Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
262/15.9PBSTB.E1
Relator: ANA BARATA DE BRITO
Descritores: PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
PRISÃO POR DIAS LIVRES
MEDIDA DA PENA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Justifica-se a imposição das penas de 7 meses de prisão a cumprir em dias livres e de 12 meses de proibição de condução, a arguido autor de crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez com uma T.A.S. de 2,945 g/l, que sofrera já quatro condenações anteriores por crimes idênticos, em penas de multa, de prestação de trabalho comunitário e de prisão suspensa.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 262/15.9PBSTB.E1
Acordam na Secção Criminal:
1. No Processo Sumário nº 262/15.9PBSTB da Comarca de S, foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido GDSG como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez do art. 292º/l do CP na pena de sete (7) meses de prisão, a cumprir por regime de dias livres, correspondendo a quarenta e dois (42) fins-de-semana de reclusão em Estabelecimento Prisional iguais e sucessivos, entre as 09h00 de Sábado e as 21h00 de Domingo, com início no terceiro fim-de-semana que se seguir à data do trânsito em julgado da presente sentença, e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de doze (12) meses, nos termos do art.º 69º/l/a) do Cód. Penal.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:
“I. O Tribunal a quo deu como provado que o ora recorrente, no dia 14 de Fevereiro de 2015, pelas 03h18m, na Avenida L, junto ao n° 642, em S, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula 00-00-XX, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma T.A.S. de 3,10 g/l, a que corresponde, após a dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de T.A.S. de 2,945 g/ l.
J. Tendo condenado o arguido, pelo crime pelo qual vinha acusado, na pena de 7 (sete) meses de prisão, a cumprir por regime de dias livres, nos termos do artigo 45°, n.os 1, 2 e 3 do Código Penal, correspondendo a 42 (quarenta e dois) períodos sucessivos correspondentes a outros tantos fins-de-semana, entre as 9:00 horas de sábado e as 21h00 horas de domingo e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 (doze) meses, nos termos do art. 69º n. ° 1, al. a) do mesmo diploma legal.
III. Salvo o devido respeito, considera-se que a pena de prisão, assim como a pena acessória de proibição de conduzir, são manifestamente exageradas e desproporcionais.
IV. Considerando-se excessiva a pena de prisão de 7 (sete) meses, assim corno a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 (doze) meses.
V. A douta sentença recorrida, na sua fundamentação, não obstante aludir ao art.71º do Código Penal, salvo o devido respeito, teve por fundamento na determinação da medida da pena sobretudo os antecedentes criminais do arguido.
VI. Embora tenha antecedentes criminais pelo mesmo tipo de ilícito, o arguido encontra-se bem integrado social e familiarmente.
VII. Não se encontrando assegurado o princípio primordial da substituição das penas de-prisão, que se prende com a necessidade de não interromper por completo as relações sociais, profissionais e familiares do arguido.
VIII. Este regime de cumprimento da pena de prisão, assim como a elevadíssima pena acessória de proibição de conduzir irão condicionar a obtenção de um emprego, situação em que o ora recorrente se tem empenhado.
IX. A substituição da pena de prisão pela prisão por dias livres, em nada vem ressocializar e recuperar o arguido, mas pelo contrário, irá estigmatizá-lo.
X. A pena de prisão aplicada não deveria pois ter sido tão elevada e deveria ter sido substituída por trabalho a favor da comunidade, ao abrigo do disposto nos artigos 58°,40° nº 1, 70° e 71° nº 2 al. d) do Código Penal, atentas, nomeadamente, as circunstâncias pessoais do arguido e considerando-se que tal regime assegura, de uma forma muito mais adequada, as finalidades da punição do que a prisão.
XI. Caso assim não se entendesse, a pena de prisão deveria ter sido suspensa na sua execução, pelo período de um ano, nos termos e para os efeitos do art.50° do Código Penal, por se afigurar igualmente suficiente e adequado a assegurar as finalidades da punição.
XII. A pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados deveria ser também reduzida para possibilitar ao ora recorrente a obtenção de um emprego.
XIII. Não tendo assim decidido, a douta sentença incorre, nos termos supra expostos, em violação destas normas.”
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência.
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer também no sentido da improcedência. Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença consideraram-se os seguintes factos provados:
“1. No dia 14 de Fevereiro de 2015, pelas 03h18m, na Avenida L, junto ao nº 642, nesta comarca de S, o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula 00-00-XX, após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma Taxa de Álcool no Sangue de 3,10 g/l, a que corresponde, após dedução do erro máximo admissível, o valor apurado de T.A.S. de 2,945 g/l.
2. O arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o veículo automóvel, o que efectivamente fez.
3. O arguido agiu deliberada, livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta e tinha a liberdade necessária para se conformar com essa actuação.
4. O arguido confessou livre, integral e sem reservas tais factos, dos quais se mostrou arrependido.
Das condições económico-sociais e pessoais do arguido em especial
5. O arguido nasceu a 29-09-1975, estando divorciado.
6. Tem duas filhas menores de idade, que vivem com a sua ex-mulher.
7. Vive com o seu pai, subsistindo com a ajuda económica prestada por este, dado que, actualmente, não aufere qualquer rendimento.
8. Tem a profissão de técnico de vendas, mas está desempregado há cerca de 2 anos.
9. Como habilitações literárias, tem o 10.º Ano de Escolaridade, incompleto.
10. O arguido regista antecedentes criminais averbados no seu certificado de registo criminal, nos termos seguintes:
• Por sentença datada de 30-08-2010, proferida no âmbito do processo sumário n.º314/10,1PFSTB, do 3,º juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de S, transitada em julgado em 23-09-2010, por factos cometidos em 29 de Agosto de 2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €, 5,00 e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses;
• Por sentença datada de 08-02-2013, proferida no âmbito do processo sumário n,º45/13,OPTSTB, do 3,º juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de S, transitada em julgado em 06-03-2013, por factos cometidos em 07 de Fevereiro de 2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6,00 e, bem assim, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 8 meses;
• Por sentença datada de 15-07-2013, proferida no âmbito do processo sumário n,º963/13,6PBSTB, do 1.º juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de S, transitada em julgado em 30-09-2013, por factos cometidos em 13 de Julho de 2013, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em concurso efectivo com a prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, respectivamente, na pena de 3 meses de prisão, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade e, bem assim, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de €, 5,00, substituída na sua execução pela prestação de 190 horas de trabalho, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses;
• Por sentença datada de 09-04-2014, proferida no âmbito do processo sumário n,º428/14.9PBSTB, do 3,º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de S, transitada em julgado em 19-05-2014, por factos cometidos em 03 de Abril de 2014, o arguido foi condenado pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano.”
Foi ainda consignada a inexistência de factos não provados.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), as questões a apreciar são as da medida da pena principal e medida da pena acessória, e a da modalidade da pena de substituição. Pugna o arguido pela redução das duas penas (principal e acessória) e pela substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
O MP pronunciou-se, nas duas instâncias, contra a procedência do recurso, assistindo-lhe razão, pois a sentença será integralmente de manter.
Começa por lembrar-se que o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico também em matéria de pena. Daqui resulta que o tribunal da Relação deve intervir na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções no processo aplicativo desenvolvido em 1ª instância, na interpretação e aplicação das normas legais e constitucionais que regem a pena.
Dito de outro modo, a Relação não decide da pena como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância. O recurso não visa, não pretende e não pode eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de julgamento, enquanto componente individual do acto de julgar. Daí que não inclua, insiste-se, a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das normas e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionado. É dentro desta margem de actuação que a 2ª instância exerce os poderes de fiscalização da decisão sobre a pena.
No presente caso, não pode deixar de reconhecer-se o acerto no iter aplicativo patente na sentença. O que inclui concretamente a escolha da(s) pena(s), a determinação do seu quantum e o afastamento da aplicação de pena de substituição (da pena principal) em sentido próprio. Sendo certo que se optou ali, justificadamente, por uma pena de substituição em sentido impróprio.
Reveja-se, então, a fundamentação da sentença, na parte que interessa ao recurso:
“(…)Sendo certo que na determinação da medida da pena ter-se-ão em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, nomeadamente, as enumeradas no art. 71º, n.º2 do Cód. Penal.
Há assim que ponderar os seguintes factos:
Contra o arguido depõem: O grau de ilicitude dos factos: que se afigura muito elevado atendendo à taxa de álcool [2,945 g/lítro de álcool no sangue], com que conduzia um veículo automóvel na via pública, a intensidade do dolo do arguido: que reveste a forma de dolo directo, de acordo com o art. 14º, nº l do Cód. Penal. As exigências de prevenção especial são elevadas, uma vez que o arguido já regista cinco antecedentes criminais, pela prática de crimes de natureza rodoviária idêntica ao objecto dos presentes autos, demonstrativo de uma personalidade desviante.
A favor do arguido depõem: As condições pessoais do arguido que resultaram provadas e aqui se dão por reproduzidas. A confissão livre, integral e sem reservas efectuada pelo arguido relativamente aos factos, dos quais se mostrou arrependido.
Sopesados estes elementos, considera-se justa, adequada e proporcional a aplicação ao arguido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, de uma pena concreta de sete (7) meses de prisão.
Cumpre agora apreciar de que forma deverá esta pena de prisão ser executada.
Tendo em consideração que a pena de prisão concretamente aplicada ao arguido nestes autos é uma pena de prisão de relativa curta duração, devemos ainda ponderar a possibilidade da sua substituição por outra medida não privativa da liberdade que seja legalmente aplicável.
(…) Resulta da factualidade provada que o arguido regista cinco antecedentes criminais pela prática de ilícitos relacionados com a criminalidade rodoviária, o que denota uma preocupante tendência do arguido para a prática deste tipo de ilícitos, comportamento desviante este que importa acautelar, tendo em vista a vida em sociedade que afasta estes comportamentos, cujas consequências poderão ser graves. O comportamento do arguido revela, assim, um censurável sentimento de impunidade, bem como uma personalidade irresponsável e inconsequente, que leva este tribunal a concluir que a suspensão da execução da pena de prisão ora aplicada, já não satisfaz, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Com efeito, deve dizer-se que o arguido já beneficiou de uma suspensão da execução da pena de prisão, sendo, porém, certo que tal reacção penal manifestamente não o demoveu de voltar a delinquir durante tal período da suspensão, diga-se!
Nesta conformidade, entende o tribunal que, face às especiais necessidades de prevenção especial, ponderando ainda as circunstâncias acima expostas, a simples ameaça da prisão e a censura do facto já não tutelarão de forma suficiente os bens jurídicos atingidos e não permitirão a reintegração do arguido na sociedade - [art.º 40.º, n.º l do Cód. Penal]. Termos em que se decide não suspender a pena de prisão aplicada.
Por maioria de razão, inexiste fundamento para substituir a pena de prisão por multa, nos termos permitidos pelo art. 43.º do Cód. Penal, dado que a execução da prisão é, in casu, exigida para evitar o cometimento de futuros crimes, cuja gravidade o arguido não interiorizou, pese embora as várias oportunidades que lhe foram sendo concedidas.
Outro tanto se diga relativamente à possibilidade de se substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, dado que pese embora tal seja, abstractamente possível, a coberto do disposto no art. 58.º do Cód. Penal, sempre se dirá que se considera não estarem reunidas as condições minimamente exigidas para a implementação desta pena substitutiva, porquanto não consegue o tribunal emitir um juízo de prognose favorável à reinserção social do arguido, indispensável para que se considere que tal pena de substituição realiza de forma adequada e suficiente as necessidades de punição, exigidas no caso concreto.
Com efeito, como já enfatizamos, entendemos que o caso sub judice, além de exigir a aplicação de uma pena de prisão, reclama ainda que esta execução seja efectiva.
Na verdade, a este respeito, consideramos que atento o evidente percurso criminal do arguido a pena de prisão ora aplicada não deve ser substituída por uma pena de diferente espécie, por tal não se revelar suficiente nem eficaz do ponto de vista das intensas exigências de prevenção especial que se fazem sentir ao mesmo, pelo que somente a execução da pena de prisão se mostra apta a prevenir a prática de novos crimes pelo arguido.
Em todo o caso, atento o disposto no art. 45º do Cód. Penal, e porque o arguido ainda não foi condenado em prisão efectiva, entendemos que esta deverá ser cumprida em dias livres nos termos deste preceito, afigurando-se que esta forma de cumprimento realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, permitindo que o arguido se insira profissionalmente e preste assistência à sua família.
Assim, operando a conversão ali determinada [cada período correspondente a fins-de-semana equivale a cinco dias de prisão contínua], a pena de prisão aplicada deve ser cumprida em 42 fins-de-semana iguais e sucessivos, entre as 09h00 de Sábado e as 21h00 de Domingo, a ter início no terceiro fim-de-semana que se seguir ao trânsito em julgado da presente sentença - [art.º 487.º do C.P.P.].
DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
Acresce ainda que a condenação pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez dá origem à condenação na pena acessória de proibição de condução de veículos com motor por um período fixado entre três (3) meses a três (3) anos, nos termos do disposto no art. 69º nº1, al. a) do Cód. Penal.
Assim sendo, cabe, desde já, referir que a determinação da medida da pena acessória de proibição de conduzir deverá obedecer ao preceituado no art. 71º do Cód. Penal [cf neste sentido, o Ac. da Relação de Évora de 14-05-1996, in CJ, t. III, p. 286], pelo que, tendo em conta os elementos já aduzidos em sede de determinação da medida da pena, afigura-se-nos adequada a aplicação ao arguido de uma pena acessória de proibição de condução de veículos a motor pelo período de doze (12) meses, em função da condenação pela prática do crime p. e p. pelo art. 292º, nº1 do Cód. Penal.”
A determinação da pena como actividade judicialmente vinculada obriga o julgador a percorrer um iter no processo de determinação da pena. O que engloba a escolha da pena principal, a determinação da medida concreta da pena principal, a ponderação da aplicação de pena de substituição quando legalmente prevista (sua escolha e determinação concreta).
Perante pena abstracta compósita alternativa (prisão ou multa) deve optar-se por pena não privativa de liberdade (art. 70º do CP). Tem de fundamentar-se especialmente a necessidade da prisão, justificar-se por que razão a multa não garantirá as finalidades (exclusivamente preventivas) da punição, procedendo-se para tanto à ponderação das concretas exigências de prevenção, quer geral, quer especial.
Ao aplicar pena de prisão não superior a cinco anos, o julgador deve demonstrar, na sentença condenatória, que ponderou as possibilidades de substituição da prisão legalmente admissíveis no caso. Dessa vinculação não resulta, porém, uma imposição de afastamento formal, exaustivo, individual e detalhado (pena a pena) de todas as penas de substituição previstas na lei. A evidência do caso decidendo pode justificar a desnecessidade de pronúncia individual e detalhada. Contudo, mesmo nesse caso, não enunciando embora todas as penas de substituição abstractamente previstas, a sentença deve demonstrar que elas foram pensadas e ponderadas pelo julgador, a fim de se poder justificadamente concluir que não se terão apresentado como solução adequada.
Na situação sub judice, o afastamento da multa principal não implicaria uma forçosa desatenção à multa de substituição e haveria ainda a possibilidade abstracta de aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade. Mas, no sentido exposto, a decisão recorrida satisfaz as exigências de fundamentação em matéria de pena. Pois concluiu-se ali pela aplicação de pena de prisão, apresentando-se as razões porque nenhuma outra (pena de substituição em sentido próprio) garantiria as finalidades da punição, designadamente a agora pretendida prestação de trabalho comunitário.
A decisão sobre a pena assenta num juízo de prognose, configura “necessariamente uma estrutura probabilística” e não pode “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27). Os juízos de prognose não resultam de uma mera “intuição” assente na “experiência da profissão”. Antes pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca das pessoas e dos factos em causa”, o que implica um “alargamento da base da decisão” de modo a incluir os factos relativos à pessoa do condenado e aos seus antecedentes criminais (assim, Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).
Daí ser injusta também a observação de que o tribunal teria sopesado desproporcionadamente (ou apenas) os antecedentes criminais do recorrente.
Na sentença procedeu-se a uma avaliação correcta da pessoa e dos factos, concretizando-se a pena à luz dos factos devidamente seleccionados, que incluíram os factos relativos à culpabilidade e à pessoa do arguido, avaliados sempre à luz do quadro legal e constitucional aplicável.
Em suma, seleccionando adequadamente os elementos factuais elegíveis, identificando as normas aplicáveis, cumprindo os passos que devem ser percorridos no iter aplicativo, a sentença demonstra que o julgador procedeu à ponderação dos critérios legalmente atendíveis e justificou, de facto e de direito, a escolha da pena, a sua medida e, depois, a sua efectividade.
Por último, ponderou, e justificadamente afastou, as penas de substituição em sentido próprio, optando a final pela prisão por dias livres.
Assim sendo, e tendo o juiz de julgamento, na interacção com o arguido, chegado às conclusões a que chegou em sede de pena (conclusões juridicamente sustentadas na Constituição e na lei) não se vê razão que possa conduzir agora à alteração da sentença.
As condenações anteriores por crime idêntico, especificamente as penas anteriormente experimentadas, de multa, de prestação de trabalho comunitário e de prisão suspensa são reveladoras de que estas penas muito dificilmente garantiriam, no caso, as finalidades da punição. Apesar das condenações anteriores, o arguido mantém o comportamento delituoso, persistindo na condução sob o efeito do álcool, sendo a concreta taxa de alcoolemia elevadíssima.
E na determinação da pena haveria que ponderar todos os índices do art. 71º do CP, o que foi feito, e inclui a avaliação dos efeitos ou resultados das condenações anteriores no comportamento de condenado não primário.
Revelam-se, pois, infundadas e de nenhum efeito as críticas que o recorrente aponta à sentença, de que se “teve por fundamento na determinação da medida da pena sobretudo os antecedentes criminais do arguido” e que “o regime de cumprimento da pena de prisão imposto, assim como a elevadíssima pena acessória de proibição de conduzir irão condicionar a obtenção de um emprego”. A prisão por dias livres prossegue exactamente um programa de política criminal que pretende reduzir os efeitos negativos da reclusão em casos de pequena criminalidade. E, como se diz na sentença, é uma pena não ainda anteriormente experimentada na pessoa do arguido.
Também a protecção do bem jurídico mostra-se concretamente assegurada com a condenação em pena de prisão efectiva, independentemente do cumprimento desta se processar em dias livres, regime que não fragiliza, no caso, a protecção do bem e a confiança na norma jurídica violada.
A pena proferida mostra-se, por tudo, ajustada às exigências de prevenção geral e especial concretamente diagnosticadas, e contém-se no limite da culpa do arguido.
O mesmo se diga quanto à determinação da pena acessória, fixada em um ano de proibição.
A proibição de conduzir é uma verdadeira pena (acessória) e não apenas um efeito de uma pena. Pressupõe a condenação do agente em pena principal e não lhe pode ainda faltar “o sentido, a justificação, as finalidades e os limites próprios das penas” (Figueiredo Dias, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 93).
Ao pressuposto formal de condenação em pena principal há que aditar um pressuposto substancial de “um particular sentido de ilícito que justifique materialmente a sua aplicação” (Faria Costa, Penas Acessórias: cúmulo jurídico ou cúmulo material, RLJ, ano 136º, Jul-Ag 2007, p.323).
Na lição de Jescheck (Tratado de Derecho Penal, Parte General, 2002, p. 842), a proibição de conduzir consiste “em estar vedado ao condenado a condução de veículos no tráfico viário por um período de tempo. Por meio desta sanção, o condutor do veículo (…) recebe uma `sanção exemplar´ pela sua conduta; antes de tudo, esta pena deve desempenhar um efeito preventivo-especial para que no futuro o autor observe as normas do tráfico viário. (…) esta sanção tem como consequência que o condenado não possa tomar parte como condutor no tráfico rodoviário. (…) O seu objectivo é exercer uma influência pedagógica sobre quem é condutor capacitado para tomar parte na circulação viária, por meio da suspensão da permissão de conduzir durante um período de tempo”
Voltando a Figueiredo Dias, “à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa. (…) Deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano” (Direito Penal Português II, As consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 165).
Ainda na síntese de Maria João Antunes, “estão aqui em causa verdadeiras penas: ligam-se necessariamente à culpa do agente; justificam-se de um ponto preventivo; e são determinadas concretamente em função dos critérios gerais de determinação da medida da pena previstos no art. 71º do CP, a partir de uma moldura que estabelece um mínimo e um máximo de duração”
O do art. 69º, nº1 do CP preceitua que “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido por crime previsto nos arts 291º e 292º (al.a)”. Ao ter fixado a pena acessória concreta em um ano de proibição, o tribunal graduou-a abaixo do ponto médio, o que não revela violação de norma ou princípio que releve na determinação do quantum da pena acessória. Pelo contrário, atendendo ao concreto grau de alcoolemia, impressivamente afastado do patamar mínimo punitivo (de criminalidade), graduar a pena acessória abaixo dos doze meses não garantiria o exercício dessa “influência pedagógica sobre quem é condutor capacitado para tomar parte na circulação viária”.
É certo que se aceita que a pena acessória possa prejudicar um futuro exercício de actividade profissional do arguido. Mas, conforme tem sido jurisprudência do tribunal constitucional, “o direito ao trabalho (…) não é um direito que, à partida, se possa configurar como não podendo sofrer, pontualmente, determinadas limitações no seu âmbito, quando for restringido ou sacrificado por mor de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (…) uma tal justificação resulta das circunstâncias de a sanção de inibição temporária da faculdade de conduzir se apresentar como um meio de salvaguarda de outros interesses constitucionalmente protegidos (…) não estando o recorrente perante qualquer perda do direito de conduzir, mas apenas perante uma limitação do exercício da condução, não poderá considerar-se que a liberdade de exercer labor esteja totalmente postergada. O núcleo desse direito, está, pois, plenamente assegurado” (Ac TC nº 440/2002).
Em conclusão, as razões invocadas em recurso não abalam a consistência do decidido.

4. Face ao exposto, acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença.
Custas pelo recorrente que se fixam em 4UC (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/5 e Tab. III RCP).
Évora, 30.06.2015
(Ana Maria Barata de Brito)
(Maria Leonor Vasconcelos Esteves)