Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
4012/18.0T8STB.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROCEDIMENTO CAUTELAR
ANTECIPAÇÃO DO JUÍZO SOBRE A CAUSA PRINCIPAL
CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/25/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho, valendo a antecipação do juízo da causa prevista no artigo 21.º, n.º 7, daquele diploma legal como decisão definitiva no que respeita à restituição do bem locado, o requerente da providência cautelar não tem o ónus de intentar a ação principal.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 4012/18.0T8STB.E1
(1.ª Secção)
Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), requeridos no processo cautelar que lhes foi movido pelo Banco (…), SA interpuseram recurso do despacho proferido pelo Juízo Local Cível de Setúbal, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual indeferiu o requerimento apresentado pelos primeiros no sentido de decretar a caducidade da providência cautelar que consistiu na entrega judicial ao Banco do imóvel locado aos requeridos/apelantes.

O teor do despacho recorrido é o seguinte:
«Vieram os requeridos pedir que seja decretada a caducidade da providência cautelar, alegando que o requerente dispunha de um prazo de 30 dias para intentar a ação principal, sendo que não a intentou nem foi deferida a inversão do contencioso, nos termos dos artigos 369º e 373º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Porém, adianta-se desde já que não assiste razão aos requeridos.
Com efeito, por decisão de 29-04-2019, foi antecipado o juízo final da causa. Escreveu-se em tal decisão que “conforme bem se elucida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.06.2009 (com texto integral acessível in www.dgsi.pt, Processo n.º 51/09.0TBALB-A.C1, relatado pelo Exm.º Desembargador Freitas Neto), na redação dada pelo DL 30/2008 de 25/02 ao nº 7 do art.º 21 do DL 149/95, com a decisão da providência cautelar de entrega do bem locado fica definitivamente resolvida a questão da restituição do bem com base na resolução, dispensando-se o locador de propor a ação principal destinada à declaração do direito de entrega do bem locado, meramente acautelado.
Verdadeiramente aquele procedimento deixou de ter a natureza de uma providência cautelar. Passou a constituir um procedimento abreviado ou simplificado de condenação definitiva do locatário a entregar a coisa locada ao respetivo locador”.
Assim, e concordando com a jurisprudência a que se aludiu, não tinha o requerente qualquer ónus de intentar a ação principal, uma vez que no presente caso estamos no âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.º 149/95, valendo a antecipação do juízo da causa como decisão definitiva no que tange à questão da restituição do bem locado.
Nestes termos, indefere-se a pretensão dos requeridos.»

Na ação, o requerente Banco (…), SA pediu ao tribunal que decretasse a entrega imediata do prédio urbano sito em (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o art. (…) da freguesia do Pinhal Novo.
Para fundamentar tal pedido o requerente alegou que celebrou com os requeridos, em 4 de julho de 2014, um contrato de locação financeira imobiliária que teve por objeto o imóvel acima descrito o qual foi entregue aos segundos mediante a obrigação de pagamento de 300 mensais durante 25 anos. Mais alegou o requerente que os requeridos não pagaram as rendas n.ºs 42 a 46 e que por carta registada com aviso de receção interpelou os requeridos, em 09.03.2018, para procederem ao pagamento das rendas em atraso e respetivos juros, o que aqueles não fizeram, motivando a requerente a declarar vencido o montante de € 21.878,34 e a resolver o contrato, o que fez mediante carta registada com aviso de receção datada de 11.04.2018.
Os requeridos foram citados e deduziram oposição, a qual foi desentranhada dos autos por decisão do tribunal a quo transitada em julgado.
Após, o tribunal a quo proferiu despacho no qual julgou verificados os requisitos da providência cautelar previstos no art. 21.º do D/L n.º 149/95, de 24.06 e, consequentemente, decretou a imediata entrega do prédio acima descrito e autorizou o requerente Banco a dispor do referido imóvel, ordenando, ainda, a notificação das partes para os fins previstos no n.º 7 do artigo 21.º do diploma legal supra mencionado.
Os requeridos foram notificados pessoalmente do despacho acima referido mediante cartas enviadas em 25.02.2019 e por despacho proferido em 07.03.2019 foi ordenada também a notificação dos defensores oficiosos dos requeridos a qual foi efetuada, via citius, em 08.03.2018.
À referida notificação, apenas o requerente Banco respondeu dizendo «nada ter a acrescentar em relação à ação principal, já que foram trazidos ao procedimento cautelar todos os elementos necessários à resolução definitiva do caso».
Mediante decisão proferida em 29.04.2019, o tribunal a quo antecipou o juízo sobre a causa principal, julgando a ação procedente, por provada, e, consequentemente, manteve a decisão que ordenou a entrega ao requerente do prédio urbano composto por r/c e logradouro, sito em (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…).
A entrega do imóvel foi concretizada em 18.09.2019.
Os requeridos apresentaram requerimento pedindo ao tribunal que decretasse a caducidade da providência cautelar e a extinção do procedimento, sobre o qual foi proferido o despacho objeto do presente recurso.

I.2.
Os recorrentes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A) O n.º 7 do art. 21.º do DL 149/95, de 24/05 impõe que as partes sejam ouvidas e que todos os elementos tenham sido levados ao procedimento cautelar para que se dispense a ação principal,
B) ora nem todos os elementos foram levados ao processo como demonstraram os recorrentes juntando aos autos comprovativos de pagamentos que haviam efetuado contrariamente ao que afirmava a requerente,
C) nem foram ouvidos por não terem na altura mandatário pelo que manda a mais elementar justiça que a questão não fosse encerrada definitivamente, ou seja, que não fosse dispensada a causa principal.
D) Invocada esta falta pelos recorrentes, deveria ter sido deferida a caducidade do procedimento cautelar decretado.
Normas jurídicas violadas:
Não foram corretamente aplicadas as disposições dos artigos:
- n.º 7 do art. 21.º do DL 149/95, de 24/05, na medida em que o tribunal recorrido apenas poderia decidir definitivamente da questão de fundo caso ambas as partes fossem ouvidas, o que não aconteceu.»

I.3.
O recorrido apresentou resposta às alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I – A possibilidade de tribunal proferir decisão definitiva sobre a existência do direito acautelado com a providência cautelar encontra-se prevista no art. 21º/7 do DL n.º 149/95, de 24 de Junho alterado pelo DL n.º 30/2008, de 25/02.
II – Para que possa o tribunal proferir esta decisão, a mesma norma dispõe que sejam ouvidas as partes, e que se encontrem juntos aos autos todos os elementos necessários à tomada de decisão final.
III – No caso em apreço, a Requerente alegou e provou todos os elementos necessários para que fosse decretada a providência, e antecipado o juízo final.
IV – Bem como foram notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem.
V – Apesar de notificados os Requeridos, ora Recorrentes, em 08/03/2019, os mesmos não se pronunciaram trazendo qualquer elemento novo ao processo que impedisse a decisão final.
VI – Assim sendo, o Tribunal antecipou o juízo da causa por sentença proferida em 30/04/2019.
VII - Proferida a sentença, com respeito pelo disposto no art. 21º/7 do DL n.º 149/95, de 24 de Junho alterado pelo DL n.º 30/2008, de 25/02, não tinha a Requerente qualquer ónus de intentar ação principal, motivo pelo qual a providência não caducou.
VIII- Não resulta da douta decisão em apreço qualquer vício ou nulidade, não merecendo a mesma qualquer reparo, pelo que, a mesma deve ser mantida na íntegra quer quanto ao seu sentido, quer quanto ao seu fundamento.»


I.4.
O recurso interposto foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
A única questão que importa decidir é a de saber se deveria ter sido declarada a caducidade da providência cautelar decretada e julgado extinto o procedimento cautelar.

II.3.
FACTOS PROVADOS
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os factos relatados supra em I.1.
Resulta ainda dos autos que:
1 - Os requeridos foram notificados da decisão proferida em 29.04.2019 que manteve a decisão de entrega ao requerente do prédio urbano sito na (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial sob o art. (…) na pessoa dos seus defensores oficiosos, via citius, em 30.04.2019.
2 - Os requeridos/apelantes apresentaram, em 10 de setembro de 2019, um requerimento solicitando o adiamento da entrega do imóvel que se encontrava agendada para o dia 18 de setembro, sem que tivessem arguido qualquer nulidade processual.

II.3.
Apreciação do objeto do recurso
O despacho objeto do presente recurso é aquele que indeferiu o requerimento em que os ora apelantes solicitavam ao tribunal a quo que decretasse a caducidade da providência cautelar e declarasse a extinção do procedimento cautelar[1].
O tribunal a quo entendeu que no presente caso estamos no âmbito de aplicação do D/L n.º 149/95, de 24.06 pelo que, valendo a antecipação do juízo da causa como decisão definitiva no que respeita à restituição do bem locado, o requerente da providência cautelar não tinha o ónus de intentar a ação principal.
E tem razão, senão vejamos.
O presente procedimento cautelar foi instaurado ao abrigo do art. 21.º, n.º 7, do D/L n.º 149/95, de 24.06, na redação que lhe foi dada pelo D/L n.º 30/2008, de 25.02. Diploma que regula o regime jurídico do contrato de locação financeira.
No art. 21.º do D/L n.º 149/95 está prevista a providência de entrega judicial em situação de incumprimento, por banda do locatário, de obrigações para ele emergentes do contrato de locação financeira, dispondo o seu n.º 1 que «Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento do registo da locação financeira, a efetuar por via eletrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente».
Com a nova redação conferida ao n.º 7 do artigo 21º pelo referido D/L n.º 30/2008, passou a ser possível a antecipação de um juízo definitivo em sede daquele procedimento cautelar, evitando-se, desta forma, a instauração da ação declarativa principal. Com efeito, aquele normativo legal passou a dispor que «decretada a providência cautelar, o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal, exceto quando não tenham sido trazidos ao procedimento, nos termos do n.º 2, os elementos necessários à resolução do caso». Como se assinala no preâmbulo do D/L n.º 30/2008, «permite-se ao juiz decidir a causa principal após decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma ação declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providência cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, alterado pelos Decretos-Lei n.ºs 265/97, de 2 de Outubro e 285/2001, de 3 de Novembro. Evita-se assim a existência de duas ações judiciais – uma providência cautelar e uma ação principal – que, materialmente, têm o mesmo objeto: a entrega do bem locado.»
Destarte, só faz sentido chamar à colação a caducidade prevista no artigo 389.º, n.º 1, alínea a), do CPC[2] quando o tribunal não haja proferido decisão a antecipar a resolução definitiva do processo ao abrigo do artigo 21.º, n.º 7, do D/L n.º 149/95, de 24.06 (designadamente, por ter considerado que dos autos não constavam os elementos necessários à resolução definitiva do caso).
No caso em análise, o tribunal a quo proferiu decisão em 29.04.2019 na qual antecipou o juízo final da causa (cfr. supra I.1) e que transitou em julgado (artigo 619.º, n.º 1, do CPC).
Se bem entendemos as conclusões de recurso e respetiva motivação, os apelantes defendem que a providência cautelar decretada nos autos deverá ser declarada caducada porque eles (requeridos e ora apelantes) não foram ouvidos previamente à decisão do tribunal a quo que, antecipando o juízo sobre a ação principal, manteve a decisão que ordenou a entrega ao requerente/apelado do prédio melhor identificado nos autos.
Todavia, os requeridos foram notificados para se pronunciarem sobre a possibilidade de antecipação do juízo sobre a ação principal, como resulta do exposto supra em I.1.. Circunstância que por si só implica a improcedência da pretensão dos recorrentes.
Ademais, uma eventual nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório (artigo 3.º, n.º 3, do CPC e artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, do CPC) estaria sanada pois os ora recorrentes, após terem sido notificados da decisão que antecipou o juízo sobre a ação principal, intervieram nos autos sem que concomitantemente tivessem invocado a irregularidade processual (falta de notificação) que agora vieram arguir em sede de recurso (cfr. artigo 199.º, n.º 1, do CPC) (cfr. supra II.3).
Por todo o exposto, não merece censura a decisão do tribunal a quo que indeferiu o requerimento para decretar a caducidade da providência cautelar decretada e para julgar extinto o procedimento cautelar que, assim sendo, se manterá.

Sumário:
(…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Sem custas de parte porquanto os recorrentes beneficiam de apoio judiciário.
As custas de parte na presente instância recursiva são da responsabilidade dos recorrentes, sem prejuízo do disposto no art. 26.º, n.º 6, do RCJ se beneficiarem de apoio na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Notifique.
Évora, 25 de junho de 2020
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato


__________________________________________________
[1] E não aquele em que o tribunal de primeira instância antecipou o juízo sobre a causa principal e, julgando verificados os requisitos previstos no art. 21.º do D/L n.º 149/95, de 24.06, manteve a decisão em que ordenou a entrega ao requerente/apelado do prédio urbano sito na (…), freguesia do Pinhal Novo, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…), sendo que esta última decisão transitou em julgado.
[2] Estatui este normativo legal que: «Sem prejuízo do disposto no artigo 369.º, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro do prazo de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado».