Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
716/20.5T9ABT.E1
Relator: ARTUR VARGUES
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO
ELEMENTOS TÍPICOS
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Compulsados os factos que provados se encontram, resulta que o recorrente violou grosseiramente normas da circulação rodoviária, como sejam a obediência ao sinal regulamentar de paragem das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes (in casu, os militares da Guarda), desde que devidamente identificados como tal (estavam esses militares uniformizados e faziam-se transportar em veículo automóvel ostentando os sinais distintivos de uma viatura da Guarda Nacional Republicana) e a circulação pela via mais à direita.
E, indubitavelmente que o arguido, ao imprimir velocidade acrescida ao veículo que tripulava e embater deliberadamente na parte lateral traseira e na porta do lado direito da viatura da GNR, com tal energia que conseguiu afastar esta e seguir o seu percurso, criou uma situação de perigo real e efetivo, de acordo com as regras da experiência comum, de lesão da integridade física e mesmo da vida dos militares que nas imediações daquela se encontravam.

Estão, pois, preenchidos os elementos objetivos do crime.

E, mais comprovado se mostra que, ao tripular o veículo como o fez, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, ciente que, ao assim atuar, gerava a possibilidade séria de colocar em perigo a integridade física e a vida dos militares, como efetivamente aconteceu e conformando-se com esta situação.

Preenchidos estão, assim, também, os elementos subjetivos do crime.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO

1. Nos presentes autos com o NUIPC 716/20.5T9ABT, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo Central Criminal de …- Juiz…, em Processo Comum, com intervenção do Tribunal Colectivo, foi o arguido AA condenado, por acórdão de 26/11/2022, pela prática, em autoria material e como reincidente, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291º, nº 1, alínea b), 69º, nº 1, alínea a), 14º, 26º, 30º, nº 1, 75º, nº 1 e 76º, nº 1, do Código Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão.

2. O arguido não se conformou com a decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

1. O objecto do presente recurso reconduz-se ao crime de condução perigosa pelo qual o recorrente veio condenado;

2. Desde logo, o recorrente entende que a decisão prolatada enferma do vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410.º, 2 b) do CPP;

3. Tal contradição verifica-se relativamente à facticidade provada constante dos pontos 17 e 21, os factos não provados e a fundamentação da decisão;

4. Ora, por um lado, dá-se como assente que o militar BB saiu do veículo e saltou da estrada para a valeta, não tendo sido colhido pelo veículo do arguido,

5. E que o arguido colocou em perigo a vida e a integridade física dos militares da GNR com quem se cruzou;

6. Por outro, refere-se que “se o arguido visou a lateral do veículo que se encontra posicionada essencialmente no meio da faixa de rodagem, dificilmente poderia embater no militar da GNR posicionado na berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha” (isto, relativamente o militar BB),

7. Tendo, ainda, sido dado como não provado que o militar CC teve que se afastar do veículo de forma a assegurar que o arguido não o atingia;

8. Ora, se não se provou que CC teve que se afastar para não ser atingido,

9. E que o arguido dificilmente poderia ter atingido BB, uma vez que dirige o seu veículo para o lado oposto àquele em que o referido militar se encontrava, não vislumbramos como se pode concluir que as suas vidas e integridade física foram colocadas em perigo;

10.Vingando o entendimento do recorrente, a decisão recorrida deverá ser expurgada da assinalada contradição,

11.Não se podendo dar como provado que foi criado perigo para a vida destes militares, pois quanto aos demais, nada mais neste particular se provou;

12.Mesmo o perigo criado para bens alheios de valor elevado – o que se admite em abstracto, pois os danos nos veículos da GNR resultaram provados – também não deverá proceder, pois não se fez qualquer prova sobre o valor das viaturas;

13.Neste sentido, e na sequência do assinalado vício, entende o recorrente que não poderá considerar-se que estão preenchidos os elementos objectivos do crime de condução perigosa,

14.O que implicará a sua absolvição do referido crime.

15.Subsidiariamente, e na improcedência da primeira parte do recurso, caberá reponderar o quantum da pena concreta aplicada, e se se justifica o seu cumprimento efectivo;

16.O crime de condução perigosa, p. e p. pelo artigo 291.º do C. Penal, no caso do arguido, condenado como reincidente, é punido com uma pena de prisão de 40 dias a 3 anos;

17.O facto do arguido ter sido tomado pelo temor de ir preso e de ter sido emboscado pela GNR, de ter reconhecido os factos, com excepção de ter querido visar o corpo dos militares, de nunca ter sido condenado por crime idêntico, de não terem sobrevindo quaisquer danos pessoais e ter o arguido, voluntariamente, procedido à reparação integral dos danos patrimoniais, entende-se que se justifica uma redução da pena de 2 anos e 2 meses para 1 (um) ano de prisão;

18.O percurso muito positivo que o recorrente tem feito em meio prisional, plasmado no seu relatório social, aliado à sua postura em julgamento, em que reconheceu os factos praticados, justificam a suspensão da execução da pena, sujeita a regime de prova que consolide o percurso feito até à presente data;

Nestes termos, deverá, em face dos humildes argumentos invocados, ser revogada a decisão revidenda, e substituída por outra em conformidade com as Motivações que seguiram.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

4. A Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo apresentou resposta à motivação de recurso, pugnando pelo seu não provimento.

5. Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

6. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta

7. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Edições Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/99, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes:

Verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPP.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente.

Dosimetria da pena aplicada.

Verificação dos pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena.

2. A Decisão Recorrida

O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

1) À data dos factos infra reproduzidos, sob AA impendia mandado de condução a estabelecimento prisional para cumprimento da pena de cinco anos de prisão em que fora condenado nos autos com o n.º 275/15.0… do Juiz … do Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … e que transitara em julgado a 28 de Janeiro de 2019, o que era do conhecimento do mesmo.

2) No dia 8 de Abril de 2019, pelas 14h00, a Guarda Nacional Republicana de … teve conhecimento que o arguido AA se encontrava na localidade de …, em …, e, consequentemente, várias patrulhas ali se dirigiram com o propósito de dar cumprimento ao aludido mandado.

3) Assim, naquele referido dia, após as 14h00, AA, que conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, da marca …, modelo …, com a matrícula …, propriedade de DD, que o acompanhava no lado do passageiro, saiu de uma residência próxima à …, em …, em direcção à localidade de …, também em ….

4) A patrulha constituída por EE e FF, que seguia no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, devidamente caracterizado como propriedade da Guarda Nacional Republicana, com matrícula …, cruzou-se com o veículo conduzido por AA na Rotunda …, na N…, sendo que este seguia no sentido … – ….

5) AA, vendo a referida patrulha, saiu na rotunda, pela primeira saída à direita do seu sentido de trânsito, em direcção à localidade de …, a velocidade não concretamente apurada.

6) A referida patrulha seguiu no seu encalço, contudo, perderam o veículo conduzido pelo arguido de vista e inverteram a marcha, fazendo o mesmo percurso, quando junto à Rua …, em …, …, viram DD, apeada, procurando ver se algum carro se avizinhava,

7) Vendo a patrulha da Guarda Nacional Republicana, DD, recuou para um pequeno espaço, escondido da via, onde se encontrava o veículo conduzido por AA e alertou-o que a mencionada patrulha se avizinhava.

8) A referida patrulha da Guarda Nacional Republicana de imediato se abeirou do local, e vendo que DD já estava no interior do veículo e que AA procurava inverter a marcha, posicionaram o veículo, frente a frente com o carro conduzido pelo mesmo, de forma a evitar que este pudesse executar a manobra ou abandonar o local.

9) AA, imprimindo velocidade ao seu veículo, encostou a frente do mesmo contra a frente do veículo da Guarda Nacional Republicana, acelerou a fundo, e, assim, conseguiu empurrar o veículo da patrulha de forma a afastá-lo ligeiramente da via e lograr passar entre a estrada de asfalto e valeta em terra.

10) AA abandonou o local, a velocidade não concretamente apurada, no sentido de ….

11)Por força da conduta de AA, o Estado Português, que adjudicou o uso daquele referido veículo à Guarda Nacional Republicana, sofreu prejuízo de pelo menos igual a €79,95 (setenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos).

12) Entretanto e poucos minutos mais tarde, na estrada que liga a localidade de … ao centro de …, seguia a patrulha composta por BB e CC, no veículo automóvel, ligeiro de passageiros, devidamente caracterizado como propriedade da Guarda Nacional Republicana, com a matrícula …,

13)Na mesma estrada e em sentido contrário, seguia AA e DD, a velocidade não concretamente apurada, ocupando a faixa de trânsito à sua esquerda, destinada à marcha em sentido contrário, assim violando a sinalização existente na via.

14)Vendo o veículo conduzido por AA e ciente do que acabara de acontecer com a patrulha composta por EE e FF, CC, que conduzia o referido veículo com a matrícula …, imobilizou-o em posição perpendicular à via e saiu do carro, juntamente com BB enquanto, por gestos, faziam sinal de paragem a AA.

15) AA, vendo a referida patrulha e o sinal de paragem, abrandou ligeiramente e, de seguida e quando se encontrava a cerca de cinquenta metros de distância do veículo da Guarda Nacional Republicana do qual os militares acabavam de sair, acelerou na direcção do referido veículo;

16)Sendo que AA passou pelo local onde se encontrava, segundos antes, BB e embateu na lateral traseira e na porta do lado direito da viatura da Guarda Nacional Republicana, logrando afastar o veículo e seguir o seu percurso,

17) O militar da Guarda Nacional Republicana BB, que saíra do local do passageiro e cria que AA ia parar a marcha, saltou da estrada para a valeta, não tendo sido colhido pelo veículo conduzido pelo mesmo.

18) Por força da conduta de AA, o Estado Português, que adjudicou o uso daquele veículo à Guarda Nacional Republicana, sofreu prejuízo não concretamente apurado mas pelo menos na quantia de pelo menos €79,95 (setenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos).

19) Em local não concretamente apurado mas entre … e …, AA abandonou o referido veículo da marca … com a matrícula … na posse de DD.

20) AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que desrespeitava o sentido de marcha de cada uma das faixas e a sinalização existente, bem como as mais basilares regras de circulação e, ainda assim, não se coibiu de conduzir o aludido veículo nos moldes descritos.

21) AA deliberadamente constitui-se um obstáculo para os utentes da via e, além dos prejuízos patrimoniais causados, colocou em perigo a vida e a integridade física dos mencionados militares da Guarda Nacional Republicana com quem se cruzou e, simultaneamente, fundou perigo para a regular circulação rodoviária.

22) AA agiu, também, de forma livre, deliberada e consciente, em obediência a sucessivos e renovados desígnios, com o propósito concretizado de embater, quebrar e danificar os veículos automóveis que bem sabia pertencerem ao Estado Português e encontrarem-se a uso da Guarda Nacional Republicana, que os havia caracterizado como tal; sendo que, apesar de bem saber que se tratavam de bens destinados ao uso de um organismo público, não se absteve de os estragar, embatendo-lhes com o seu veículo automóvel.

23) AA sabia estava obrigado a imobilizar o seu veículo mediante ordem legítima de uma entidade policial e, ainda assim, determinou-se a embater com o seu carro no veículo da Guarda Nacional Republicana com o intuito de assim lograr fugir e obviar à sua condução a estabelecimento criminal para cumprimento de uma pena de prisão na qual sabia ter sido condenado.

24) AA sabia que as suas condutas eram proibidas e criminalmente punidas.

25) AA agiu, ainda, de forma livre, deliberada e consciente, com o propósito de incumprir com uma ordem de paragem que lhe foi legitimamente dirigida por uma entidade policial e que bem sabia, na qualidade de condutor que seguia na vida pública, tinha de acatar, sabendo, ainda, que ao agir da forma descrita praticava uma contraordenação estradal.

26) Por sentença proferida nos autos com o n.º 275/15.0… do Juiz … do Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de … e transitada em julgado a 28 de Janeiro de 2019, AA foi condenado pela prática 21 de Agosto de 2015 de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário e de um crime de furto qualificado, na pena de cinco anos de prisão.

27)Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 90/98, que correu termos no Tribunal Judicial de …, e transitada em julgado em 19 de Maio de 1999, AA foi condenado pela prática em 21 de Maio de 1998 de um crime de venda de artigos com marca imitada na pena de 70 (setenta) dias de multa à taxa diária de 400$00.

28)Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 185/98, que correu termos no …º Juízo do Tribunal Judicial de …, e transitada em julgado em 11 de Junho de 1999, AA foi condenado pela prática em 25 de Maio de 1999 de um crime de resistência e coacção sobre funcionário na pena de 4 (quatro) meses de prisão, à taxa diária de 300$00.

29)Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 294/05.5…, que correu termos no ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, e transitada em julgado em 17 de Novembro de 2005, AA foi condenado pela prática em 23 de Outubro de 2005 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €2,50.

30)Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 101/06.1…, que correu termos no ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, e transitada em julgado em 17 de Novembro de 2006, AA foi condenado pela prática em 31 de Janeiro de 2006 de um crime de violação de domicílio e de um crime de dano na pena única, em cúmulo jurídico, de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

31)Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 207/08…., que correu termos no ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, e transitada em julgado em 27 de Junho de 2011, AA foi condenado pela prática em 11 de Junho de 2008 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de €2,50.

32)Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 347/13.6…, que correu termos no ….º Juízo do Tribunal Judicial de …, e transitada em julgado em 7 de Junho de 2014, AA foi condenado pela prática em 17 de Outubro de 2013 de um crime de roubo na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; tendo, por despacho proferido em 2 de Abril de 2019, sido revogada a suspensão da execução da pena e determinado o cumprimento da pena de prisão aplicada na decisão condenatória.

33)Por acórdão proferido no âmbito do processo n.º 43/16.2…, que correu termos no Juízo Central Criminal de …, e transitado em julgado em 6 de Maio de 2020, AA foi condenado pela prática em 25 de Maio de 2016 de um crime de furto qualificado na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

34)Por acórdão cumulatório, transitado em julgado em 31 de Maio de 2021, em face do concurso das pelas aplicadas no âmbito dos processos n.º 43/16.2…, que correu termos no Juízo Central Criminal de …, e n.º 275/15.0… do Juiz … do Juízo Local Criminal de …, AA foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

35)O processo de desenvolvimento de AA decorreu junto dos pais e dois irmãos, cuja dinâmica e quotidiano se caracterizaram pelos valores e tradições da cultura da etnia cigana, sendo o relacionamento associado à coesão e à afetividade.

36) Em termos económicos a subsistência da família foi assegurada pelos pais, vendedores ambulantes.

37) AA completou o 3.º ano de escolaridade.

38) Após, começou a trabalhar junto de familiares na venda ambulante; tendo o percurso laboral do mesmo sido caracterizado pelo desempenho desta atividade.

39) Contudo, o rendimento obtido com esta atividade tem sido insuficiente, motivo qual AA tem beneficiado de prestações sociais.

40) AA reporta o início do consumo de haxixe à adolescência junto de pares.

41) Aos 18 anos de idade AA casou segundo os costumes da cultura a que pertence; sendo que deste relacionamento tem quatro filhos.

42) O casal separou-se após 7 (sete) anos de vivência em comum, ficando AA com um dos filhos ao seu cuidado, enquanto os outros ficaram com a mãe.

43)Posteriormente, AA encetou uma nova relação marital da qual nasceram mais quatro filhos.

44) O falecimento da companheira, vítima de acidente, quando os filhos eram pequenos, implicou uma exigência de maior responsabilidade parental para qual não estava preparado.

45) Tal acontecimento potenciou uma fase de instabilidade emocional, sendo que nesta altura passou a consumir heroína e, consequentemente, a manter um quotidiano centrado na satisfação das suas necessidades aditivas.

46) A subsistência da família naquela altura foi assegurada por prestações sociais, designadamente, o rendimento social de inserção, o abono de família e pensão de orfandade, com um rendimento mensal de cerca de €700,00 (setecentos euros).

47) No decurso de 2018 encetou um relacionamento marital com DD, sendo a relação avaliada por ambos como gratificante e indutora de estabilidade emocional no próprio, na medida em que passou a partilhar com aquela a responsabilidade pelo processo educativo dos filhos mais novos.

48) AA encontra-se preso desde 27 de Agosto de 2020; em cumprimento do somatório de uma pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão e de uma pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

49) À data dos factos mencionados nos presentes autos, AA residia com DD e os seus quatros filhos mais novos no r/ch de um prédio de dois pisos, propriedade da Câmara Municipal de …, sendo que a mãe do arguido ocupava 1.º piso da referida habitação, cuja renda mensal é de €30,00 (trinta euros); sendo que, na atualidade, mantém-se o mesmo enquadramento habitacional.

50) O bom relacionamento entre a companheira e a mãe o arguido permite a partilha das despesas relacionadas com a habitação e os consumos domésticos.

51) No domínio laboral, AA não tinha uma ocupação regular, dedicando-se ocasionalmente à venda ambulante de vestuário.

52)Todavia, o rendimento obtido com esta atividade era insuficiente para assegurar a sustentabilidade do agregado, pelo que, beneficiava do Rendimento Social de Inserção no montante de €260,00 (duzentos e sessenta euros).

53) Relativamente à problemática de toxicodependência, AA esteve integrado no programa de substituição de opiáceos, com vigilância do CRI de …, que lhe permitiu alcançar uma fase de abstinência do consumo de estupefacientes.

54) Em meio prisional AA não solicitou qualquer intervenção psicoterapêutica por considerar que a sua problemática de toxicodependência está ultrapassada.

55)Perante as condutas criminais que implicaram as condenações que cumpre, AA apresenta um discurso que tende para a desculpabilização, alegando uma fase desorganização pessoal resultante do falecimento da sua segunda companheira e do facto de manter o consumo de estupefacientes.

56) Quanto a perspetivas futuras, AA tenciona reintegrar o agregado familiar constituído pela companheira e pelos três filhos mais novos: um rapaz com 19 (dezanove) anos e duas raparigas com 16 (dezasseis) e 14 (catorze) anos de idade.

57) Ao nível económico, a família do arguido continua a beneficiar do Rendimento Social de Inserção no montante de €180,00 (cento e oitenta euros), acrescido de €90,00 (noventa euros) correspondente à prestação de abono de família das duas filhas mais novas.

58) Relativamente ao futuro enquadramento laboral, AA tenciona retomar a atividade de vendedor ambulante, prevendo-se a manutenção de um quotidiano semelhante ao que apresentava antes da prisão.

59) AA iniciou o cumprimento da medida privativa de liberdade no Estabelecimento Prisional de …, onde iniciou a frequência do EFB.1 para ficar habilitado com o 4.º ano de escolaridade.

60) AA encontra-se afeto ao Estabelecimento Prisional de … desde 3 de Março de 2021, onde iniciou a frequência de um curso de dupla certificação na área da Serralharia para ficar habilitado ao 6.º ano de escolaridade, mantendo registo de assiduidade e empenho.

61) A par da preocupação para estar integrado em atividades de valorização pessoal, AA também tem procurado manter um comportamento ajustado ao quadro normativo a que está sujeito.

62) AA verbaliza intenção de manter um percurso prisional construtivo de modo a que possa beneficiar de licenças de saída jurisdicionais logo que reúna os pressupostos para a concessão das mesmas.

Quanto aos factos não provados, considerou como tal (transcrição):

I) No circunstancialismo supra descrito, AA, vendo a referida patrulha e o sinal de paragem, abrandou ligeiramente e, de seguida, quando se encontrava a cerca de cinquenta metros de distância do veículo, acelerou na direcção dos militares da Guarda Nacional Republicana que se encontravam no exterior.

II) O militar CC teve de se afastar do veículo de forma a assegurar que AA não o atingia.

III) AA seguia a velocidade concretamente determinada e agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que seguia em excesso de velocidade, considerando as limitações para a marcha em localidades e as concretas características da via.

IV) AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que ao direccionar o seu veículo automóvel na direcção do militar da Guarda Nacional Republicana BB, que se encontrava a escassos metros de distância e apeado, a uma velocidade tal que logrou estragar o veículo da Guarda Nacional Republicana e até fazê-lo mover apesar de se encontrar imobilizado e travado, iria tirar-lhe a vida por força do impacto, sendo que apenas não logrou tal desiderato por razões inteiramente alheias à sua vontade, nomeadamente a rápida reacção de BB.

V) AA sabia que BB era militar da Guarda Nacional Republicana, que estava obrigado a imobilizar o seu veículo mediante ordem legítima de uma entidade policial e, ainda assim, determinou-se a tirar-lhe a vida, embatendo-lhe com o seu carro com o intuito de assim lograr fugir e obviar à sua condução a estabelecimento criminal para cumprimento de uma pena de prisão na qual sabia ter sido condenado.

VI) AA agiu de forma fria, alheando-se do valor da vida alheia e do respeito devido às entidades policiais que cumprem uma função essencial à vivência em sociedade, agindo de forma egoísta e com o único propósito de manter a sua liberdade, ainda que para tal tivesse de tirar a vida a alguém.

Fundamentou a formação da sua convicção nos seguintes termos (transcrição):

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente as declarações do arguido, os depoimentos das testemunhas e a prova documental e pericial produzidas e examinadas em audiência.

O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

A factualidade dada como provada em 1) a 19) alicerçou-se, desde logo, na concatenação das declarações do arguido com o depoimento das testemunhas EE, FF, BB e CC, militares da Guarda Nacional Republicana que presenciaram os factos e depuseram de forma espontânea, objectiva, circunstanciada e absolutamente convincente.

Na verdade, estes militares da Guarda Nacional Republicana confirmaram com segurança e sinceridade toda a dinâmica dos acontecimentos ilícitos, a forma como foi exercida a condução, o número aproximado de pessoas presente no local, as características da via, o comportamento do arguido e a circunstância em que os veículos automóveis conduzidos pela autoridade policial foram atingidos.

Por sua vez, a testemunha GG, militar da Guarda Nacional Republicana que participou na perseguição encetada ao arguido, não presenciou directamente o contexto dos mencionados embates, mas atestou inequivocamente que verificou pessoalmente a violação grosseira das normas estradais.

Neste circunspecto, o Tribunal ateve-se ainda ao teor do auto de notícia de fls. 6 e ss, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foram, por qualquer modo, postas em causa e que atestam o circunstancialismo espácio-temporal em que ocorreram os factos, bem como o teor da participação de acidente de viação e do aditamento e relatório fotográfico constantes de fls. 28 e ss e 46 ss, que consagram especificadamente as características da via, a identificação dos veículos envolvidos, os vestígios detectados no local e as característica da condução exercida pelo arguido.

Cumprem ainda salientar fotografias de fls. 8 e ss (que reproduzem os danos verificados nos veículos envolvidos na colisão); a informação da Conservatória do Registo Automóvel sobre o veículo com a matrícula … de fls. 16; a informação da consulta de seguradora de fls. 17 e ss; a informação da inspecção periódica, fls. 19; o resultado da pesquisa por carta de condução do IMT de fls. 20; o auto de apreensão dos objetos dos crimes, fls. 23 e ss; o auto de contraordenação de fls. 38 e ss; e o orçamento da reparação de fls. 243 - elementos de prova absolutamente idóneos, que atestam com pormenor, rigor e precisão todas a dinâmica dos acontecimentos ilícitos, sobretudo a condução exercida pelo arguido.

Por fim, ponderaram-se os relatórios de exame periciais de fls. 117 e ss, 135 e ss e 211 e ss, que confirmam inequivocamente a intervenção do veículo conduzido pelo arguido no momento da prática dos factos.

Do cotejo da prova produzida em audiência, concatenado com as declarações, nesta parte confessórias, do arguido, resulta manifesta a dinâmica dos factos descrita pelas testemunhas presenciais, que se mostra absolutamente verosímil, considerando a prova produzida em julgamento e considerada nos termos supra elencados.

Com efeito, apesar de ter invocado de forma absolutamente contraditória, inconsistente e inverosímil que, naquela ocasião, encetou a fuga porque julgou ter visto os militares da Guarda Nacional Republicana a empunhar uma arma – o que os mesmos refutaram de forma unânime, objectiva, segura e absolutamente categórica e verosímil -, o arguido acabou por reconhecer a forma grosseira e ilícita como exerceu a condução, excepto o invocado excesso de velocidade.

Assim, ponderada toda a prova produzida e supra sumariada, o Tribunal formulou uma convicção segura e fundada quanto à concreta intervenção do arguido AA nos factos atinentes ao crime de condução perigosa, que por tal razão fizemos reverter para os factos que resultaram como provados.

Os factos subjectivos provados em 20) a 25), porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade.

A factualidade provada em 35) a 60), respeitante às condições sócio- económicas e familiares do arguido e à personalidade revelada pelo mesmo, alicerçou-se na análise do relatório social com a ref.ª …, elemento documental que se nos afigura ser manifestamente idóneo e cujo teor não foi igualmente posto em causa por qualquer outro elemento probatório.

Os antecedentes criminais do arguido, factualidade provada em 26) a 25), avultam do teor do Certificado de Registo Criminal do mesmo junto sob a ref.ª ….

A demais factualidade dada como não provada avulta da ausência de prova concludente sobre a mesma. Na verdade, o arguido negou peremptoriamente qualquer intenção de matar os militares da Guarda Nacional Republicana. Pelo contrário, AA explicou que dirigiu o seu veículo ao espaço disponível entre o militar BB, que se encontrava posicionado na berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, e o veículo da autoridade policial.

Mais reforçou que evitou ao máximo atingir o militar, pelo que não logrou evitar o embate no veículo – o que realmente resulta da prova documental carreada para os autos e, sobretudo, da participação de acidente de viacção e da fotografia reproduzida a fls. 11 e ss, que evidencia que a porta lateral daquele veículo foi efectivamente embatida.

Ora, se o arguido visou a lateral do veículo que se encontra posicionada essencialmente no meio da faixa de rodagem, dificilmente poderia embater no militar da Guarda Nacional Republicana posicionado na berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha.

Ademais, esta versão não é posta em causa de forma decisiva pelo depoimento da testemunha BB uma vez que este afirmou que saltou para a berma e logrou evitar o embate com o seu corpo, mas reconheceu não poder asseverar a direcção efectiva do veículo uma vez que tudo se passou muito rápido e que estava em cuidados pela sua segurança. Portanto, não logrou garantir que o veículo vinha efectivamente na sua direcção.

Por sua vez, as testemunhas EE, FF e CC, militares da Guarda Nacional Republicana, revelaram desconhecer esta factualidade; porquanto, os primeiros nem sequer se encontravam no local e o último estava posicionado atrás do veículo da Guarda Nacional Republicana na berma do lado direito, atento o sentido de marcha do arguido, mais preocupado com a sua própria protecção do que em ver ao pormenor qual a direcção do veículo no momento do embate.

Acresce que, a participação de acidente de viação e do aditamento e relatório fotográfico constantes de fls. 28 e ss e 46 ss, revelam claramente que o veículo da Guarda Nacional Republicana estava atravessado na estrada, sensivelmente na diagonal, de molde a ocupar a hemi-faixa em que seguia o veículo conduzido pelo arguido, situada no lado direito em face do seu sentido de marca, e deixando livre somente parte da outra hemi-faixa. Tal como demonstram que o veículo do arguido começou por embater numa zona do veículo da Guarda Nacional Republicana que estaria sensivelmente a meio da faixa de rodagem e, portanto, longe do local onde o próprio militar BB afirmou que se encontrava, ou seja, da berma do lado esquerdo, na pespectiva do arguido.

Concomitantemente, todos os militares da Guarda Nacional Republicana inquiridos referiram desconhecer, em concreto, a velocidade a que seguia o arguido nas diversas ocasiões; sendo que AA negou peremptoriamente qualquer excesso de velocidade.

Neste contexto, importa reter que o princípio do in dubio pro reo é uma emanação do princípio da presunção de inocência, surgindo como resposta ao problema da incerteza em processo penal, e impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de violação do dito princípio.

Temos assim que, uma vez feita a análise crítica da prova produzida sobre o facto em discussão, não se deve dar como provada, de acordo com as regras da lógica, a intenção de matar e o excesso de velocidade uma vez que, não havendo prova concludente nesse sentido, não se pode inferir essa factualidade meramente da ostensiva e comprovadamente grosseira violação das regras estradais pelo arguido.

No fundo, logrou-se apurar com toda a segurança a existência de um circunstancialismo muito suspeito e indiciador da prática dos factos ilícitos em apreço, mas não demonstrar com a segurança exigida para uma condenação em processo penal, designadamente, a efectiva participação do arguido na prática dos factos ilícitos típicos do crime de homicídio doloso, na forma tentada e o exercício da condução em excesso de velocidade.

Nesta conformidade, tendo em atenção, como se disse, o princípio do in dúbio pro reo, o Tribunal não pode deixar de dar como não provada a factualidade vertida em I) a VI).

Apreciemos.

Verificação do vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPP

Conforme estabelecido no artigo 428º, nº 1, do CPP, os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, de onde resulta que, em regra e quanto a estes Tribunais, a lei não restringe os respectivos poderes de cognição.

A matéria de facto pode ser sindicada por duas vias: no âmbito dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do CPP, no que se denomina de “revista alargada”, cuja indagação tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento – neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 05/06/2008, Proc. nº 06P3649 e Ac. do STJ de 14/05/2009, Proc. nº 1182/06.3PAALM.S1, disponíveis em www.dgsi.pt. - ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se reporta o artigo 412º, nºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma legal.

Sustenta o recorrente que a decisão recorrida enferma do vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), do CPP, encontrando-o no que considera ser a incompatibilidade entre a factualidade dada como provada vertida nos pontos 17 e 21, os factos não provados e a fundamentação da decisão.

Este vício, como se salienta no Ac. do STJ de 29/10/2015, Proc. nº 230/10.7JAAVR.P1.S1, consultável no referenciado sítio, ocorre quando se dá como provado e não provado determinado facto, quando ao mesmo tempo se afirma ou nega a mesma coisa, quando simultaneamente se dão como assentes factos contraditórios e ainda quando se estabelece confronto insuperável e contraditório entre a fundamentação probatória da matéria de facto ou contradição entre a fundamentação e a decisão, quando a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão.

Os factos em causa são os seguintes:

O militar da Guarda Nacional Republicana BB, que saíra do local do passageiro e cria que AA ia parar a marcha, saltou da estrada para a valeta, não tendo sido colhido pelo veículo conduzido pelo mesmo – ponto 17 dos factos provados.

AA deliberadamente constitui-se um obstáculo para os utentes da via e, além dos prejuízos patrimoniais causados, colocou em perigo a vida e a integridade física dos mencionados militares da Guarda Nacional Republicana com quem se cruzou e, simultaneamente, fundou perigo para a regular circulação rodoviária - ponto 21 dos factos provados.

O militar CC teve de se afastar do veículo de forma a assegurar que AA não o atingia – ponto II dos factos não provados.

Quanto ao segmento da motivação da matéria de facto a que o recorrente faz apelo, tem como teor: ora se o arguido visou a lateral do veículo que se encontra posicionada essencialmente no meio da faixa de rodagem, dificilmente poderia embater no militar da GNR posicionado na berma do lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha (reporta-se ao militar da Guarda BB).

Pois bem.

Importa atender, para a correcta compreensão da transcrita asserção (da motivação da matéria de facto), que diz respeito aos factos constantes da acusação que se relacionavam com a imputação ao arguido (também) da prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 131º, 132º, nº 2, alínea l), 14º, 22º, nºs 1 e 2, 23º, nºs 1 e 2, 26º, 30º, nº 1, 75º, nº 1 e 76º, nº 1, todos do Código Penal, em que figurava como vítima o militar BB, de que veio a ser absolvido, precisamente por se não terem provado os factos que o integravam (mormente que AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que ao direccionar o seu veículo automóvel na direcção do militar da Guarda Nacional Republicana BB, que se encontrava a escassos metros de distância e apeado, a uma velocidade tal que logrou estragar o veículo da Guarda Nacional Republicana e até fazê-lo mover apesar de se encontrar imobilizado e travado, iria tirar-lhe a vida por força do impacto, sendo que apenas não logrou tal desiderato por razões inteiramente alheias à sua vontade, nomeadamente a rápida reacção de BB – ponto IV - e bem assim, que AA sabia que BB era militar da Guarda Nacional Republicana, que estava obrigado a imobilizar o seu veículo mediante ordem legítima de uma entidade policial e, ainda assim, determinou-se a tirar-lhe a vida, embatendo-lhe com o seu carro com o intuito de assim lograr fugir e obviar à sua condução a estabelecimento criminal para cumprimento de uma pena de prisão na qual sabia ter sido condenado – ponto V).

E, tendo em atenção o acórdão revidendo na sua integralidade e nessa perspectiva o interpretando, resulta que o que se mostra como não demonstrado no aludido ponto II dos factos não provados é que o arguido tenha orientado o veículo que tripulava na direcção do posicionamento do militar da GNR CC e que este para evitar ser atingido se afastou do veículo da Guarda, o que em nada contende com a conclusão fáctica de que o recorrente ao actuar como descrito na restante materialidade relativa ao seu exercício da condução colocou em perigo a vida e a integridade física dos militares da Guarda Nacional Republicana.

É que, a criação do perigo concreto para a vida ou para a integridade física de outrem (perigo concreto de produção de um resultado jurídico-penalmente desvalioso, no dizer do Ac. R. de Évora de 03/12/2015, Proc. nº 184/06.4 GELLE.E1, disponível em www.dgsi.pt) não se confunde com o dano ou lesão efectiva dos bens jurídicos que tutela a norma (o bem jurídico protegido primacialmente pela norma do artigo 291º, do Código Penal, é a segurança rodoviária, enquanto tutela reflexa e circunscrita à medida da protecção de bens individuais, quais sejam a vida, a integridade física e o património de elevado valor, como se pode ler no Ac. R. de Coimbra de 20/04/2016, Proc. nº 326/13.3GCTND.C1, acessível no mesmo sítio).

“O perigo consiste numa situação onde ocorre a possibilidade de produção de um resultado danoso, correspondendo, por isso, a criminalização das condutas a uma tutela antecipada dos bens jurídicos tutelados”, como alumia o Ac. R. de Évora de 10/01/2023, Proc. nº 781/17.2T9EVR.E1, ainda nesse sítio.

De onde, não se verifica contradição alguma, muito menos integradora do apontado vício, carecendo de razão o recorrente, pelo que improcede o recurso neste segmento.

Enquadramento jurídico-penal da conduta do recorrente

Discorda também o recorrente da sua condenação pelo cometimento do crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º, nº 1, alínea b), do Código Penal, empenhando-se em demonstrar que não estão preenchidos os seus elementos objectivos típicos e impetrando a absolvição.

Estabelece-se no artigo 291º, do Código Penal:

“1 - Quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada:

(…)

b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita (…) e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.”

Já vimos quais os bens jurídicos protegidos pela norma.

Como resulta desta e constitui jurisprudência consolidada – a título de exemplo vejam-se os supra referenciados arestos – tal crime é de perigo concreto, sendo que, como igualmente já vimos, “o perigo consiste numa situação onde ocorre a possibilidade de produção de um resultado danoso”,

Ou, no dizer do Ac. R. de Guimarães de 15/12/2016, Proc. nº 14/16.9GCVPA.G1, disponível em www.dgsi.pt, “o perigo representa a probabilidade de dano. Ele ocorre, na verdade, sempre que, através de um juízo de experiência, se possa afirmar que a situação em causa comportava uma forte probabilidade de o resultado desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer”. Era apta a criar perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado.

Quanto à violação das regras da circulação rodoviária, tem de se apresentar como “grosseira”, quer dizer, “uma violação de elementares deveres de condução, susceptível de traduzir o carácter particularmente perigoso do comportamento para a segurança do tráfego, e para os bens jurídicos pessoais envolvidos. Em suma, exige-se um grau especial de violação de deveres (não podem ser punidas violações de pequena dimensão)” – cfr. Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, pág.1066.

Pois bem.

Compulsados os factos que provados se encontram, resulta que o recorrente violou grosseiramente normas da circulação rodoviária, como sejam a obediência ao sinal regulamentar de paragem das autoridades com competência para regular e fiscalizar o trânsito, ou dos seus agentes (in casu, os militares da Guarda), desde que devidamente identificados como tal (estavam esses militares uniformizados e faziam-se transportar em veículo automóvel ostentando os sinais distintivos de uma viatura da Guarda Nacional Republicana) e a circulação pela via mais à direita.

E, indubitavelmente que o arguido, ao imprimir velocidade acrescida ao veículo que tripulava e embater deliberadamente na parte lateral traseira e na porta do lado direito da viatura da GNR, com tal energia que conseguiu afastar esta e seguir o seu percurso, criou uma situação de perigo real e efectivo, de acordo com as regras da experiência comum, de lesão da integridade física e mesmo da vida dos militares BB e CC que nas imediações daquela se encontravam.

Estão, pois, preenchidos os elementos objectivos do crime.

E, mais comprovado se mostra que, ao tripular o veículo como o fez, o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, ciente que, ao assim actuar, gerava a possibilidade séria de colocar em perigo a integridade física e a vida dos militares, como efectivamente aconteceu e conformando-se com esta situação.

Preenchidos estão, assim, também, os elementos subjectivos do crime.

Face ao que, carece de razão o recorrente, mostrando-se isenta de mácula a sua condenação.

Dosimetria da pena aplicada

Inconformado se mostra o arguido com a pena de 2 anos e 2 meses de prisão em que foi condenado pelo tribunal a quo, pela prática, como reincidente, do crime mencionado, propondo a sua redução para 1 ano.

Ao crime praticado, corresponde pena de prisão de 40 dias a 3 anos ou multa, não colocando em causa o arguido a opção pela pena de prisão em detrimento da de multa em alternativa.

Conforme resulta do estabelecido no artigo 40º, do Código Penal, toda a pena tem como finalidades “a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” – nº 1, sendo que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” – nº 2.

Nos termos do artigo 71º, do mesmo, para a determinação da medida da pena tem de se atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e bem assim às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele.

De acordo com estes princípios, o limite superior da pena é o da culpa do agente. O limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios de prevenção geral positiva, segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor.

A pena tem de corresponder às expectativas da comunidade.

Daí para cima, a medida exacta da pena é a que resulta das regras de prevenção especial de socialização. É a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade – cfr. Ac. do STJ de 23/10/1996, in BMJ, 460, 407 e Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e segs.

Ou, dito de outra forma, opera através da “neutralização-afastamento” do delinquente para que fique impedido fisicamente de cometer mais crimes, como intimidação do autor do crime para que não reincida e, sobretudo, para que sejam fornecidos ao arguido os meios de modificação de uma personalidade revelada desviada, assim este queira colaborar em tal tarefa - Claus Roxin, Derecho Penal-Parte Especial, I, Madrid, Civitas, 1997, pág. 86.

Da conjugação das duas mencionadas normas resulta que a pena concreta, numa primeira fase, é encontrada em função da culpa do arguido e das exigências de prevenção, atendendo ainda, numa segunda fase, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, rodearam o mesmo, antes ou depois do seu cometimento, quer resultem a favor ou contra o agente.

Assim, daquela primeira aproximação decorrem duas regras basilares: a primeira, explícita, consiste em que a culpa é o fundamento para a concretização da pena, devendo esta proteger eficazmente os bens jurídicos violados; a segunda, que está implícita, é que se impõe ter em conta os efeitos da pena na vida futura do arguido no seio da comunidade e da necessidade desta dele se defender, mantendo a confiança na tutela da correspondente norma jurídica que foi violada.

Percorrendo o acórdão recorrido, verifica-se que o tribunal de 1ª instância atendeu para a determinação da pena concreta:

No caso sub judice, o Tribunal ponderou o elevado grau de ilicitude dos factos (especialmente desvalioso face ao ostensivo desrespeito manifestado pela segurança dos militares da Guarda Nacional Republicana envolvidos, ao número de pessoas em perigo e ao comportamento persistente no arguido no sentido de perpetrar o ilícito), bem como a intensidade do dolo com que o arguido agiu, que foi directo, pois que o arguido sabia e quis agir do modo descrito. Também foram ponderadas as qualidades das suas personalidades manifestadas nos factos e os antecedentes criminais, revelando já anteriormente uma marcada desconformação com o direito (atenta a gravidade dos ilícitos por que foi anteriormente condenado).

Mais considerou o Tribunal a desinserção sócio-profissional do arguido e o facto do mesmo beneficiar de um suporte familiar pouco sólido – saliente-se que a família do mesmo revelou não só total inaptidão para o proteger e para satisfazer as suas necessidades específicas até ao presente, mas também débil capacidade para o fazer no futuro uma vez que se mantêm os mesmos condicionalismos anteriormente verificados que condicionaram o desenvolvimento salutar deste jovem.

Acresce que o arguido, com as suas condutas, demonstrou uma manifesta falta de respeito pela segurança da vida e integridade física das vítimas e incapacidade para assimilar o desvalor jurídico das suas condutas, bem como revelou individualismo e incapacidade para assimilar a sua responsabilidade ética perante os seus pares no meio social envolvente. Além do que a sua integração social depende exclusivamente do esforço de terceiros, designadamente do Estado e dos seus familiares, bem como, no estabelecimento prisional, das entidades com competência em matéria de reinserção social, e não do seu empenho pessoal.

No que concerne às necessidades de prevenção geral, diremos que as mesmas se fixam num grau muito alto, merecendo, no caso em apreço, um especial cuidado, não só porque têm frequentemente sido levadas a cabo na nossa sociedade, como também pelo modo próprio e motivos subjacentes, sendo necessário repor a confiança nas normas jurídicas violadas de tal forma que se evitem situações de insegurança.

Por último, e no que diz respeito à prevenção especial, teremos que atender ao modo como o crime foi cometido, à intensidade do dolo que presidiu às suas resoluções e à existência de antecedentes criminais.

Face ao que supra ficou transcrito, é patente que a decisão revidenda levou em linha de conta e de forma correcta os factores relevantes para a determinação da pena, nos termos estabelecidos no artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal.

E, importa se acrescente que não revelou o recorrente interiorização do desvalor da sua conduta delituosa, sendo que a confissão dos factos, que até começou por ser apresentada em versão desculpabilizante (verbalizando que encetou a fuga porque julgou ter visto os militares da Guarda Nacional Republicana a empunhar uma arma) não determina, só por si, que por aquela se conclua.

Face ao exposto, efectuado juízo de ponderação sobre a culpa, como medida superior da pena e considerando as exigências de prevenção e as demais circunstâncias previstas no artigo 71º, do Código Penal, não se mostra que a pena de 2 anos e 2 meses de prisão encontrada seja desajustada, por exceder a medida da respectiva culpa, pelo que não se impõe a sua alteração.

Verificação dos pressupostos de aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena

Discorda o recorrente também quanto à não aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, aduzindo estarem verificados os seus pressupostos.

O tribunal recorrido sustentou-a nos seguintes termos, mondadas as referências legais e jurisprudenciais (transcrição):

Ora, no caso em apreço, encontra-se preenchido o pressuposto formal em relação ao arguido, consistente na não aplicação ao mesmo de uma pena de prisão superior a cinco anos.

No que respeita ao pressuposto material, reconduzível a um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do delinquente, apesar do que se deixou dito quanto às necessidades de prevenção especial, ponderada a gravidade dos factos pelos quais o arguido vai condenado, a precariedade da sua inserção social, a falta de manifestação de um esforço sério dos mesmos no sentido de reverter as debilidades do seu processo vivencial e, sobretudo, a existência de uma panóplia de antecedentes criminais pela prática de crimes de idêntica natureza, inclusivamente em pena privativa da liberdade, sempre se deve entender que somente a pena de prisão efectiva acautela in casum as finalidades da punição.

Aliás, da factualidade dada como provada avulta ostensivamente que todos os progressos que o arguido encetou no sentido de investir na sua formação e valorização pessoal ocorreram precisamente no estabelecimento prisional e que foi este contexto de reclusão que o motivou a alterar os seus comportamentos de forma a serem mais congruentes com o dever ser; o que corrobora a adequação da pena privativa da liberdade aos desideratos de prevenção especial visados com a aplicação da pena.

A reforçar o entendimento preconizado, refira-se que o arguido perpetrou este ilícito criminal precisamente com o intuito de se furtar à sua detenção para cumprimento de pena privativa da liberdade aplicada por crime de idêntica natureza, o que corrobora a conclusão no sentido da total adequação da pena de prisão. Destarte, deverá inexoravelmente o arguido cumprir a aludida pena de prisão efectiva.

Analisemos então.

Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal:

“1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A aplicação da pena de substituição de suspensão da execução da pena, “medida de conteúdo pedagógico e reeducativo”, não constitui uma mera faculdade do juiz, configurando-se antes como um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos.

São pressupostos da suspensão da execução da pena:

− Que ao arguido deva ser aplicada em concreto pena de prisão não superior a cinco anos;

− Que se revele ela adequada e suficiente para a prossecução das finalidades da punição (juízo de prognose), sendo que “a prognose, como pressuposto da suspensão da execução da pena, deve entender-se num sentido puramente preventivo especial, não tendo em conta critérios de prevenção geral (…)” e que “as considerações de prevenção geral só actuam como obstáculo à suspensão, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Assim, deve atender-se essencialmente aos mesmos elementos que são tomados em consideração para a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente – personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste” – Ac. do STJ de 29/11/2006, Proc. nº 06P3121, disponível em www.dgsi.pt.

Como se salienta no Ac. do STJ de 06/02/2008, Proc. nº 08P101, consultável no referenciado sítio, “pressuposto material básico do instituto da suspensão da execução da pena é a expectativa, objectivamente fundada, de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão bastarão para afastar o condenado da criminalidade. Refere Jescheck que a suspensão da pena pressupõe um prognóstico favorável, consubstanciado na esperança de que o condenado não voltará a delinquir, prognóstico que requer uma valoração global de todas as circunstâncias que possibilitem a formulação de uma conclusão sobre o comportamento futuro do condenado, aí se incluindo a personalidade (inteligência e carácter), a vida anterior (condenações anteriores), as circunstâncias do crime (motivos e fins), a conduta posterior ao crime (arrependimento, reparação do dano) e as circunstâncias pessoais (profissão, família, condição social), e que terá de ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral”.

Não obstante, conforme preceituado no artigo 50º, nº 1, do Código Penal (que manda atender às finalidades da punição, a saber, segundo o artigo 40º, nº 1, do CP, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade), “com aquele pressuposto material básico coexistem considerações de prevenção geral” pelo que “para aplicação desta pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que o julgador se convença, face à personalidade do condenado, suas condições de vida, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, de que o facto cometido não está de acordo com esta e foi simples acidente de percurso esporádico e de que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro, evitará a repetição de comportamentos delituosos, sendo necessário, em segundo lugar, que a pena de suspensão de execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade” - cfr. Ac. do STJ de 24/10/2007, Proc. nº 07P3317, consultável em www.dgsi.pt.

O recorrente à data da prática dos factos (08/04/2019) já averbava condenações anteriores, tendo aqui sido condenado como reincidente.

Não demonstrou, como se deixou frisado, interiorização do desvalor da sua conduta (pese embora a confissão dos factos), adoptando discurso desculpabilizador e não tem hábitos de trabalho regular.

Beneficia de apoio familiar, mas este não se mostra susceptível de controlo do seu comportamento, como o não tem sido.

Tem adoptado no Estabelecimento Prisional onde se encontra comportamento de acordo com as normas, o que se não mostra com relevância atenuativa, pois o mínimo que se pode esperar de alguém que se encontra institucionalizado é que cumpra com as respectivas regras, sendo certo que a prevaricação é até susceptível de sancionamento disciplinar.

E, no que tange ao investimento pessoal que tem efectuado nesse meio, frequentando a escola e curso da área da serralharia, susceptível de contribuir para a sua valorização, cumpre ter em conta que, como provado está também, com esse empenho visa o recorrente a concessão de saídas jurisdicionais, não concorrendo, por isso, para que se possa fazer um juízo positivo a seu favor em meio livre.

Assim, tendo em consideração também a factualidade em causa e a personalidade do recorrente nos factos reflectida é efectivamente de entender que a mera ameaça da pena de prisão se mostra insuficiente para o afastar da prática de novas infracções criminais, não sendo possível, por isso, fazer um juízo de prognose de que, de futuro, se pautará por uma forma de vida afastada da criminalidade.

Acresce que, tal pena de substituição de suspensão da execução da pena, julgamos, frustraria até as expectativas da comunidade em ver salvaguardadas, com a decisão, a segurança jurídica que espera das instituições aplicadoras do direito e das regras jurídicas em sociedade, pois a circunstância de ter praticado o crime dos autos quando anteriormente já havia sido condenado em pena de prisão suspensa na sua execução, que foi revogada, coloca irremediavelmente em causa o aludido sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado de Direito como principal regulador da paz social, impondo-se, por isso, o reforço da validade das normas violadas.

Face ao que, cumpre negar provimento ao recurso.

III - DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC.

Évora, 9 de Maio de 2023

(Consigna-se que o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário).

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(Artur Vargues)

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(Nuno Garcia)

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(António Condesso)