelo que neste momento a Requerida deve à Requerente a quantia de € 4.266,00 referente ao preço inicial pela aquisição do cartão.
7) Acresce ainda que a Requerida ficou obrigada a pagar uma anuidade, no valor máximo de 20% do salário mínimo nacional, a qual para os anos de 2007, 2008, 2009 e 2010 se liquida no montante de € 314,00, que a Requerida não pagou.
8) Acresce ainda nos termos contratuais o direito da Requerente em receber uma indemnização igual a 50% do valor da anuidade respectiva.
9) Neste momento a Requerida deve assim à Requerente as seguintes quantias:
a) 4.266,00 euros referente ao preço pela aquisição do cartão.
b) 314,00 euros referente às anuidades vencidas e não pagas.
c) 157,00 euros referente à penalização devida.
d) 275,55 euros de juros vencidos.
e) Juros vincendos.
f) Demais custos que acrescem com a presente injunção.
10) A Requerida foi interpelada para efectuar o pagamento das quantias em divida o que não fez, pelo que as deve.”

2. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, o qual faz 49 a 49 verso destes autos, no essencial com o seguinte teor “Key Club Nº de Cliente: 60918. Oferta nº 272841. Nome: BB. Morada: R. … Bl … r/c Esq. Localidade: Fuseta (…) Profissão: Mediadora Seguros (…) Beneficiários: DD (…) EE (…) Condições de Contrato. Data do contrato: 17/11/07 (…)
Opções de Financiamento: C. Nº de Prestações: 48. Prazo (meses): 48. Solicitado/concedido crédito: 4.726,59 €. Valor da prestação: 129,87 €. Valor total das prestações: 6.233,92 € (…) A primeira prestação vence-se 30 dias após a assinatura do presente contrato e as restantes no correspondente dia dos meses subsequentes. Periodicidade de pagamento: Mensal. Identificação da Opção de Financiamento/prestações/prazo, cujas condições vigoram para este contrato. Opção: C. P.V.P. = 4.641,00 €. Cláusulas Contratuais Do Contrato Key Club Premium. 1. O Cartão Key Club Premium é representado em Portugal em exclusivo pela Palme II-Comercialização de Cartões de Desconto, S.A., detentora da marca Key Club e doravante assim designada. 2. O Cartão Key Club Premium é válido por 15 anos a partir da sua assinatura, renovável por iguais períodos. cfr. nº 32. 3. O Titular principal do Cartão Key Club é a pessoa singular que contrata com o Key Club. Vantagens do Contrato Key Club Premium. 4. Entrega imediata do Cartão Key Club Premium que está colado na folha de rosto e que permite a utilização imediata de todos os benefícios do Cartão Key Club Premium 5. O titular principal do Cartão Key Club pode solicitar quatro cartões suplementares (…) 8. Atribuição inicial de 10000 (dez mil) pontos que o Titular Principal pode rebater nas reservas a efectuar em qualquer unidade hoteleira em Portugal, Europa e restantes países do mundo à sua escolha. 9. Alojamento em unidades hoteleiras anualmente indicadas pelo Key Club em Portugal ou qualquer outro país do mundo, com condições e preços especiais. 10. Alojamento em estúdios e apartamentos T1 com capacidade, respectivamente, para 2 e 4 pessoas em unidades hoteleiras a indicar anualmente pela Key Club, cuja diária não será superior a 20% do ordenado mínimo nacional. 11. A informação sobre as unidades hoteleiras Key Club, custos da utilização e datas para efectivação das reservas será comunicada anualmente ao Titular (es) por mailing ou anúncios, publicados em jornal de grande tiragem. 12. A concessão de preços especiais em alojamentos com os quais sejam mantidos acordos preferenciais só pode ser garantida se a reserva for efectuada pessoalmente, ou por escrito, através da agência de viagens indicadas pelo Key Club. 13. Os Titulares beneficiarão de preços especiais no alojamento em relação ao qual a empresa mantenha acordos preferenciais, ficando apenas sujeitos à disponibilidade e regulamentação própria da unidade hoteleira. 14. Aos Titulares serão proporcionadas regalias e vantagens enquadráveis nos serviços dos acordos preferenciais mantidos pelo Key Club. Preços: 15. O preço do Cartão Key Club Premium está expresso na folha do rosto do presente contrato e os termos e condições de pagamento são acordados no momento da sua assinatura, podendo o Titular recorrer a qualquer meio de pagamento, inclusive a concessão de crédito a entidade bancária. 16. Tratando-se de pagamentos fraccionados, os benefícios suspendem-se se o seu subscritor estiver em mora, quer no pagamento dos valores acordados, quer no pagamento do custo administrativo previsto na cláusula seguinte. 17. O Titular do contrato fica obrigado a pagar ao Key Club um montante anual com vencimento a 15 de Novembro de cada ano, no valor máximo de 20% do salário mínimo nacional, a título de custo administrativo. Se o titular não proceder ao pagamento da importância supra referida incorrerá num acréscimo de 50% a título de mora (…) Disposições Gerais. 28. O presente contrato poderá ser resolvido no prazo máximo de quinze dias seguidos, a contar da data da sua assinatura que é simultâneo com a entrega do cartão que é o objecto deste contrato. Faculdade que deve ser exercida, exclusivamente, através de carta registada com aviso de recepção dirigida ao Serviço de Apoio ao Cliente, sito na Avenida … nº …, 1749-… Lisboa, salvo quando haja prestação de serviço no âmbito do presente contrato (…) 30. O Titular para utilizar os benefícios do Cartão Key Club Premium deve apresentar o cartão assinado e identificar-se sempre que lhe seja solicitado. 31. O Titular compromete-se a manter os seus dados actualizados. 32. Na falta de comunicação nos 60 dias anteriores ao término o contrato renova-se automaticamente será debitado ao Titular encargos da renovação que se fixam numa importância igual a 10% do valor económico do cartão à data da sua renovação (…) 35. O Titular do Cartão Key Club Premium declara aceitar as condições do contrato das quais teve prévio e atempado conhecimento, tendo-lhe sido entregue um exemplar e prestado as necessárias informações sobre o conteúdo do mesmo. O Promotor do cartão (…) O Titular tomou conhecimento e declara aceitar o presente contrato. O Titular (…) Data: 17 de Novembro de 2007”;

3. Por conta do acordo (contrato) referido em 2) a Oponente/executada BB efectuou 7 pagamentos no valor de 50,00 € e outro no valor de 25,00 €, perfazendo o montante total de 375,00 €;

4. Foi elaborado e remetido por via postal à Oponente/executada, o escrito que faz fls. 9 destes autos, no essencial com o seguinte teor: “Loja Jurídica. Exma Senhora. BB. Rua …, Bl …-r/c Esq. Fuzeta. 8700-… Fuseta. N/Refª: Contrato 60918. Lisboa, 04 de Abril de 2012. Assunto: N/Constituinte: CC-Comercialização de Cartões de Desconto, S. A.- Interpelação para pagamento de dívida. Exma Senhora, Serve a presente para interpelar V. Exa para o pagamento da quantia de € 97,00 (noventa e sete euros), a título de despesas com a manutenção do contrato referente à anuidade de 2011, acrescida do montante de € 48,50 (quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos) correspondente a 50% desse mesmo valor, devido a título de cláusula penal em virtude da mora no seu pagamento, conforme decorre do contrato celebrado. A soma dos valores acima identificados perfaz o montante de € 145,50 (cento e quarenta e cinco euros e cinquenta cêntimos). Face ao exposto, solicita-se a V. Exa que, no prazo de 8 dias após recepção da presente carta, proceda ao pagamento da quantia em dívida, através de uma das seguintes formas: - Transferência bancária para o NIB … 50: -
Cheque à ordem da CC, S. A., remetido para: …, nº …-3º C, 1700-… Lisboa; - Vale Postal, remetido para a morada indicada anteriormente. Solicita-se ainda que, depois de efectuado o referido pagamento, o respectivo comprovativo nos seja remetido por faz, através do número … 423, ou por e-mail para geral@Keyclub.pt e sempre com a indicação do seu nº de Cliente (60918). Advertimos que, no mês de Novembro de cada ano, se vence uma anuidade, sendo que, uma vez verificada a falta do seu pagamento, a todo o tempo e sem qualquer outro aviso, poderão ser tomadas as providências judiciais adequadas à sua cobrança coerciva. Para todo e qualquer assunto relacionado com a presente dívida, queira V. Exa contactar-nos através do número de telefone … 400. Por fim, caso deseje pôr termo ao contrato que mantém com o Key Club por entender que o valor da sua anuidade deixou de ser compensado pelas contrapartidas que retira actualmente do Clube (diminuição do valor das viagens realizadas, utilização reduzida dos benefícios disponibilizados pelo Clube…) contacte os nossos operadores através do telefone: … 400 ou por mail: apoiocliente@...-sa.pt. Se porventura esta anuidade já foi liquidada, pedimos que não considere esta comunicação (…)”.
*
2. Factos não provados:
Inexistem quaisquer factos não provados, porquanto provaram-se todos os factos alegados pelas partes e com interesse para decisão da causa.
Quanto ao mais alegado pelas partes respeita a factos sem interesse para a decisão da causa ou a matéria conclusiva e/ou de direito.”.

2. Do mérito do recurso

1. Como se extrai do antecedente relatório, outros factos com inequívoca relevância[2] no domínio de uma relação de consumo como a presente, v.g. as circunstâncias que rodearam o modo como o contrato foi celebrado, e que foram alegadas na petição de embargos, foram desprezados na decisão da matéria de facto.

Em princípio estar-se-ia perante uma decisão deficiente em matéria de facto – artº 662º nº2 al.c) do CPC – caso o objecto do recurso não pudesse ser solucionado, como cremos que pode ser, fazendo aplicar as regras de ónus da prova em matéria de cumprimento dos deveres de comunicação e informação, relativos às cláusulas contratuais gerais insertas no contrato.

Convém salientar que estamos inequivocamente em presença de um contrato subordinado ao regime do D.L. nº 446/85, de 25.10 visto emergir do próprio documento que o consubstancia, terem sido tais cláusulas elaboradas sem prévia negociação individual, que a executada, como destinatária indeterminada, se limitou a subscrever.

Aliás, nem a embargada o refutou sendo certo que o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes sobre a mesma recaia, posto ser ela que se pretende prevalecer do seu conteúdo ( cfr. nº3 do art.º1º do citado diploma).

Na sua petição inicial, a embargante alegou não ter ficado com cópia do contrato, sobre o qual nenhuma explicação lhe foi dada a não ser que ficaria a pagar várias prestações mensais e sucessivas no valor de € 50,00.

No art.º 5º do citado regime jurídico das cláusulas contratuais impõe-se à parte que utilize cláusulas contratuais pré-formuladas para uma pluralidade de contratos, independentemente das pessoas que os venham a subscrever, para serem aceites no seu todo – cláusulas contratuais gerais - o dever de comunicação e de informação sobre o conteúdo de tais cláusulas.

Aliás, se assim não fosse não se poderia admitir que as cláusulas pré-estabelecidas pudessem vir a considerar-se parte integrante de um contrato cujo conteúdo a parte que se limitará a ele aderir não conhecesse.

Estabelece a lei o princípio de que a comunicação deve ter em consideração a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, de forma a que o aderente, usando da diligência própria do cidadão médio, normal ou comum, possa aceder a um conhecimento completo e efectivo.

Não bastando a simples informação da existência de cláusulas contratuais gerais, exige-se “que à contraparte do utilizador sejam proporcionadas condições que lhe permitam aceder a um real conhecimento do conteúdo, a fim de, se o quiser, formar adequadamente a sua vontade e medir o alcance das suas decisões. Que o contraente venha a ter, na prática, tal conhecimento, isso já não é exigido, pois bem pode suceder que a sua conduta não se conforme com o grau de diligência legalmente pressuposto (...): aquilo a que o utilizador está vinculado é tão-só proporcionar à contraparte a razoável possibilidade de delas tomar conhecimento” [3]

O art.º8.º considera excluídas dos contratos singulares as “ cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º “ (alínea a) ) e as “comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo” ( alínea b)).

Não logrou a embargada, como era seu ónus, fazer tal prova, como da mera leitura do quadro fáctico enunciado resulta.

Aliás, a própria natureza do contrato – de comercialização de cartões de desconto – demandaria que o seu aderente entendesse que estaria a pagar uma mensalidade e anuidade pela concessão de um mero cartão que lhe proporcionaria eventuais descontos de que poderia jamais beneficiar, como no caso sucedeu, já que a apelante de nada efectivamente beneficiou.

A apelante, como consumidora, carecia, também, de ter tal contrato no momento em que o assinou para saber exactamente não só as vantagens que tal cartão pelo qual se sujeitou a pagar uma tão significativa mensalidade e anuidade afinal lhe facultaria mas também para saber quais as consequências da mora no pagamento da dita mensalidade, se existia cláusula penal etc. etc.

Em suma, e uma vez que se exige que o dever de comunicação seja integral e efectivo relativamente a todas as cláusulas do contrato, e cumprido através de um modo adequado de acordo com a importância do mesmo e a extensão e complexidade das cláusulas contratuais, entendemos que o mesmo, no caso, se concretizaria com a efectiva entrega à apelante/consumidora de um exemplar do contrato, que foi reduzido a escrito, no momento da respectiva assinatura, realidade por si desmentida e que a apelada não contrariou.

Não podemos acompanhar o que, a propósito, foi afirmado na sentença recorrida no sentido de que: “ (…) a cláusula 35 do referido contrato tem a seguinte redação “O Titular do Cartão Key Club Premium declara aceitar as condições do contrato das quais teve prévio e atempado conhecimento tendo-lhe sido entregue um exemplar e prestadas as necessárias informações sobre o conteúdo do mesmo” e mesmo antes da assinatura da executada consta a expressão “O Titular tomou conhecimento e declara aceitar o presente contrato”, pelo que não se compreende como pode agora a executada afirmar que não lhe foi dada qualquer explicação acerca do contrato e também que não possui qualquer cópia do contrato.”.

É que, como proficientemente se escreveu no Acórdão da Relação de Coimbra de 10.9.2013 [4]: Num (…) “contrato de adesão, a cláusula onde conste que a adquirente recebeu cópia do contrato, não faz prova plena da efectiva entrega do mesmo ao consumidor, ainda que não tenha sido arguida a falsidade quer do contrato quer da assinatura nele aposta e notarialmente reconhecida.
Efectivamente, nos casos sobreditos, tal cláusula previamente elaborada não pode ser tida como declaração da contraente adquirente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 376.º, n.º 1, do CC.
Na verdade, atenta a prévia elaboração do contrato pela financiadora, as cláusulas contratuais gerais ali apostas, só podem valer como “declarações atribuídas ao seu autor” relativamente a esta.”.

Em suma: Não tendo resultado provado, como se impunha , terem sido as cláusulas contratuais gerais insertas no contrato em apreço sido comunicadas à apelante pela apelada, como era seu ónus, as mesmas não podem deixar de ter-se por integralmente excluídas.

Por esse motivo estava vedado à embargada reclamar da embargante as quantias nelas contempladas atinentes a mensalidades vincendas, anuidades e cláusula penal inerentes a esse cartão, i.e. a quantia exequenda de 5.080,67 €.

III-DECISÃO

Por todo o exposto, acorda este Colectivo em, revogando a sentença recorrida, julgar procedentes os presentes embargos e, em consequência, extinta a execução apensa.

Custas pela apelada.

Évora, 27 de Junho de 2019
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Aditado ao abrigo do disposto no art.º 607º, nº4 do CPC.
[2] Atente-se no que dispunha à data o Decreto-Lei nº 143/2001 de 26-04-2001 no capítulo VI destinado a “Modalidades proibidas de venda de bens ou de prestação de serviços” e mais concretamente no seu art. 28.º- “Vendas forçadas”:
1 - É proibida a utilização da prática comercial em que a falta de resposta de um consumidor a uma oferta ou proposta que lhe tenha sido dirigida é presunção da sua aceitação, com o fim de promover a venda a retalho de bens ou a prestação de serviços.
2 - É igualmente proibida toda a prática comercial que se traduza no aproveitamento de uma situação de especial debilidade do consumidor, inerente à pessoa deste ou pelo agente voluntariamente provocada, com vista a fazê-lo assumir, sob qualquer forma, vínculos contratuais.
3 - Para os efeitos previstos no número anterior, verifica-se uma situação de especial debilidade do consumidor quando as circunstâncias de facto mostrem que este, no momento da celebração do contrato, não se encontrava em condições de apreciar devidamente o alcance e significado das obrigações assumidas ou de descortinar ou reagir aos meios utilizados para o convencer a assumi-las.
4 - O consumidor não fica vinculado ao cumprimento de qualquer obrigação decorrente das práticas referidas nos n.ºs 1 e 2, mesmo que nas ofertas ou propostas se tenha expressamente indicado que o decurso de um certo prazo sem qualquer reacção implica a sua aceitação.”. ( sublinhado nosso).
[3] Assim, ALMENO DE SÁ, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, 190/191.
[4] Relatado pela Des. Albertina Pedroso e consultável na base de dados do IGFEJ.