Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
63/16.7T8MMN.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
SEGURO DE VIDA
CREDOR
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Impõe-se que o conceito de credor do artº 53º do NCPC deva ser interpretado cum grano salis: ainda será credor o beneficiário indirecto de uma prestação devida, ou seja: ainda será credor, em sentido que a norma comporta, quem com o pagamento por outrem em benefício de terceiro fica desonerado do correspondente pagamento por si próprio a esse mesmo terceiro.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 63/16.7T8MMN.E1-2ª (2017)
Apelação-1ª (2013 – NCPC)
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)

ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

I – RELATÓRIO:

No âmbito de autos de execução comum, fundada em sentença proferida (com data de 27/5/2014) em prévia acção declarativa, instaurada (na Secção de Execução de Montemor-o-Novo da Instância Central da Comarca de Évora) por (…) e mulher, (…) contra «(…) – Companhia Portuguesa de Seguros de Vida, SA» – e na qual esta R. foi, além do mais, condenada a pagar a terceiro, o «Banco (…), SA», «a importância respeitante ao capital em dívida em 20.08.2008, referente ao contrato de mútuo mencionado no facto 1. e respectivos juros, até ao limite do capital seguro» –, apresentaram aqueles AA., e ora exequentes, requerimento inicial de execução, com vista a executar nessa parte a referida sentença, de modo a obter o pagamento pela R., e ora executada, a favor daquela entidade terceira (e por não haver notícia nos autos de tal pagamento já haver sido efectuado, de modo a desonerar os exequentes do crédito emergente do referido mútuo e que lhes foi reclamado por esse terceiro), da quantia objecto da aludida condenação, indicando como valor de capital a quantia de 8.478,66 € e como valor dos juros vencidos à taxa de 4% (desde 18/8/2015 até 21/12/2015) a quantia de 116,15 €, num total, à data da instauração da execução, de 9.594,34 €.

Sobre esse requerimento inicial de execução veio a recair despacho liminar, que concluiu pelo indeferimento liminar desse requerimento, por ilegitimidade dos exequentes (ao abrigo dos artos 577º, al. e), e 578º do NCPC), na medida em que, considerando o disposto no artº 53º, nº 1, do NCPC quanto à caracterização da legitimidade do exequente (segundo o qual «a execução tem de ser promovida pela pessoa que no título figure como credor»), se entendeu que a sentença exequenda não conferiu aos exequentes a qualidade de credor (exigida pelo referido preceito legal) relativamente à quantia que a executada foi condenada a pagar à referida entidade terceira, carecendo por isso os exequentes de título para sustentar a sua pretensão executiva.

É deste despacho de indeferimento liminar do requerimento executivo que vem interposto pelos exequentes o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:

«1. Proferida uma sentença condenatória numa acção declarativa, os respectivos autores, julgados partes legítimas na mesma acção, gozam de legitimidade para a dar à execução.

2. Os autores, como sucessores de (…) e fiadores do contrato de mútuo cujo cumprimento o seguro de vida por aquela celebrado visa garantir, têm interesse no cumprimento por parte da ré das suas obrigações decorrentes desse mesmo seguro de vida.

3. Na sentença condenatória dada à execução, os recorrentes figuram como credores de uma prestação a realizar pela executada a uma terceira entidade, sendo, por isso, partes legítimas, nos termos do disposto no art.º 53.º do Código de Processo Civil.

4. Os recorrentes têm direito a ver efectivado o direito que lhes foi reconhecido na sentença que constitui o título executivo da presente execução, não dispondo de outra forma de fazer cumprir a decisão judicial que foi proferida a seu favor.

5. O entendimento do douto despacho recorrido deixará sem qualquer protecção e à mercê das entidades bancárias os subscritores de seguros de vida e seus sucessores que não poderão obrigar as seguradoras a efectuar os pagamentos a que estão vinculadas.

6. O douto despacho recorrido violou, além do mais, o disposto nos art.os 2.º e 53.º do Código de Processo Civil e o art.º 205.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, pelo que deverá ser revogado, julgando-se que os recorrentes têm legitimidade para prosseguir com a presente execução e ordenando-se o prosseguimento desta.»


A executada apelada não deduziu contra-alegações.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC).

Do teor das alegações dos exequentes resulta que a matéria a decidir se resume a apurar se haveria fundamento para o indeferimento liminar do requerimento executivo, fundado em ilegitimidade dos exequentes (por não serem beneficiários directos do crédito objecto da condenação exarada no título executivo-sentença) – sendo que, em caso negativo, se imporá o prosseguimento dos presentes autos em substituição do indeferimento liminar decretado.

Cumpre apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO:

Estando assentes os elementos descritos no relatório, cabe, com base neles, aferir do acerto da prolação do despacho de indeferimento liminar sob recurso.

Comece-se por salientar, como decorre do que já se mencionou supra quanto ao objecto do recurso, e relativamente ao enunciado condenatório utilizada na sentença exequenda, algo que se afigura evidente: ainda que o beneficiário directo da prestação em que a aqui executada foi condenada (enquanto R.) na acção declarativa seja uma entidade terceira (o «Banco …, SA»), são também os aqui executados beneficiários indirectos do pagamento dessa prestação – e isso na medida em que esse pagamento fará desonerar os executados do dever de pagar esse mesmo crédito, enquanto fiadores do mútuo bancário a que se fez associar o seguro do ramo vida que se pretendeu fazer valer perante a seguradora aqui executada. Era fundamentalmente esse o interesse em agir subjacente à acção declarativa interposta pelos aqui exequentes contra essa seguradora.

Essa realidade, inerente aos seguros do ramo vida, foi cabalmente captada, v.g., em Ac. RP de 11/9/2008 (Proc. nº 0834361, in www.dgsi.pt), nos seguintes termos: «No seguro (…) ramo vida, embora o beneficiário directo seja o tomador do seguro, o segurado não deixa de ser beneficiário, mesmo que indirecto, já que, não só é a ele que compete efectuar os prémios (“a prestação”) à seguradora (ut artº 761º, nº1 CC), como é ele quem com aquele pagamento fica liberto de uma dívida».

Esta circunstância impõe que o conceito de credor do artº 53º do NCPC deva ser interpretado cum grano salis: ainda será credor o beneficiário indirecto de uma prestação devida. Ou seja: ainda será credor, em sentido que a norma comporta, quem com o pagamento por outrem em benefício de terceiro fica desonerado do correspondente pagamento por si próprio a esse mesmo terceiro. In casu: afigura-se que os aqui exequentes, AA. na acção declarativa cuja sentença se pretende executar, têm legitimidade (não só processual como substantiva) para fazer prosseguir a execução dessa sentença, que lhes foi efectivamente favorável.

Cremos, pois, ter validade a argumentação dos exequentes apelantes quando afirmam, nas suas alegações de recurso, que «se estes [recorrentes] foram considerados partes legítimas na acção declarativa na qual foi proferida a sentença agora dada à execução, terão também legitimidade para dar essa mesma sentença à execução». E também se nos afigura que só por esta via executiva poderão os ora exequentes fazer cumprir a decisão judicial que concedeu procedência à acção declarativa que instauraram. Reconhece-se aqui uma óbvia analogia, tal como referem os apelantes, com a situação dos contratos a favor de terceiro, em que, como aqueles afirmam, invocando o artº 444º, nº 2, do C.Civil, «o promissário tem o direito de exigir do promitente o cumprimento da promessa».

Nesta conformidade, somos então levados a concluir no sentido de assistir plena razão aos recorrentes na sua pretensão de não haver fundamento para o indeferimento liminar decretado pelo tribunal a quo. Este juízo deve, então, conduzir à revogação do despacho recorrido e à necessidade de prolação de despacho que determine a admissão liminar do requerimento executivo e o prosseguimento da tramitação própria da acção executiva, nos termos que forem processualmente adequados.

Em suma: merece provimento o presente recurso – por se considerar que não havia motivo para o indeferimento liminar, decretado pelo tribunal a quo, do requerimento executivo, com fundamento em ilegitimidade dos exequentes. Deve, assim, ser revogado o despacho de indeferimento liminar sob recurso, que será substituído por outro despacho que determine o prosseguimento dos presentes autos e dê cumprimento aos trâmites processuais próprios da acção executiva, nos termos que o tribunal de 1ª instância entender mais adequados.

III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar procedente a presente apelação, revogando o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro despacho liminar que dê seguimento aos pertinentes trâmites processuais, nos termos acima descritos.

Sem custas, por a executada apelada a elas não ter dado causa (artº 527º, nos 1 e 2, a contrario, do NCPC).

Évora, 26 / 01 / 2017
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)