Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
214/17.4T8SRP.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
UNIDADE DE CULTURA
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O direito de preferência, previsto no artº 1380º do CC e no artº 18º do Dec.-Lei 344/88, de 25/10, incide sobre o prédio que conflitua com o preferente e sobre os contíguos ao primeiro, podendo atingir vários artigos matriciais, desde que com áreas inferiores à unidade de cultura.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 214/17.4T8SRP.E1

Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Recorrentes: (…) e (…)
Recorridos: (…), Lda. e (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca Beja, Juízo de Competência Genérica de Serpa, os recorrentes propuseram ação de processo comum contra os recorridos pedindo a sua condenação a reconhecerem que assiste aos Autores o direito de preferência e de haver para si a titularidade dos seguintes prédios rústicos:
a) «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 1,825 Ha, destinado a olival, e que confronta, a Norte com (…); a Sul com Ermida de Nossa Senhora de Guadalupe; Nascente com (…) e a Poente com (…).
b) «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 na Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 Ha destinado a olival, e que confronta, a Norte com herdeiros de visconde de (…); a Sul com (…); Nascente com (…) e a Poente com estrada.
Ou, em alternativa e em caso de improcedência do reconhecimento do direito de preferência dos AA, sob o prédio (…) da secção (…), a transmissão para estes do prédio rústico denominado “Nossa Senhora de (...)” sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o nº (…)/19991001 da Conservatória do registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo (…), secção (…), com a área de 1,825 Ha, pelo valor unitário constante da escritura pública outorgada.
Os RR, ora recorridos, contestaram e reconviram, argumentando que não estão reunidos os pressupostos do direito real de preferência porque os AA, ora recorrente, não são donos de prédio confinante com ambos os prédios em causa nos autos, não o sendo quanto ao prédio do artigo (…).
Pediram a improcedência da ação e absolvição do pedido.
A título subsidiário e em caso de procedência da ação, reconvindo pediram a condenação dos AA no pagamento ao Réu (…), da quantia de € 6.962,00 a título de indemnização por benfeitorias, reconhecendo-lhe o direito de retenção dos imóveis até integral satisfação do seu crédito.
Ainda subsidiariamente, caso os AA deduzam oposição ao pedido de indemnização por benfeitorias úteis, com fundamento em detrimento do prédio, caso não se prove este nem o detrimento/perecimento das benfeitorias, deve reconhecer-se ao R o direito ao levantamento das benfeitorias por si realizadas em prazo não inferior a noventa dias a contar do trânsito em julgado.
Os AA responderam por impugnação pedindo a improcedência da condenação no pagamento das benfeitorias por inexistentes.
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Após julgamento foi proferida a seguinte decisão:

Nestes termos, decide-se:
A. na procedência parcial da acção, reconhecer aos Autores o direito de preferência e de haver para si a titularidade do prédio rústico «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 1,825 ha, substituindo os Autores, ao 2.º Réu, na compra e venda melhor identificada no facto provado 1-, pelo preço de € 5.073,14;

B. absolver os Réus do demais peticionado pelos Autores;

C. julgar a reconvenção totalmente improcedente, por não provada, e absolver os Autores da totalidade do pedido formulado pelo Réu/Reconvinte;

D. condenar Autores e Réus no pagamento das custas da acção na proporção de 48,8% para os Autores e de 51,2% para os Réus;

E. condenar o Réu/Reconvinte no pagamento da custas da reconvenção.

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Não se conformando com o decidido, O R. (…) recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do seu recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso:

1) É tempo de concluir, dando cumprimento ao art.º 639 do CPC;

2) Entendem os apelantes que o tribunal a quo efetuou uma errada interpretação dos art.ºs 1410.º e 416.º, 417.º, n.º 1 e 418.º, aplicáveis por força do disposto no artigo 1380.º, n.º 4, todos do Código Civil.

3) O disposto no art.º 1380.º do CC tem em vista o emparcelamento de prédios rústicos evitando, pela preferência que estabelece que, em atenção à unidade de cultura, continuem fracionados em parcelas de área inferior a determinada superfície mínima.

4) A Portaria nº 202/70, de 21/4, em vigor à data da alienação dos 2 prédios, estabelecia que a área da unidade de cultura para a região de Beja (a que pertence o concelho de Serpa, onde se situam os prédios desta ação) é “A Sul do Tejo: 2,5 ha para culturas arvenses em terrenos de regadio; 0,5 ha para culturas hortícolas em terrenos de regadio; 5 ha e 7,5 ha, respetivamente no distrito de Faro e nos restantes distritos a sul do Tejo, pelo que, e conforme reconhecido pela sentença sob censura, todos os prédios têm uma área inferior à unidade de cultura, e mesmo o seu somatório fica aquém dessa área.

5) Os apelantes são donos e legítimos possuidores do prédio rústico «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19980605 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 Ha destinado a olival,

6) Aos apelantes assistia o direito de preferência na alienação, quer do prédio «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 1,825 Ha, e é destinado a olival, quer do prédio «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 na Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 Ha e é destinado a olival.

7) Atento o facto destes prédios constituírem uma área de cultura bastante inferior à fixada como superfície mínima no distrito de Beja.

8) Tendo estes dois prédios rústicos sido vendidos conjuntamente aos apelados;

9) A interpretação efetuada pelo Tribunal a quo, relativamente aos art.ºs 1380º, 1410º e 416º a 418º do CC violou a letra e o espirito da lei, negando uma evidência, ou seja a de que se pretende fomentar o emparcelamento de terrenos e não o contrário.

10) Tendo em conta o objetivo visado pela lei, não se vê como pode o tribunal recorrido não ter reconhecido aos apelantes o direito de exercer a preferência sobre a venda conjunta dos dois prédios contíguos, sendo que apesar do seu prédio apenas confinar diretamente com um deles, da referida reunião dos três prédios teremos uma maior aproximação à unidade de cultura fixada para a região em que se inserem e se criarão as condições “imprescindíveis à constituição de explorações rentáveis”.

11) Conforme refere o Acórdão da Relação do Porto de 31.10.1985 in CJ Ano X, Tomo IV pag.253, citado no Acórdão do STJ de 03/10/2013, disponível em www.dgsi.pt: “ no caso do art. 1380.º fundamentalmente o que interessa é a contiguidade dos terrenos, partindo da elementar evidência que é muito mais fácil cultivar uma unidade agrícola cujos terrenos sejam contínuos, do que explorar outra área igual dispersa por várias parcelas descontínuas.

12) Daí que o legislador não se tenha preocupado em distinguir se qualquer dos terrenos confinantes abrange mais que um artigo matricial.

13) Ou seja, apesar de estarmos perante dois artigos matriciais, adquiridos pelo mesmo comprador e no mesmo momento temporal, a sua contiguidade face ao terreno confinante dos apelantes, deveria o tribunal a quo ter reconhecido a estes o direito de preferência em relação a ambos os prédios alienados.

14) Se o que se pretende é conseguir que o todo seja mais que a soma das partes, pondo termo à fragmentação e dispersão dos prédios rústicos com o fim de melhorar as condições técnicas e económicas da exploração agrícola, não pode deixar de ser tido como inconciliável a interpretação que o tribunal a quo efetuou do art.º 1380º, 1410º e 416º, 417º e 418º do CC negando a extensão do direito de preferência ao prédio (…), atento o facto deste ser confinante com o prédio (…), mas não ser confinante com o prédio (…).

15) Tal entendimento até resulta do facto do legislador não se ter preocupado em distinguir se qualquer dos terrenos confinantes abrange mais que um artigo matricial, porquanto, uma vez que exista um terreno nas e para as condições indicadas, não interessa que a sua extensão, desde que contínua, seja fiscalmente identificada por mais do que um artigo matricial.

16) Pelo que se requer a V. Ex.ªs Exmos Desembargadores que reconhecem aos apelantes o direito de preferência e de haver para si a titularidade dos prédios rústicos «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 1,825 Ha e do prédio rústico denominado «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 na Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 Ha destinado a olival, determinado a transferência dos direitos alienados para o património dos apelantes em substituição do comprador.


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Foram colhidos os vistos por via eletrónica.

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A questão que importa decidir é a de saber se o direito de preferência de um prédio incide apenas sobre o prédio confinante, ou também sobre o prédio que confina com o confinante.


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Não tendo sido impugnada a matéria de facto encontra-se esta definitivamente fixada e é a seguinte:

1- Por contrato de compra e venda, titulado por escritura outorgada no Cartório Notarial de Serpa, em 18 de Maio de 2016, escritura que consta do documento 1 da petição inicial e aqui se dá por integralmente reproduzida, a primeira R., na qualidade de proprietária, vendeu conjuntamente ao segundo R., dois prédios rústicos:

a. «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 1,825 Ha, destinado a olival, e que confronta, a Norte com (…); a Sul com Ermida de Nossa Senhora de (…); Nascente com (…) e a Poente com (…).

b. «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 na Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 Ha destinado a olival, e que confronta, a Norte com herdeiros de visconde de (…); a Sul com (…); Nascente com (…) e a Poente com estrada.

2- As referidas aquisições foram registadas na Conservatória do Registo Predial de Serpa, no dia 23 de Maio de 2016, através da mesma apresentação, (…).

3- Os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio rústico «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19980605 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 Ha destinado a olival, e que confronta a Norte com o prédio alienado n.º (…), referido em 1-a.

4- Sendo que os prédios referidos em 1 de igual modo confinam entre si.

5- A 1ª R. não efetuou qualquer comunicação sobre a intenção de venda aos AA.

6- Os AA. tomaram conhecimento da venda no dia 23 de Maio de 2017.

2.1.2. Da contestação/reconvenção

7- Os AA. não são donos de prédio confinante com o prédio art.º (…)-J.

8- Na escritura de compra e venda referida em 1- a 1.ª R. e o 2.º R. declararam, respetivamente, vender e aceitar a venda, do artigo (…) pelo preço de € 5.073,14 e do artigo (…) pelo preço de € 4.916,86.

9- Depois de adquirir os prédios em causa, neles o R./Reconvinte (…) levou a cabo trabalhos de retirada do velho, disperso e improdutivo olival que lá se encontrava implantado, velho, disperso e improdutivo, pelo menos, por comparação com um olival do tipo intensivo, deixando livre e desembaraçada a área dos prédios.

10- Transplantou cinco oliveiras para locais mais próximos à estrema Poente do prédio art.º (…) e quatro oliveiras para locais mais próximos à estrema Poente do prédio art.º (…).

11- Procedeu à rega das referidas oliveiras, que depois de transplantadas, necessitaram de tal serviço.

12- A firma “(…) – Escavações, Unipessoal, Lda.”, a solicitação do R./Reconvinte elaborou o orçamento que consta do requerimento refª 29071855 e aqui se dá por integralmente reproduzido.

13- Os referidos trabalhos que foram executados antes da citação do R./Reconvinte para a presente ação.

2.1.3. Da réplica

14- O velho, disperso e improdutivo olival que se encontrava implantado nos prédios, tratava-se, não obstante, de cerca de 300 oliveiras centenárias, sendo que as oliveiras centenárias, dependendo da sua qualidade e estado de conservação, podem ser vendidas para fins ornamentais, e, em todo o caso, servir de lenha para combustão.

15- Das quatro oliveiras transplantadas no prédio art.º (…) uma está morta e duas, não estando mortas, encontram-se em muito mau estado; das cinco oliveiras transplantadas no prédio art.º (…) uma está morta e duas estão moribundas, não sendo certo se vão sobreviver ou não.

16- As referidas oliveiras, mortas, em mau estado ou moribundas, servem apenas para lenha para combustão, não possuindo qualquer valor de mercado, para além da sua comercialização para esse efeito.

17- As oliveiras transplantadas faziam parte dos prédios rústicos, tendo apenas sido alterada a sua localização.

2.2. Factos não provados

2.2.1. Da petição inicial

Nenhum, com relevo para a decisão.

2.2.2. Da contestação/reconvenção

a- O R./Reconvinte removeu o olival para outras, e novas, culturas ou cultivos a praticar, possibilitando até o plantio de novos, e mais produtivos, olivais.

b- Esta operação também implicou a transplantação de cerca de dezanove oliveiras, para outros locais nos mesmos prédios, mais próximos às estremas situadas a Poente.

c- O trabalho de rega destas oliveiras foi efetuado pelo R./Reconvinte diariamente durante cerca de dois meses e por períodos de duas horas em cada dia.

d- O R./Reconvinte utilizou, nestes trabalhos, a sua força do trabalho e a do seu pai.

e- Antes de partirem do Monte (…), em Vale do (…), onde residem e têm uma exploração agrícola, o R./Reconvinte e seu pai enchiam um depósito de água que, montado sob a caixa aberta de uma carrinha 4x4 pick-up familiar, fazia o trajeto daquele local até Serpa, área de localização dos prédios em causa.

f- O local de partida dista de Serpa cerca de 30 Km.

g- Com o que faziam cerca de 60Km (ida e volta), despendendo combustível (gasóleo) e horas de trabalho.

h- Estes trabalhos, caso tivessem sido executados por terceiros prestadores de serviços, teriam um custo não inferior a seis mil, novecentos e sessenta e dois euros (€ 6.962,00).

i- Os prédios aumentaram de valor, designadamente, para eventuais utilizações futuras.

j- O preço que, caso fossem transacionados no mercado atualmente, alcançariam, não é inferior a dez mil euros o hectare, com o que se obteria, para ambos, um preço de vinte e oito mil euros (€ 28.000,00).

k- Isto por mero efeito das obras nele realizadas pelo R./Reconvinte.

2.2.3. Da réplica
l- O preço de custo atual das oliveiras centenárias removidas dos prédios não será inferior a € 300,00 cada uma, tendo o R./Reconvinte procedido à venda a terceiros dessas oliveiras centenárias, com o objetivo de servirem de lenha para combustão.

m- O transplante, quer face à altura do ano em que foi concretizado, quer ainda má técnica utilizada, determinou a perda (morte) de 6 oliveiras.

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O Direito.
Os AA, donos do prédio rústico artigo (…), pediam que lhes fosse reconhecido o direito de preferência sobre dois prédios rústicos (artigos … e …), pertencentes ao mesmo proprietário e vendidos na mesma ocasião, mas o tribunal a quo apenas reconheceu o direito de preferência quanto ao prédio diretamente confinante com o seu (artigo …).
Sobre este direito de preferência dispõe o artº 1380º/1 do CC: 1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.

O emparcelamento da propriedade rústica previsto pelo Dec. Lei 384/88, de 25-10, teve como objetivo, como consta do seu preâmbulo:
“Redefinir o conceito de emparcelamento, alargando-o a operações que transcendem ou completam as previstas no regime em vigor, de modo a atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas dentro de limites a estabelecer, e articulando-o com a promoção do aproveitamento racional dos recursos naturais, a salvaguarda da sua capacidade de renovação e a manutenção da estabilidade ecológica [cf. artigo 66.º, n.º 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, Directiva n.º 85/377-CEE, de 27 de Junho de 1985, e artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 11/87, de 7 de Abril – Lei de Bases do Ambiente].

Por isso se prevê o direito de preferência sobre prédios rústicos confinantes no artº 18º.

O artigo 4º deste diploma define o que se entende por o emparcelamento integral: 1 - O emparcelamento integral consiste na substituição de uma estrutura predial defeituosa de propriedade rústica por outra que, associada à realização de melhoramentos fundiários, permite: a) Concentrar a área de prédios ou suas parcelas pertencentes a cada proprietário no menor número possível de prédios, com transferência de direitos, ónus e encargos; b) Aumentar a superfície dos novos prédios mediante a incorporação de terrenos da reserva de terras.

Importa também tomar em consideração que os três prédios têm área inferior à unidade de cultura para o concelho de Serpa – 2,5 ha para culturas arvenses em terrenos de regadio; 0,5 ha para culturas hortícolas em terrenos de regadio – Portaria nº 202/70, de 21-04, em vigor à data da alienação dos 2 prédios.

Ora, no caso dos autos, esta teleologia da norma apenas se consegue atingir se, colocando-se no mercado e ao mesmo tempo duas parcelas que confinam sucessivamente com o prédio rústico de um terceiro que tem direito de preferência por uma delas, o objetivo do emparcelamento – aumento da utilidade económica da propriedade rural impedindo o minifúndio – só se logra atingir se a preferência se estender a ambos os prédios.

Sobre esta questão se pronunciou o Ac STJ de 3-10-2013, Tavares de Paiva, Procº 217/1997.E1.S1:

No que concerne à consideração das áreas do prédio confinante com as áreas dos prédios que lhe são contíguos e dos quais os AA também são proprietários, o certo é que vem provado que se trata de prédios rústicos inscritos sob os artigos 90, 94, 95 (…)
(…) no caso do art. 1380º fundamentalmente o que interessa é a contiguidade dos terrenos partindo da elementar evidência que é muito mais fácil cultivar uma unidade agrícola cujos terrenos sejam contínuos, do que explorar outra área igual dispersa por várias parcelas descontínuas.
Daí que o legislador não se tenha preocupado em distinguir se qualquer dos terrenos confinantes abrange mais que um artigo matricial. Aliás o conceito do prédio para estes casos, tem desse ir buscar ao nº 2 do art. 204º do C. Civil e não a outro local.
Desde que exista um terreno nas condições indicadas não interessa que a sua extensão, desde que contínua, seja abrangida por mais do que um artigo matricial.


Embora também com a nuance de a área dos prédios ser superior à unidade de cultura, no mesmo sentido se pronunciou o Ac TRE de 10-05-2018, Rui Moura, Procº 159/14.0TBETZ.E2:

O art. 1380º, nº 1, do Cód. Civil e o art. 18º do D.L. 384/88, de 25/10, conferem direito de preferência aos donos de prédios rústicos confinantes desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.
O terreno dos AA. (confinante directo), juntamente com outros terrenos dos AA. que lhe são contínuos e sem hiatos, embora com artigos matriciais diferentes, excede a unidade de cultura fixada para a zona onde está inserido, não se encontrando em situação de minifúndio e, por isso, em condições do exercício do direito de preferência à luz do art. 18.º, do D.L. 384/88, de 25/10, que, como é sabido, teve em vista combater a proliferação dos minifúndios, tidos como factores de entrave ao desenvolvimento agrícola do país, sem, no entanto, preconizar soluções de latifúndio.
Constatando-se que, no caso em apreço, os prédios em questão (o alienado e o confinante, juntamente com outros que lhe são contínuos e sem hiatos também propriedade dos AA) têm áreas superiores à unidade de cultura fixada pela Portaria 202/70, de 21/4, para o distrito de Évora, não se verificam os pressupostos para o exercício do direito de preferência por parte dos AA.

Em face da legislação aplicável, da jurisprudência citada e tendo todos os terrenos uma área inferior à unidade de cultura para o concelho de Serpa, forçoso é concluir que o pedido principal feito pelo AA na ação deve merecer provimento o que implica a revogação da sentença nesta parte e a procedência da apelação.
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Sumário:

I.- O emparcelamento da propriedade rústica previsto pelo Dec. Lei 384/88 de 25-10, teve como objetivo redefinir o conceito de emparcelamento de modo a atingir mais eficazmente a finalidade principal, que é a eliminação do minifúndio com o aumento da área dos prédios e das explorações agrícolas tendo em vista a sua rentabilização económica.

II.- O direito de preferência, previsto no artº 1380º do CC e no artº 18º do Dec. Lei 344/88 de 25/10, incide sobre o prédio que conflitua com o preferente e sobre os contíguos ao primeiro, podendo atingir vários artigos matriciais, desde que com áreas inferiores à unidade de cultura.


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga procedente o recurso e revoga sentença recorrida, condenado os recorridos a reconhecer aos recorrentes o direito de preferência e de haver para si a titularidade dos seguintes prédios rústicos, substituindo-se os recorrentes, (…) e (…) ao segundo recorrido, (…) na compra e venda ocorrida em 18-05-2016 no Cartório Notarial de Serpa – escritura de folhas 139 a folhas 140v do livro de escrituras diversas número (…):
- «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 da Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 1,825 ha, pelo preço de € 5.073,14 (cinco mil e setenta e três euros e catorze cêntimos);
- «Nossa Senhora de (…)» sito na freguesia de Salvador, Concelho de Serpa, descrito sob o n.º …/19991001 na Conservatória do Registo Predial de Serpa, inscrito na matriz sob o artigo n.º (…), secção (…), com uma área de 0,9750 ha destinado a olival, e que confronta, a Norte com herdeiros de visconde de (…); a Sul com (…); Nascente com (…) e a Poente com estrada, pelo preço de € 4.916,86 (quatro mil, novecentos e dezasseis euros e oitenta e seis cêntimos).

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Custas pelos recorridos – Artº 527º C.P.C..
Notifique.
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Évora, 14-03-2019

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Rui Machado e Moura