Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1607/16.0T8STR-H.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: SUSPENSÃO DE EXECUÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência, por sentença já transitada em julgado, apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente e não a sua extinção por inutilidade e/ou impossibilidade superveniente da lide.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 1607/16.0T8STR-H.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…) e (…), Lda. instaurou execução (à qual estes autos estão apensos) contra (…) – Comércio de Material Eléctrico, Bombas e Piscinas, S.A., sendo que, no decurso da mesma, foi junta aos autos certidão da sentença que declarou a insolvência da aqui executada, decisão essa já transitada em julgado.
Tendo por base a referida certidão, pelo M.mo Juiz “a quo” foi proferida decisão que julgou finda a instância executiva, por impossibilidade superveniente da lide (arts. 277º, alínea e) e 849º, nº 1, alínea f), do C.P.C.).

Inconformada com tal decisão dela apelou a exequente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1. A questão que se coloca é, assim, a de saber se declarada insolvente a executada “(…) – Comércio de Material Eléctrico, Bombas e Piscinas, SA”, por sentença já transitada em julgado, deve a execução ser extinta, por impossibilidade superveniente da lide;
2. Ora, prescreve o artigo 88.º, n.º 1, do CIRE que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente”;
3. Por sua vez, o n.º 3 do artigo 88.º do CIRE determina que “as execuções suspensas nos termos do n.º 1 extinguem-se, quanto ao executado insolvente, logo que o processo seja encerrado nos termos previstos nas alíneas a) e e) do n.º 1 do artigo 230.º, salvo para o exercício do direito de reversão legalmente previsto;
4. Deste modo e por força das aludidas disposições deveria ter sido ordenada a suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência, o que ocorrerá após o rateio final;
5. Com a decisão que declara a insolvência, ainda que transitada, não é possível fazer um juízo de prognose/de impossibilidade superveniente da lide executiva pendente, pelo que o despacho a proferir deveria ter sido o da suspensão;
6. Isto porque só em função do que for decidido pelos credores, se pode saber se a execução está ou não ferida de uma absoluta e definitiva impossibilidade de poder vir a prosseguir;
7. A declaração de insolvência não pode determinar, sem mais, a extinção da instância de uma acção executiva em que o insolvente seja executado, pois que o processo de insolvência pode ser encerrado, antes do rateio final, e, em tais situações, a execução será a única forma de se obter o reconhecimento judicial do crédito;
8. Outrossim, a declaração de insolvência, só por si, não é bastante para determinar a extinção da instância na presente execução por inutilidade/impossibilidade da lide – neste sentido cfr., entre outros, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 30-06-2010, relatado pela Desembargadora Paula Sá Fernandes, e da Relação do Porto de 25-10-2010, relatado pelo Desembargador António Ramos;
9. Pelo exposto, deveria ter sido ordenada a suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência da executada “(…) – Comércio de Material Eléctrico, Bombas e Piscinas, SA”;
10. Pelo que, ao decidir como decidiu, o tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 88.º, n.os 1 e 3, do CIRE.
11. Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que ordene a suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência da executada “(…) – Comércio de Material Eléctrico, Bombas e Piscinas, SA”, com as legais consequências. Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual Justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que a recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: artigo 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na decisão for desfavorável à recorrente (artigo 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões que tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação da recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pela exequente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se, tendo sido a executada declarada insolvente, por sentença já transitada em julgado, a presente execução não deverá ser extinta, por impossibilidade superveniente da lide, mas, pelo contrário, deverá ser determinada a suspensão da execução até ao encerramento do processo de insolvência da executada.

Apreciando, de imediato, a questão suscitada pela recorrente importa dizer a tal respeito que, em situação análoga à destes autos, já se pronunciou (entre outros) o acórdão da R.C. de 15/1/2013, disponível in www.dgsi.pt, adiantando-se desde já que concordamos inteiramente com as razões e fundamentos aí devidamente explanados, os quais, de seguida, passamos a transcrever:
- (…) Declarada a insolvência, os respectivos efeitos processuais nas acções executivas vêm definidos no Art. 88º, nº 1, do CIRE, no qual se preceitua que “a declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes”.
O Art. 287º, e), do CPC dispõe que “a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”.
A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objecto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.
A inutilidade da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a acção foi atingido por outro meio – neste sentido, vide Prof. Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra, 1946 – 367-373.
Já segundo Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 2ª ed., pag. 555), “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio”.
Do cotejo dos preceitos legais citados, há, desde logo, que concluir que o contido no Art. 88º do CIRE, ao definir os efeitos processuais da sentença de declaração de insolvência nas acções executivas, não deixa dúvidas sobre as consequências da declaração de insolvência em processos executivos instaurados contra o executado declarado insolvente, no sentido de que não impõe a extinção da execução, mas sim a sua suspensão.
Tal é, aliás, o entendimento doutrinário dominante assim como o entendimento jurisprudencial dos nossos tribunais superiores.
Com efeito, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 2008, pág. 362, escrevem, em anotação ao citado artigo 88º, que "o regime instituído no nº 1, parte inicial, é um efeito automático da declaração de insolvência, não dependendo de requerimento de qualquer interessado" (cfr. nota 3). E no que respeita ao impedimento de prosseguirem as acções executivas em curso contra o insolvente, dizem: "Impede-se, além disso, o prosseguimento de acções executivas já em curso contra o insolvente, bem como a instauração de novas execuções. A consequência é a da nulidade dos actos que em qualquer delas tenham sido praticados após a declaração de insolvência, o que deve oficiosamente ser declarado logo que no tribunal do processo a situação seja conhecida". Esclarecem ainda que "este é um regime de há muito consagrado no sistema jurídico português, pois, além do CPEREF, constava já do artigo 1198.º do C.P.Civ.". E ressalvam que "as razões determinantes da solução aqui consignada não ocorrem no caso de proferimento de sentença de insolvência com carácter limitado". Ressalva que no caso em apreço não tem aplicação porque à insolvência do executado foi atribuído carácter pleno.
Igualmente no sentido da suspensão da execução pendente no caso de o devedor ser declarado insolvente vai também Luís Manuel Telles de Menezes Leitão in Direito da Insolvência Almedina pp 167.
Perfilhando a orientação da suspensão da execução pendente no caso do executado ser declarado insolvente, vão os seguintes acórdãos dos nossos tribunais superiores: Acs. da Relação de Guimarães de 15-09-2011 e de 19.06.2012, Acs. da Relação de Coimbra de 20-11-2012 e de 03-11-2009, Acs. da Rel. do Porto de 21-06-2010, de 03-11-2010 e de 19-04-2012 e, ainda, os Acs. da Relação de Lisboa de 21-09-2006 e de 12-07-2006, todos disponíveis in em www.dgsi.pt.
E, tal assim é, como se refere no citado Ac. da Rel. de Coimbra de 03-11-2009, desse logo, porque a estrutura do processo de insolvência, regulado no CIRE (DL 53/2004, de 18/3) compreende apenas uma única forma de processo judicial, o da insolvência, no qual, depois de declarada a insolvência, poderão os credores decidir o modo de satisfação dos seus créditos, através do plano da insolvência, que poderá ou não contemplar a recuperação da empresa insolvente e as respectivas condições, que poderão passar ou não pela faculdade de os credores executarem créditos após o cumprimento do plano (artigos 1º, 156º, nº 3 e 192º e seguintes do CIRE).
Poderá o plano de insolvência prever a não exoneração do devedor da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes (artigo 197º, c), do CIRE), podendo, após o cumprimento do plano de insolvência, ser executadas as dívidas em que não se verificou a exoneração (artigo 233º, nº 1, c) e d), do CIRE).
Também poderá acontecer que, já depois da declaração de insolvência, o processo seja encerrado nos termos do artigo 230º, nº 1, c), do CIRE, a pedido do devedor, quando deixe de se encontrar em situação de insolvência ou todos os credores prestem o seu consentimento.
Por outro lado, verificando-se a liquidação da massa insolvente, o seu encerramento não é prejudicado pela circunstância de a actividade do devedor gerar rendimentos que acresceriam à massa (artigo 182º do CIRE), património este que poderá oportunamente ser alvo de execução pelos credores cujos créditos não foram satisfeitos na insolvência e em relação aos quais não houve exoneração.
Em todos estes casos, poderá haver oportunidade para prosseguimento das execuções suspensas, o que, obviamente, só é compaginável se estas forem suspensas, mas não já se forem declaradas extintas.
Conclui-se, portanto, que, com a declaração de insolvência, a execução não deverá ser extinta, mas sim suspensa, ao contrário do decidido no despacho recorrido, o qual, por isso, não poderá manter-se.

Voltando agora ao caso em apreço, e tendo-se aqui em linha de conta as razões e fundamentos sufragados no aresto que acabamos de transcrever, constata-se que, tendo sido a executada declarada insolvente, por sentença já transitada em julgado, inexiste fundamento legal para declarar, desde logo, a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, atento o estipulado no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE.
Nestes termos, forçoso é concluir que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, determina-se que venha a ser substituída por outra que declare suspensa a execução em relação à sociedade executada, nos termos do nº 1 do citado artigo 88º (se outra causa, entretanto, a tal não obstar).

Por fim, atento o estipulado no n.º 7 do artigo 663.º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
- Nos termos do disposto no artigo 88.º, n.º 1, do CIRE, a declaração de insolvência, por sentença já transitada em julgado, apenas determina a suspensão da execução pendente contra a insolvente e não a sua extinção por inutilidade e/ou impossibilidade superveniente da lide.

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pela exequente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados (devendo ser substituída por outra que declare suspensa a execução em relação à sociedade executada, se outra causa, entretanto, a tal não obstar).
Sem custas.
Évora, 21-12-2917
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás
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[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).