Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3401/18.4T8FAR.E1
Relator: RUI MACHADO E MOURA
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO CÍVEL
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - Os tribunais judiciais constituem a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não descriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhe são especialmente atribuídas, o que significa que todas as acções que exorbitem das matérias especificamente conferidas aos tribunais especiais cabem na esfera geral da competência indiscriminada dos tribunais judiciais.
- Este procedimento cautelar nada tem a ver com o processo de insolvência da sociedade (...), Construtores, Lda. - o qual correu no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 10550/14.6T8LSB - uma vez que, aquilo que estava em causa no respectivo apenso de reclamação de créditos era a existência (ou não) de um alegado crédito da sociedade (...) – Construção e Serviços, Lda. sobre a sociedade insolvente, e não a posse ou a validade dos contratos de arrendamento relativos às duas fracções autónomas identificadas nesta providência.
- Por isso, forçoso é concluir que será materialmente competente para apreciar e decidir o presente litígio o Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 2, onde, aliás, esta providência foi distribuída, o que aqui se determina, por força do estipulado nos artigos 64º do C.P.C. e 117º, nº 1, alíneas a) e c). da LOSJ.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: P. 3401/18.4T8FAR.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

(…), invocando a qualidade de sócio liquidatário da sociedade (…) – Construção e Serviços, Lda., veio intentar junto de “Faro – Tribunal Judicial da Comarca de Faro”, o presente procedimento cautelar comum contra (…), Stc, S.A. e (…), pedindo a condenação dos requeridos a reconhecer o requerente como legítimo e legitimado arrendatário das duas fracções autónomas que identifica na petição e absterem-se os mesmos de usar, utilizar, impedir e dificultar o requerente de utilizar e fruir as ditas fracções.
Pede ainda a inversão do contencioso.
Foi julgada a incompetência territorial do Juízo Central Cível de Faro – J4, sendo os autos remetidos ao Juízo Central Cível de Portimão e distribuídos a este Juiz 2.
A primeira requerida foi citada e deduziu oposição, excepcionando desde logo a competência territorial deste tribunal, tendo por competente o Juiz 1 da 1.ª Secção de Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, por aí pender processo de insolvência relacionado com o objecto destes autos, sendo que no respectivo apenso de reclamação de créditos não foi reconhecido o crédito alegado pelo aqui requerente, quanto às rendas que terá pago adiantadas, (pelo período de 20 anos) à sociedade insolvente, (…), Construtores Lda. e relativas às duas fracções autónomas identificadas nestes autos.
Foi notificado o requerente para, querendo, se pronunciar, o que fez, pugnando pela competência do tribunal “a quo”.
De seguida – mas sem que o segundo requerido tenha sido citado, sequer, para, querendo, deduzir oposição à presente providência cautelar – foi, de imediato, proferida decisão pela M.ma juiz “a quo”, na qual se julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do tribunal, declarando-se este tribunal incompetente em razão da matéria para apreciar o mérito da providência em causa, absolvendo-se os requeridos da instância.

Inconformado com tal decisão dela apelou o requerente, tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:
1º - Vem o presente recurso de apelação interposto da douta sentença proferida nos autos, que em suma, julgou verificada a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal a quo em razão da matéria, por entender que é materialmente o Juízo de Comércio, e não os Juízos Centrais Cíveis.
2º - Dá-se aqui por integralmente reproduzida toda a sentença ora em crise.
3º - A Ora Requerente desde já vem reiterar tudo quanto alegou no seu requerimento inicial
4º - No âmbito do processo de insolvência a ora requerida, na qualidade de única credora, adquiriu os prédios urbanos em causa nos presentes autos, aliás conforme se pode ver das certidões prediais juntas com o requerimento inicial e foi o processo de insolvência encerrado e liquidado.
5º -Passando a Requerida (…), na qualidade de legítima proprietária a administrar os prédios urbano como muito bem entendeu, tendo inclusivamente procedido à venda de um dos prédios ao segundo Requerido desta providência cautelar.
6º - Flui da tipicidade legal da compra e venda a sua natureza de contrato real quoad effectum, na medida em que determina a produção imediata do efeito real de transmissão do direito de propriedade (artigos 1317º, alínea a) e 408º, nº 1, do Código Civil), e, ainda, de contrato obrigacional, segundo mesmo critério, na perspectiva dos efeitos obrigacionais de entrega da coisa e do pagamento que dele derivam.
7º - Cremos que não é possível deixar de concluir que uma vez encerrado o processo de não é possível reabrir a instância do processo de insolvência para praticar de novo quaisquer actos que contendam com a reclamação de créditos, a sua verificação e graduação, a sua inclusão no plano e mapa de rateios e o seu pagamento.
8º - A decisão a decretar o encerramento do processo, igualmente transitada em julgado, tornou aqueles actos definitivos para efeitos do processo de insolvência, quaisquer que tenham sido os lapsos ou erros de que os mesmos enfermaram e sem prejuízo da responsabilidade que tais erros ou lapsos possam gerar para quem os praticou.
9º - O ora Recorrente na presente providência cautelar invoca que tem contratos de arrendamento válidos e que incidem sobre as fracções autónomas devidamente identificadas nos autos, e intentou a presente providência contra os actuais proprietários, que são os requeridos (…) e (…), e não contra a massa insolvente da (…), Lda..
10º - A legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.
11º - Analisada a relação material controvertida, tal como é configurada pelo Autor, verifica-se que a mesma não respeita à massa insolvente da sociedade (…), Lda., mas sim, terão interesse em contradizer os requeridos (…) e (…), que são efectivamente partes legítimas na acção.
12º - Os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (art.º 211.º, n.º 1, da CRP), competindo aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas ou fiscais (art.º 212.º, n.º 3, da CRP), sendo que as relações jurídicas administrativas são as reguladas por normas de direito administrativo.
13º - Na sequência destes princípios programáticos, também o legislador ordinário, nos art.º 64.º do CPC e n.º 1 do art.º 40.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, estabeleceu que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, estabelecendo o artigo 144.º da referida Lei que aos tribunais administrativos e fiscais compete o julgamento de litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.
14º - Assim, a competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual. Segundo o critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial. Segundo o critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal não judicial. Isto é: os tribunais são os tribunais com competência material residual e, no âmbito dos tribunais judiciais, são os tribunais comuns aqueles que possuem essa competência residual.
15º - Constituem, pois, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não descriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhe são especialmente atribuídas, o que significa que todas as acções, que exorbitem das matérias especificamente conferidas aos tribunais especiais (hoc sensu) cabem na esfera geral da competência indiscriminada dos tribunais judiciais.
16º - Conforme alegado nas presentes alegações nos presentes autos não tem aplicação o artigo 128º da LOSJ, não sendo materialmente competente o Juízo de Comercio, como é entendimento da Tribunal a quo, sendo sim materialmente competente os Juízos Centrais Cíveis de Portimão, nos termos do artigo 117º da LOSJ e artigos 64º e seguintes do CPC.
17º - Na sentença recorrida foram violadas, entre outras, as normas ínsitas no artigo 128º da LOSJ, artigo 117º da LOSJ e 64º e seguintes do CPC.
18º - Termos, em que, dando-se provimento ao presente recurso, deve declarar-se nula a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, e consequentemente, considerar-se como improcedente a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria, substituindo-se por outra que julgue materialmente competente os Juízos Centrais Cíveis de Portimão, ordenando-se a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância para que os autos aí prossigam os seus ulteriores termos até final. Assim se fazendo a costumada Justiça.
Não foram apresentadas contra alegações de recurso.
Atenta a não complexidade da questão a dirimir foram dispensados os vistos aos Ex.mos Juízes Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir:

Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 639º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [1] [2].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635º, nº 3, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 4 do mesmo art. 635º) [3] [4].
Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de apreciação na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso em apreço emerge das conclusões da alegação de recurso apresentadas pelo requerente, ora apelante, que o objecto do mesmo está circunscrito à apreciação da questão de saber se não está verificada a excepção dilatória da incompetência absoluta do Tribunal “a quo” em razão da matéria e, por via disso, são competentes materialmente para apreciar e decidir o presente litígio os Juízos Centrais Cíveis de Portimão (e não o Juízo de Comércio onde correu termos o processo de insolvência supra mencionado, relativo à sociedade insolvente …, Construtores Lda.).

Antes de apreciar a questão suscitada pelo recorrente importa ter presente qual a factualidade apurada na 1ª instância que, de imediato, passamos a transcrever:
1. Através da Insc. (…) Of. 1 da Ap. …/20161117 foi cancelada a matrícula da sociedade por quotas denominada “(…) – Construção e Serviços, Lda.” com a matrícula (…) e mesmo NIPC.
2. Através da Insc. (…) Ap. …/20161117 na matrícula referida em 1. foi registada a dissolução e encerramento da liquidação, resultando do registo, no mais que se dá por integrado e reproduzido “NIF do depositário: (…)”.
3. (…) era sócio e gerente da sociedade referida em 1. e 2.
4. A sociedade identificada de 1. a 3. intentou processo com vista à declaração de insolvência de “(…), Construtores, Lda.”, o qual correu no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 10550/14.6T8LSB, invocando logo ali a promessa de compra, pela ali Requerente, e venda, pela ali Requerida, das fracções G e I do prédio urbano em regime de propriedade horizontal pela inscrição AP. (…) de 2010/07/23 sito em (…), freguesia de Lagos (Santa Maria), concelho de Lagos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o número (…), inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo (…) da União de Freguesias de Lagos (São Sebastião e Santa Maria) e bem assim ainda a outorga de “dois contratos de arrendamento relativamente aos dois imóveis tendo a Requerida recebido € 120.000,00 de rendas adiantadas em ambos os contratos”.
5. No dia 16.04.2015 foi proferida sentença de declaração de insolvência no processo identificado em 4.
6. Todavia, em tal processo ainda não foi proferida decisão final a determinar o seu encerramento.
7. Os imóveis referidos em 4. foram no processo identificados em 4. “adjudicados e transmitidos ao credor hipotecário” – (apenso E).
8. (…), invocando a qualidade de sócio liquidatário da sociedade (…) – Construção e Serviços, Lda., veio em 23.10.2019, intentar o presente procedimento cautelar comum contra (…), Stc, SA e (…), concluindo por pedir que sejam os Requeridos condenados a reconhecer o Requerente como legítimo e legitimado arrendatário das fracções autónomas referidas em 4. e absterem-se de usar, utilizar, impedir e dificultar o Requerente de utilizar e fruir as ditas fracções.
9. No apenso B do processo identificado em 4. (Reclamação de Créditos), já com visto em correição em 11.09.2017, não se vendo ali que haja sido interposto recurso, foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos em 27.04.2017 nos termos da qual foi declarada:
- “(…) intempestiva a impugnação apresentada pelo credor (…) – Construção e Serviços, Lda., não se considerando a mesma. (…)
2 - Foram reconhecidos pelo Sr. Administrador, nos autos, os créditos de:
- Banco (…), S.A. no valor de € 21.100,00;
- Caixa (…) no valor de € 1.490.433,98;
- (…) – Serviços de Comunicação e Multimédia S.A. no valor de € 12.421,36;
- Estado, representado pelo Ministério Público, no valor de € 30.146,44;
3 – (…) STC S.A. foi declarada habilitada nos autos como credora em substituição do credor Caixa (…).
4– Foram apreendidos nos autos as frações B, C, D, E, F, G, H e I do prédio sito em (…), Lagos, inscrito na matriz predial urbana sob o n.º (…) e descrito na Conservatória de Registo Predial de Lagos sob o n.º (…).
(…)
5. Decisão.
Pelo exposto, consideram-se reconhecidos os créditos dos seguintes credores:
- Banco (…), S.A. no valor de € 21.100,00;
- (…), STC, S.A. no valor de € 1.490.433,98;
- (…) – Serviços de Comunicação e Multimédia S.A. no valor de € 12.421,36;
- Estado, representado pelo Ministério Público no valor de € 30.146,44; que se graduam nos seguintes termos, para serem pagos pelo produto do ativo obtido nos autos:
A) Sobre o produto da venda da totalidade das fracções apreendidas:
1. Em primeiro lugar.
Créditos garantidos, reconhecidos ao Estado, representado pelo Ministério Público, no valor de € 3.842,62.
2. Em segundo lugar.
Créditos garantidos (hipoteca) reconhecidos ao credor (…), STC, SA no valor de € 998.265,00.
3. Em terceiro lugar.
Créditos privilegiados reconhecidos ao Estado, representado pelo Ministério Público, no valor de € 12.468,65.
4. Em quarto lugar, na mesma posição rateadamente.
Créditos comuns reconhecidos aos credores:
- Banco (…), S.A. no valor de € 21.100,00, a pagar mediante a verificação da condição;
- (…), STC, S.A. no valor de € 492.166,55, sendo € 207.491,60 a pagar mediante a verificação da condição;
- (…) – Serviços de Comunicação e Multimédia S.A. no valor de € 12.421,36;
- Estado, representado pelo Ministério Público, no valor de € 13.835,17.
5. Em quinto lugar.
Crédito subordinado reconhecido ao credor (…), STC no valor de € 2,43.
*
Nos termos do disposto no art.º 303º do C.I.R.E., a actividade processual relativa à verificação e graduação de créditos, quando as custas devam ficar a cargo da massa, não é objeto de tributação autónoma.
Custas pela massa insolvente (art.º 304º do C.I.R.E.), tendo-se em consideração o disposto no citado art.º 303º do C.I.R.E..
Registe e Notifique.- (…)” – cfr. sentença de verificação e graduação de créditos proferida no apenso B do processo identificado em 4. que, no mais, se dá por integrada e reproduzida.

Apreciando agora a questão suscitada pelo recorrente – saber se os Juízos Centrais Cíveis de Portimão são materialmente competentes para apreciar e decidir o presente litígio – importa dizer a tal propósito que o poder jurisdicional encontra-se dividido por diferentes categorias de tribunais de acordo com a matéria das causas, distinguindo a Constituição da República, nos arts. 211º, nº 1 e 212º, nº 3, a competência dos tribunais judiciais e dos tribunais administrativos e fiscais, estatuindo que os primeiros são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais; e que aos segundos compete o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.
Sustenta o Prof. Vieira de Andrade que a nossa ordem jurídica optou claramente por uma jurisdicionalização plena, especializada e global da resolução das questões jurídicas decorrentes das relações administrativas de autoridade, no contexto de um sistema de administração executiva, pois que os tribunais administrativos são verdadeiros tribunais (art. 209º, nº 1, al. b), da CRP), são tribunais comuns em matéria administrativa (art. 212º, nº 3, da CRP) – cfr. A Justiça Administrativa, 1998, pág. 16.
Nos termos da legislação ordinária incumbe-lhes uma função caracteristicamente jurisdicional: a de, na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas (art. 3º do ETAF).
É constitucionalmente garantida aos administrados a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268º, nº 4 e 20º da CRP e art. 12º do CPA).

Para aferir da competência em razão da matéria, no caso dos autos, devemos também lançar mão do disposto no artigo 40º da LOSJ e no artigo 64º do CPC que estipulam que são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, ou nas palavras do Prof. Alberto dos Reis quando afirma que:
- “A competência do foro comum só pode afirmar-se com segurança depois de ter percorrido o quadro dos tribunais especiais e de se ter verificado que nenhuma disposição de lei submete a acção em vista à jurisdição de qualquer tribunal especial” – cfr. CPC anotado, vol. I, pág. 201.
Face às normas legais supra referidas, forçoso é concluir que a fixação da competência para o conhecimento da presente acção depende, indubitavelmente, da natureza da relação jurídica que na mesma se discute.

Ora, voltando ao caso dos presentes autos, constata-se que este procedimento cautelar nada tem a ver com o processo de insolvência da sociedade (…), Construtores, Lda. – o qual correu no Juiz 1 do Juízo de Comércio de Lisboa, sob o n.º 10550/14.6T8LSB – uma vez que, aquilo que estava em causa no respectivo apenso de reclamação de créditos era a existência (ou não) de um alegado crédito da sociedade (…) – Construção e Serviços, Lda. sobre a sociedade insolvente, e não a posse ou a validade dos contratos de arrendamento relativos às duas fracções autónomas identificadas nesta providência.
Com efeito, o processo de insolvência é um processo de execução universal com grande potência atractiva de modo que, tendencialmente, chama a si a resolução de todas as questões de âmbito patrimonial relacionadas com a insolvência, a massa insolvente e a sua liquidação.
´Todavia, no âmbito do processo de insolvência acima identificado, a primeira requerida adquiriu os prédios urbanos em causa nos presentes autos (cfr. certidões prediais juntas com a petição inicial) - tendo aqueles deixado de pertencer ou ter qualquer relação com a massa insolvente da sociedade insolvente (…), Construtores, Lda. – sendo que, por via disso, foi o processo de insolvência encerrado e liquidado.
“In casu”, invoca o requerente na presente providência cautelar que tem um contrato de arrendamento válido e que incide sobre as fracções autónomas devidamente identificadas na petição inicial, sendo certo que intentou tal providência contra os actuais proprietários das ditas fracções – os requeridos (…) e (…) – e não contra a massa insolvente da sociedade (…), Construtores, Lda..
Ora, a legitimidade tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que, da procedência ou improcedência da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como ela é apresentada pelo autor – cfr. art. 30º, nº 3, do C.P.C.
Daí que, analisada a relação material controvertida, tal como ela foi configurada pelo requerente, constata-se que a mesma não respeita, de todo, à massa insolvente da sociedade (…), Construtores Lda., mas sim, têm interesse directo em contradizer os requeridos (…), Stc, S.A. e (…), que são, efectivamente, partes legítimas nesta providência.
Ora, conforme já foi afirmado supra, nos termos do disposto nos já citados arts. 64º do C.PC. e 40º da LOSJ, são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.
Deste modo, a competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual.
Assim, segundo o referido critério de atribuição positiva, pertencem à competência do tribunal comum todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial.
Por outro lado, segundo o aludido critério da competência residual, incluem-se na competência dos tribunais comuns todas as causas que – apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado – não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal não judicial.
Constituem, pois, os tribunais judiciais a regra dentro da organização judiciária e, por isso, gozam de competência não descriminada (competência genérica), enquanto os restantes tribunais, constituindo excepção, têm a sua competência limitada às matérias que lhe são especialmente atribuídas, o que significa que todas as acções, que exorbitem das matérias especificamente conferidas aos tribunais especiais cabem na esfera geral da competência indiscriminada dos tribunais judiciais.
Ora, no que respeita à determinação da competência em razão da matéria estatui o art. 117.º da LOSJ que:
“1 — Compete aos juízos centrais cíveis:
a) A preparação e julgamento das ações declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000,00;
b) Exercer, no âmbito das ações executivas de natureza cível de valor superior a € 50 000,00, as competências previstas no Código do Processo Civil, em circunscrições não abrangidas pela competência de juízo ou tribunal;
c) Preparar e julgar os procedimentos cautelares a que correspondam ações da sua competência;
d) Exercer as demais competências conferidas por lei”.
E, por sua vez, também relativamente à dita competência em razão da matéria, dispõe o art. 128º da LOSJ que:
“1 - Compete aos juízos de comércio preparar e julgar:
a) Os processos de insolvência e os processos especiais de revitalização;
b) As ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade;
c) As ações relativas ao exercício de direitos sociais;
d) As ações de suspensão e de anulação de deliberações sociais;
e) As ações de liquidação judicial de sociedades;
f) As ações de dissolução de sociedade anónima europeia;
g) As ações de dissolução de sociedades gestoras de participações sociais;
h) As ações a que se refere o Código do Registo Comercial;
i) As ações de liquidação de instituição de crédito e sociedades financeiras.
2 – (…)
3 - A competência a que se refere o n.º 1 abrange os respetivos incidentes e apensos, bem como a execução das decisões”.
Assim sendo, da análise destes dois preceitos legais, facilmente se constata que, “in casu” – face ao valor da causa e às razões e fundamentos acima explanados – será materialmente competente para apreciar e decidir o presente litígio o Juízo Central Cível de Portimão - Juiz 2, onde, aliás, esta providência foi distribuída, o que aqui se determina, por força do estipulado nos citados artigos 64º do C.P.C. e 117º, nº 1, alíneas a) e c), da LOSJ.
Nestes termos, resulta claro que a decisão recorrida não se poderá manter, de todo, revogando-se a mesma em conformidade e, em consequência, ordena-se a remessa dos presentes autos ao tribunal “a quo”, a fim de aí prosseguirem os seus ulteriores termos até final.

***

Por fim, atento o estipulado no nº 7 do art. 663º do C.P.C., passamos a elaborar o seguinte sumário:
(…)
***

Decisão:

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o presente recurso de apelação interposto pelo requerente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida nos exactos e precisos termos acima explanados.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 02 de Maio de 2019
Rui Machado e Moura
Eduarda Branquinho
Mário Canelas Brás

__________________________________________________
[1] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[2] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[3] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[4] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).