Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
119/12.5GBRMZ.E1
Relator: MARIA ISABEL DUARTE
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
LEI APLICÁVEL
ELEMENTOS ESSENCIAIS DO CRIME
Data do Acordão: 12/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I – No crime de violência doméstica, a reiteração de factos deve ser globalmente apreciada e valorada como integrando um comportamento repetido, dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social, que se consuma com a prática do último acto de execução.
II - Em face disso, quer para efeitos de escolha e decisão da lei aplicável (como seja da natureza pública do crime e consequente legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal), quer para efeitos de contagem do prazo de prescrição, o determinante é a data da execução do último facto praticado, isto é, o dia em que cessou a sua consumação.
III - Para a caracterização do crime é relevante que os factos, isolados ou reiterados, praticados no âmbito de uma relação conjugal ou de vida em comum, possuam uma gravidade e importância tais que coloquem a pessoa ofendida numa situação inconciliável com a dignidade e a liberdade necessárias a qualquer membro do casal.
Decisão Texto Integral:
Proc. N.º 119/12.5GBRMZ.E1
Reg. N.º 633

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1.1 - No âmbito do Proc. Comum com intervenção do Tribunal Singular N.º 119/12.5GBRMZ, do Tribunal Judicial de Reguengos de Monsaraz, foi julgado, o arguido:
A, (…)
tendo sido proferida sentença, com o teor seguinte:
a) “Condenar o arguido A pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152° nos 1 e 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão;
b) Suspender a execução da referida pena por igual período de 3 (três) anos;
(….).”

1.1.1 - O arguido, inconformado, interpôs recurso.
Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“1º No crime de violência doméstica, pela reiteração de comportamentos que o podem integrar, importa particularmente atentar na contagem do número de crimes.
2º A multiplicidade de condutas, com a nótula da reiteração, tem levado ao seu enquadramento como crime habitual.
3º Os crimes habituais, por seu turno, enquadram-se no conceito de crimes prolongados, de trato sucessivo ou exauridos onde existe uma conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente e que funda o critério de definição da unidade resolutiva que os caracteriza e distingue.
4º A conexão temporal demanda que não ocorram hiatos temporais consideráveis entre as várias condutas.
5º Desta acepção pode concluir-se que a violência doméstica quando integrada por várias condutas pressupõe, para o preenchimento do tipo, que estas tenham sido efectivadas num espaço de tempo sem intervalos consideráveis justamente para que se possa assim reconhecer o “estado de agressão permanente”.
Ora,
6º A sentença recorrida, salvo o devido respeito, precipitou-se para conclusões totalmente desconsideradoras da disciplina que enquadra este tipo de ilícito.
7º Surpreende-se a primeira grande fragilidade da sentença recorrida no ponto 3 dos factos que se deram por provados e onde se pode ler que: “Ao longo da coabitação entre o arguido e a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apurada, mas de forma regular, o arguido desferiu-lhe chapadas e dirigiu-lhe palavras como “puta, bruxa, tens amantes, és uma filha da puta” “um dia puxo fogo à casa, está aqui o frasco bebe lá isto (herbicida”, eu mato-te”.” (sublinhado nosso).
8º Neste facto não logrou o Tribunal a quo: i) definir temporalmente a data concreta das alegadas agressões; ii) o número de agressões; iii) o modo como as agressões eram praticadas; iv) a intensidade e as consequências das agressões; v) a justificação para tais agressões.
9º Tal facto corresponde, aliás, quase integralmente ao que já constava na acusação e relativamente ao qual o arguido não deixou de advertir o Tribunal a quo para a deficiente formulação do mesmo que, pela sua parcimónia descritiva, limita (e limitou) severamente o direito de defesa do arguido.
10º É consabida a reprovação que os Tribunais superiores e a Doutrina têm feito às acusações genéricas, vagas e conclusivas mormente para uma condigna tutela do direito de defesa vertido no art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
11º Ora, tal formulação não pode subsistir e, consequentemente, deve ter-se por não escrita a imputação genérica constante do ponto 3 dos factos provados da sentença recorrida!
12º E, dando-se por não escrito o facto do ponto 3, a conduta do arguido neste processo deve resumir-se aos comportamentos integrados por três blocos temporais, respectivamente: 1990 (factos 4 e 5); 1998 (factos 6, 7 e 8); 2012 (factos 9 a 15).
Ora, quanto a estes blocos de factos,
13º Remetemo-nos desde logo para tudo o que se disse a propósito do crime de violência doméstica designadamente que, por se tratar de um crime prolongado, de trato sucessivo ou exaurido, impõe-se uma conexão temporal sem prolongados intervalos de tempo que afastem as múltiplas condutas.
14º E, não nos restam quaisquer dúvidas que este requisito não está manifestamente cumprido na medida em que a factualidade de suporte radica em factos temporalmente afastados: desde 1990 até 1998 (8 anos de intervalo), desde 1998 até 2012 (14 anos de intervalo).
15º E, com tamanho desfasamento, tais factos não podem deixar de ter que se apreciar autonomamente e não, como o fez o Tribunal a quo, num quadro de unificação.
Sucede porém,
16º Que os factos julgados como provados nos pontos 4 e 5 (no ano de 1990), bem como os factos dos pontos 6 a 8 (do ano de 1998), integram a prática de um (ou dois) crime de ofensa à integridade física simples (art. 143º do C.P.), que tem natureza semipública, uma vez que o procedimento criminal depende de queixa.
17º Sendo que, não tendo a queixa sido apresentada tempestivamente já há muito que o correspondente direito se extingiu por caducidade – n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal.
18º E assim, sempre careceria de legitimidade do Ministério Público para promover o processo, face ao disposto nos artigos 48.º e 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.
A tudo isto acrescente-se que,
17º No que concerne à factualidade praticada em 1990 e em 1998, se pode concluir pela prescrição do procedimento criminal, desde 1995 e 2003, respetivamente, considerando que nos termos do disposto na alínea c) do artigo 118.º do Código Penal, o procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido cinco anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos.
Com o que, se pode pois concluir:
18º Que a factualidade “sobrante” não tem, na nossa perspectiva, dignidade e intensidade suficiente para o preenchimento do crime de violência doméstica porque, como tem afirmado peremptoriamente a melhor jurisprudência, não será qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral que poderá justificar este tipo de crime mas sim e apenas as condutas com especial gravidade e intensidade.
19º Ora, por muita generosidade e complacência que se possa ter, os factos “sobrantes” de 2012, não se podem ter por ofensas físicas especialmente graves desde logo pela ausência de consequências e pela intensidade com que as mesmas se encontram descritas.
20º E, no que concerne a esta factualidade o arguido não prescinde de que a punição respetiva lhe seja imposta em primeira instância para poder ter o acesso ao duplo grau de jurisdição.
Em todo o caso, sempre se dirá,
21º Que o direito de defesa do arguido foi também violado porque na motivação da matéria de facto da sentença se dispõe que: “- face às declarações do arguido, confirmadas pela assistente – que, entre os anos de 1994 ou 1995 e 2000 e, novamente, entre 2004 e Dezembro de 2010, o arguido emigrou, encontrando-se ausente do país, durante esses períodos, entre os meses de Março e Dezembro, e regressando ainda para férias durante 15 dias em Agosto ou Setembro (…)”
22º Tais factos tendo resultado da discussão da causa assumem relevância para a sua decisão desde logo porque, na forma como foi redigido o ponto 3 dos factos provados, se inculca a ideia de coabitação constante entre o arguido e a assistente através da menção à forma regular das ofensas aí descritas.
23º Sucede porém, que os factos relativos às ausências do arguido do País, nos períodos supra referidos, não constam do lote dos que o Tribunal recorrido deu como provados e não provados.
24º E, o direito de defesa do arguido só fica plenamente assegurado quando lhe é possível reagir contra a falta de valoração de tais factos – que conduzirão à correção dos factos que constam dos pontos 3, 16 e 17, acima mencionados –, através do mecanismo processual adequado, que se entende ser a invocação da nulidade decorrente da omissão de pronúncia, por violação dos artigos 379.º n.º 1 alínea a); n.º 2 do artigo 374.º, e nº 2 do artigo 368.º todos do Código de Processo Penal.
Ademais,
25º No ponto 3 dos factos provados da sentença recorrida consta que: “Ao longo da coabitação entre o arguido e a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apurada, mas de forma regular, o arguido cuspiu na cara desta” sendo que, tal factualidade não coincide com a formulação do ponto 9 da acusação onde se pode ler que: “No dia 22 de Maio de 2012, no interior da residência do casal, o arguido dirigiu as seguintes palavras à ofendida “puta e bruxa” e, em contínuo, cuspiu-lhe na cara.” – a única ocasião em que o Ministério Público imputa ao arguido ter cuspido sobre a ofendida.
26º Com tal ampliação, não foi cumprido o disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, como resulta das atas de audiência de julgamento pelo que ocorre a nulidade da sentença, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Por último,
27º O Tribunal a quo falhou igualmente no exame crítico da prova sobrevalorizando o depoimento da assistente e desconsiderando, sem sopesar e fundamentar devidamente, as declarações do arguido.
28º Com efeito, não se consegue alcançar porque não se deixou o Tribunal a quo convencer pelas palavras do arguido, uma vez que sobre o seu teor não fez qualquer avaliação – note-se que nem sequer se rotulou este depoimento de não credível, incoerente, não espontâneo, em antinomia com os esforçados qualificativos que se dedicaram ao depoimento da ofendida...
29º Aliás, as declarações das testemunhas B e C não colidiram com o depoimento do arguido (pelo contrário!!!) que nunca negou ter apodado a sua mulher de “bruxa e puta”.
30º E, por outro lado, destes depoimentos nada se pode extrair que dê cobertura à versão da assistente no que respeita às agressões físicas que esta invocou.
31º Ora, a forma insuficiente como o Tribunal recorrido explicitou o seu convencimento, relativamente aos factos que deu como provados e não provados, inviabiliza a possibilidade de o arguido sindicar, de modo efetivo, a forma como o Tribunal avaliou a prova produzida em julgamento.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e assim revogar-se a decisão recorrida absolvendo o arguido da prática do crime de violência doméstica com o reenvio dos autos para apreciação da sua responsabilidade criminal pelos factos acima descritos ou, quando assim se não entenda, devem as nulidades invocadas proceder com as legais consequências, com o que se FARÁ: JUSTIÇA!”.

1.2 - O Magistrado do Ministério Público apresentou a sua resposta ao recurso concluindo que:
1ª - O crime de violência doméstica é um crime cuja execução não ocorre num único e isolado momento e que, como tal, se consuma no momento da prática do último acto de execução, sendo assim por referencia a tal último acto, com o qual se dá a consumação do crime, que há de ser apurada, designadamente, a lei aplicável, ou a eventual ocorrência de prescrição.
2.ª- Logo, não restam qualquer dúvidas sobre a legítima do Ministério Público, para promover o procedimento criminal.
3ª - Da apreciação dos elementos constantes dos autos, designadamente, da sentença recorrida, resulta que a Mma. Juiz fez criteriosa análise da prova, apreendendo a essencialidade e o objecto da matéria em litígio pelo que não podia deixar de condenar o arguido, ora recorrente e, em tudo mais, decidir como decidiu.
4.ª- Examinada a douta sentença recorrida mostram-se inequivocamente provados todos os elementos constitutivos, objectivos e subjectivos, do crime de violência doméstica, de que o recorrente foi declarado autor material.
5ª - Por outro lado, a Mma. Juiz, fundamenta de forma bastante, dando cumprimento ao dever de fundamentar, contido no n.º 2, do artigo 374.º, do Código de Processo Penal, a formação da sua convicção, valorando e apreciando o depoimento da assistente das testemunhas B, D e C indica os factos donde ela derivou e enumera os elementos de prova de que se socorreu.
6.º- Da leitura da sentença não resulta qualquer incerteza sobre a verificação dos factos dados como provados, uma vez que o acervo factual apurado, tem inteira sustentação na prova produzida em audiência.
7.º - A factualidade fixada em sede de Sentença sobrevém a uma valoração da prova obtida em julgamento norteada por critérios baseados na experiência comum, na lógica do homem médio e no repúdio de meras impressões geradas no espírito do julgador.
8.º - A Mma. Juiz fez uma correcta e coerente apreciação da prova produzida e, consequentemente, proferiu sentença condenatória.
Termos em que, negando Provimento ao recurso interposto interposto e confirmando a douta decisão recorrida Vossas Exªs, decidirão como for de JUSTIÇA.”.
1.3 - Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, concluindo pela improcedência do recurso.

1.4 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do C.P.P.

1.5 - Foram colhidos os vistos legais.

1.6 - Cumpre apreciar e decidir.


II - Fundamentação.
2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é a seguinte:
“A. FACTOS PROVADOS
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados, com relevo para a decisão, os factos seguintes:
1. A, ora arguido, e E, casaram no dia 21 de Junho de 1986.
2. O arguido e ofendida tiveram uma filha, B, nascida a 22 de Junho de 1987 que com eles residia.
3. Ao longo da coabitação entre o arguido e a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apurada, mas de forma regular, o arguido cuspiu na cara desta e dirigiu-lhe palavras como: “puta”, “bruxa”, “tens amantes”, és uma filha da puta “ “um dia puxo fogo à casa”, “eu mato-te”.
4. No ano de 1990, em data e hora não concretamente apurada, no interior da residência do casal, após a ofendida ter desferido uma palmada na filha, à data com três anos de idade, o arguido dirigiu-se à ofendida e desferiu-lhe um murro com a mão direita fechada, atingindo-a nariz, tendo este começado a sangrar.
5. Como consequência da referida conduta do arguido, a ofendida apresentou vários hematomas por baixo da zona dos olhos e sentiu dores e mau estar geral.
6. No ano de 1998, em data e hora não concretamente apurada, no interior da residência do casal, o arguido chegou a casa embriagado e no decorrer de uma discussão dirigiu-se à ofendida e desferiu-lhe um murro com a mão direita fechada, atingindo-a na zona da cabeça, mais concretamente na nuca.
7. Em resultado, a ofendida perdeu os sentidos caindo no chão. De seguida, o arguido saiu de casa não prestando qualquer tipo de auxílio à ofendida.
8. Como consequência da referida conduta do arguido, a ofendida sentiu dores, principalmente na zona da cabeça e mau estar geral.
9. No dia 22 de Maio de 2012, no interior da residência do casal, o arguido exibiu à assistente um frasco de herbicida e disse-lhe “tá aqui isto, podes beber” e, de seguida, apertou-lhe os braços.
10. Como consequência da referida conduta do arguido, a ofendida sentiu dores, principalmente na zona dos braços e mau estar geral.
11. No dia 1 de Julho de 2012, o arguido dirigiu-se à ofendida e desferiu-lhe um soco com a mão direita, atingindo-a no braço esquerdo.
12. A ofendida, de imediato, fugiu para um dos quartos da residência e trancou-se.
13. O arguido correu atrás da ofendida e deparando-se com o quarto trancado desferiu vários pontapés e murros na porta.
14. Como consequência da referida conduta do arguido a ofendida sentiu dores e mau estar geral.
15. No dia 11 de Julho de 2012 o arguido e a ofendida separam-se, tendo-se divorciado em Outubro do mesmo ano.
16. Ao actuar da forma descrita, repetidamente, no interior da residência comum do casal e por vezes na presença da filha menor de idade, o arguido pretendia maltratar a queixosa corporalmente, causando-lhe dores e ferimentos e, por outro lado, atingir o seu bem estar psicológico e fazê-la temer pela sua vida e integridade física, ameaçando-a, humilhando-a e fragilizando-a na sua relação conjugal, objectivos que logrou alcançar.
17. Ao proferir as expressões supra descritas, de forma contínua e reiterada, quis o arguido causar-lhe sofrimento e humilhação, o que conseguiu, sabendo que as mesmas atingiam a honra e consideração pessoal da sua companheira.
18. Estava o arguido ciente de que deveria abster-se de se comportar da forma descrita, atentos os laços que o uniam à ofendida, bem como que lhe devia especial respeito e carinho.
19. O arguido actuou sempre de forma livre e conscientemente, apesar de saber que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
Mais se provou que:
20. O arguido é tido pelos seus conhecidos como uma pessoa correcta e pacífica.
21. Do registo criminal do arguido não consta qualquer inscrição.
22. O arguido encontra-se actualmente desempregado, não recebendo qualquer subsídio ou pensão, e realizando apenas trabalhos ocasionais.
23. Vive sozinho numa casa pertencente a familiares e conta, para o seu sustento, com a ajuda das irmãs, dispondo ainda de alguma poupança que conseguiu realizar.
B. FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou provado:
1.Que ao longo da coabitação entre o arguido e a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apurada, mas de forma regular, o arguido tenha desferido chapadas a esta.
2. Que ao longo da coabitação entre o arguido e a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apurada, mas de forma regular, o arguido tenha dito à ofendida “está aqui o frasco bebe lá isto (herbicida)”
3. Que no dia 1 de Julho de 2012, o arguido dirigiu-se à ofendida e disse-lhe “se não me encontrares o fio de ouro, mato-te”.
4. Que, concretamente no dia 22 de Maio de 2012, no interior da residência do casal, o arguido dirigiu as seguintes palavras à ofendida “puta e bruxa” e, em contínuo, cuspiu-lhe na cara.
C. MOTIVAÇÃO
O Tribunal fundou a sua convicção, quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, com base no conjunto da prova produzida, analisada criticamente à luz das regras do bom senso e da experiencia comum.
O arguido negou a quase generalidade dos factos que lhe são imputados na acusação, admitindo apenas ter, por várias vezes, e durante as frequentes discussões do casal, chamado a assistente de “puta” e “bruxa”.
Por seu turno, a assistente, em declarações que se revelaram perfeitamente credíveis, coerentes e espontâneas, confirmou não apenas aquelas mas todas as expressões que na acusação se refere terem-lhe sido dirigidas pelo arguido, de forma regular, ao longo da coabitação de ambos.
Tal matéria foi confirmada pelas testemunhas B, filha do arguido e da assistente, a qual depôs de modo seguro e espontâneo, dando conta de que desde sempre se lembra de assistir a discussões entre ambos, durante as quais ouvia o pai chamar a mãe, designadamente, de “bruxa” e “puta”, e dizer-lhe que ela tinha amantes, e D, companheiro da primeira, que, depondo de modo que se afigurou isento e desinteressado, igualmente referiu ter assistido a frequentes discussões do casal – cuja casa começou a visitar com frequência em 2006 -, ouvindo, nessas ocasiões, o arguido chamar a assistente de “puta” e “bruxa”.
Deu ainda conta a assistente, de modo particularmente credível – face à espontaneidade com que o referiu, e à dificuldade que mostrou em controlar a emoção que a recordação de tais factos lhe causava – que o arguido, com muita frequência, sobretudo nos últimos tempos de casados, lhe cuspia para a cara, durante as discussões de ambos, não precisando situações concretas em que tal ocorrera, precisamente por tal suceder com muita frequência, sempre que o casal discutia, o que, face às suas declarações, acontecia permanentemente.
Teve ainda o Tribunal em conta as declarações da assistente para prova da matéria descrita nos pontos 4 e 5 dos factos provados, a qual foi pela mesma descrita de forma coerente, encontrando-se igualmente tal versão reforçada pelo depoimento da testemunha B, que referiu recordar-se de, sendo muito pequena ainda, ver a mãe e chorar e a sangrar, enquanto o pai foi, a correr, e mostrando-se aflito, colocar-lhe uma bacia por baixo.
A prova dos factos descritos sob os números 6, 7 e 8 assentou exclusivamente nas declarações da assistente que, mais uma vez de forma segura e consistente, deu conta de ter sido atingida na nuca, durante uma discussão, por um murro do arguido, tendo perdido os sentidos e verificado, quando os recuperou, que o arguido não se encontrava em casa, sentindo-se dormente e com dores na nuca, tendo tais factos ocorrido numa ocasião em que estava apenas com o arguido em casa, já que a filha de ambos tinha ido para Lisboa, à “Expo 98”.
Também para prova dos factos descritos nos pontos 9 e 10 teve o Tribunal em conta o teor das declarações da assistente, que os descreveu de forma espontânea, referindo que, por ter ficado muito abalada com o sucedido, foi levada para o hospital, em, Évora. Tais declarações resultam, nesta matéria, reforçadas pelo teor do relatório de urgência junto a fls. 133 e ss., relativo ao atendimento realizado no dia 22 de Maio de 2012, onde se refere o diagnóstico de ansiedade e síndrome depressivo (em investigação), e a orientação da assistente para consulta de psiquiatria, para ajuste da terapêutica, e também pelo depoimento da filha da assistente, que referiu ter ficado preocupada com a mãe, por não conseguir contactá-la, tendo contactado a vizinha desta, que a informou de que a assistente fora para o hospital e, de seguida, telefonado para o hospital, tendo então sido informada de que esta tinha tido uma crise de ansiedade.
A matéria de facto descrita sob os números 11 a 14 foi confirmada, de forma verosímil, pela assistente, encontrando igualmente apoio no depoimento da testemunha C, vizinha do casal, a qual referiu que o arguido se dirigiu a sua casa, dizendo que a assistente lhe tinha roubado um fio de ouro, e pedindo-lhe para a acompanhar a sua casa. Mais referiu a mesma testemunha que foi com o arguido a casa deste e da assistente, onde o arguido acabou por encontrar o fio que procurava, e que só depois a assistente saiu do quarto, onde se encontrava trancada, e cuja porta apresentava marcas que identifica como “pegadas”, dizendo que “já não podia mais”.
Assim, e nas matérias referidas, as declarações da assistente revelaram-se perfeitamente credíveis, sendo confirmadas, em muitos dos seus aspectos, pelas testemunhas acima mencionadas, de cujos depoimentos resulta, sem margem para dúvidas, que ao longo dos anos, repetidamente, o arguido dirigia as expressões referidas à assistente, assustando-a e ofendendo-a. Tal decorre mais directamente dos depoimentos das testemunhas B e D, mas também do da testemunha C, do qual resulta que a assistente, por diversas vezes, se refugiava em sua casa, à noite, onde esperava que o arguido adormecesse, para então regressar a casa, por assim se sentir mais protegida.
A testemunha F, irmã do arguido, refere nunca ter assistido à pratica pelo mesmo de factos como os que lhe são imputados, o que naturalmente não implica que os mesmos não tenham ocorrido, tanto mais que, questionada pelo Ilustre Mandatário da assistente nesse sentido, a referida testemunha admitiu que, até à separação do casal, não ía à respectiva casa desde a festa dos 16 anos da filha do arguido, ou seja, há cerca de 10 anos. O mesmo se dirá quanto às testemunhas G e H, que referem mesmo não terem tido muito convívio com o casal.
Por outro lado, a circunstância de se ter apurado – face às declarações do arguido, confirmadas pela assistente – que, entre os anos de 1994 ou 1995 e 2000 e, novamente, entre 2004 e Dezembro de 2010, o arguido emigrou, encontrando-se ausente do país, durante esses períodos, entre os meses de Março e Dezembro, e regressando ainda para férias durante 15 dias em Agosto ou Setembro, não exclui que os factos descritos sob o ponto 3 tenham sido praticados pelo arguido de forma regular, uma vez que resulta das declarações da assistente e das testemunhas B e D que, mesmo nessas fases, o arguido mantinha tal conduta durante os meses em que se encontrava em Portugal, retomando-a, de forma mais intensa, quando regressou definitivamente.
A matéria de facto relativa ao casamento, à separação e ao divórcio do arguido e da assistente, foi confirmada por ambos.
Quanto aos factos descritos nos pontos 16 a 19, decorre a respectiva prova da aplicação das regras da lógica e da experiência comum, face aos demais factos provados, e tendo em conta que o arguido se revela perfeitamente capaz de entender o alcance dos seus actos e as consequências dos mesmos para a assistente, as quais revelou pretender alcançar.
A matéria referida no ponto 20 foi julgada provada com base nos depoimentos das testemunhas F, G e H.
A prova da ausência de antecedentes criminais do arguido assentou na análise do respectivo CRC.
No que respeita à condição social, económica e pessoal do arguido, foram tidas em conta as declarações do mesmo, as quais se afiguraram espontâneas e sinceras, não vislumbrando o Tribunal qualquer razão para que as mesmas fossem postas em causa.
Quanto aos factos não provados, não foi produzida qualquer prova.”

2.2 - Houve registo, através de áudio, da prova. Normalmente, quando ocorre a documentação da prova, o recurso além de sindicar a matéria de facto (desde que o recorrente dê cumprimento ao disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.) aprecia as questões de direito avançadas pelo recorrente (Cfr. art. 428º, do mencionado compêndio adjectivo) e faz a apreciação de eventuais vícios do art. 410°, n.º 2 CPP ou de nulidades que não devam considerar-se sanadas.
Portanto, dentro dos parâmetros retro aludido, são as conclusões da motivação que delimitam o objecto do recurso (art. 412°, n.º 1 CPP), uma vez que as questões submetidas à apreciação da instância de recurso são as definidas pelo recorrente.
São as conclusões que irão habilitar o tribunal superior a conhecer dos motivos que levam o recorrente a discordar da decisão recorrida, quer no campo dos factos quer no plano do direito.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões nada têm de inútil ou de meramente formal.
Constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

2.3 - Analisadas as conclusões de recurso, dir-se-á que, no caso dos autos, as questões que o recorrente coloca são:
- O Ministério Público carece de legitimidade do para promover a acção penal;
- Prescrição do procedimento criminal, no que concerne à factualidade praticada em 1990 e em 1998;
- Impugnação da matéria de facto, por errada apreciação da prova produzida;
- Nulidade da sentença, quer no que concerne ao não cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, como resulta das atas de audiência de julgamento, quer no que respeita à insuficiência do exame crítico da prova, e no que se refere à omissão de pronúncia;
- A sentença padece dos vícios do art. 410°, n.º 2 do CPP;
- Não se mostram preenchidos os elementos do art.º 152°, n.º s 1 e 2 do CPP;

2.4 - Análise das questões do recurso
2.4.1 - Duas Primeiras questões
O arguido, ora recorrente, já havia solicitado, na fase de julgamento, a falta de legitimidade do Ministério Público, relativamente aos factos ocorridos entre os anos de 1990 e 1998, descritos nos pontos 3º a 8º, no requerimento acusatório, e nos mesmos pontos da matéria de facto dado como provada na sentença recorrida, pois que, nessas datas, e face à legislação então em vigor, o crime por que o arguido vem acusado revestia natureza semi-publica, dependendo pois o respectivo procedimento da apresentação de queixa, a qual não teve lugar, sendo que, se tais factos fossem enquadrados noutros tipos criminais, os mesmos já se encontrariam prescritos.
Acrescentando, de novo, que:
Os demais factos que lhe são imputados (artigos 9º a 15º da acusação) não têm dignidade suficiente para preencher o tipo em questão, podendo eventualmente integrar outros ilícitos criminais, como os crimes de injuria e ofensa à integridade física simples, sendo que o primeiro tem natureza particular, pelo que igualmente careceria o Ministério Público, quanto ao mesmo, de legitimidade para exercer a acção penal.
A prescrição do seu procedimento criminal.
Para apreciar destas questões é, desde logo, fundamental apreciar a natureza do crime imputado ao arguido - crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152° nos 1, al. a) e 2 do Código Penal -.
Vejamos!
O Código Penal de 1982 previu e puniu, pela primeira vez em Portugal, o crime de maus-tratos conjugais.
Essa inovação legislativa, restringia a conduta punível aos maus-tratos físicos, prevendo-a no artigo 153º, sob a epígrafe “crime de maus-tratos ou sobrecarga de menores e de subordinados ou entre cônjuges”.
Este crime tinha natureza pública.
A Lei nº 61/91, de 13 de Agosto, com a finalidade de acautelar “protecção adequada às vítimas de violência”, introduziu algumas alterações, importantes, de carácter processual, na previsão legal, do citado crime de maus-tratos. Todavia, este diploma legal não chegou a ser regulamentada., nem expressamente revogada.
A revisão do Código Penal feita pela Lei nº 48/95 de 15 de Março alterou a disciplina relativa à incriminação dos maus-tratos conjugais.
Para além de alterar a epígrafe para “crime de maus-tratos ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge”, a nova redacção dada àquele normativo, agora no artigo 152º, passou a contemplar na conduta punível também os maus-tratos psíquicos, alargou às pessoas equiparadas aos cônjuge (“quem conviver em condições análogas às dos cônjuges”) a qualidade de sujeito passivo do crime, fez desaparecer a referência ao dolo específico, modificou a moldura penal, que passou a ser a de prisão de 1 a 5 anos e, conferiu natureza particular a este crime, fazendo depender de queixa o procedimento criminal.
As alterações ao Código Penal introduzidas pela Lei nº 65/98 de 2 de Setembro também se fizeram sentir na disciplina relativa ao crime de maus-tratos.
O artigo 152º foi contemplado com uma nova epígrafe: “Maus-tratos e infracção de regras de segurança”, mantendo-se, contudo, a definição do tipo legal e medida da pena.
Foi, todavia, introduzida uma alteração de relevo relativa à natureza do crime que passou a ser “quase público”, uma vez que sendo o procedimento criminal dependente de queixa, se conferiu legitimidade ao Ministério Público para o iniciar sempre que (e desde que) considerasse que o interesse da vítima o impunha, e até à dedução da acusação o ofendido não manifestasse a sua oposição.
O regime penal do crime de maus-tratos sofreu alterações, em 2000, com a publicação da Lei nº 7/00 de 27 de Maio.
Este diploma amplia ao progenitor de descendente comum em 1º grau a qualidade de sujeito passivo deste tipo criminal – nº3 – e, acrescenta à pena principal, cuja moldura penal mantém, uma pena acessória de proibição de contactos com a vítima, incluindo o afastamento da residência desta, por um período máximo de 2 anos – nº6.
Todavia, a principal modificação é referente, de novo, à natureza do crime, a que é de novo atribuído o carácter público.
Actualmente, O crime de violência doméstica está consubstanciado no código penal. O art.152º do Código Penal Português – Lei 59/2007, publicada em Diário da República (1º Série) em 4 de Setembro de 2007 decreta o seguinte:
Artigo 152.º - Violência doméstica
“1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 - No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos.
3 - Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica.
5 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima pode incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento pode ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
6 - Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou da curatela por um período de 1 a 10 anos.”
A Lei N.º. 112/2009 de 16 de Setembro e a Portaria n.º 220-A/2010, de 16 de Abril, legislaram sobre esta matéria, sem alterar a previsão, supra descrita, do citado art. 152º.
O teor deste último preceito legal, supra transcrito, ressalta para alguma doutrina, nomeadamente, para Taipa de Carvalho, in Código Penal Conimbricense, Coimbra, Tomo I, pág. 332, que a ratio deste tipo legal de crime está na protecção da comunidade familiar, conjugal, (...), mas sim, na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana.
Todavia, para nós, é inquestionável que, este tipo legal de crime, na redacção actual do normativo legal aludido, verifica-se com a perpetração de acto de violência que afecte, de modo, a saúde física, psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária.
As condutas previstas e punidas por aquele preceito legal abrangem diversos géneros: ofensas corporais simples, maus tratos psíquicos englobando humilhações, provocações, molestações, intimações e tratamentos desumanos.
No que concerne ao elemento subjectivo, para que este se verifique exige a lei o dolo, embora já não o específico traduzido na actuação por malvadez ou egoísmo.
O recorrente, no caso “sub judice”, admite que a sua conduta é subsumível à prática, em concurso real, de um, ou dois, crimes de ofensas à integridade física, p. e p. pelo disposto nos artigos 143.º do Código Penal
A actuação do arguido deve ser integrada na previsão do tipo legal de crime de violência doméstica, ou pela totalidade dos tipos legais de crime por ele apontados?
No seguimento do já afirmado, o crime de violência doméstica gera uma relação de concurso aparente de normas e de especialidade com outros tipos legais de crimes, v.g. o apontado.
Nesse sentido, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-12-2010, proferido no Proc. 512/09.0PBAVR.C1, e o do Tribunal da Relação de Guimarães, de 17-05-2010, proferido no Proc. nº 1379/07.9PBGMR.G1. Este último refere: “I - O crime de violência doméstica encontra-se numa relação de especialidade com os crimes de ofensa à integridade física simples e de ameaça em que a punição do crime de violência doméstica afasta a destes crimes.
II - Se as condutas apuradas integram os crimes de ofensa à integridade física simples e de ameaça mas não satisfazem o tipo da violência doméstica, por não revelarem o “especial desvalor da acção” ou a “particular danosidade social do facto” que fundamentam a especificidade deste crime, apenas há que aplicar as normas gerais”.
Esse concurso aparente, actualmente, dada a letra da lei, pode abranger todos os tipos penais preenchidos pelo arguido, a saber, as ofensas à integridade física (artigo 143º, nº 1 do Código Penal), e as injúrias (artigo 181º, do mesmo compêndio substantivo.
No seguimento do já referido, a nova redacção do aludido preceito legal – art. 152º, do CP -, a liberdade pessoal e de autodeterminação sexual, no âmbito da relação de conjugalidade ou por causa dela, estão tuteladas pois a letra da lei é clara: “maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais”.
Contudo, o que é determinante para a caracterização desse conceito legal é que os factos, isolados ou reiterados, praticados no âmbito de uma relação conjugal ou de vida em comum, possuam uma gravidade e importância tais que coloquem a pessoa ofendida numa situação inconciliável com a dignidade e a liberdade necessárias a qualquer membro do casal.
Portanto, o ponto fulcral do crime de violência doméstica na dignidade da pessoa em relação livremente contraída.
Não se questiona, pois, que, neste tipo de crime se está perante a protecção de um bem jurídico complexo, integrando a saúde física, psíquica e emocional, a liberdade de determinação pessoal e sexual da vítima de actos violentos e a sua dignidade quando inserida numa relação conjugal ou análoga ou por causa dela.
A prática deste crime, de modo geral, traduz-se numa conduta reiterada ou prolongada no tempo. O que não quer dizer que existam casos únicos que, devido à sua gravidade, ao comprometimento da vida em comum e a afectação da dignidade e liberdade do cônjuge ofendido, configurem o elemento objectivo desse tipo legal de crime.
A conexão temporal entre os vários actos que vão integrar os elementos típicos do crime, em nada releva para efeitos da configuração dessa conduta como uma continuação criminosa, antes, vulgarmente, a prática desses sucessivos actos radica numa única resolução criminosa, consubstanciando-se num crime único com uma execução prolongada no tempo.
No que concerne à contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal, esta especificidade habitual deste tipo de crime é particularmente proeminente.
O prazo de prescrição, que se mantém nos 10 anos, nos termos do disposto no artigo 118º nº1 al. b) do C. Penal, inicia-se, apenas, ou tão só, a partir da prática do último facto que integra a reiteração dos actos criminosos em questão - 1 de Julho de 2012 -.
O que, desde já se pode afirmar que aquele não se mostra verificado.
O mesmo raciocínio serve para a qualificação da natureza do crime – pública - e a legitimidade do MºPº para exercer, no presente caso, a acção penal, dada a data do último facto praticado, ou dito de outra forma, desde o dia em que cessou a sua consumação.
Todavia, após estas explanações jurídicas, é necessário analisar, mais pormenorizada e concretamente, o caso “sub judice”
Portanto, revertendo para o caso concreto, determinados factos provados imputados ao arguido, tal como é referido na sentença recorrida, “ terão ocorrido até 1998, ainda que tal não suceda com todos os factos que o arguido refere, uma vez que os que constam do art. 3º foram praticados, como daí consta e resultou provado, não só anteriormente a essa data, mas também posteriormente, ao longo de todos os anos em que o arguido e a assistente coabitaram (ou seja, desde 1987 até Julho de 2012”, e, acrescentemos nós, em nada altera a situação o facto de ter havido períodos de tempo em que o arguido esteve emigrado, pois que, o vínculo matrimonial, a ligação, e os maus-tratos se mantiveram, ainda que, com interregnos de tempo, fazendo sentido, o afirmado pelo tribunal “a quo”, de que, “, entre os anos de 1994 ou 1995 e 2000 e, novamente, entre 2004 e Dezembro de 2010, o arguido emigrou, encontrando-se ausente do país, durante esses períodos, entre os meses de Março e Dezembro, e regressando ainda para férias durante 15 dias em Agosto ou Setembro, não exclui que os factos descritos sob o ponto 3 tenham sido praticados pelo arguido de forma regular, uma vez que resulta das declarações da assistente e das testemunhas B e D que, mesmo nessas fases, o arguido mantinha tal conduta durante os meses em que se encontrava em Portugal, retomando-a, de forma mais intensa, quando regressou definitivamente.”
Acresce-se que “…mesmo no que respeita aos factos efectivamente ocorridos no período referido pelo arguido (descritos nos artigos 4 a 8 da acusação), não podem, ao contrário do que este vem sustentar, ser apreciados em si mesmos, isoladamente em relação aos demais, em virtude das características próprias do crime de violência doméstica.
Não pode cada um dos actos ser apreciado em si mesmo, antes devendo ter-se em conta, para verificação ou não dos elementos do crime em apreço, o conjunto dos comportamentos apurados, na sua globalidade.
Com efeito, está em causa um crime cuja execução não ocorre num único e isolado momento – ou pode não ocorrer, sendo esse precisamente o caso nos presentes autos – e que, como tal, se consuma no momento da prática do último acto de execução, sendo assim por referencia a tal último acto, com o qual se dá a consumação do crime, que há de ser apurada, designadamente, a lei aplicável, ou a eventual ocorrência de prescrição, entre outros aspectos. “
Em sentido semelhante ao supra referido, pronunciaram-se, entre outros, os acórdão seguintes:
Do Tribunal da Relação do Porto, de 15.09.2010 (in www.dgsi.pt, proc. N.º 931/07.7PAPVZ.P1), que refere: “(…)é óbvio que é irrelevante o facto de a ofendida ter desistido ou perdoado alguns dos factos susceptíveis de integrar um dos ilícitos criminais que atomísticamente integram o crime de violência doméstica. E pela mesma razão, não que invocar a prescrição do procedimento criminal relativamente a alguns dos factos pois que nos termos do artº 119º nº 2 al. a) do Cod. Penal o respectivo prazo prescricional começa a correr desde o dia em que cessou a sua consumação.
E sendo diversa a previsão nos tipos vigentes, (…) com as sucessivas alterações legislativas que lhe foram sendo introduzidas o que se verificou foi uma sucessão de leis pois o facto sempre foi punível por todas elas.
A doutrina tradicional é a de que nos crimes cuja execução se prolonga no tempo, se durante o seu decurso surgir uma lei nova, ainda que mais gravosa, é esta a aplicável a todo o comportamento uma vez que não é possível distinguir partes do facto.
Do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.10.2012 (em www.dgsi.pt, proc. N.º 440/07.4GCTVD.L1-5), afirmando: “O crime de violência doméstica não é um crime de execução continuada, nem sequer um crime habitual (em que a realização do tipo incriminador supõe que o agente pratique determinado comportamento de uma forma reiterada), podendo falar-se, simplesmente, em “factos reiterados”, isto é, “acções sucessivamente adequadas no seu conjunto a produzir o resultado”.
IV-
Entendendo-se que a reiteração de factos deve ser globalmente apreciada e valorada como integrando um comportamento repetido, dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social e que, portanto, consubstancia um só crime de maus tratos/violência doméstica, a sua consumação ocorre com a prática do último acto de execução.”
Em face destas explanações jurídicas teremos de concluir, tal como retro afirmado, que falece razão ao recorrente, pois que, o determinante é a data da execução do último facto praticado, ou dito de outra forma, o dia em que cessou a sua consumação, quer para efeitos de escolha e decisão da lei aplicável (determinação da natureza pública do crime e, consequentemente, verificada a legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal), quer para efeitos de contagem do prazo de prescrição (não verificado, ainda o seu decurso ou verificação).

2.4.2- Nos termos do disposto no artigo 428º, do C.P.P., o Tribunal da Relação, em fase de recurso, pode apreciar da matéria de facto e de direito, nos termos retro apontados.
No que respeita ao objecto de recurso sobre a questão de facto, a apreciação da prova, baseada nas regras da experiência comum e na livre convicção feita pelo tribunal de 1ª instância poderia ser censurada por este tribunal, pois existe documentação das declarações prestadas no decurso da audiência de discussão e julgamento.
Contudo, é necessário verificar o cumprimento do disposto no art. 412º ns. 3 e 4, do C.P.P.
O n.º 3, deste preceito legal - 412º, do C.P.P. estabelece que, quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto - no caso em análise não o fez - deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e bem assim as provas que impõe decisão diversa da recorrida e as que devem ser renovadas.
O n.º 4, refere que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas als. b) e c), do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.”.
A lei é exigente relativamente a essa impugnação.
O julgamento efectivo foi realizado no Tribunal da 1ª instância.
Neste Tribunal de recurso o que releva é a apreciação da regularidade do julgamento e não a realização de um efectivo e verdadeiro segundo julgamento. Tanto assim é que a própria lei, no art. 430º, do C.P.P., só permite a renovação da prova quando se verifiquem os vícios do art. 410º n.º 2, do referido compêndio adjectivo, portanto, quando do teor do texto da decisão judicial decorra a verificação de qualquer dos vícios aí apontados, v.g., insuficiência, contradição ou erro.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
E tal exigência é dada, como é referido nos Acs. desta Relação Ns. 2542/01 e 2870/02, pelas seguintes imposições:
Especificação, e não mera referência, dos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, sendo necessário precisar com clareza o ponto que se tem por erroneamente apurado;
especificação das provas, não sendo suficiente a menção genérica de toda a prova e dos depoimentos das testemunhas, etc;
indicação concreta das provas que impõem decisão diversa;
especificação dos suportes técnicos, da prova documentada, com vista a facilitar a sua localização.
O recorrente tece críticas e discorda da matéria de facto apontada, indica factos que consideram, na sua óptica, incorrectamente julgados, sem apontar, todavia, passagem de depoimentos prestados no decurso da audiência.
Acresce que, o determinante são as provas concretas que impõem decisão diversa, sendo que, como já afirmado, o recorrente tece, apenas, comentários sobre a valoração da prova feita pelo Tribunal, argumentando com considerações todas elas, apenas e exclusivamente, relativas a uma apreensão diversa da prova, valorando-a, de modo diverso, colocando dúvidas e interrogações, sem contudo, conseguirem fundamentar e concretizar as provas que impõem decisão diversa. Como já referido, o que a lei pretende ao vincular o recorrente á indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida.
Portanto, não houve impugnação cabal da matéria de facto.
Todavia, dir-se-á que a apreciação da prova constante do acórdão ou sentença, por imposição do art. 374º n.º 2, do C.P.P., não basta ser dúbia ou duvidosa, é necessário que seja, de modo óbvio, errónea impondo-se a qualquer homem ou cidadão mediano e fundamenta a existência do vícios a que alude o art. 410º n.º 2, al. c), do aludido compêndio adjectivo, ou não. Neste caso, deve cumprir-se as regras de impugnação supra mencionadas.
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127° do CPP, que estatui" salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada seguindo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.". A este propósito salienta o Sr. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, v. I, Coimbra Editora, Lda., 1981, pág. 202: " Uma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada" verdade material" - de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo..."
E adianta, Marques Ferreira, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, " Meios de Prova", Livraria Almedina, pág. 227/228:" Por outro lado, livre convicção ou apreciação não poderá nunca confundir-se com apreciação arbitrária da prova produzida nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A mais importante inovação introduzida pelo Código nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação das decisões que conheçam a final do processo de modo a permitir-se um controlo efectivo da sua motivação".
Acresce que o recorrente, como já referido, não impugnou, na verdadeira asserção da palavra a matéria de facto, limitando-se a criticar a forma como foi valorada a prova e a percepcioná-la de forma diversa.
O que a lei exige é que se indiquem provas que imponham decisão diversa e não que permitam outra decisão.
Sobre esta questão, o Prof. Marques da Silva, In “ Curso de Direito Processual Penal, vol. II, pág. 126 e 127 refere:" O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes níveis. Num primeiro aspecto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente de imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente aplicáveis (v.g. a credibilidade eu se concede a um certo meio de prova). Num segundo nível referente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as interferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio, que há de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.".
Maia Gonçalves, in "Código de Processo Penal, anotado", 9.ª ed., pág.322, refere "... livre apreciação da prova não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e de lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica... ".
Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal", II, pág. 126 e segs... a livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração "racional e critica, de acordo com as regras, comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão...; com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim.
Como já referido, a convicção do julgado há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre "uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros ".
O juízo sobre a valoração da prova tem diferentes planos.
Em primeiro lugar trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionalmente explicáveis (v.g., a credibilidade que se concede a um certo meio de prova).
Seguidamente, na valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
Ora, reafirmamos que aos julgadores, no tribunal de recurso, está vedada a imediação e a oralidade em toda a sua extensão, contrariamente ao que ocorre no tribunal da 1ª instância que contacta com uma multiplicidade de factores, relativos a percepção da espontaneidade dos depoimentos da verosimilhança, da seriedade, das hesitações, da linguagem, do tom de voz, do comportamento, das reacções, dos trejeitos, das expressões e, até, dos olhares.
Assim, condicionados pela impossibilidade da captação desses elementos directos, resultantes da imediação da prova, perante duas ou mais versões dos factos, só podem afastar-se do juízo feito pelo julgador da primeira instância, naquilo que não tiver origem nestes dois princípios (oralidade e imediação), ou seja, naqueles casos em que a formulação da convicção não se tiver operado em consonância com as regras da lógica e da experiência comum, reconduzindo-se assim o problema, na maior parte dos casos, ao da fundamentação de que trata o art.º 374º n.º 2, do aludido compêndio adjectivo.
Acresce que, só a especificação de todos os elementos probatórios, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa.
E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão.
O problema posto pelo recorrente reconduz-se ao da apreciação da prova por parte do tribunal recorrido de que trata o art.º 127°, do CPP.
Mas revertendo para o caso concreto, dir-se-á que a questão básica da crítica à matéria facto provada, resulta, na óptica do recorrente, de terem ficado consignados factos provados, que não deveriam, e outros que o deveriam ter sido e não foram. Isto é, o que, verdadeiramente, o Recorrente, A, quer é questionar alguns factos dados como provado, pretendendo, em contrapartida, que outros sejam dados como assentes, especialmente os atinentes, quer aos períodos de coabitação, quer à data e ocorrência dos maus tratos, quer à motivação do seu comportamento que não foi violento, mas sim, consequência das discussões constantes, durante o longo tempo de convivência e relação matrimonial, por parte da assistente, algo que poderia relevar, “máxime”, para a medida da pena, questão que não foi equacionada.
Vejamos!
O arguido questiona a matéria de facto, relativa aos pontos nºs 3 (a imputação genérica) 16 e 17, da matéria de facto provada.
A explicação para esta contestação baseia-se, essencialmente numa outra valoração da prova, especialmente na falta de credibilidade atribuída não só às declarações da assistente, mas também, a depoimento de testemunhas apresentadas pela acusação.
Justificando, essa falta de credibilidade, na falsidade das imputações de maus-tratos (com exclusão dos epítetos, puta” e “bruxa”, proferidos contra a assistente, que lhe são atribuídos).
Contudo, auscultada a prova testemunhal e as declarações, gravadas produzidas no decurso das sessões da audiência de discussão e julgamento, verifica, efectivamente, que:
“O arguido negou a quase generalidade dos factos que lhe são imputados na acusação, admitindo apenas que, por vezes durante as discussões “comuns” do casal poderia ter chamado à assistente as seguintes palavras “puta” e “bruxa”.
Tal versão foi contrariada pelas assistente que referiu expressamente não apenas aquelas mas todas as expressões que na acusação se refere terem-lhe sido dirigidas pelo arguido, de forma regular, ao longo da coabitação de ambos e que o arguido, com muita frequência, sobretudo nos últimos tempos de casados, lhe cuspia para a cara, durante as discussões de ambos, não precisando situações concretas em que tal ocorrera, precisamente por tal suceder com muita frequência, sempre que o casal discutia, o que, face às suas declarações, acontecia permanentemente.”
As testemunhas B, filha do arguido e da assistente, e D, seu companheiro, referiram, a primeira, “que desde sempre se lembra de assistir a discussões entre ambos, durante as quais ouvia o pai chamar a mãe, “bruxa” e “puta”, e dizer-lhe que ela tinha amantes, o segundo, igualmente referiu ter assistido a frequentes discussões do casal ouvindo, o arguido chamar a assistente de “puta” e “bruxa”. A filha do casal referiu ainda recordar-se de, sendo muito pequena ainda, ver a mãe e chorar e a sangrar, enquanto o pai foi, a correr, e mostrando-se aflito, colocar-lhe uma bacia por baixo.
O facto de o arguido os ter negado não significa que não os tenha cometido, e as suas declarações, confrontadas com as da vítima, com todos os demais elementos de prova e com o comportamento global do arguido, não são credíveis.
Por outro lado, é normal, tal como é referido por algumas testemunhas inquiridas, que não se aperceberam de todos estes comportamentos, pois que, nestas situações, as pessoas que rodeiam os casais não dão conta do que se passa no interior da residência. Tudo o que possam saber é sempre contado por quem vive as situações, Já que as agressões físicas murros no nariz e cabeça, soco e aperto de braços -, as ameaças e os insultos, ocorrem ou dentro de casa e longe da vista, ou sem a presença de terceiros, ainda que alguns epítetos e afirmações ou palavras proferidas, possam ter sido audíveis pelos familiares que com eles co-habitam, ou percepcionáveis pelos vizinhos, a quem a vítima pede auxílio, como foi o caso de Rosaria Marques. Assim, ainda que algumas testemunhas, nomeadamente, os familiares do arguido, tenham referido que nunca tenham presenciado maus tratos por parte do arguido sobre a companheira, não significa que não tenham ocorrido, repetidamente.
Assim sendo e tendo em conta o modo como as declarações da assistente e os depoimentos das testemunhas referidas foram prestados, deu-lhes o Tribunal credibilidade acreditando na veracidade dos mesmos
Portanto, o confronto de todos estes depoimentos e declarações convenceu no sentido apontado na sentença recorrida, fazendo sentido e lógica a fundamentação da convicção sobre os mesmos e os factos apurados.
No que concerne à matéria de facto provada constante dos pontos 16 a 20, referentes ao dolo, o Sr. Professor Manuel Cavaleiro de Ferreira em "Direito Penal Português” - Parte Geral I - Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, escreve que se a intenção é vontade e esta é acto psíquico, acto interior são, contudo, grandes as dificuldades para dar praticabilidade a conceitos que designam actos internos, de carácter psicológico e espiritual. Por isso se recorre a regras da experiência, que as leis utilizam quando elas podem dar aos conceitos maior precisão...
Por outro lado, o dolo, dada a sua natureza subjectiva, é insusceptível de apreensão directa, só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção, e por meio das presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência.
A ilustrar tal entendimento podem citar-se, entre outros, os seguintes acórdãos:
Acórdão do S.T.J. de 07.07.93 publicado na Base de Dados da DOSI (www.dgsi.pt) sob o n.º SJl99307070444783: "Os elementos do crime, de estrutura psicológica como o dolo, só são, em regra, susceptíveis de prova indirecta, porque muito raros são os casos em que o agente anuncia que vai praticar um crime."
Acórdão do S.T.J. de 01.04.93 in BMJ n.º 426, pág. 154 no qual se exarou: "Dado que o dolo pertence à vida interior e afectiva de cada um e, é portanto, de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo possa concluir-se, entre os quais surge, com a maior representação, o preenchimento dos elementos materiais integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência. "
Ora recorrendo a regras de experiência e porque para se aferir ou não da existência da intenção criminosa, se há-de retirar os elementos confirmativos da sua verificação, da matéria fáctica dada como provada
Da análise probatória global, efectuada igualmente pelo tribunal ad quo não pode de todo concluir-se por uma errada apreciação da prova em termos de julgamento pelo tribunal. Pelo contrário, os factos provados consignados e mencionados, são totalmente pertinentes, por resultarem da conjugação de toda a prova, resultando a sua verificação de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral de experiência."
Pois que, no caso “sub judice”, tal como se mostra mencionado, resulta da fundamentação da matéria de facto que, o tribunal “a quo” na análise e fixação da matéria de facto, baseou-se na observação de conjunto de provas legalmente válidas e interpretou-as, de forma livre, mas não arbitrária.
Resta apenas referir que de todo se constata qualquer evidência que permita concluir, como pretende o recorrente, a violação do princípio da livre apreciação da prova.
O princípio da livre apreciação da prova, como princípio estruturante do direito processual do continente europeu e, especificamente do direito processual penal português, assume, na dinâmica do processo de fundamentação da sentença penal simultaneamente, uma dupla função de ordenação e de limite.
Vinculado ao princípio da descoberta da verdade material, contrariamente ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, possibilita-se ao juiz um âmbito de discricionariedade na apreciação de cada uma das prova atendíveis que suportam a decisão.
Trata-se de uma discricionariedade assente num modelo racionalizado, na medida em que implica que o juiz efectue as suas valorações segundo uma discricionariedade guiada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação. Ou seja, «o princípio da livre convicção libertou o juiz das regras da prova legal mas não o desvinculou das regras da razão» cf. Michelle Taruffo, «Conocimiento cientifico y estándares de prueba judicial», Jueces para la Democracia, Información y debate, nº 52, Marzo, 2005, p. 67.
Ora conforme foi referido o Tribunal no caso concreto, para chegar à sua decisão, valorou um conjunto diverso de provas utilizando exactamente as regras da razão, fundadas na lógica e na experiência. Daí que não se vislumbra qualquer vício no seu modo de decidir e valorar essas provas que ponha em causa o principio da livre apreciação da prova.” (vide, Ac. R C, de 25/11/2009, proferido no Proc. N.º 219/05.8GBPCV.C1).
O tribunal recorrido apreciando criticamente todas as provas produzidas, conjugando-as e confrontando-as, como se fez constar, de forma detalhada, da respectiva fundamentação. É indiscutível que na sentença é mencionada, portanto, a razão da valoração de todos os elementos probatórios e credibilidade dos depoimentos das referidas testemunhas.
A conjugação dos aludidos elementos probatórios serviu para a convicção do tribunal “a quo” na forma vertida na sentença recorrida.
Todos estes elementos de prova infirmam as afirmações do recorrente vertidas em alguns dos diversos pontos da sua conclusão da motivação de recurso e confirmam a matéria apurada e não provada consignada.
Portanto, atentas as considerações supra tecidas, e ao contrário do recorrente, o Tribunal a quo valorou validamente a prova produzida, valorando ao abrigo do Principio da livre apreciação da prova, do Principio da imediação, e considerando as regras da experiência comum e da lógica, os diversos elementos probatórios carreados e produzidos nos autos, apreciando de modo imparcial e coerente.
Face a essa fundamentação da convicção feita pelo tribunal, colocar em causa a valoração da prova feita, sem concretizar devida e especificadamente matéria relevante para esse fim, e mencionar determinados depoimentos (como sejam os depoimentos dos familiares do arguido que, ou não serviram de base á fundamentação da convicção do tribunal, ou não concorreram para ela, em detrimento de outros que foram relevantes para a convicção da matéria fáctica, provada o não provada, não pode ser considerado como impugnação da matéria de facto.
Ora, da análise de toda a prova supra referida, junta aos autos, emerge a convicção de que toda a prova produzida foi, em termos genéricos, correctamente valorada pelo Tribunal “a quo" não merecendo, reparo a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
Assim, não se modifica tal matéria de facto, nos termos preceituados no art. 431º n.º 1 al. b), do C.P.P.
A matéria fáctica apurada é a que se mostra descrita, na sentença recorrida.

2.4.3 - Dir-se-á que os vícios expressos no nº 2, do art.º 410º n.º 2, do CPP, não se verificam, pelos motivos a seguir desenvolvidos.
A al. c), deste preceito permite que o recurso tenha por fundamento o erro notório na apreciação da prova, desde que o vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Germano Marques da Silva - Curso de Processo Penal III/341 - defende que erro na apreciação da prova é o erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques - Recursos em Processo Penal/ 4ª edição/74, defendem que o erro na apreciação da prova consiste na falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se deu como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Simas Santos e Leal-Henriques referem, na primeira obra citada, que jamais poderá incluir-se no erro notório na apreciação da prova a sindicância que os recorrentes possam pretender efectuar à forma como o Tribunal recorrido valorou a matéria de facto produzida perante si em audiência, valoração que aquele tribunal é livre de fazer, de harmonia com o preceituado no art. 127°, do C.P.P.
Todavia, do texto da sentença recorrida, mostram-se, devidamente, indicados e explanados os fundamentos da convicção do tribunal na fixação da matéria de facto, resultante da completa e pormenorizada análise de provas que nele se mencionam.
Face ao que acima foi dito, conjugado com o afirmado no ponto 2.4.1, para o qual remetemos, facilmente se concluiu que o alegado pelo recorrente não integra o referido vício pois a sentença recorrida não padece de falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si.
Assim, desde já, para além do referido no dito ponto, para o qual remetemos, se afirma que, na sentença recorrida, o vício do erro notório na apreciação da prova, não se vislumbra. Muito pelo contrário, nela é feita uma criteriosa e minuciosa análise da matéria de facto dada como apurada, demonstrativa da actuação do arguido, da factualidade não apurada, bem como, da sua subsunção aos normativos de natureza penal, tudo devidamente enquadrado e adequado.
Não podemos olvidar as regras de experiência e dedução lógicas, sendo certo que este delito é um crime normalmente oculto entre as paredes das casas, sendo mais do que são compreensíveis indeterminações das vítimas de tenra idade que muitas vezes não se sabem, sequer, exprimir, devidamente, e, não entendem os actos vis de que são alvo.
O recorrente pode discordar da forma como o tribunal, perante os meios de prova produzidos, construiu a sua convicção e determinou a factualidade provada e não provada.
Contudo, como é sabido, no domínio da apreciação das provas rege o princípio segundo o qual estas são apreciadas de harmonia com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (C.P. Penal, artigo 127°, supra mencionada), liberdade que não se traduz em arbítrio, mas sim no dever exclusivo de perseguição da verdade material, conformado por um processo de convencimento lógico, coerente e fundamentado, por um dever de ponderação e avaliação caracterizado pela sensatez e responsabilidade.
Portanto, é perfeitamente acertado o raciocínio desenvolvido, baseado nas regras da experiência comum e da lógica, os diversos elementos probatórios carreados e produzidos nos autos.
Por fim, é óbvio, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal não teve qualquer dúvida acerca dos pontos de factos que deu como assentes, dúvidas que este tribunal de recurso também não vislumbra.
No caso em análise a formulação da convicção esteve em consonância com as regras da lógica e da experiência comum e baseou-se em juízos lógicos e objectivos, respeitadores das regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.
Acresce que, do texto da sentença recorrida não se verifica a existência dos vícios indicados no artigo 410.°, n.º 2 als. a) e b) do C. P. P.
O vício previsto no art. 410º n.º 2 al. a) consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, tomando-se necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada. É necessário que insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão.
Este vício traduz-se na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, algo distinto.
Alega o recorrente que se verifica na decisão em crise, insuficiência da matéria de facto.
Ora a simples leitura da sentença demonstra que a matéria de facto provada e não provada assente nos pontos 1 a 19, da sentença recorrida, integra todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime pelo qual o arguido/recorrente foi condenado. Os restantes parágrafos da matéria fáctica apurada, pontos 20 a 23, são relevantes para a decisão de direito, nomeadamente fixação e graduação da medida da pena, e outros aspectos jurídicos.
É, pois, manifestamente patente, que a decisão recorrida não enferma deste vício.
No que respeita a pretensão do arguido/recorrente, expressa nas suas conclusões de recurso, referente á alteração e ampliação da matéria de facto, dir-se-á que a exigência legal, de menção, na sentença, dos factos provados e não provados respeita, apenas, aos que são essenciais à caracterização do (s) crime (s) e às suas circunstâncias juridicamente relevantes, excluindo os factos inócuos ou irrelevantes para a verificação ou qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, ainda que descritos na acusação, na contestação, ou resultante de documentos juntos.
Neste mesmo sentido, o Ac. STJ, de 14 de Fevereiro de 2001, proc. N.º 2836/00-3ª, sastj, N.º 48, 53, refere: “Os factos provados e não provados que devem constar da sentença são os que se configuram como essenciais para as questões enunciadas no n.º 2, do art. 368, do CPP.”.
O Recorrente alega, que não foram levados em conta os factos importantes para a sua defesa, referindo que houve períodos, não descritos na factualidade apurada que o arguido esteve emigrado.
Todavia, como já referido no ponto 2.4.1, para o qual remetemos, essa questão foi, pormenorizadamente, analisada, tendo-se concluído que, “em nada altera a situação o facto de ter havido períodos de tempo em que o arguido esteve emigrado, pois que, o vínculo matrimonial, a ligação, e os maus-tratos se mantiveram, ainda que, com interregnos de tempo, fazendo sentido, o afirmado pelo tribunal “a quo”, de que, “, entre os anos de 1994 ou 1995 e 2000 e, novamente, entre 2004 e Dezembro de 2010, o arguido emigrou, encontrando-se ausente do país, durante esses períodos, entre os meses de Março e Dezembro, e regressando ainda para férias durante 15 dias em Agosto ou Setembro, não exclui que os factos descritos sob o ponto 3 tenham sido praticados pelo arguido de forma regular, uma vez que resulta das declarações da assistente e das testemunhas B e D que, mesmo nessas fases, o arguido mantinha tal conduta durante os meses em que se encontrava em Portugal, retomando-a, de forma mais intensa, quando regressou definitivamente.”
Ora, “quando o recorrente pretende contrapor a convicção que ele próprio alcançou sobre os factos à convicção que o tribunal teve sobre os mesmos factos, está a confundir insuficiência da matéria de facto com a insuficiência da prova para decidir, sendo a sua convicção irrelevante.» (ac. do S. T. l., de 09. 1298, BMJ 482, 68).
A sentença recorrida, baseando-se numa apreciação critica e global de toda a prova produzida no seu conjunto (os elementos probatórios, em que se baseou, revelaram-se sérios e isentos, tendo os seus depoimentos sido considerados seguros, convincentes e objectivos) consignou, apenas, os factos provados e não provados essenciais à caracterização do crime e às suas circunstâncias juridicamente relevantes, excluindo os factos inócuos ou irrelevantes para a verificação ou qualificação do crime ou para a graduação da responsabilidade do arguido, ainda que descritos na acusação, na contestação, ou resultante de documentos.
Assim, são necessários e suficientes, para a decisão, os factos provados e os não provados, consignados na sentença recorrida, entre eles, os vertidos nos aludidos pontos 1 a 23, os primeiros e 1 a 4, os segundos, e não outros, como pretende o recorrente.
No que respeita ao vício expresso na citada al. b), do texto da sentença recorrida, não vislumbramos que exista contradições entre a fundamentação e a decisão, ou entre a matéria fáctica e a fundamentação constantes da sentença recorrida, nem na própria fundamentação.
Assim, a matéria de facto dada como provada e a fundamentação, permitem, perfeitamente efectuar o raciocínio vertido na sentença recorrida, sem que se vislumbre incoerências, faltas de lógica ou contradições. Portanto, não existe, manifestamente, na sentença recorrida qualquer contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão
Acresce que não existe contradição de relevo, quer entre as declarações da assistente, E, e o dos depoimentos das testemunhas, B, filha do arguido e da assistente, D, seu companheiro, que revelaram ter conhecimento directo de factos relevantes e concretos que serviram para formar a livre convicção do tribunal, Não existindo, portanto, ambiguidades que possam gerar, no espírito do julgador, uma dúvida séria e razoável, não resolúvel.
Alguma discrepância, nomeadamente de verbalização ou linguagem, entre eles, só demonstra que não houve preparação das afirmações a prestar no decurso de audiência, o que justifica a sua credibilidade.
Também, neste âmbito, falece razão ao recorrente.
Por fim, é óbvio, da simples leitura da fundamentação da decisão recorrida que o tribunal não teve qualquer dúvida acerca dos pontos de factos que deu como assentes, dúvidas que este tribunal de recurso, depois da leitura dos depoimentos transcritos, mesmo sem acesso à imediação e à oralidade, também não vislumbra.

2.4.4 - Nulidade da decisão
O recorrente alega a nulidade da sentença, quer no que concerne à insuficiência do exame crítico da prova, no que se refere à omissão de pronúncia e no que respeita ao não cumprimento do disposto no artigo 358.º do Código de Processo Penal, como resulta das atas de audiência de julgamento,
Vejamos!
O artigo 374º do C.P.P. estabelece que constituem requisitos da sentença, relatório, fundamentação e o dispositivo.
Ao relatório, elaborado em conformidade com o disposto no n.º 1 daquele preceito legal, segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal a que se segue o dispositivo elaborada em conformidade com o n.º 3 do mesmo preceito legal
A exigência de explanação racional da decisão no texto da sentença prende-se com o princípio da livre apreciação da prova, consignado no art. 127º do C.P., nos termos do qual salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
A fundamentação, como resulta expressis verbis do n.º 2, não se satisfaz com a enumeração dos meios de prova produzidos na audiência de julgamento e dos que serviram para fundamentar a sentença. É ainda necessário um exame crítico desses meios, que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto. Trata-se de significativa alteração do regime do Código Penal de 1929, e mesmo do que, segundo alguma doutrina, anteriormente, vigorava por alterações introduzidas no C.P.P.
Sobre a motivação fáctica das sentenças penais expendeu Marques Ferreira as seguintes considerações nas Jornadas de Direito Processual Penal 229-230: “…No processo penal português, em consequência com os princípios informadores do Estado de Direito democrático e no respeito pelo efectivo direito de defesa consagrado no art. 32º, n.º 1 e no art. 210º, n.º 1, da C.R.P., exige-se não só a indicação das provas ou meios de prova que serviram para formar a convicção do tribunal mas, fundamentalmente, a expressão tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentaram a decisão.
Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum), nem os meios de prova (thema probandum), mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via de recurso, conforme impõe inequivocamente o art. 410º, n.º 2.
E extraprocessualmente a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade na sentença e a própria independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais, mas a própria sociedade...”.
Ora, nos termos da al. c), do n.º 1, do citado art. 379º, do C. P. P. é nula a sentença: “Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”
Citam-se, a título de exemplo, algumas decisões dos tribunais superiores referentes à fundamentação da decisão da matéria de facto imposta pelo art.º 374º n.º 2 do CPP, que representam, se não erramos, entendimento pacífico e tendencialmente uniforme sobre a matéria:
Ac. do STJ de 26-1-2000, Rec. N.º 197/99:
I- A fundamentação da decisão da matéria de facto, imposta pelo art.º 374º n.º 2, do CPP, assume função intraprocessual e também extraprocessual muito relevante, ligada ao exercício do direito de recurso - que torna necessária a apreensão do essencial do processo lógico-formal do julgador que determinou a decisão recorrível - e à aceitação das decisões judiciais pela comunidade, a pressupor a compreensibilidade das mesmas, fonte indispensável do seu prestígio e legitimação.
II- O dever de fundamentação deve, pois, ser cuidadosamente cumprido em harmonia com essas importantes funções, ainda que equilibradamente, por forma compatível com a natureza do princípio da livre apreciação da prova art.º 127º do CPP -, que pressupõe uma convicção não totalmente explicável, mas que não se confunde nunca com apreciação arbitrária da prova e não reconduzível a uma mera impressão ou convencimento subjectivo do julgador.
III -A referida fundamentação não pode, assim, limitar-se à indicação das provas; impondo-se o seu exame critico, ainda que sucinto, como era exigível, pela própria natureza e pelas suas funções, mesmo antes da explicitação resultante da alteração introduzida no citado art. 374º n.º 2, pela Lei 59/98, de 25-8;
Ac. do STJ de 18-3-99, Rec n.º 1460/98
“I- O art.º 374º n.º 2 do CPP não exige que o tribunal exponha, pormenorizada e completamente, a totalidade do raciocínio lógico que se encontra na base da sua convicção ao dar como provado um certo facto, ou seja, não exige a explicitação do processo racional ou lógico que conduziu à convicção subjacente à descrição fáctica que efectivou, e muito menos, que fique a constar o que pelas testemunhas foi dito em julgamento.
II- O que importa, é que na indicação dos meios de prova que estão na base da respectiva decisão fiquem a contar os elementos que, em razão da regras da experiência comum ou e obediência a um critério de logicidade, constituem o fundamento racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os meios de prova apresentados em audiência.
(todos em www.dgsi.pt).~
No que concerne ao exame crítico da prova, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o mesmo mostra-se efectuado de forma pormenorizada e convincente, conforme consta da al. C) “Motivação”, descrita a fls.242 a 245, da sentença recorrida. Nela é realizada a análise crítica de todos os meios de prova, ou indicação da razão de ciência da credibilidade, exame crítico a esses mesmos meios de prova, sendo possível concluir que o teor da convicção do tribunal, está em perfeita sintonia com o conteúdo da factualidade apurada e não apurada. Mais é explicada a razão da credibilidade atribuída às declarações da assistente e das testemunhas B, filha do Arguida e da Assistente, do companheiro daquela, D, e da vizinha do ex-casal, Rosário Marques, como se aprofundou, no ponto 2.4.2, para o qual se remete.
Questões de motivação da sentença constituem tema predilecto em inúmeros recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, abrangendo variados aspectos, como a falta de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal ou a falta de indicação das fontes de prova, a apreciação crítica dessas provas, a falta de indicação dos factos provados e não provados, a incompreensão do raciocínio lógico ou racional dos julgadores, omissões de pronúncia, a fundamentação deficiente, a deficiente exposição dos motivos da decisão, e as referências à matéria da contestação criticadas pela omissão da mesma, etc.
Relativamente aos factos alegados pela acusação e pela defesa (no caso em análise, na contestação apresentada pelo arguido, ora recorrente, a fls. 179 e 180, não se mostram alegados factos, sendo, apenas, arroladas testemunhas que foram inquiridas, no decurso da audiência de discussão e julgamento), a tendência é no sentido de que tem de ser levado à fundamentação, os factos com interesse para a decisão, quer se considerem provados ou não provados.
Não podemos olvidar que o processo penal tem a natureza acusatória sendo o seu objecto demarcado pela acusação ou pela pronúncia, se a houver. O tribunal, no julgamento, está subordinado ao princípio da vinculação temática segundo o qual toda a actividade probatória a realizar tem como limite os factos que constam da acusação ou da pronúncia.
No caso concreto não houve a fase de instrução. A acusação é, pois, a peça processual que expõe e demarca, não só, o objecto do processo, mas também, os poderes de cognição do Tribunal.
Portanto, o objecto do processo mostra-se fixado pela acusação, até ao trânsito em julgado da sentença, devendo a matéria fáctica nela descrita (desde que relevante para a qualificação do tipo legal do crime imputado e para as suas circunstâncias juridicamente fundamentais) ser, na sua globalidade, apreciada.
As garantias de defesa do arguido, assim o exigem, em obediência aos princípios da presunção de inocência e do ne bis in idem.
O objecto do processo, delimitado pela acusação, é composto pela descrição dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e a indicação das disposições legais aplicáveis, conforme preceitua o art. 283°, n.º 3, als. b) e c) do aludido compêndio adjectivo.
O art. 368º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal, estabelece que todos os factos descritos na acusação, pela sua relevância, devem ser submetidos a deliberação e votação do Tribunal, juntamente com os alegados pela defesa e com os resultantes da discussão da causa – (Cfr. o já mencionado art. 374°, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)
Essa vinculação, como já referido, respeita, apenas, aos factos essenciais à caracterização do crime e suas circunstâncias juridicamente relevantes, excluindo, portanto, os factos inócuos, irrelevantes para as mencionadas finalidades.
Assim, deve ser analisada a totalidade do “thems probandum”.
É óbvio que, relativamente, aos factos que se revelarem de todo incompatíveis com os factos dados como provados resultantes da acusação, é desnecessária a sua inclusão na factualidade não provada, pois que, resulta inequívoco, que a aludida pretensão legal, foi realizada - todos os factos, essenciais - foram analisados e decididos -.
O citado art. 379°, n.º 1, al. c) do Cód. Proc. Penal, estabelece a nulidade da sentença, como a consequência dessa omissão ou falha.
Após estas explanações, reverteremos para o caso concreto.
Não ocorreu qualquer omissão de pronúncia sobre questão suscitada, pois que toda a matéria relevante para a decisão foi analisada e apreciada na sentença recorrida.
Pois que, como já referido nos pontos 2.4.1 e 2.4.3, para os quais se remete “em nada altera a situação o facto de ter havido períodos de tempo em que o arguido esteve emigrado, pois que, o vínculo matrimonial, a ligação, e os maus-tratos se mantiveram, ainda que, com interregnos de tempo, fazendo sentido, o afirmado pelo tribunal “a quo”, de que, “, entre os anos de 1994 ou 1995 e 2000 e, novamente, entre 2004 e Dezembro de 2010, o arguido emigrou, encontrando-se ausente do país, durante esses períodos, entre os meses de Março e Dezembro, e regressando ainda para férias durante 15 dias em Agosto ou Setembro, não exclui que os factos descritos sob o ponto 3 tenham sido praticados pelo arguido de forma regular, uma vez que resulta das declarações da assistente e das testemunhas B e D que, mesmo nessas fases, o arguido mantinha tal conduta durante os meses em que se encontrava em Portugal, retomando-a, de forma mais intensa, quando regressou definitivamente.”
Acresce-se que “…mesmo no que respeita aos factos efectivamente ocorridos no período referido pelo arguido (descritos nos artigos 4 a 8 da acusação), não podem, ao contrário do que este vem sustentar, ser apreciados em si mesmos, isoladamente em relação aos demais, em virtude das características próprias do crime de violência doméstica.”.
Não existe nenhuma omissão geradora da nulidade de pronúncia invocada, nomeadamente, sobre factos concretos muito relevantes para a decisão final.
Por isso, é óbvia a conclusão de que não estamos perante nenhuma nulidade expressa nos citados arts. 374º, n.º 2 e 379º, nº 1, als. a) a c), do CPP
Acresce que, no que concerne à alegada nulidade por falta do cumprimento do disposto no art. 358º, do CPP, na sessão de julgamento de 11/07/2013, conforme consta de fls. 237 e 238, foi proferido o despacho seguinte:
“Analisada a prova produzida em audiência, verifica-se que se encontra indiciado que ao longo da coabitação com a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apuradas mas de forma regular, além do mais, o arguido cuspia na cara da ofendida, e não que o tenha feito concretamente no dia 22 de Maio de 2012, como se refere na acusação.
Tal circunstância configura uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, que ora se comunica em cumprimento do disposto no art. 3580 n. o 1 do Código de Processo Penal.
Notifique.”
O citado art.358.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, preceitua: «Se no decurso da audiência se verificar uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia, se a houver, com relevo para a decisão da causa, o presidente, oficiosamente ou a requerimento, comunica a alteração ao arguido e concede-lhe, se ele o requerer, o tempo estritamente necessário para a preparação da defesa.».
E acrescenta-se no n.º 2: «Ressalva-se dos disposto no número anterior o caso de a alteração ter derivado de factos alegados pela defesa.».
Ora, este preceito foi, efectivamente cumprido, com a prolação do referido despacho proferido antes da prolação da sentença.
Acresce que meros factos circunstanciais não fazem parte do leque dos factos de que faz referência o referido preceito.
Portanto, atento o teor desse despacho, não se entende, pois, a razão da nulidade invocada, não verificada.
O recorrente carece, de novo, de razão.

2.4.5 - Verificação dos elementos do tipo legal do crime de violência doméstica.
A subsunção dos factos ao direito foi acertada, porquanto se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1 e 2 do Código Penal
Senão vejamos!
Como já referido no ponto 2.4.1, para o qual remetemos, o crime de violência doméstica está consubstanciado no art.152º do Código Penal Português – Lei 59/2007, publicada em Diário da República (1º Série) em 4 de Setembro de 2007 decreta o seguinte:
Artigo 152.º - Violência doméstica
1 - Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
(…)”
No seguimento do já referido, a nova redacção do aludido preceito legal – art. 152º, do CP -, a liberdade pessoal e de autodeterminação sexual, no âmbito da relação de conjugalidade ou por causa dela, estão tuteladas pois a letra da lei é clara: “maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais”.
No que respeita ao tipo objectivo de ilícito preenche-se com a acção de infligir “Maus-tratos físicos”, que se traduzem em ofensas à integridade física, incluindo simples) ou “Maus-tratos psíquicos”, v.g., humilhações, provocações, ameaças, mesmo que não configuradoras em si do crime de ameaça”ao ex-cônjuge do agente.
Portanto, tendo em atenção o bem jurídico protegido (que orienta a interpretação do tipo legal aqui em causa) e o caso concreto para a consumação do crime de violência doméstica não é necessário que a conduta do agente/arguido assuma um carácter violento, no sentido de exceder o crime de ameaça e de injúria, como alega o recorrente.
No que concerne ao elemento subjectivo do tipo, exige-se o dolo mas, atendendo a que se está perante um crime de mera actividade, basta o dolo de perigo de afectação da saúde, aqui o bem estar e a dignidade humana do sujeito passivo.
O relevante, como já referido, para a caracterização desse conceito legal é que os factos, isolados ou reiterados, praticados no âmbito de uma relação conjugal ou de vida em comum, possuam uma gravidade e importância tais que coloquem a pessoa ofendida numa situação inconciliável com a dignidade e a liberdade necessárias a qualquer membro do casal.
Portanto, o ponto fulcral do crime de violência doméstica na dignidade da pessoa em relação livremente contraída.
Não se questiona que, neste tipo de crime - violência doméstica - se está perante a protecção de um bem jurídico complexo, integrando a saúde física, psíquica e emocional, a liberdade de determinação pessoal e sexual da vítima de actos violentos e a sua dignidade quando inserida numa relação conjugal ou análoga ou por causa dela.
Neste mesmo sentido, o acórdão do TRC de 07-10-2009, proferido no Proc. 317/05.8GBPBL.C2, refere: “A ocorrência de várias condutas reiteradas no tempo, diferenciadas no grau e no tipo de conduta, que por si só não assumam uma especial gravidade mas que quando interpretadas e vistas no enquadramento de uma relação conjugal assumem ou podem assumir claramente uma conformação de maus tratos. Ou seja, ao longo de um determinado período de tempo, no âmbito da relação conjugal, um dos cônjuges, agride, humilha, ameaça, injuria ou pratica outros actos que põem em causa a saúde do cônjuge, mesmo que não revista cada um deles de per si uma gravidade significativa”.
No caso “sub judice”, atendendo aos factos provados, parece indubitavelmente preenchido esse bem jurídico complexo, pois que, provados se mostram, não só, as ofensas corporais - vide pontos 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 14 -, mas também, as injúrias - vide ponto 3 - e as ameaças - ponto 3.
Contudo, essas agressões, físicas e psicológicas (e ameaças, acrescentamos nós), não são simples ofensas à integridade física e injúrias, mas sim, maus tratos ocorridos com violência, intensidade e reiteração, no âmbito da relação estabelecida entre o arguido e a vítima que atentam contra a liberdade de autodeterminação pessoal desta, contidos na previsão do artigo 152º do Código Penal.
Portanto, faz todo sentido afirmar-se que, tendo resultado provado que, “ao longo da coabitação entre o arguido e a ofendida, em ocasiões de número e frequência não concretamente apurada, mas de forma regular, o arguido cuspiu na cara desta e dirigiu-lhe palavras como: “puta, bruxa, tens amantes, és uma filha da puta “ “um dia puxo fogo à casa”, “eu mato-te”.
Mais se provou que, no ano de 1990, em data e hora não concretamente apurada, no interior da residência do casal, o arguido dirigiu-se à ofendida e desferiu-lhe um murro com a mão direita fechada, atingindo-a nariz, tendo este começado a sangrar, apresentando hematomas e sentindo dores e mau estar geral, bem como, que, em 1998, o arguido, no decorrer de uma discussão, desferiu à ofendida um murro com a mão direita fechada, atingindo-a na zona da nuca, fazendo com que esta perdesse os sentidos, saindo de casa em seguida, sem lhe prestar qualquer auxílio.
Provou-se ainda que, a 22 de Maio de 2012, no interior da residência do casal, o arguido exibiu à assistente um frasco de herbicida, dizendo-lhe que o bebesse, apertando-lhe de seguida os braços, e que, a 1 de Julho de 2012, o arguido desferiu à assistente um soco com a mão direita, atingindo-a no braço esquerdo.
Tais condutas revelam-se manifestamente atentatórias da honra e dignidade da assistente, pela sua gravidade e reiteração, tendo em conta a relação então existente entre ambos, atenta a violência física usada contra a ofendida, e ainda o carácter ofensivo das expressões que lhe foram dirigidas pelo arguido, e do acto de o mesmo lhe cuspir para a cara, constituindo assim comportamentos claramente maltratantes.
Assim sendo, encontrando-se preenchidos os respectivos elementos objectivos e subjectivo, e não se verificando quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, tendo os factos em apreço sido praticados, pelo menos em parte, no domicílio comum do casal, conclui-se ter sido praticado, pelo arguido, um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152° nos 1 e 2 do Código Penal.”
Resumindo, no caso “sub judicie” o arguido levou a cabo as aludidas condutas descritas nos mencionados pontos da matéria de facto, desde, pelo menos 1990 a 1 de Julho de 2012, período de tempo, que conjugado com um conjunto de factos assaz intensos e distintos que, examinados, no contexto duma relação tipo conjugal, revelam violência física, psíquica e emocional relevantes, passíveis de afectarem a dignidade da ofendida, enquanto membro dessa relação, e de permitirem o enquadramento no tipo legal de crime de violência doméstica, como já afirmado.
Concluindo, a subsunção dos factos ao direito, realizada pelo tribunal recorrido, foi correcta.
O recorrente carece, de novo, de razão.

Por fim, dir-se-á que não se vislumbram violações legais dos direitos de defesa do arguido, nem as dos arts. 152.º, n.º 1 e 2, 143.º, e 181.º, todos do Código Penal, 368. 374.º, n.º 2, 379º, n.º 1 alíneas a) e c), todos do Código de Processo Penal do CPP e 32.º da Constituição da República Portuguesa.


III - Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente com taxa de justiça que se fixa em 5 Ucs
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas - art. 94 n.º 2 do CPP).
Évora, 19/12/2013

Maria Isabel Duarte
José Maria Martins Simão