Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1212/12.0GBABF.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: PRESUNÇÕES JUDICIAIS
DADOS PESSOAIS
FACEBOOK
Data do Acordão: 03/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A prova por meio de presunção judicial não implica a imposição de uma verdade processual, independentemente, e, se necessário, em detrimento da verdade material, mas antes constitui um meio de chegar à verdade material, diferente da prova direta.
II - O uso desse meio de prova em processo penal, mesmo para demonstrar factos desfavoráveis ao arguido, não é irreconciliável com o postulado da presunção de inocência e, de um modo mais geral, com o ordenamento jurídico próprio de um Estado de direito.
Decisão Texto Integral:


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
Por sentença proferida em 23/10/12 no Processo Comum nº 1212/12.0GBABF, que correu termos no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Albufeira foi decidido:
Julgar a acusação pública procedente e, em consequência, condenar o arguido TEMS:
i) na pena de 90 dias de multa, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de dano relativo a programa ou outros dados informáticos, p. e p. pelo art. 4º, nº1, L. 109/2009, 15/9;
ii) na pena de 120 dias de multa, pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153º, nº1, 155º, a), por referência ao art. 144º, a), Código Penal;
iii) em cúmulo jurídico das penas referidas em i) e ii). na pena única de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 7.00 (sete euros) num total de € 1.050.00 (mil e cinquenta euros);
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1. O arguido e TSN mantiveram uma relação de namoro entre setembro de 2011 e o final de maio de 2012.
2. Na sequência do fim dessa relação e de desentendimentos ocasionados por esse motivo, o arguido - titular do nome de utilizador (…..) - a partir de local não concretamente determinado, e fazendo uso da ligação sem fios à internet, associada ao seu telefone fixo com o nº (……), no período temporal compreendido entre 9.6.12 e 11.6.12, acedeu à conta pessoal do facebook da referida TSN e alterou/modificou a respetiva password de acesso a esta conta, impedindo a ofendida de aceder à sua informação pessoal e à correspetiva página pessoal.
3. Nesse mesmo dia 11.6.12, o arguido, a partir do sistema de mensagens da sua página pessoal do facebook remeteu para a sobredita conta pessoal do facebook da ofendida as seguintes mensagens escritas: 'Puta, vaca, vou-te foder puta do ceralho"; "Tás fodida miúda, vou-te partir esse focinho e desfigurar toda"; "Eu fodo-te primeiro, depois n das comigo, bem podes procurar depois de sair do hospital"; "vai haver noites ou dias q vais sozinha da escola ou do trabalho, aí é que eu te parto o focinho e se fixer podes ter a certeza que no dia seguinte não me encontras mais':
4. O arguido, ao atuar da forma descrita em 1. e 2., acedendo à conta pessoal do
facebook da ofendida e modificando a respetiva password de acesso à mesma, agiu com o propósito concretizado de assim impedir esta última de aceder a tal conta pessoal, bem sabendo que o fazia, de forma ilegítima, contra a vontade e sem o consentimento da ofendida.
5. De igual modo, ao atuar da forma descrita em 3., agiu o arguido de forma livre e deliberada, com perfeita consciência de que tais palavras e expressões eram adequadas a provocarem na pessoa da ofendida, como provocaram, receio e inquietação de que o mesmo viesse a atentar contra a sua integridade física, designadamente que o mesmo a viesse a desfigurar.
6. O arguido agiu, ainda, bem sabendo que a sua conduta era contrária ao Direito e criminalmente punível.
Mais se provou que:
7. A ofendida manteve contactos e conversas com terceiros a partir do facebook do arguido.
8. Na madrugada de 18.6.12, a ofendida deslocou-se a um estabelecimento onde se encontrava o arguido, não tendo saído ou procurado evitar a presença do arguido.
E, ainda, que:
9. O arguido não tem antecedentes criminais.
10. O arguido é auxiliar de montagem de comunicações na PT, auferindo cerca
de € 700,00/mês; vive com colegas de trabalho, pagando cerca de € 250,00 a título de renda mensal; como habilitações literárias tem o 12º ano; tem um veículo (….).
Não se provaram os seguintes factos:
11. A ofendida, em virtude da relação que mantinha com o arguido, conhecia a sua password de acesso à internet via wireless e de acesso ao facebook.
12. O arguido não sabe qual a password de acesso da ofendida ao seu email pessoal.
13. O referido em 2. ocorreu entre 9.6.12 e 10.6.12 - tendo-se provado antes o descrito em 2..
Da referida sentença interpôs recurso o arguido TEMS, com a devida motivação, tendo formulado as seguintes conclusões:
1. A Sentença ora recorrida, proferida pelo Tribunal a quo, é de uma manifesta injustiça porquanto o arguido foi condenado face a uma convicção do Tribunal a quo que carece de qualquer suporte probatório.
2. O Tribunal recorrido RECONHECE QUE NÃO EXISTE PROVA DIRECTA DOS FACTOS ESSENCIAIS DA CAUSA, mas ainda assim condena o arguido com base em prova indireta ou indiciária suficiente de que tal sucedeu, pelo que a Sentença recorrida é assim atentatória dos princípios basilares do nosso sistema penal, resultando do texto do acórdão recorrido de forma declarada a violação do Princípio da imediação da prova e a violação do Princípio in dubio pro réu, incorrendo ainda o Tribunal a quo em Erro notório na apreciação da prova, e em contradição insanável da fundamentação.
3. No entender do recorrente, os pontos 2, 3, 4, 5 e 6 da matéria de facto provada foram incorretamente considerados como provados e os pontos 11 e 12 dos factos não provados também foram incorretamente dados como não provados, o que se alega nos termos e para os efeitos do artigo 412.º nº 3 alínea a) do C.P.P.
4. No entender da Mm.ª Juiz a quo, a autoria dos factos pelo arguido resultou da conjugação do depoimento das testemunhas TSN, MM e CT, e da análise dos documentos de folhas 10 e ss, e da informação prestada pela PT a folhas 110 e 126.
5. De nenhum dos depoimentos mencionados no texto da decisão recorrida, utilizados para fundamentar a condenação do arguido, resulta provada a autoria dos factos em apreço pelo mesmo.
6. Com efeito, do depoimento de TSN, tal como aliás resulta do próprio texto da Douta Sentença recorrida (a folhas 3), resulta que a mesma não teve conhecimento direto da autoria dos factos pelo arguido, tendo-se transcrito em sede de motivações (folhas 16 e 17) as passagens mais significativas de tal depoimento a este propósito.
7. Por sua vez, da análise dos depoimentos de MM e de CT também se conclui que as mesmas não tiveram conhecimento direto da autoria dos factos pelo arguido tendo-se procedido em sede de motivações (a folhas 18 e 39) à transcrição integral de tais depoimentos para que o Tribunal ad quem possa concluir nesse sentido.
8. Há ainda a salientar, quanto ao depoimento de CT, que com base na passagem do mesmo assinalada a negrito em sede de motivações, não se poderia ter dado como provado que o facto constante do ponto 3 ocorreu em 11.6.12, pois que de acordo com tal testemunha o envio das mensagens terá ocorrido em data anterior à data em que ocorreram os factos mencionados em 2.
9. Ainda com base em tal depoimento de CT não se poderá dar como provado que o facto constante do ponto 3 da matéria dada como provada ocorreu da forma aí mencionada, pois que a mesma afirmou que as ameaças em apreço já se encontravam no facebook da ofendida quando a mesma lá acedeu, o que não corresponde aos prints juntos aos presentes autos pela própria ofendida nos quais se pode constatar que as ameaças aí constantes foram supostamente feitas no âmbito de uma conversação entre duas pessoas.
10. No entender do recorrente, o facto provado em 8 permite pôr em causa e abalar a credibilidade do depoimento das referidas testemunhas, amigas da ofendida, nomeadamente se o receio que esta terá sentido na sequência da receção das mensagens terá sido real ou não, pois que, por um lado, o lapso de tempo entre a ocorrência do facto referido em 8 e os factos descritos na Acusação foi de apenas 7 dias, e, por outro lado, estranha-se que a ofendida, apenas 7 dias após a ocorrência dos factos constantes da Acusação, não tenha sequer ficado incomodada com a presença do mesmo no estabelecimento referido em 8, facto este que consta do próprio texto da decisão recorrida a propósito da análise do depoimento de DV.
11. Os factos 11 e 12 foram incorretamente considerados como não provados.
12. Quanto à password do arguido de acesso à internet via wireless (facto 11), consta das declarações do arguido que a ofendida, entre outras pessoas, a conheciam (cfr. passagem que se transcreveu em sede de motivações a folhas 43) sendo que, e mesmo não atribuindo credibilidade a tais declarações, deveria a Mm.ª Juiz ter dado como provado que a ofendida conhecia a password do arguido de acesso à internet via wireless, pois que a própria ofendida o admitiu expressamente em sede de julgamento, tal como se pode constatar das passagens transcritas em sede de motivações a folhas 43 e 44 da presente peça.
13. Já quanto ao fato de ter sido dado como não provado que a ofendida conhecia a password de acesso do arguido ao facebook (facto 11), importa dizer que, tal como consta do texto da decisão recorrida, do depoimento da testemunha MFM, resultou que esta, por vezes, falava com a ofendida TSN através do perfil do facebook do arguido (facto provado no ponto 7) e ainda que o arguido tem habitualmente uma pasta com documentos e palavras passe junto do computador, sendo certo que se tais factos que não permitem dar como provado que a ofendida era detentora da referida password, já se afiguram os mesmos especialmente relevantes e deveriam ter sido apreciados e ponderados no conjunto de toda a prova existente, especialmente num contexto em que Tribunal não dispõe de prova direta da autoria dos factos pelo arguido, como sucede no caso em apreço.
14. Ou seja, o facto da própria ofendida usar o facebook do arguido, ter acesso à casa do arguido, ter este habitualmente uma pasta com documentos e palavras passe junto do computador, que por sua vez esta utilizava habitualmente (tal como resulta da passagens do depoimento da ofendida transcritas a folhas 43 e 44 das motivações) permitem levantar legitimamente a hipótese de que a ofendida poderia efetivamente ter conhecimento da dita password e como tal que poderá ter sido ela própria, ou alguém a quem ela a tivesse fornecido, a encetar as conversações constantes do ponto 3 da matéria dada como provada.
15. Por outro lado, também foi incorretamente dado como não provado que o arguido não sabia a password de acesso da ofendida ao seu email pessoal (ponto 12)
16. Tal facto foi dado como não provado com base numa mera suposição da Mm Juiz, pois que do facto da ofendida aceder na presença do arguido ao seu mail e conta do facebook não se pode inferir necessariamente que o arguido detinha ou não tal password, sendo certo que, por outro lado existem concretos meios probatórios que apontam no sentido de que o arguido não a conhecia, nomeadamente as próprias declarações do arguido que afirmou não conhecer a referida password (cfr. resulta da passagem transcrita em sede de motivações a folhas 47), a inexistência de prova documental nos autos que prove que o arguido a conhecia (cfr. resulta do relatório pericial a folhas 213 e ss) e ainda as próprias declarações da ofendida, a qual afirmou perentoriamente em sede de julgamento que não forneceu tal password ao arguido (cfr. resulta da passagem transcrita em sede de motivações a folhas 48).
17. Tal facto assume sobeja importância nos presentes autos como infra melhor se verá, pois que, como resulta do relatório pericial elaborado, a dita alteração no caso em apreço ocorreu por intermédio da referida conta de e-email pessoal da ofendida, sendo que, para poder condenar o arguido com a segurança necessária de que foi este o autor dos factos em apreço, teria a Mm.ª Juiz que ter dado como provado que o mesmo conhecia a referida password de e-mail da arguida, o que não sucedeu.
18. A prova documental existente nos autos, foi objeto do relatório pericial que se encontra a folhas 213, o qual se transcreveu integralmente em sede de motivações.
19. Consta da Douta Sentença que foi o mesmo valorado nos termos do artigo 163.º do CPP, com a ressalva dos seus parágrafos 4.º, 7.º e conclusões, os quais foram desconsiderados por não constituírem juízos periciais, sendo, salvo o devido respeito, não assiste razão à Mm.ª Juiz.
20. No parágrafo 4.º do relatório pericial o perito apenas levou a cabo a análise que lhe foi pedida, relativamente à questão da alteração da password do facebook da ofendida, ou seja, se os documentos de suporte a tal Acusação permitem concluir, só por si, que foi o arguido o autor de tais factos.
21. Concluiu o perito em tal parágrafo que não existe nenhum documento de suporte à Acusação que demonstre que o arguido tinha acesso à conta de correio eletrónico da ofendida, pressuposto este para ter procedido à referida alteração, sendo que tal configura um juízo pericial e como tal deveria ter sido valorizado pela Mm.ª Juiz.
22. Quanto ao parágrafo 7.º mais uma vez o referido perito apenas levou a cabo a análise que lhe foi pedida, neste caso se os prints juntos aos autos pela ofendida, dos quais constam as ameaças pelas quais o arguido vem acusado, permitem concluir, só por si, que foi o arguido o autor dos factos em apreço.
23. Concluiu o perito em tal parágrafo que tais documentos, só por si só, não provam sequer que tais conversas existiram de facto pois que alguém com conhecimentos de informática na óptica do utilizador poderia ter produzido tais imagens, tanto por manipulação de uma imagem, ou a criação de uma conta usando o mesmo nome e foto que o arguido, sendo que tal configura um juízo pericial e como tal deveria ter sido valorizado pela Mm.ª Juiz.
24. Quanto às conclusões do relatório pericial, basta olhar ao teor da mesmas para facilmente se concluir que também todas elas configuram juízos periciais e como tal deveriam ter sido valorizadas pela Mm.ª Juiz.
25. Em suma, deveria a Mm.ª Juiz de Direito ter valorizado os pontos 4.º, 7.º e conclusões do relatório pericial por todos eles constituírem juízos periciais, o que não sucedeu.
26. Ao que acresce que a Mm.ª juiz apenas valorizou o relatório pericial nos dois pontos constantes da Sentença recorrida nomeadamente na referência a Lagos de folhas 10 que se prende com a localização do fornecedor de acesso à internet e que o IP encontrado identifica o router do arguido e data/hora ligação em causa.
27. A Mm.ª Juiz não se pronunciou sobre os restantes juízos periciais constantes dos parágrafos 1, 2, 3, 5, 6 e 8 de tal relatório, tendo deles manifestamente divergido na Douta Sentença recorrida ao condenar o arguido pela prática dos factos em apreço, quando o relatório pericial concluiu pela inexistência de documentação técnica suficiente e demonstrativa da autoria dos factos pelo arguido, pelo que a Sentença recorrida violou o artigo 163.º do Código de Processo Penal.
28. Com efeito, e estando em causa em tais parágrafos juízos técnico-científicos do perito deveriam os mesmos ter sido acatados pela Mm.ª Juiz, o que não sucedeu, pelo que e deles tendo divergido, deveria a Mm.ª Juiz ter fundamentado cientificamente a divergência, o que não sucedeu.
29. Á semelhança da prova testemunhal produzida, também da prova documental existente nos presentes autos não se pode concluir que foi o arguido o autor dos factos em apreço.
30. Aliás, tal facto É CONFIRMADO PELO TRIBUNAL no próprio texto da Sentença recorrida, a folhas 5 da Sentença, da qual consta que NÃO EXISTE PROVA DIRECTA DE QUE FOI O ARGUIDO A ACEDER À CONTA DE FACEBOOK DA OFENDIDA, ALTERANDO A PASSWORD E A ENVIAR AS DITAS MENSAGENS, cfr. resulta da passagem supra transcrita em sede de motivações.
31. A fls. 5 do acórdão recorrido são descritos os elementos indiciários que permitem estribar a convicção do Tribunal, os quais passamos a analisar detalhadamente, sendo que desde já se adianta que, no entender do recorrente, de nenhum deles e de todos conjugados, se poderá igualmente concluir que foi o arguido o autor dos factos em apreço.
32. O contexto de desentendimento entre arguido e ofendida em virtude do fim recente da relação de namoro entre ambos nada prova a propósito da autoria dos factos, pois que num contexto de desentendimento mútuo, também a ofendida poderia ter motivos pessoais (por exemplo de vingança em virtude do fim da relação) para praticar os factos em apreço e tentar imputá-los ao arguido.
33. A coincidência temporal entre a alteração da password e o envio das mensagens à ofendida a partir do perfil que a mesma tinha associado nos seus contactos como sendo o do arguido também não permite extrair a conclusão que de foi o arguido o autor da prática dos factos em apreço.
34. De referir a este propósito que tal como supra se disse, com base no depoimento de CT, não poderia a Mm.ª Juiz sequer ter dado como provado que o facto mencionado em 3 ocorreu no dia 11.06.12 e da forma aí descrito.
35. Por outro lado, nos prints de folhas 10 e ss, dos quais constam as referidas ameaças, nem sequer se encontra mencionada a data em que as mesmas terão sido supostamente enviadas, pelo que não existe qualquer prova documental que permita concluir que os factos praticados em 3 ocorreram em 11.06.12.
36. Mas, ainda que se pudesse ter dado como provado que existiu coincidência temporal entre os factos ocorridos em 2 e em 3, também daí não se pode daí extrair a conclusão de que quem alterou a password do facebook da ofendida tenha sido a mesma pessoa que enviou as ditas mensagens, pois que se tratam de factos perfeitamente distintos, e para nenhum deles existe qualquer suporte probatório acerca de quem tenha sido o seu autor.
37. Quanto ao teor das mensagens, e atendendo a todas as questões técnicas que se levantam em torno da autoria e da própria existência das mesmas, melhor analisadas em sede de relatório pericial e que para aqui se dá por reproduzido nessa parte, não se pode igualmente do mesmo extrair a conclusão que foi o arguido o autor da prática dos factos em apreço, sendo particularmente elucidativa a este propósito a passagem dos esclarecimentos prestados pelo Sr.º perito em audiência e transcrita em sede de motivações de folhas 65 a 70 da presente.
38. Do facto de ter sido utilizada a ligação do arguido à internet não se pode igualmente extrair a conclusão que foi o arguido o autor da prática dos factos em apreço sendo que a este propósito importa salientar que efetivamente só se provou que foi utilizada a ligação à internet do arguido na mudança da palavra chave do facebook da ofendida, não se tendo provado que foi essa a ligação utilizada para enviar as mensagens integradoras do crime de ameaças.
39. Com efeito, e tal como consta do relatório pericial, não valorizado pela Mm.ª Juiz, em sede de inquérito não foi sequer solicitado ao Facebook que viesse informar se tem registo de tal conversa, e, em caso afirmativo quais foram as contas e IP associados à mesma e o dia/hora e local a partir do qual se estabeleceram tais conversações, pelo que nem sequer se pode afirmar com o rigor suficiente e necessário que tais conversas existiram de facto, e muito menos se pode condenar uma pessoa, nestas circunstâncias, pela autoria das mesmas.
40. Como a experiencia infelizmente nos tem mostrado, tem-se assistido, à ocorrência de contas do facebook pirateadas ou de perfis que têm vindo a ser facilmente imitados, sendo do conhecimento do homem médio a forma de cria um perfil na rede facebook, sendo prova disso o elevadíssimo número de utilizadores de tal rede social.
41. É ainda do conhecimento do homem médio que para se criar uma conta em tudo igual à de um perfil já existente em tal rede social, basta atribuir-lhe um nome idêntico ao da pessoa que se pretende imitar e copiar a sua fotografia de perfil do facebook, a qual é de acesso público a todos, vide ainda nesse sentido os esclarecimentos prestados pelo perito em sede de audiência transcritos a folhas 65 a 70 da presente.
42. A toda esta dúvida e incerteza, e ainda que se pudesse dar como provado que a conversa em apreço realmente existiu, o que se diz sem conceder, acresce que foi dado como provado um facto que só por si é suscetível criar sérias dúvidas acerca da autoria ou não de tal facto pelo arguido – o facto dado como provado no ponto 7 da Sentença recorrida, nomeadamente o facto da própria ofendida e queixosa nos presente autos manter contactos e conversas com terceiros a partir do facebook do arguido.
43. Com se disse, se é certo que de tal facto não se pode extrair a conclusão de que a mesma detinha a password de acesso do arguido ao seu facebook, certo é que também não se pode eliminar por completo a hipótese de ser provável que a ofendida a conhecesse, pois que de facto o que resultou provado foi que a mesma utilizava o facebook do arguido para manter conversações com terceiros, identificando-se ou não.
44. Continuando no campo das probabilidades que este facto dado como provado levanta, a ter ocorrido a conversação em apreço, e no caso da ofendida ser também detentora da referida senha, em abstrato, também é possível que tenha sido a própria a produzir a conversação em apreço da sua conta para a conta do arguido (bastando para tal utilizar dois computadores em simultâneo, num acedendo à sua conta e no outro acedendo à do arguido), hipótese essa que também foi levantada pelo Sr.º perito nos esclarecimentos que prestou em sede de audiência transcritos a folhas 65 a 70 da presente.
45. No caso da ofendida ser detentora da referida senha, em abstrato, também é possível ter sido qualquer outra pessoa a levar a cabo tal conversação, a pedido da própria ofendida ou não, nomeadamente qualquer pessoa a quem esta a possa eventualmente ter cedido.
46. O facto provado no ponto 7 no entender do recorrente deveria ter sido ponderado nestes termos e a favor do arguido, pois que num contexto de total ausência de prova direta acerca da autoria dos factos pelo arguido, ao qual ainda se somam factos provados que levantam a hipótese dos mesmos, em abstrato, poderem ter sido praticados pela própria denunciante ou por alguém a seu mando ou não, deveria o arguido ter sido absolvido da prática dos mesmos.
47. Quanto ao facto de ter sido utilizada a ligação do arguido à internet na alteração da dita password do facebook da ofendida, como se disse foi incorretamente dado como não provado que a ofendida não conhecia a palavra passe do arguido de acesso à internet via wireless, existindo um concreto meio probatório que impunha uma decisão diversa, nomeadamente as próprias declarações da ofendida, a qual admitiu expressamente em julgamento ser conhecedora da referida password, tal como resulta da passagem supra transcrita a folhas 43 e 44 da presente.
48. Por outro lado, das declarações do arguido resulta ainda que havia um leque de pessoas que eram possuidoras de tal palavra passe, nomeadamente familiares, amigos, a própria ofendida e amigos da ofendida, tal como resulta da passagem supra transcrita a folhas 43 da presente.
49. Ao que acresce que, tal como consta do parágrafo 1.º do relatório pericial, não valorizado pela Mm.ª Juiz, consta que o IP referido na mensagem, acompanhado do anexo C, identifica o router localizado em casa do arguido TS e não um computador em particular, sendo que qualquer aparelho ligado através desse router à Internet seria identificado pelo mesmo IP para uma rede exterior a rede local criada por esse mesmo Dispositivo.
50. Ou seja, o facto de ter sido utilizada a ligação do arguido à internet na mudança à password do facebook da ofendida não significa só por si e necessariamente que foi o mesmo quem a efetuou, desde logo porque a própria ofendida os seus amigos e amigos e familiares do arguido também possuíam a referida password.
51. Mais entendeu a Mm.º Juiz que o arguido praticou os factos em apreço, tendo o motivo, a oportunidade e deixou o rasto material da sua atuação sendo que a propósito da motivação do arguido nada consta no texto da Douta Sentença a não ser o contexto de desentendimento amoroso, o qual só por si nada prova acerca da autoria dos factos como se disse.
52. Por sua vez, quanto ao rasto material da atuação, certamente se pretende a Mm.ª Juiz referir à prova documental existente nos autos, sendo que, como vimos, a mesma nada prova acerca da autoria dos factos pelo arguido.
53. Também não se encontra demonstrado que o arguido teve a oportunidade para o fazer pois, tal como consta do relatório pericial e da passagem dos esclarecimentos do perito prestados em julgamento e transcrito em sede de motivações de folhas 76 a 80, o arguido só teria oportunidade de tal levado a cabo tal alteração da forma como esta foi feita, se conhecesse a senha pessoal de acesso ao mail da ofendida associado ao facebook, através do qual foi efetuada tal alteração, e nos presentes autos não há nenhum suporte documental que permita concluir que ele a detinha.
54. Por outro lado, a prova testemunhal produzida aponta no sentido de que o arguido não detinha a referida password de acesso da ofendida ao seu e-mail, cfr. passagens das declarações do arguido e da própria ofendida que se encontram transcritas a folhas 47 e 48 da presente.
55. Em suma, para se poder concluir, em abstrato, ter tido o arguido a oportunidade de alterar a password do facebook da ofendida teria que ter ficado dado como provado de que o mesmo era detentor da referida password de email da ofendida, o que não sucedeu de forma alguma.
56. Mais entendeu a Mm.ª Juiz que não se afigura verossímil que a própria ofendida ou outra pessoa tenha efetuado a alteração da password e enviado as mensagens escritas via facebook, utilizando, no primeiro caso a ligação de internet do arguido e, no segundo caso, o perfil do facebook deste, sendo que salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
57. Com efeito, ainda menos verossímil se afigura que tenha sido o arguido a efetuar tal alteração pois que, de facto, toda a prova aponta no sentido de que o mesmo não detinha a password do e-mail da ofendida para levar a cabo tal mudança.
58. Afigurando-se antes mais verossímil, em termos de probabilidade, que tenha sido a própria ofendida a levar a cabo a referida mudança, pois que, e de acordo com a prova produzida, na realidade era esta quem possuía os dois elementos obrigatoriamente cumulativos para efetuar tal mudança, nomeadamente a password de acesso ao arguido via wireless e a sua própria password de acesso ao seu mail pessoal.
59. E quem diz a ofendida, diz também qualquer outra pessoa a quem esta possa eventualmente ter fornecido tal password, o que se desconhece.
60. Entendeu também a Mm.ª Juiz que não se afigura verossímil que tenha sido a própria ofendida ou outra pessoa a enviar as mensagens escritas via facebook, utilizando o perfil do facebook deste.
61. A este propósito, como se disse, não há a mínima prova que o perfil utilizado tenha sido o do arguido e, ainda que tenha sido, o que se diz sem conceder, não é inverosímil que possa ter sido a ofendida a fazê-lo, pois que, também como já se disse, o facto da própria ofendida usar o facebook do arguido, ter acesso à casa do arguido, ter este habitualmente uma pasta com documentos e palavras passe junto do computador (que por sua vez esta utilizava habitualmente, tal como resulta da passagem do depoimento da ofendida transcrita a folhas 43 e 44 das motivações) são factos que permitem levantar legitimamente a hipótese de que a mesma poderia efetivamente ter conhecimento da dita password e ter sido ela própria, ou alguém a quem ela a tivesse fornecido, a encetar as conversações constantes do ponto 3 da matéria dada como provada.
62. Acrescenta ainda a Mm.ª Juiz que para além de não descortinar o motivo, a oportunidade seria de difícil verificação pois que a alteração da password teria que ser feita mediante ligação ao computador do arguido (estando este ligado à internet) ou mediante ligação á sua rede de internet para o que careceriam de conhecer a password de ligação a rede e estar na área de cobertura do sinal da rede doméstica e quanto ao envio das mensagens teria que ser usado o perfil do arguido já que foi deste perfil que foram enviadas as mensagens.
63. Com o devido respeito, também não se concorda com tal entendimento pois que o motivo é fácil de descortinar pois que, como se disse, que na sequência de um desentendimento amoroso vivido pelos dois se o arguido poderia ter “motivos” para praticar os factos em apreço, certo é que também a ofendida poderia ter os seus “motivos” para praticar os factos e tentar imputá-los ao arguido.
64. Também a oportunidade não seria de difícil verificação pois que e conforme resulta do 2.º parágrafo do relatório pericial, não valorizado pela Mm.ª Juiz, quanto à alteração da password, a pessoa que a fez teria de conhecer a password do wireless do arguido e de se encontrar na área de cobertura do sinal da rede doméstica, a qual, no caso em apreço, e segundo os esclarecimentos do Sr.º perito prestados em sede de audiência e transcritos em sede de motivações a folhas 84 a 87 se estende à rua em frente à casa do arguido.
65. Ao que acresce que, e tal como decorre do relatório pericial supra mencionado, tal alteração também poderá ter sido feita indiretamente, ligando-se a um computador que estaria a usar a rede sem fios pertencente ao arguido, ou seja, através de uma ligação remota, sendo para tal necessário possuir as palavras passe do computador do arguido, palavras essa que a própria ofendida admitiu possuir conforme passagem supra transcritas a folhas 43 e 44 da presente, tendo sido inclusivamente tal hipótese levantada na passagem dos esclarecimentos prestados pelo Sr.º perito em audiência e transcritos em sede de motivações a folhas 88 e 89 da presente peça.
66. Não se afigura portanto de difícil verificação que tal alteração pudesse ter sido feita pela ofendida, conhecedora da password de acesso ao wireless do arguido, podendo ela própria ter-se deslocado às imediações da casa do arguido para levar a cabo tal alteração, ou ter pedido a outra pessoa para o fazer, tenho-lhe para tal fornecido os dados de acesso ao wireless do arguido e os dados de acesso ao seu e-mail, ou até tê-lo feito ela própria, indiretamente, ligando-se de sua casa ou de qualquer outro local via remota ao computador do arguido, por sua vez ligado à internet, usando a password do mesmo que também era detentora como admitiu em julgamento.
67. Quanto ao envio das mensagens, também a oportunidade não seria de difícil verificação pois que, como se viu, mesmo supondo que foi do perfil do arguido que foram enviadas as mensagens, o que não se pode dar como provado, atendendo ao facto provado com o n.º 7 e aos demais factos provados resultantes do depoimento de MFM, também não se pode excluir a hipótese de ter sido a própria ofendida a utilizar a dita conta para tal, por algum motivo relacionado com o fim da relação ou, de esta ter fornecido os dados de acesso à mesma a alguma pessoa que levou a cabo tal conversação, a seu mando ou não.
68. Em suma, nesta sede conclui-se por falta de elementos de prova direta e ainda de elementos indiciários (que conjugados nada provam) acerca da autoria dos factos pelo arguido.
69. Nos termos do artigo 410.º n.º2 c) do CPP verifica-se erro notório na apreciação da prova quando se constata erro de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, o que deve ser demonstrado a partir do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.
70. Os pontos 2 a 5 da matéria de facto provada foram incorretamente considerados como provados, pois que como se verificou pela análise da prova, esta não permite dar os referidos factos como provados.
71. Também consubstancia uma situação de erro notório na apreciação da prova quando se dão como provados factos que, face às regras da experiência comum e à lógica do homem médio, não se poderiam ter verificado (neste sentido Ac. STJ, 10 de Março de 1999, SASTJ, nº 29, 73 e Ac. STJ de 2 Junho 1999)
72. No caso em apreço, tal como supra demonstrado os factos em apreço não foram praticados pelo arguido, sendo que, dos factos dados provados inúmeras se conjeturas se levantam acerca da autoria dos mesmos.
73. Não resultou provado que o arguido conhecesse a password do e-mail da ofendida sem a qual não poderia ter procedido à alteração da sua password do facebook.
74. Por outro lado, a violação do princípio in dubio pro reo pode e deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova quando do texto da decisão recorrida se extrair, por forma mais que óbvia, que o colectivo optou por decidir, na dúvida, contra o arguido.” (neste sentido Ac. STJ de 15 de Abril de 1998; BMJ, 476, 82)
75. Ora, como supra se demonstrou, o Tribunal a quo violou o Princípio da Presunção da Inocência e o Princípio in dubio pro reo, pois declara que fundou a sua convicção quanto aos factos ocorridos nos elementos de prova indicados, sendo que desta prova é impossível de afirmar e mesmo de deduzir, que o arguido tenha cometido os factos, sendo que no caso em apreço o próprio Tribunal recorrido reconhece isso mesmo a fls 5 da Sentença proferida.
76. De seguida o tribunal recorrido descreveu os elementos indiciários em que fundou a sua convicção e que tal como vimos em sede própria, os mesmos não permitem concluir que foi o arguido o autor da prática dos factos em apreço, pois que nenhum deles e todos conjugados são inequívocos, não afastando para além de toda a dúvida razoável, a possibilidade dos factos se terem passado de modo diverso daquele para que apontam aqueles indícios probatórios.
77. O Recorrente, não só da leitura e interpretação sistemática que faz do Código de Processo Penal, entende, respaldado na doutrina e jurisprudência, que não obstante serem admissíveis as chamadas presunções judiciais através das quais, mediante ilações ou deduções de factos conhecidos se retiram, com base em regras de experiência comum, outros factos desconhecidos (prova indiciária ou indirecta), a verdade é que só prova direta é que poderá importar a condenação em julgamento.
78. Isto porque, a existência de falhas no raciocínio lógico do julgador, a contrariedade da conclusão alcançada pelo Tribunal perante o acervo fáctico, ou mesmo o não afastamento de dúvidas razoáveis face à conclusão retirada constituem violações das regras de experiência comum e das máximas de vida por todos aceites, incorrendo tal decisão no vício de erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P.
79. O trilho que o tribunal de primeira instância percorre na fundamentação da Sentença recorrida, resume-se, no fundo, em encontrar pequenos indícios (4 elementos indiciários) sendo certo que a convicção adquirida pela Mm.ª Juiz quanto à culpabilidade do arguido é evidente para concluir que cometeu os crimes de que vinham acusado.
80. Sucede que, para a condenação do Recorrente, impunha-se prova direta da prática dos ilícitos criminais em apreço, isto é, a demonstração materializada em factos concretos, apurados em tribunal por qualquer meio que não seja proibido, de que efetivamente o arguido praticou os crimes pelos quais vinha acusado e se assim o tribunal não proceder – como manifestamente o tribunal de primeira instância não procedeu, – estará a violar o princípio do in dubio pro reo, corolário a retirar a final da procedência do vício agora invocado do erro notório na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P.
81. Não crê o Recorrente que a certeza processual exigível ao tribunal recorrido tenha sido efetivamente observada, porquanto a dúvida razoável sobre a autoria dos crimes em apreço é não só legítima como intransponível, tendo sido dados como provados factos capazes de preencherem a tipicidade dos crimes, sustentados unicamente em prova indiciária e em encadeados raciocínios só aparentemente lógicos.
82. Ao contrário do perfilhado pelo ilustre Tribunal recorrido, entende o Recorrente que nenhuma condenação em julgamento pode ser sustentada apenas e só com base em prova indiciária, muito menos em prova indiciária que se apresenta repleta de tantas incertezas.
83. É unanimemente aceite que qualquer condenação não se basta com suspeições ou indícios, necessário é que se demonstre cabalmente a participação do arguido em determinado e concreto ilícito penal.
84. A condenação do arguido assentou em indícios obtidos através presunções judiciais que não dão qualquer segurança a essa mesma condenação, decidindo-se no limite contra o arguido em clara e ostensiva violação do princípio in dubio pro reo.
85. A condenação do aqui Recorrente não podia ter como fundamento prova indiciária, uma vez que, como supra demonstrado não ficou afastada de toda a dúvida, para além do que é razoável, de que terá sido o arguido os autores dos crimes em apreço.
86. Em suma, a prova para conduzir à condenação deve ser plena, ou seja, é imprescindível que o Tribunal tenha formado a sua convicção acerca da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável sendo que a prova indiciária alcançada pelo Tribunal recorrido e que permitiu a condenação do Recorrente, através de presunções é violadora do princípio do in dubio pro reo.
87. Assim, a fundamentação da Sentença pelo Tribunal recorrido não podia lograr alcançar os factos dados como provados que preenchem a tipicidade dos crimes em apreço e atribuir a sua autoria ao Recorrente, fazendo-o em notório erro na apreciação da prova nos termos do art. 410º nº 2 al. c) do C.P.P. por violação do princípio do in dubio pro reo .
88. Em virtude deste vício considera-se que é possível uma decisão da causa pelo Tribunal ad quem pois que, o Tribunal recorrido, violou o PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO, INCORRENDO POR ESSA VIA EM ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA.
89. Resulta também do texto da decisão recorrida o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (art. 410º nº 2 alínea b) do C.P.P.) porquanto as provas indicadas para prova dos factos provados levariam a considerar tais factos como não provados.
90. Com efeito, se em sede de fundamentação o Tribunal a quo indica as provas nas quais fundou a convicção e se verifica que essas provas não servem de sustentáculo aos factos considerados provados, o que sucede nos autos, pois todas as provas indicadas não permitem dar como provados os factos que se impugnam, existe uma contradição insanável da fundamentação que resulta do texto da própria decisão.
91. Tal sucede nos autos porquanto a folhas 3 e 4 da Sentença o Tribunal recorrido indica as provas em que fundou a convicção e depois a fls. 5 refere que não existe prova direta dos factos essenciais da causa o que reflete uma contradição insanável da fundamentação.
92. Reflete ainda uma contradição insanável de fundamentação ter o Tribunal concluído pela existência de dolo direto do arguido relativo à prática dos crimes em apreço quando não existe qualquer prova que os crimes em apreço nestes autos tenham sido cometidos pelo mesmo, sendo que tais contradições inquinam de forma gravíssima a decisão recorrida no que toca à decisão de condenação.
TERMOS EM QUE SE REQUER SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FAZENDO ASSIM OS SENHORES VENEREANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES A COSTUMADA JUSTIÇA, ABSOLVENDO O ARGUIDO DA PRÁTICA DOS CRIMES PELOS QUAIS FOI CONDENADO!
O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo do processo.
O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela improcedência do recurso, sem formular conclusões.
Pela Digna Procuradora-Geral Adjunta em funções junto desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito do recurso interposto no sentido da respectiva improcedência.
O parecer emitido foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, ao que respondeu dando por reproduzida a motivação apresentada.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância da sentença sob recurso, tal como transparece das conclusões do recorrente, centra-se, de forma a bem dizer exclusiva, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
A esse propósito invoca o recorrente que a sentença recorrida se encontra inquinada pelos vícios de contradição na fundamentação e erro notório na apreciação da prova, a que se referem as als. b) e c) do nº 2 do art, 410 do CPP.
Na parte que pode interessar, o nº 2 do art. 410º do CPP dispõe:
Mesmo nos casos em que a lei restringir a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) …;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
A contradição na fundamentação verifica-se sempre que a motivação da decisão contenha asserções logicamente incompatíveis entre si, como seja julgar o mesmo facto simultaneamente provado e não provado ou julgar provados factos que mutuamente se excluam.
Já a contradição entre a fundamentação e a decisão tem lugar quando estas se encontrem em oposição lógica entre si, como seja no caso em que, depois de julgar não provados os factos alegados na acusação, o Tribunal condene o arguido pela prática do crime por que vinha acusado.
Finalmente, erro notório na apreciação da prova é aquele que é perceptível aos olhos de toda e qualquer pessoa, mesmo não dotada de conhecimentos específicos e que ocorre quando se torna evidente que a conclusão a extrair pelo julgador de determinado meio de prova ou conjunto de meios de prova não podia ser aquela que ele efectivamente extraiu.
Nesta conformidade, o vício a que nos referimos configura-se como uma verdadeira oposição lógica entre a prova e a decisão, não podendo ser confundido com a mera discordância do exame crítico da prova feito pelo julgador, no processo de formação da sua livre convicção.
Na verdade, o erro notório na apreciação da prova situa-se aquém da respectiva análise crítica, pois verifica-se quando a conclusão probatória formulada seja repelida pelo conteúdo da prova, em qualquer apreciação crítica plausível.
Qualquer dos vícios tipificados no nº 2 do art. 410º do CPP terá de ser inferido do próprio texto da sentença, por si ou conjugado com as regras de experiência comum, não podendo ser tomados em consideração elementos exteriores, nomeadamente, meios de prova cujo conteúdo não esteja de alguma forma reflectido no texto da decisão.
Ora, salvo o devido respeito, afigura-se-nos que a crítica dirigida pelo recorrente à sentença recorrida, na sua motivação, não é de molde a integrar qualquer dos vícios por ele invocados.
O arguido sustenta que a decisão recorrida enferma de contradição na fundamentação por ter o Tribunal «a quo» julgado provados os factos constitutivos da sua responsabilidade criminal, quando a prova sujeita à sua apreciação não lhe permitia esse juízo afirmativo.
Contudo, tal circunstância não equivale à existência na fundamentação da sentença de afirmações que logicamente se excluam.
Por outro lado, o recorrente invoca o erro notório na apreciação da prova em razão de Tribunal recorrido em seu entender preterido, ao decidir como decidiu, o postulado «in dubio pro reo».
Temos vindo a entender a inobservância do postulado «in dubio pro reo» e o erro notório na apreciação da prova não coexistem logicamente.
Com efeito, há violação da regra «in dubio pro reo» quando o acervo probatório deixe o Tribunal num estado de dúvida acerca de algum facto desfavorável ao arguido e ele julgue, ainda assim, tal facto provado.
Diferentemente, o erro notório ocorre quando não haja dúvida possível que a conclusão probatória que se impunha tirar de determinado meio ou conjunto de meios de prova era a contrária àquela que o Tribunal tirou.
Assim, teremos de concluir que a discordância manifestada pelo recorrente em relação aos juízos probatórios emitidos na sentença recorrida releva da chamada impugnação alargada a que se refere o nº 3 do art. 412º do CPP e não dos vícios previstos no nº 2 do art. 410º do CPP
A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.
A discordância expressa pelo recorrente em relação à matéria de facto provada reside, sintetizando, em ter o Tribunal «a quo» julgado demonstrado que ele praticou os factos descritos nos pontos 2 a 6 da matéria de facto enunciada na sentença e não provados os factos vertidos nos pontos 11 e 12 (tendo-se utilizado uma numeração conjunta para os factos provados e para os não provados).
No fundo, a tese que o recorrente fazer vingar resume-se a que não ficou provado que foi ele quem praticou os factos objectivos descritos nos pontos 2 e 3, já que os meios em que se baseou a convicção do Tribunal «a quo» (depoimentos testemunhais da ofendida TSN Siqueira do Nascimento, de Marta Filipa Sousa Machado e de Catarina Rodrigues Tinoco, os documentos de fls. 10 e seguintes e as informações prestadas pela PT a fls. 110 e 126) não chegam a fazer disso prova directa, enquanto o relatório pericial de fls. 123 a 125 e as declarações prestadas em audiência pelo seu autor, PRP, demonstram que pode não ter sido o arguido a praticar os factos em causa.
Como tal, deveria o Tribunal «a quo», em obediência ao postulado «in dubio pro reo», ter julgado não provado o cometimento pelo arguido dos factos objectivos descritos nos pontos 2 e 3, com o necessário reflexo na factualidade subjectiva dos pontos 4 a 6.
Importa referir que os factos dados como não provados nos pontos 11 e 12 não têm interesse autónomo para decisão da causa, mas sim meramente instrumental, pois foram alegados pelo arguido na sua contestação com a finalidade de demonstrar, se bem compreendemos, que o arguido não teve possibilidade de alterar a password de acesso à conta pessoal de Facebook da ofendida (ponto 12) e que poderá ter sido ofendida quem a criou a aparência dos factos pelos quais o arguido responde (ponto 11).
Assim, os aludidos factos nem sequer deveriam ter sido levados à enumeração da factualidade provada e não provada.
Para fundamentação do juízo probatório nela emitido, a sentença recorrida expende (transcrição com diferente tipo de letra):
MOTIVAÇÃO DE FACTO
Nos termos dos artigos 125º e 355º, a contrario, Código de Processo Penal, a convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou, além do recurso às regras da experiência comum, da análise crítica e conjugada da prova produzida e/ou examinada em audiência de julgamento, à luz do princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 127º Código de Processo Penal.
Assim, o Tribunal atendeu, desde logo, às declarações do arguido, que admitiu ter mantido a descrita relação de namoro com a ofendida, ser seu o número fixo referido em 2. e sua, à data dos factos, a morada constante de fls. 110, assim como ser o perfil de "TS", constante de fls. 12 a 14, idêntico ao seu naquela rede social, já que tem a mesma fotografia e nome.
Negou, contudo, ter acedido à conta de facebook da ofendida, alterado a sua password e, ainda, ter enviado, via facebook, as mensagens escritas constantes de fls. 12 a 14.
Sucede que, nesta parte, a versão apresentada pelo arguido não se revelou credível, vindo a ser mesmo infirmada pela restante prova produzida.
A testemunha TSN, não obstante ter apresentado a queixa que originou estes autos, prestou depoimento que o tribunal considerou credível, porque espontâneo e coerente, revelando-se a ofendida segura e assertiva, embora não tivesse, obviamente, conhecimento direto da autoria dos factos pelo arguido.
Assim, referiu-se às circunstâncias em que terminou a relação com o arguido e se apercebeu, alguns dias depois, de que não conseguia aceder à sua conta de facebook, tendo sido então notificada, via email, da alteração da password daquela conta e, ainda, do modo como depois de recuperar o acesso à rede social, estabeleceu contacto pelo sistema de mensagens instantâneas do facebook com o perfil do arguido, que tinha adicionado aos seus contactos, estabelecendo a conversa constante de flis. 12 a 14.
A testemunha afirmou, de forma perentória, não ter procedido à alteração da palavra passe reportada a fls. 11.
As testemunhas MM e CT, amigas da ofendida, prestaram depoimento claro e sereno, descomprometido com o desfecho dos autos, relatando a reação de choro, transtorno e medo da ofendida quando recebeu, uns dias depois do fim da relação, via facebook, as mensagens referidas em 3., procurando andar acompanhada nos dias que se seguiram.
Ambas as testemunhas afirmaram, ainda, ter visto as mensagens no facebook da ofendida, recordando o seu sentido, ainda que não o exato conteúdo das mesmas.
Quanto às testemunhas arroladas pela defesa, apesar de espontâneas, não revelaram qualquer conhecimento direto dos factos em causa, tendo a testemunha YG prestado depoimento acerca da personalidade do arguido, afirmando apenas a sua convicção pessoal de não ter sido o arguido a praticar os factos em causa; a testemunha DV prestado depoimento acerca da circunstância em que acompanhou a ofendida a um bar, onde encontraram o arguido, não tendo a ofendida ficado incomodada com tal situação (tal como resultou provado em 8.); e a testemunha MFM, mãe do arguido, prestado depoimento acerca da personalidade do arguido, revelando igualmente a sua convicção de que o mesmo não praticara os factos em apreço e referindo, com relevância, que, por vezes, falava com a ofendida TSN através do perfil do facebook do arguido (facto 7.) e que o mesmo tem habitualmente uma pasta com documentos e palavras passe junto do computador. Contudo, quando interrogada, esta última testemunha afirmou que a ofendida se identificava quando estava a usar o perfil do arguido, não se fazendo passar por ele, e não sabendo a testemunha quem havia iniciado a sessão ou se o arguido autorizava tal utilização, pelo que tais factos não se afiguraram especialmente relevantes.
De referir que o facto provado em 8. não permitiu, por si só, concluir em sentido diverso do resultante das declarações da ofendida e das testemunhas MM e CT quanto ao receio que a primeira sentiu na sequência da atuação do arguido, atento o lapso de tempo que havia decorrido e o facto de se tratar de um estabelecimento público, onde a ofendida se sentiria minimamente protegida.
Ora, além do depoimento das testemunhas TSN, MM e CT, a ocorrência dos factos sob julgamento decorreu da análise dos documentos de tis. 10 e ss., correspondentes a prints informáticos da conta de email e de facebook da ofendida, por si espontaneamente juntos aos autos, donde resulta corroborada a alteração da password de acesso à rede social facebook e a receção das mensagens escritas dadas como provadas.
A questão fulcral - a autoria dos factos pelo arguido - por sua vez, resultou, desde logo, da conjugação de tal prova com o teor dos referidos documentos de fls. 10 e ss., da informação prestada pela "PT, Comunicações, 8A" a fls. 110 e 126, à luz das regras da lógica e da experiência comum, donde se concluiu, com a segurança necessária, que a password de acesso à conta de facebook da ofendida foi alterada a partir de um acesso efetuado, no período referido, através da ligação de internet do arguido, i.e., associada ao número de telefone fixo do mesmo.
No que toca ao relatório pericial junto aos autos a fls. 213 e ss., diga-se, antes de mais, que o mesmo contém considerandos que não constituem juízos periciais, i.e., conclusões para as quais se exijam especiais conhecimentos técnico-científicos, in casu, de informática, pelo que será, nessa parte, desconsiderado (veja-se, no 4º § de fls. 214, "Não existe nenhum documento (.) do seu próprio correio eletrónico"; o 7º § de fls. 214; as "conclusões' de fls. 214 e 215).
Não obstante, por conter dados objetivos e dependentes de conhecimentos técnico-científicos, valorado (com a ressalva efetuada supra), nos termos do disposto no art. 163º, CPP, e em conjugação com os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pelo seu subscritor, concluímos, com relevância, que a referência a Lagos feita a fls. 10 se prende com a localização do fornecedor de acesso à internet e não com o exato local a partir do qual foi efetuada a ligação e, ainda, que o "IP" encontrado identifica o router do arguido e a data/hora da ligação em causa (tal como resultava, aliás, da informação prestada pela "PT").
Tudo visto e ponderado, cumpre concluir acerca da factualidade provada e não provada nos termos supra descritos, já que, embora não disponha o tribunal de prova direta de que foi o arguido a aceder à conta de facebook da ofendida, alterando a password, e a enviar as ditas mensagens, dispõe de prova indireta ou indiciária suficiente de que tal sucedeu, sendo a prova indireta ou indiciária igualmente válida e útil e, não raras vezes, a única forma de imputação objetiva de factos que, pela sua natureza ilícita, são cuidadosamente praticados às ocultas (neste sentido, v. Ac.STJ 12.9.07, Proc, 07P4588, disponível in www.dgsi.pt), afigurando-se essa prova disponível bastante para afastar a dúvida razoável de que tenha sido outro o devir dos acontecimentos em análise nos autos.
De facto, atento o contexto de desentendimento entre arguido e ofendida em virtude do fim recente da relação de namoro entre ambos; a coincidência temporal entre a alteração da password e o envio das mensagens à ofendida a partir do perfil que a mesma tinha associado nos seus contactos como sendo o do arguido; o teor de tais mensagens e o facto de ter sido utilizada a ligação do arguido à internet, não restam dúvidas de que o arguido praticou tais factos, tendo o motivo, a oportunidade e deixando o rasto material da sua atuação.
De referir que não se afigura verosímil - porque contrário às regras da experiência comum e sem qualquer apoio na prova produzida - que a própria ofendida ou outra pessoa tenha efetuado a alteração da password e enviado as mensagens escritas, via facebook, para o perfil da ofendida, utilizando, no primeiro caso, a ligação de internet do arguido e, no segundo caso, o perfil do facebook deste.
Acresce que, além de não se descortinar o motivo, a oportunidade seria de difícil verificação, já que, quanto à alteração da password, teria que ser feita mediante ligação ao computador do arguido - estando este ligado à internet - ou mediante ligação à sua rede de internet, para o que careceriam de conhecer a password de ligação à rede e estar na área de cobertura do sinal da aludida rede (doméstica), e quanto ao envio das mensagens, teria que ser usado o perfil do arguido, já que foi deste perfil - anteriormente associado pela ofendida aos contactos - que foram enviadas as mensagens.
A prova dos factos atinentes ao elemento subjetivo, porque relativa ao foro interno do agente, decorre apenas da análise das circunstâncias da prática dos factos e demais elementos relevantes - como a idade e as habilitações académicas do arguido - sendo que a atuação do arguido se deu em circunstâncias tais que, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, não permitem duvidar que o mesmo sabia que estava a alterar uma password de uma conta da rede social que não lhe pertencia, sem autorização, e que estava a enviar mensagens suscetíveis de causar medo e inquietação na ofendida, querendo atuar da forma descrita e sabendo que essa atuação constituía ilícito criminal.
O arguido depôs - em termos dos quais não existem razões para duvidar - sobre as suas condições pessoais e económicas.
Valorou o tribunal, quanto à ausência de antecedentes criminais, o teor do CRC junto aos autos a fls. 192.
Relativamente aos factos não provados, resultaram ora da ausência de prova suficiente e idónea produzida nesse sentido - já que a ofendida negou assertivamente o descrito em 11. e as declarações do arguido (que apresentou versão a que o Tribunal, como ficou exposto, não atribuiu credibilidade) não permitiram concluir no sentido descrito em 11. ou em 12., considerando, designadamente, o facto de a ofendida afirmar ter acedido, despreocupadamente, na presença do arguido, ao seu email e conta do facebook - ora, quanto ao descrito em 13., da produção de prova em sentido diverso (facto 2.).
Como pode verificar-se, é o próprio Tribunal «a quo» quem constata a ausência de prova directa da prática pelo arguido dos factos descritos nos pontos 2 e 3 da matéria factual exposta na sentença, sendo que o recorrente faz basear nessa ausência, em medida determinante, a sua pretensão em matéria de facto.
Antes de mais, importará tecer algumas considerações gerais sobre a relação entre prova directa e prova indirecta, em processo penal.
Neste ramo do direito processual, os meios de prova estão sujeitos a um princípio de legalidade, definido pelo art. 125º do CPP, segundo o qual são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.
Trata-se de um princípio de legalidade de dimensão puramente negativa que se não desdobra num princípio de tipicidade, o que equivale a dizer que pode servir de prova tudo aquilo que a lei não proíbe e não apenas aquilo que a lei permite.
A prova indirecta é também designada por prova por presunção judicial e ocorre quando o Tribunal inferir um facto conhecido de um facto desconhecido (art. 349º do CC).
Tal meio de prova não deve ser confundido com a presunção legal de prova que se verifica quando a lei impõe que, reunidos determinados requisitos, se dê como assente certo facto, independentemente da sua prova material.
Em processo penal, pelo menos no que se refere aos factos desfavoráveis ao arguido, as presunções legais de prova são manifestamente incompatíveis com o princípio constitucional da presunção da inocência, consagrado no nº 2 do art. 32º da CRP, e a regra «in dubio pro reo» que dele emerge.
Diferentemente sucede com as presunções judiciais.
Este último tipo de prova assume frequentemente relevância decisiva para demonstração de factos de natureza subjectiva, o que invariavelmente sucede quando faltem declarações confessórias do arguido.
A problemática das presunções situa-se no espaço de articulação entre aquilo a que podemos chamar a verdade processual e a verdade material dos factos.
Nas categorias de processos diferentes do processo penal, mormente, no processo civil, são frequentes situações em que se impõe uma determinada verdade processual, independentemente da averiguação da verdade material.
Pelo contrário, no processo penal, o princípio constitucional da presunção da inocência obriga a que, na prova dos factos constitutivos e agravantes da responsabilidade criminal do arguido, a verdade processual coincida com a verdade material, tanto quanto for humanamente possível garanti-lo.
Por essa razão, mesmo a confissão integral e sem reservas dos factos da acusação pelo arguido (por muitos considerada a «regina probationem») deve ser rejeitada pelo Tribunal, quando este tenha razões para duvidar se foi prestada livremente ou se os factos confessados são verídicos, como dispõe o art. 344º nº 3 al. b) do CPP.
Ora, a prova por meio de presunção judicial não implica a imposição de uma verdade processual, independentemente e, se necessário, em detrimento da verdade material, mas antes constitui um meio de chegar à verdade material, diferente da prova directa.
Nesta conformidade, o uso desse meio de prova em processo penal, mesmo para demonstrar factos desfavoráveis ao arguido, não é irreconciliável com postulado da presunção de inocência e, de um modo mais geral, com o ordenamento jurídico próprio de um Estado de direito.
Na motivação do recurso, o arguido reconheceu a admissibilidade de prova por presunção judicial em processo penal, sustentando, ao mesmo tempo, que a condenação em julgamento tem de assentar em prova directa.
Não vislumbramos fundamento para esta restrição à eficácia da prova indirecta, propugnada pelo recorrente.
Na verdade, a prova por presunção judicial de fatos desfavoráveis ao arguido (mais precisamente, factos constitutivos ou agravantes da sua responsabilidade criminal) não deve ser vista como uma derrogação ou sequer um afrouxamento da regra «in dubio pro reo», mas antes se encontra integralmente subordinada a esta.
Como tal, o Tribunal só deve dar como provado um facto desconhecido com base num facto conhecido, através de um raciocínio lógico que lhe permita deixar de lado qualquer hipótese factual alternativa que não seja de rejeitar por contrária aos critérios que devem orientar a apreciação probatória, mormente, a experiência comum, a lógica geralmente aceite e o normal acontecer das coisas.
Por conseguinte, nada obsta, à luz dos princípios que regem a prova em processo penal, designadamente, o da presunção de inocência do arguido e o postulado «in dubio pro reo», que lhe está associado, a que o Tribunal «a quo» tivesse lançado mão de prova indirecta para dar como demonstrado que o arguido incorreu nas condutas objectivas descritas nos pontos 2 e 3 da matéria de facto exposta na sentença recorrida.
Em apoio da sua tese, o arguido mobilizou também o conteúdo do escrito junto aos autos a fls. 213 a 215 e intitulado «Relatório Pericial», bem como as declarações prestadas em audiência pelo seu autor, Pedro da Rocha Ponto, tendo concluído que o Tribunal «a quo», ao dar como provado que o arguido praticou os factos por que responde, decidiu contra prova pericial, sem justificar a divergência, nos termos impostos pelo art. 163º do CPP.
A este respeito, convirá recapitular os principais traços do regime legal, específico desta categoria de prova.
Ora, dispõe o art. 151º do CPP que, quando a percepção ou a apreciação dos factos exija especiais conhecimentos científicos, técnicos ou artísticos há lugar á produção de prova pericial.
Nos termos do nº 1 do art. 152º do CPP, a perícia é efectuada, preferentemente, em estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, ou, se tal não for possível ou conveniente, por pessoa nomeada de entre listas de peritos existentes em cada comarca ou, em último caso, por pessoa de honorabilidade e competência reconhecida na matéria em causa.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 154º do CPP a realização da perícia e a nomeação do perito são determinadas por despacho da autoridade judiciária, o que equivale a dizer, na fase processual a que nos reportamos, o Juiz de julgamento.
O art. 160º-A do CPP reza:
1 - As perícias referidas nos artigos 152.º e 160.º podem ser realizadas por entidades terceiras que para tanto tenham sido contratadas por quem as tivesse de realizar, desde que aquelas não tenham qualquer interesse na decisão a proferir ou ligação com o assistente ou com o arguido.
2 - Quando, por razões técnicas ou de serviço, quem tiver de realizar a perícia não conseguir, por si ou através de entidades terceiras para tanto contratadas, observar o prazo determinado pela autoridade judiciária, deve imediatamente comunicar-lhe tal facto, para que esta possa determinar a eventual designação de novo perito.
Por fim, o art. 163º do CPP atribui um poder de vinculação reforçado à prova pericial, presumindo a subtracção à livre apreciação do julgador do juízo científico, técnico ou artístico a ela subjacente e impondo ao Tribunal um especial dever de fundamentar a divergência, caso se afaste dele.
Como pode verificar-se, a lei de processo penal estabelece um regime específico para produção da prova pericial, o qual visa garantir, a um tempo, a bondade científica, técnica ou artística do seu resultado e a imparcialidade e a isenção na sua obtenção.
Nesta ordem de ideias, os relatórios e os pareceres técnicos ou científicos, que os sujeitos processuais particulares (arguido, assistente e partes civis) frequentemente fazem juntar aos processos não podem arrogar-se o estatuto de prova pericial, sem menosprezo da probidade e da competência das pessoas que os elaborem, pois a sua produção não foi acompanhada das garantias legalmente exigidas e, por provirem de sujeito processual determinado, o seu conteúdo tenderá, naturalmente, a favorecer o interesse processual de quem os tenha oferecido.
De todo o modo, tais elementos não constituem, tanto quanto vislumbramos, meio de prova proibido, pelo que estarão sujeitos à livre apreciação do julgador, nos termos do art. 127º do CPP.
Importa agora verificar qual foi génese da elaboração do relatório constante de fls. 213 a 215.
O autor do dito relatório, PRP, foi inicialmente arrolado na parte final da contestação do arguido, juntamente com as testemunhas, com invocação da qualidade de perito, sem que o arguido tenha, nessa peça processual, requerido a realização de qualquer diligência pericial (fls. 175 a 178).
Na sessão da audiência de julgamento realizada em 27/2/14, cuja acta figura a fls. 208 a 211, PRP começou por ser inquirido como testemunha, até que a Exmª Juiz se apercebeu que havia sido arrolado na qualidade de perito e suspendeu a tomada do depoimento.
Dada que foi a palavra à ilustre defensora do arguido por ela foi requerido que o perito indicado pela defesa se pronunciasse sobre os documentos de fls. 11 a 14, 72, 77 e 110, que servem de suporte à acusação, nomeadamente aos seus arts. 2º a 4º e sobre a possibilidade de deles se extraírem as conclusões ali vertidas, pretensão a que o MP se não opôs e que foi deferida por despacho judicial, que determinou, além do mais, que o futuro relatório pericial viesse acompanhado de declaração sobre a relação pessoal ou profissional do seu autor com o arguido.
No relatório que fez juntar aos autos, PRP declarou manter uma relação de amizade com o arguido há mais de dez anos.
Verifica-se que não foram observados na elaboração do relatório pericial constante dos autos os preceitos da lei de processo que regem a produção deste tipo de prova.
Em particular, a realização da perícia não foi cometida a instituição oficial, ou, sendo tal inviável, a perito constante das listas existentes no Tribunal.
Caso viesse a revelar-se a impossibilidade de qualquer das referidas hipóteses e a necessidade de se nomear um perito «ad hoc», em caso algum poderia se ter optado por uma pessoa ligada ao arguido (ou, para o que interessa, a qualquer outro sujeito processual particular) por laços de amizade.
As disposições, que regem a produção de prova pericial e que foram preteridas na diligência realizada nos autos, não impõem meras formalidades processuais mas sim verdadeiros requisitos substantivos, necessários a assegurar a qualidade da perícia, a todos os níveis.
Nestas condições, a diligência que deu origem ao relatório junto a fls. 213 a 215 não pode arrogar-se o estatuto prova pericial e o poder de convicção reforçado a esta inerente, ficando o respectivo relatório e os esclarecimentos prestados em audiência pelo seu autor sujeitos à livre apreciação do julgador nos termos do art. 127º do CPP.
De todo o modo, o conteúdo do aludido relatório carece, de um modo geral, de poder de convicção, porquanto se apresenta marcado pela preocupação do seu autor em mostrar que os elementos documentais submetidos à sua apreciação «não provam» a prática pelo arguido dos factos discutidos, muito par além do juízo técnico que lhe era pedido.
Assim, apenas poderá aproveitar-se do mesmo relatório, como fez o Tribunal «a quo», algumas asserções de carácter técnico que ele contenha.
A prova sujeita ao crivo do Tribunal «a quo» - em especial, o depoimento testemunhal da ofendida TSN, os documentos por ela juntos aquando da apresentação da queixa e constantes de fls. 10 a 14 e as informações prestadas pela PT a fls. 110 e 125 - permite seguramente dar como demonstrado que:
a) Alguém acedeu à conta de Facebook da ofendida e alterou a respectiva password de acesso, impedindo-a de aceder à sua informação e correspectiva página pessoal, por meio da ligação sem fios à internet associada ao telefone fixo do arguido;
b) No decurso de um diálogo online entre o perfil de Facebook do arguido e o da ofendida, o primeiro proferiu as expressões reproduzidas no ponto 3 da factualidade provada.
Nesta parte, a defesa do arguido apoia-se, em síntese na linha de argumentação, segundo a qual o acervo probatório não permite excluir qualquer das referidas hipóteses:
1) Outro que não o arguido pode ter praticado os factos;
2) A queixosa pode ter inventado os factos e forjado os documentos que acompanharam a queixa.
Salvaguardada a hipótese de a queixosa ter falseado os meios probatórios, a prova de que a alteração da password a conta de Facebook da ofendida foi feita a partir do acesso à internet do arguido e de que as expressões ameaçadoras partiram do perfil de Facebook deste permitam concluir, em termos de normalidade, que foi o arguido quem praticou tais factos, a menos que haja indícios de que assim não foi.
Neste contexto, tais «indícios do contrário» não implicam a prova plena de uma hipótese factual diferente, mas somente a existência de sinais de uma possibilidade concreta de que as coisas se terão passado de outra maneira e não a mera possibilidade abstracta.
No âmbito da apreciação da prova, interessa não tanto excluir qualquer possibilidade abstracta, matemática, de os factos terem decorrido de forma diversa da narrativa acusatória, mas antes ponderar as várias hipóteses factuais plausíveis, alternativas à hipótese probanda, à luz da experiência comum e do normal acontecer das coisas, de forma a ajuizar se alguma delas fica em aberto.
Ora, nenhum dos elementos de prova em que se apoia a pretensão recursiva aponta qualquer possibilidade concreta de outro que não arguido ter praticado os factos por que este agora responde, mas apenas a possibilidade em abstracto disso ter acontecido.
Assim, não vislumbramos, de entre as pessoas que, segundo o arguido, poderiam ter utilizado o seu acesso à internet, quem poderia ter tido interesse ou motivação para aceder à conta de Facebook da ofendida e alterar a respectiva password, a não ser o próprio arguido.
Quanto à operação descrita no ponto 2 da matéria de facto provada, o recorrente colocou a tónica na circunstância de não se ter feito prova do conhecimento por parte dele do código de acesso à conta de Facebook da ofendida.
É evidente que, para alguém poder aceder à conta de Facebook de outrem necessita de dispor, por alguma via, do respectivo código de acesso, mas a prova de que determinada pessoa acedeu à conta de outra não passa necessariamente pela demonstração autónoma do facto por meio do qual ela tomou conhecimento do código necessário para o efeito.
No seu depoimento testemunhal, a ofendida Tais do Nascimento efectivamente declarou quer não comunicou ao arguido o código de acesso à sua conta de Facebook, mas admite como possível que ele tenha tomado conhecimento do mesmo, já que, quando eram namorados, a queixosa acedia às suas contas de email ou de Facebook na presença do arguido ou mesmo no computador deste.
Foi neste contexto que, após a ruptura do namoro, «alguém» acedeu á conta de Facebook da queixosa por via do acesso à internet do arguido.
Relativamente às expressões transcritas no ponto 3 da matéria provada, importa ter presente, ainda que tal aspecto não se encontre expresso na sentença, que as mesmas foram proferidas num contexto de uma conversa online entre o perfil de Facebook do arguido e o da ofendida, conforme resulta do teor do documento junto a fls. 12 a 14.
Ora, na hipótese de as expressões em referência terem sido proferidas por pessoa diversa do arguido, tal pessoa necessariamente fez-se passar pelo arguido junto da ofendida, pois, no decurso da conversa transcrita, não há qualquer indicação de que o perfil de Facebook daquele estivesse sendo, nesse momento, a ser utilizado por outrem.
Nessa eventualidade, alguém teria tomado as dores do arguido, aparentemente, por causa da ruptura do namoro entre ele a ofendida, ao ponto de ameaçar esta de a desfigurar.
Ora, se assim tivesse sido, a pessoa em causa teria seguramente ameaçado a ofendida «em nome próprio», sem se escudar por trás do nome do arguido, pois de outra forma estaria a fazer este arcar com uma responsabilidade que ele claramente não quis assumir, prejudicando-o assim.
No que se refere à outra tese alternativa alvitrada na motivação do recurso, a saber, ter a queixosa pura e simplesmente inventado os factos que imputou ao arguido, diremos antes de mais que nenhum elemento de prova, a começar pelas declarações do arguido, deixa transparecer que a ofendida tivesse ficado particularmente ressentida contra este por causa da ruptura da relação de namoro entre os dois.
Neste contexto, compreende-se mal, à partida, que a ex-namorada do arguido tivesse apresentado contra ele uma queixa-crime, por factos que ele não praticou, «instruída» por documentos forjados.
Por outro lado, também não se nos afigura compatível com a hipótese que estamos a figurar o desprendimento que a queixosa tem revelado em relação ao presente processo.
A queixosa não se constituiu assistente, nem deduziu acusação particular, o que livrou o arguido de ter de responder também por um eventual crime de injúria p. e p. pelo art. 181º do CP, que os factos participados seriam, em princípio, aptos a preencher, e tão pouco formulou pedido de indemnização civil.
Ora, se a queixosa se deu ao trabalho, conforme o arguido sugere, de montar a aparência da prática por parte dele de factos integradores de ilícitos criminais em detrimento dela, não se compreende que não tenha tentado retirar daí algum proveito económico.
A isto acresce que os termos do diálogo online em que foram proferidas pelo arguido as expressões reproduzidos no ponto 3 e que figuram na documentação entregue pela queixosa não deixam transparecer que possa ter sido inventado, sendo perfeitamente credível enquanto diálogo genuíno.
Nas circunstâncias do caso, a hipótese de a queixa, que deu origem ao processo, não ter passado de uma montagem da parte da ex-namorada do arguido não faz, pura e simplesmente, sentido.
Por conseguinte, não havendo indícios concretos de que os factos objectivos descritos nos pontos 2 e 3 possam ter sido praticados por outro que não arguido e sendo de rejeitar, por falha de sentido lógico, a hipótese da montagem dos factos pela queixosa, teremos de concluir, de acordo com o normal acontecer das coisas, que foi o arguido quem praticou esses factos.
Quanto à factualidade subjectiva descrita nos pontos 4 a 6 da matéria de facto, concordamos com a forma como o Tribunal «a quo» extraiu das condutas objectivas do arguido e demais circunstancialismo.
O único aspecto que poderá eventualmente suscitar alguma dúvida reside em terem ou não as expressões descritas no ponto 3 causado efectivo receio à ofendida de que o arguido viesse a atentar contra a sua integridade física e, em especial a desfigurá-la.
No decurso do diálogo online, que manteve com o arguido, a ofendida foi replicando às declarações deste com expressões como «tu a mim não pões a mão», «tu não te atrevas», «com as tuas ameaças passo-me ao lado», «se alguma coisa acontecer-me podes ter a certeza que te vão cair em cima», «fazes-me alguma coisa e fodes-te», «não tenho medo de ti», «medo de ti? hahahaha».
No ponto 8 da matéria de facto, foi dado como provado que a ofendida, cerca de uma semana depois de ter recebido do arguido as mensagens de conteúdo ameaçador, esteve num estabelecimento onde ele também se encontrava, sem que tivesse procurado evitá-lo e saído do local.
De todo o modo, a atitude da ofendida apenas permite inferir que ela procurou (e aparentemente conseguiu) não se mostrar intimidada na presença do arguido, o que não significa que ela, no fundo, não tivesse receado que ele viesse a agredi-la fisicamente a desfigurá-la, pois nada lhe dava a entender que a ameaça não fosse para tomar a sério.
Sustentou o recorrente que a decisão recorrida, ao dar como provados os factos constitutivos da sua responsabilidade criminal, violou a regra «in dubio pro reo».
O postulado «in dubio pro reo» constitui um afloramento, ao nível da apreciação da prova, do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido e obriga o Tribunal a dar como não provado qualquer facto desfavorável ao arguido sempre que sobre ele subsista uma dúvida racional, razoável e insanável.
Temos entendido que apenas se verifica uma dúvida justificativa do apelo ao «in dubio pro reo», nos casos em que, uma vez efectuada a análise acrítica da prova, permaneça em aberto uma hipótese factual alternativa à probanda que não seja rejeitada por contrária aos critérios que devem orientar a valoração probatória.
Ora, julgamos ter demonstrado, por via do exame da prova levado a efeito, que não subsiste espaço lógico para outra hipótese que não aquela que o Tribunal «a quo» julgou provada.
Não incorreu a sentença recorrida na preterição do princípio «in dubio pro reo».
Consequentemente, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo recorrente.
O recurso não questionou a vertente jurídica da sentença, nem vislumbramos nós razão para a sindicarmos oficiosamente.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
Notifique.

Évora, 03-03-2015
(processado e revisto pelo relator)

Sérgio Bruno Póvoas Corvacho

João Manuel Monteiro Amaro