Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
355/10.9GBPSR-A.E1
Relator: FERNANDO CARDOSO
Descritores: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA
PRISÃO POR DIAS LIVRES
ALTERAÇÃO
EXECUÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: DECISÃO DO PRESIDENTE DA SECÇÃO CRIMINAL
Texto Integral: S
Sumário: A competência para apreciar um requerimento apresentado pelo arguido, já depois de este ter iniciado o cumprimento da pena de prisão por dias livres em que fora condenado por decisão transitada em julgado e no qual pede a alteração do regime de cumprimento da pena em execução, pertence ao Tribunal de Execução de Penas e não ao tribunal da condenação.
Decisão Texto Integral:


A Meritíssima Juíza 2 da Secção de Competência Genérica da Instância Local da Ponte de Sor – Comarca de Portalegre, veio suscitar a resolução do conflito de competência relativamente a decisões proferidas no âmbito do processo sumário n.º ---/10.9GBPSR daquela Instância Local e no processo supletivo n.º ---/11.0TXEVR-B do Tribunal de Execução de Penas de Évora referente à competência para apreciar o pedido apresentado pelo arguido A., no âmbito do 1.º processo, que tem em vista uma alteração à execução do regime de prisão por dias livres.

As decisões cujo conflito há que dirimir são as seguintes:

a) - O despacho datado de 21-01-2015, proferido no processo n.º ---/10.9GBPSR, certificado a fls.4, que, na sequência de promoção do Ministério Público, foi decidido que, de acordo com o disposto nos artigos 125.º e 138.º, n.º2, do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, era da competência do TEP a decisão sobre o pedido formulado pelo arguido.

b) O despacho datado de 3 de Fevereiro de 2015, proferido pela senhora Juíza do TEP de Évora, no âmbito do processo supletivo n.º ---/11.0TXEVR-B, certificado a fls.5, que decidiu no sentido de que o conhecimento da pretensão do condenado não se enquadra nas competências materiais do TEP e que o processo supletivo foi instaurado para justificar ou não as faltas de apresentação do condenado no estabelecimento prisional a fim de cumprir a pena no regime de prisão por dias livres.

Tais decisões transitaram em julgado.

Cumprido o disposto no artigo 36.º, n.º 1 do CPP, apenas o Exmo. Senhor Procurador Geral Adjunto veio pronunciar-se sobre os termos da resolução do conflito, emitindo douto parecer de fls.14 a 18, no sentido de que a competência para conhecer e decidir da pretensão formulada pelo condenado deve ser atribuída ao TEP de Évora,

Da documentação junta aos autos resulta a seguinte factualidade:

I – A, convocando a sua difícil situação económica e sob a alegação de que lhe surgiu uma oportunidade de ir trabalhar para o Panamá, através de uma empresa do Porto, no mês de Fevereiro de 2015, requereu ao tribunal da condenação se pronunciasse sobre a possibilidade de cumprir mais 3 períodos de 36 horas, até se ausentar do país, comprometendo-se a cumprir os restantes 28 períodos quando se encontrasse em Portugal.

Apreciando e decidindo:
Com o presente incidente pretende-se, em síntese, obter decisão que resolva definitivamente a quem deferir a competência material para conhecer da pretensão formulada pelo condenado.

Tal impasse deve ser resolvido sem demora, sob pena de se manter uma situação eventualmente prejudicial para o requerente, sendo competente, para o efeito, o Presidente da Secção Criminal, como resulta da al. a) do n.º5 do art.12.º do CPP.

Estamos perante uma questão incidental, suscitada pelo condenado já no decurso da execução da pena de prisão por dias livres, que tem em vista uma suspensão temporária do cumprimento da pena que lhe falta cumprir.

Não cabe aqui conhecer da viabilidade ou inviabilidade da pretensão do condenado, mas tão só decidir a quem compete apreciar o pedido que aquele expressou no seu requerimento dirigido ao tribunal da condenação, já em fase de execução da pena.

A competência do tribunal afere-se pelos termos da pretensão do requerente (incluindo os respetivos fundamentos).

Dispõe o n.º1 do artigo 470.º do CPP que “a execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1.ªinstância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no artigo 138.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade.”

Por seu turno, dispõe o n.º1 do artigo 474.º do mesmo diploma legal, que “cabe ao tribunal competente para a execução decidir das questões relativas à execução das penas e das medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, bem como à prorrogação, pagamento em prestações ou substituição por trabalho da pena de multa e ao cumprimento da prisão subsidiária”.

Os tribunais de execução das penas são de competência territorial alargada e especializada, conhecendo de matérias determinadas, independentemente da forma de processo aplicável (art.83.º, n.º1, 2 e 3, al. d) da LOSJ).

Dispõe o artigo 18.º do CPP que a competência do tribunal de execução das penas é regulada por lei especial.

Essa lei especial é agora o Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, aprovado pela Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro, em vigor desde o dia 10 de Abril de 2010, que, no artigo 138.º estabelece a competência material do TEP, nos seguintes termos:

“1 - Compete ao tribunal de execução das penas garantir os direitos dos reclusos, pronunciando-se sobre a legalidade das decisões dos serviços prisionais nos casos e termos previstos na lei.

2 - Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal.

3 - Compete ainda ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a execução da prisão e do internamento preventivos, devendo as respetivas decisões ser comunicadas ao tribunal à ordem do qual o arguido cumpre a medida de coação.

4 - Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:

a) Homologar os planos individuais de readaptação, bem como os planos terapêuticos e de reabilitação de inimputável e de imputável portador de anomalia psíquica internado em estabelecimento destinado a inimputáveis, e as respetivas alterações;

b) Conceder e revogar licenças de saída jurisdicionais;

c) Conceder e revogar a liberdade condicional, a adaptação à liberdade condicional e a liberdade para prova;

d) Homologar a decisão do diretor-geral dos Serviços Prisionais de colocação do recluso em regime aberto no exterior, antes da respetiva execução;

e) Determinar a execução da pena acessória de expulsão, declarando extinta a pena de prisão, e determinar a execução antecipada da pena acessória de expulsão;

f) Convocar o conselho técnico sempre que o entenda necessário ou quando a lei o preveja;

g) Decidir processos de impugnação de decisões dos serviços prisionais;

h) Definir o destino a dar à correspondência retida;

i) Declarar perdidos e dar destino aos objetos ou valores apreendidos aos reclusos;

j) Decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão relativamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada, bem como da substituição ou da revogação das respetivas modalidades;

l) Ordenar o cumprimento da prisão em regime contínuo em caso de faltas de entrada no estabelecimento prisional não consideradas justificadas por parte do condenado em prisão por dias livres ou em regime de semidetenção;

m) Rever e prorrogar a medida de segurança de internamento de inimputáveis;

n) Decidir sobre a prestação de trabalho a favor da comunidade e sobre a sua revogação, nos casos de execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade;

o) Determinar o internamento ou a suspensão da execução da pena de prisão em virtude de anomalia psíquica sobrevinda ao agente durante a execução da pena de prisão e proceder à sua revisão;

p) Determinar o cumprimento do resto da pena ou a continuação do internamento pelo mesmo tempo, no caso de revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade ou da liberdade condicional de indivíduo sujeito a execução sucessiva de medida de segurança e de pena privativas da liberdade;

q) Declarar a caducidade das alterações ao regime normal de execução da pena, em caso de simulação de anomalia psíquica;

r) Declarar cumprida a pena de prisão efetiva que concretamente caberia ao crime cometido por condenado em pena relativamente indeterminada, tendo sido recusada ou revogada a liberdade condicional;

s) Declarar extinta a pena de prisão efetiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;

t) Emitir mandados de detenção, de captura e de libertação;

u) Informar o ofendido da libertação ou da evasão do recluso, nos casos previstos nos artigos 23.º e 97.º;

v) Instruir o processo de concessão e revogação do indulto e proceder à respetiva aplicação;

x) Proferir a declaração de contumácia e decretar o arresto de bens, quanto a condenado que dolosamente se tiver eximido, total ou parcialmente, à execução de pena de prisão ou de medida de internamento;

z) Decidir sobre o cancelamento provisório de factos ou decisões inscritos no registo criminal;

aa) Julgar o recurso sobre a legalidade da transcrição nos certificados do registo criminal.”

No mesmo sentido dispõe o artigo 114.º da LOSJ.[1]

Como conciliar o disposto neste preceito do CEPMPL com o disposto no n.º1 do artigo 470.º e no n.º1 do artigo 474.º, ambos do CPP?

À partida, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, a execução de tudo o que não seja pena ou medida substituta ou regime de cumprimento envolvendo privação de liberdade será indubitavelmente da competência do tribunal da condenação (estando o regime de execução de tais penas não privativas da liberdade regulamentado nos artigos 489.º a 498.º do CPP); tudo o que envolva privação de liberdade em ambiente prisional, em regra, será da competência própria do TEP a respetiva execução.

Do confronto do preceituado no artigo 470.º, n.º1, do CPP e do artigo 138.º, n.º2 e 4.º do CEPMPL, ressalta, à primeira vista, que, tendo transitado em julgado a decisão que aplicou ao condenado pena de prisão, a cumprir por dias livres, e tendo-se iniciado o cumprimento dessa pena, competiria ao TEP apreciar a pretensão formulada pelo condenado.

Será mesmo assim?

O artigo 487.º do CPP, que trata da execução da prisão por dias livres e em regime de semidetenção ou de permanência na habitação, tem a seguinte redação:

1 - A decisão que fixar o cumprimento da prisão por dias livres, em regime de semidetenção ou de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, especifica os elementos necessários à sua execução, indicando a data do início desta.

2 - O tribunal envia imediatamente aos serviços prisionais e de reinserção social cópia da sentença a que se refere o número anterior, devendo:

a) Os serviços prisionais comunicar ao tribunal, nos 10 dias imediatos, o estabelecimento em que a pena deve ser cumprida, indicando-o de modo a facilitar a deslocação do condenado;

b) Os serviços de reinserção social comunicar ao tribunal, nas quarenta e oito horas imediatas, a instalação dos meios técnicos de controlo à distância.

3 - O tribunal entrega ao condenado cópia da decisão condenatória e guia de apresentação no estabelecimento prisional onde a pena deve ser cumprida.

4 - O início da prisão por dias livres ou em regime de semidetenção pode ser adiado, mediante autorização do tribunal, pelo tempo que parecer razoável, mas nunca excedente a três meses, por razões de saúde do condenado ou da sua vida profissional ou familiar.

Por sua vez, o artigo 488,º do CPP – revogado pela Lei n.º 115/2009, de 12/10, que aprovou o CEPMPL – dispunha o seguinte:

“Execução, faltas e termo do cumprimento:

1 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas em processo individual do condenado.

2 - Não são passados mandados de condução nem de libertação.

3 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal. Se o tribunal, depois de ouvido o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.

4 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, depois de ouvido o condenado.

5 – (…).”

A matéria constante deste último preceito foi transposta para o art.125.º do CEPMPL, que tem a seguinte redação:

“1 - A execução da prisão por dias livres e da prisão em regime de semidetenção obedece ao disposto no presente Código e no Regulamento Geral, com as especificações fixadas neste capítulo.

2 - As entradas e saídas no estabelecimento prisional são anotadas no processo individual do condenado.

3 - Não são passados mandados de condução nem de libertação.

4 - As faltas de entrada no estabelecimento prisional de harmonia com a sentença são imediatamente comunicadas ao tribunal de execução das penas. Se este tribunal, depois de ouvir o condenado e de proceder às diligências necessárias, não considerar a falta justificada, passa a prisão a ser cumprida em regime contínuo pelo tempo que faltar, passando-se, para o efeito, mandados de captura.

5 - As apresentações tardias, com demora não excedente a três horas, podem ser consideradas justificadas pelo director do estabelecimento prisional, ouvido o condenado.”

Assim, tendo o requerimento de alteração do regime de cumprimento da pena de prisão por dias livres sido formulado já em fase de execução desta, salvaguardado o devido respeito por opinião diversa, não nos parece que o n.º2 do artigo 138.º do CEPMPL consinta interpretação diversa do que atribuir ao TEP a competência genérica para conhecer da pretensão do requerente, independentemente dos fundamentos que lhe subjazem e menos ainda do seu mérito.

Seria uma interpretação redutora da vontade do legislador, manifestada no preambulo da Proposta de Lei n.º 252/X, que está na génese do CEPMPL, restringir a competência material do TEP, em fase de execução de pena de prisão por dias livres, à justificação ou não das faltas de apresentação do condenado no estabelecimento prisional.

Se a lei impõe ao juiz do TEP, em caso de falta de injustificada do condenado, a alteração do regime de cumprimento da pena de prisão por dias livres para regime contínuo (cf. artigos 125.º, n.º4 e 138.º, n.º4, al. l) do CEPMPL), em suma, o controlo da execução dessa modalidade de prisão, não pode deixar de contemplar também a apreciação de uma questão incidental surgida na fase de execução, relacionada com o cumprimento e que se destina à prevenção desse incumprimento. Afinal trata-se de uma questão de competência para questões incidentais que o n.º1 do artigo 474.º do CPP atribui ao tribunal competente para a execução, que deverá ser apreciada no âmbito do Processo Supletivo instaurado para acompanhamento da execução da pena aplicada ao condenado. [2]

Pelo exposto entendemos que a competência para apreciar e decidir da pretensão deduzida pelo requerente deve ser atribuída ao TEP de Évora.

DECISÃO:

Em face do exposto, decido o presente conflito atribuindo ao TEP de Évora a competência material para se pronunciar sobre o requerimento que o cidadão A. dirigiu ao processo sumário n.º---/10.9GBPSR, da Secção de Competência Genérica da Instância Local da Ponte de Sor – Comarca de Portalegre.

Comunique aos tribunais em conflito e notifique nos termos do art.º 36.º, n.º 3, do CPP.

Comunique-se também aos Senhores Juízes Presidentes dos Tribunais de Comarca de Évora e Portalegre.

Sem tributação.
(Texto processado informaticamente e integralmente revisto pelo relator)

Évora, 2015-05-05

Fernando Ribeiro Cardoso (Juiz Presidente da Secção Criminal)

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[1] - Que reproduz nos artigos 114.º e 115.º, em matéria de competência do TEP, com ligeiras alterações de redação, o preceituado no artigo 138.º do CEPMPL.

Na verdade, na ali. j) do n.º3 do artigo 114.º dá-se uma versão mais escorreita do que a vertida na al. j) do n.º4 do citado art.138.º, ao estabelecer que compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria: “j) Decidir sobre a modificação da execução da pena de prisão, bem como da substituição ou da revogação das respetivas modalidades, relativamente a reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada;

[2] - No conflito negativo de competência n.º 425/11.6TXCBR-D.C1 do TRC, de que foi relator o Exmo. Desembargador Esteves Marques, foi decidido, por despacho de 06-09-2012, que “A competência para apreciar um requerimento apresentado pelo arguido, já depois de este ter iniciado o cumprimento da pena de prisão por dias livres em que fora condenado por decisão transitada em julgado e no qual pede a alteração do horário de apresentação no estabelecimento prisional, pertence ao Tribunal de Execução de Penas.