Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
185212/14.7YIPRT-A.E1
Relator: ALEXANDRA MOURA SANTOS
Descritores: EMPRESA EM SITUAÇÃO ECONÓMICA DIFÍCIL
PLANO DE RECUPERAÇÃO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Data do Acordão: 11/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Goza do benefício de isenção do pagamento de custas, nos termos do artº 4º, nº 1, al. u), do R.C.P., a sociedade comercial que no processo em que foi declarada a sua insolvência, é homologado um Plano de Insolvência visando a sua recuperação (e não unicamente a satisfação de créditos), nos termos do artº 192º, nº 3, do CIRE.
Sumário da Relatora
Decisão Texto Integral: APEL. Nº 185212/14.7YIPRT-A.E1 (1ª SECÇÃO)


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No procedimento de injunção que (…), Lda., instaurou contra (…) e Filhos, Lda., peticionando o pagamento da quantia de € 1.099,13 foram os autos remetidos à distribuição após apresentação de oposição da requerida.
Notificada desse facto, veio a requerida pelo requerimento de que constitui cópia certificada fls. 5/6, requerer “a sua isenção para efeitos de custas conforme permite o artigo 4º, alínea u), do Regulamento de Custas Processuais, por se tratar de sociedade comercial em processo de recuperação”.
Alega, para tanto, que foi declarada insolvente por sentença datada de 25/01/2012 no processo de insolvência nº (…)/11.6TBEPS, que correu termos no Tribunal Judicial de Viana do Castelo, sendo que no mencionado processo foi apresentado, aprovado e homologado, por sentença já transitada em julgado, plano de recuperação de empresa.
Que se encontra actualmente em situação económica difícil e a cumprir o mencionado plano de recuperação que se estende até ao ano de 2014.
Pela decisão certificada a fls. 40, a Exma. Juíza, entendendo que a empresa insolvente não se confunde com a massa insolvente, indeferiu a pretensão da requerente, por não poder vir invocar a isenção de custas nos presentes autos e ordenou o cumprimento do disposto no nº 3 do art.º 570º do CPC.

Inconformada, apelou a requerente alegando e formulando as seguintes Conclusões:
1 – A recorrente apresentou pedido de isenção de custas ao abrigo do disposto na al. u) do artº 4º do Reg. das Custas Processuais, por considerar tratar-se de “empresa em processo de recuperação”.
2 – Tal pedido baseou-se no facto da recorrente ser empresa declarada insolvente em 25/01/2012 e que actualmente se encontra a cumprir plano de recuperação de empresa.
3 – Razão pela qual considera dever ser-lhe aplicada a isenção prevista na al. u) do artº 4º do Regulamento das Custas Processuais.
4 – O conceito de “empresa em processo de recuperação” não se encontra devidamente explicitado na norma, razão pela qual deverá entender-se que se enquadram nessa previsão todas as sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial que se encontrem a cumprir plano de recuperação da empresa aprovado e homologado no âmbito de processo de insolvência e previsto no CIRE.
5 – Como também todas as empresas em Processo Especial de Revitalização.
6 – Sem prescindir, e ainda que o Mmº Juiz a quo entendesse não ser de aplicar à recorrente a isenção subjectiva de custas peticionada, nunca poderia com esse fundamento aplicar-lhe multa nos termos do artº 570º, nº 3, do CPC, por a mesma ser desprovida de qualquer fundamento.
7 – Ao indeferir o pedido de isenção de custas e ao condenar em multa a recorrente, a douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação do disposto nos artºs 4º, al. u), do RCP, 20º da CRP e 570º, nº 3, do CPC.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
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Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação da recorrente abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), verifica-se que constitui questão a decidir saber se a recorrente beneficia ou não da isenção de custas prevista no artº 4º, nº 1, al. u), do R.C.P. e, bem assim, a da sua condenação em multa nos termos do artº 570º, nº 3, do CPC.
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Os elementos a considerar no conhecimento do recurso são os que resultam do relatório supra e ainda o teor dos documentos juntos pela recorrente com o seu requerimento constantes da certidão que instrui o presente recurso em separado, a saber:
- “Anúncio” do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, 4º Juízo Cível de Viana do Castelo, com os seguintes dizeres:
Processo: (…)/11.7TBEPS; Insolvência pessoa colectiva (Requerida); Referência. 6249057; Data: 07/02/2013.
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
Insolvente: (…) e Filhos, Lda., NIF – (…), Endereço: Lugar da (…), 90 (…), 4925-340 Viana do Castelo.
Administrador Insolvência: Dr. Wilson José Gabriel Mendes (…).
Ficam notificados todos os interessados de que o processo supra identificado foi encerrado.
A decisão de encerramento do processo foi determinada por:
Transitada que está a decisão que homologou o Plano de Insolvência apresentado visando a recuperação da sociedade insolvente, sendo certo que o mesmo prevê a manutenção da actividade da empresa na titularidade da devedora.
Efeitos do encerramento: artº 230º, nº 1, al. b), do CIRE”.
- Cópia do Plano de Insolvência que constitui fls. 9 a 37 dos presentes autos de recurso em separado.

Vejamos.
Dispõe o art.º 4º, nº 1, al. u), do Regulamento das Custas Processuais que estão isentos de custas “As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho”.
Está, pois, em causa saber qual o alcance da isenção ali prevista, o que passa por se determinar o que se deve entender por sociedades em “situação de insolvência” ou “em processo de recuperação de empresa”, pressupostos da sua aplicação.
A este respeito refere Salvador da Costa que “trata-se, para as referidas situações, de uma isenção objectiva, duplamente condicionada, por um lado, em quadro de sujeição a medidas de recuperação da empresa ou de situação de insolvência e, por outro, não se tratar de processo de foro laboral, por isso com uma forte vertente objectiva” (“Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado”, 4ª ed., p. 205).

Nos termos do artº 3º do CIRE, é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas (nº 1); as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa e indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis (nº 2); equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência (nº 4).
Nos termos do artº 46º, nº 1, do CIRE, caso seja declarada a insolvência, todo o património do devedor nessa data, incluindo os bens e direitos entretanto adquiridos na pendência do processo, passa a constituir a massa insolvente, destinando-se esta à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas.

Daqui resulta que declarada a insolvência de uma sociedade constitui-se uma massa patrimonial destinada à satisfação dos seus credores.
A massa insolvente que sucede à sociedade em situação de insolvência, deixa de beneficiar da isenção de custas prescrita na al. u) do artº 4º do RCP, pois esta isenção visa, específica e literalmente, a sociedade em “situação de insolvência”, realidade diversa da situação de massa insolvente, o que também se evidencia perante o disposto no artº 304º do CIRE (cfr., entre outros, Ac. da RP de 6/11/2012 proc. 352/11.7TBPVZ-B.P1, e da mesma Relação de 23/03/2015, proc. 151325/13.7YIPRT.P1, que vimos seguindo, acessíveis in www.dgs.pt).

In casu, está em causa a situação da sociedade não em “situação de insolvência”, mas antes “em processo de recuperação de empresa”.
Ora, resulta dos autos que no processo de insolvência da requerente, ora recorrente, foi, efectivamente, apresentado um plano de insolvência que foi homologado por sentença transitada em julgado, pelo que com essa homologação foi o mesmo encerrado.
Mais resulta que “A decisão de encerramento do processo foi determinada por:
Transitada que está a decisão que homologou o Plano de Insolvência apresentado visando a recuperação da sociedade insolvente, sendo certo que o mesmo prevê a manutenção da actividade da empresa na titularidade da devedora.”.
Decorre de tal declaração que o plano de insolvência configura, efectivamente, um plano de recuperação nos termos do artº 192º, nº 3, do CIRE (e não um simples plano visando unicamente a satisfação de créditos), constando do referido plano um período de fiscalização, não obstante o encerramento do processo de insolvência nos termos do artº 220º do CIRE (fls. 24), sendo que a sociedade manteve a sua actividade na sua titularidade como resulta da declaração acima referida e do plano de insolvência homologado, designadamente, a fls. 21/22.
Assim sendo, considerando que a requerente ora recorrente é, efectivamente, uma sociedade em processo de recuperação de empresa nos termos previstos no artº 192º e segs. do CIRE, encontra-se na situação prevista no artº 4º, nº 1, al. u), do RPC, beneficiando, por conseguinte, da isenção do pagamento de custas na presente acção.

Daí que decisão recorrida que indeferiu a aplicação do referido benefício na perspectiva da “situação de insolvência” da requerente, para concluir que “com a empresa insolvente não se confunde com a massa insolvente”, não pode manter-se, pois a situação invocada e que está em causa não é aquela, mas sim o pressuposto da situação “em processo de recuperação de empresa”, igualmente previsto no artº 4º, nº 1, al. u), do RCP.
Por todo o exposto, impõe-se a revogação da decisão recorrida, reconhecendo-se à recorrente, nos termos do artº 4º, nº 1, al. u), do RCP, o benefício da isenção do pagamento de custas nos presentes autos.
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DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, reconhecem à recorrente o benefício da isenção do pagamento de custas nos presentes autos.
Sem custas.
Évora, 19/11/2015
Maria Alexandra de Moura Santos
Acácio Luís Jesus das Neves
José Manuel Bernardo Domingos