Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
111/21.9T8FAL-A.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PERSI
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 03/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
O regime do PERSI, previsto no DL nº 227/2012, de 25.10, só se aplica a situações de incumprimento dos contratos de crédito referidos no seu art. 2º, nº 1, destinando-se apenas aos clientes bancários, enquanto consumidores na aceção da Lei de Defesa do Consumidor.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Por apenso à execução comum que, sob a forma de processo ordinário, o Banco Primus, S.A. , moveu a AA e BB, veio esta última deduzir oposição à execução mediante embargos de executado, pedindo a «extinção do processo executivo nos termos do artigo 732.º n.º 4 e 5 do CPC, ou, caso assim não se entenda, seja a execução suspensa nos termos do artigo 733.º n.º 1 al. c) do CPC».
Alega, em síntese, que, no requerimento executivo não é feita qualquer alusão à causa/motivo subjacente à subscrição da livrança, não sendo a mesma alegada, nem junta prova, pelo que a livrança não cumpre os requisitos do artigo 703º, nº 1, al. c), do CPC, referindo também que o exequente/embargado não a integrou no regime do PARI/PERSI, a que estava obrigado, pelo que, ao não o fazer, não poderia propor contra si qualquer ação judicial, não sendo a dívida exigível.
Mais alega não ter sido informada da forma como a livrança poderia vir a ser preenchida, não tendo também sido outorgado entre ambos qualquer pacto de preenchimento e, por isso, não lhe é exigível o pagamento do montante indicado na livrança, em virtude de desconhecer a forma como foi preenchida e como foram calculados os valores apostos.
Por fim, diz não ter presente ter celebrado com o embargado qualquer contrato no qual tenha assumido a posição de devedora principal, pelo que há que aplicar o benefício da excussão prévia, sendo, em primeiro lugar, executados todos os bens do devedor principal e só depois os seus.
Contestou o embargado, contrapondo que a livrança dada à execução foi subscrita para garantia do bom cumprimento de um contrato de mútuo assinado entre as partes e que com esse contrato foi outorgado um pacto de preenchimento, nos termos do qual eram definidos os contornos de preenchimento da livrança e, não sendo a embargante fiadora do contrato, mas sim parte do mesmo, não se aplica o benefício da excussão prévia.
Quanto à certeza, exigibilidade e liquidez da obrigação, considera que o facto de existir um pacto de preenchimento assinado, e tendo a livrança sido preenchida nos seus termos, tal faz com que a obrigação seja dotada de tais características e, ainda que assim não fosse, os executados foram interpelados para pagar os valores em dívida, o que não fizeram.
Por fim, e quanto à integração da embargante no PARI/PERSI, confirma que tal não sucedeu, mas em virtude de, face à utilização a dar ao bem em questão incluir também um uso profissional, não ser aplicável esse instituto.
Foi indeferida a requerida suspensão da instância e fixado o valor da causa, após o que foi proferido despacho saneador tabelar, com dispensa da fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, por se considerar manifesta a simplicidade da matéria controvertida.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos e determinou o prosseguimento da execução.
Inconformada, a embargante apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Da Sentença que se recorre, resultou provado que “O Embargado não integrou a Embargante e AA no plano PARI/PERSI” e não provado que “O veículo automóvel indicado no documento referido em 1 destinava-se, em exclusivo, à utilização para fins pessoais, por parte da Embargante e de AA” (cfr. página 8 da Sentença).
2. Também resulta da Sentença recorrida que “Quanto ao fim a que destinaram o veículo indicou que era para ela e para o Executado – há data, seu companheiro - dizendo que era para levarem os filhos à escola e para aquele utilizar nas suas deslocações. O Executado tinha uma empresa de serviços agrícolas e utilizava outro carro que tinha, sendo que o OPEL aqui em causa era para usarem ao fim-de-semana. Indicou também que o carro não era para uso profissional, pois o trabalho daquele implicava andar no campo” (cfr. página 9 da Sentença) e “Mais referiu que não lhe foi explicado o porquê de terem de assinar a livrança, nem ninguém a informou de que no contrato ficara que o veículo era para fins profissionais” (cfr. página 10 da Sentença), continuando aí se referindo que o “Depoimento testemunhal de CC - amiga da Embargante.
Também o seu depoimento foi parcial e alinhado com a posição daquela. Indicou que a Embargante e o Executado compraram o automóvel que era para usarem na vida pessoal, visto que o segundo tinha um veículo para o trabalho e este não se adequava ao tipo de trabalho que tinha” (cfr. página 10 da Sentença), e que o “Depoimento testemunhal de DD – supervisora de operações no departamento de recuperação de crédito do Embargado. Não conhece a Embargante. A sua postura em juízo revelou- se pouco adequada, demonstrando uma atitude altiva. Disse que, no âmbito do contrato em questão, não foram enviadas cartas para integração no PARI/PERSI porque a utilização do bem, constante do contrato, incluía o uso profissional. Por isso, como naquele regime só são integráveis consumidores, e o bem não era apenas para fins pessoais, não houve integração no regime”.
3. Com o respeito imenso que o Tribunal à quo nos merece, a Sentença recorrida julgou erradamente o caso pois considerando os factos provados e não provados acima transcritos, as demais patentes da Sentença e toda a prova produzida em Julgamento, a decisão deveria e teria de ser outra, se não vejamos:
4. Refere o Tribunal à quo na Sentença que “era à Embargante que cabia o ónus da prova (…) de demonstrar que o veículo automóvel em causa era para exclusivo uso pessoal, pois seria com base nisso mesmo que teria o “estatuto” de consumidor” (vide. página 12 da Sentença).
5. Em nossa humilde opinião, essa prova fez-se, sendo impossível demonstrar a verdade de outro modo, pelo que se a prova produzida não foi bastante conclui-se estar-se perante uma prova diabólica.
6. A embargante/recorrente prestou declarações perante o Tribunal, onde aí admitiu os factos que sobre a sua autoria e responsabilidade pendiam, referindo que desconhece se o ex. companheiro manteve o cumprimento dos pagamentos do mútuo, dando como possível o incumprimento contratual e do crédito por aquele.
7. A embargante/recorrente não se imiscuiu à sua responsabilidade, admitindo que houve a aquisição de um veículo com recurso a um mútuo, cujo cumprimento ficou exclusivamente sob responsabilidade de um titular a partir de dado momento que, poderá aquele ter incumprido a sua obrigação.
8. Não poderia a embargante/recorrente, admitir factos que não são nem nunca foram verdade, como seja que o veículo se destinada também a uso profissional, dado que esse facto nunca se verificou.
9. Não se alcança, que prova seria possível apresentar em juízo para provar que um carro, não foi usado para fins profissionais, para além das declarações da proprietária/ embargante/recorrente e das pessoas que com esta lidavam.
10. Não vislumbramos que mais provas poderia a embargante/recorrente apresentar em Tribunal, dado que não dispõe de vídeos, fotografias ou outras provas físicas, documentais ou de que natureza seja, que ateste o alegado.
11. A prova feita em Juízo (que o uso de um veiculo durante cerca de 4 anos foi exclusivo para fins pessoais) foi bastante para provar que este carro – à contrário sensu – nunca foi usado para fins profissionais.
12. Exigir mais que o rectro referido, consubstancia uma prova diabólica pois com efeito a embargante teria o ónus de provar um facto negativo: Provar que o veículo nunca foi usado para fins profissionais.
13. Mas essa prova, parece-nos, apenas é possível fazer, através da prova positiva inversa, i.e. que o veículo foi adstrito para fins exclusivamente pessoais, através da produção de prova testemunhal de pessoas que lidavam com os executados e pelo testemunho da própria embargante/recorrente.
14. Veja-se sobre o conceito de prova diabólica o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17/10/2012, proferido no processo 0414/12 (que ainda que noutro ramo do direito toma uma posição que subscrevemos sobre este conceito de prova diabólica ou impossível) segundo qual a “situação de impossibilidade prática de provar o facto necessário para o reconhecimento de um direito, (…) poderia contender com o princípio da proibição da indefesa, que emana do direito constitucional ao acesso ao direito e aos tribunais (artº. 20. da CRP), pois ao executado é possível demonstrar aquele facto negativo através de factos positivos, (…) Por outro lado, a acrescida dificuldade da prova de factos negativos deverá ter como corolário, por força do princípio constitucional da proporcionalidade, uma menor exigência probatória por parte do aplicador do direito, dando relevo a provas menos relevantes e convincentes que as que seriam exigíveis se tal dificuldade não existisse, aplicando a máxima latina «iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur»” e ainda a posição do Tribunal Central Administrativo, no Acórdão de 10/03/2016, referente ao processo n.º 12843/15 segundo o qual “O ónus da prova, que não se confunde com um dever de provar, é um instituto de direito material regulado nos artigos 342º ss do Código Civil atual, que pode ser definido como a regra de julgamento da causa segundo a qual, num contexto processual onde sobressaem os princípios do inquisitório (artigo 411º do Código de Processo Civil) e da aquisição processual (artigo 413º do Código de Processo Civil), a parte (autor ou réu) que invoque a seu favor uma situação jurídica tem contra si o risco de não serem adquiridos no processo os factos positivos ou negativos que, segundo a lei material, são idóneos a fazer nascer a situação jurídica favorável invocada, ficando, assim, essa parte processual sujeita à improcedência da sua pretensão no caso de insuficiência da aquisição processual dos factos fundamentadores da situação jurídica invocada. Seria injusto, “diabólico” e inconstitucional, por violação da máxima constitucional da Proporcionalidade, que a lei (…) ou que a jurisprudência onerassem (…) com o peso de uma prova impossível de factos ou com o ónus da prova de “factos negativos indeterminados ou indefinidos”, como é o caso de uma eventual factualidade negativa subjacente à inexistência de uma ligação qualificada (…). O legislador do ónus da prova (através dos injuntivos artigos 342º ss do Código Civil) e os tribunais (através de uma correta interpretação daquelas regras substantivas) estão constitucionalmente vinculados, sob a luz do princípio constitucional da Tutela Jurisdicional Efetiva, a, cada um nas respetivas funções soberanas, evitarem (i) as situações do ónus da prova diabólica ou impossível (nomeadamente quanto a “factos negativos legalmente indeterminados ou indefinidos”, (…), (ii) as situações de desigualdade no acesso de todas as partes à possibilidade real de demonstração dos factos e ou ainda (iii) as situações de violação da Máxima Constitucional da Proporcionalidade na distribuição do peso da prova dos factos fundamentadores dos posições jurídicas pretensivas litigadas no processo; (…)”.
15. Tendo a embargante prestado declarações em Tribunal, onde afirmou que o veiculo em causa nunca foi usado para fins profissionais, tendo justificado que tal seria impossível pois o então companheiro sendo um profissional da agricultura tem e já tinha um veiculo de maior porte para uso profissional, pois essa mesma profissão não se coaduna com o tipo de veiculo aqui em causa que é um carro ligeiro, familiar, é prova mais que bastante sobre o fim do veiculo.
16. Os veículos usados pelo executado para fins profissionais têm de ser dotados de característica proporcionais condicente com a actividade que exerce, permitindo circular em caminhos de terra batida, buracos e lama, e com capacidade de transporte de alfaias agrícolas, máquinas de algum porte e ainda o produto das “apanhas” como azeitona e outros (ao contrário do referido pelo Tribunal na Sentença), o que nos parece pouco verosímil com um carro de marca Opel, modelo Astra.
17. A embargante negou a factualidade relativa ao uso deste carro para fins profissionais e ainda justificou a razão de ser da improbabilidade de tal possibilidade, produziu-se demais prova testemunhal nesse sentido, pelo que não se alcança de modo algum, quais os demais modos e meios de fazer prova do facto negativo em causa estavam ao alcance da embargante para demonstrar que o veículo nunca foi usado para fins profissionais.
18. A embargante também demonstrou em Tribunal que não lhe foi possível assinar outro contrato, que não contivesse essa cláusula previamente redigida e descrita (que por defeito previa que o carro se destinada a uso pessoal e profissional) tendo a embargada confirmado que não disponibilizou à embargante/recorrente outro contrato alternativo e que estes contratos se encontram previamente redigidos com recurso a cláusulas contratuais previamente estabelecidas.
19. Resultou provado em nosso ver que a embargante e o seu ex. companheiro e pai dos seus filhos adquiriam um veículo, o que faz supor que este visava o uso no contexto familiar, não sendo em nosso ver provável que um casal adquira um veiculo para um dos membro usar para o seu trabalho e muito menos quando pelas características técnicas deste carro se trata de um carro familiar e por inverso, não tem as mínimas características para ser usado na actividade profissional relativa a área agrícola.
20. Por outro lado, é do conhecimento comum que os contratos de financiamento ao consumo, onde se incluem os que visam aquisição de veículos, são apresentados aos consumidores, previamente redigidos e cuja possibilidade de negociação destes é pequena e não se reporta, nunca, a este género de cláusulas, mas no limite às cláusulas relativas ao tempo, duração do contrato, taxas e montantes de financiamento pois o campo negocial dos consumidores comuns, neste âmbito, é irrisório e quase inexistente.
21. A embargada, a par da grande maioria das instituições financeiras e de crédito, não aceita a exclusão de cláusulas cuja existência nos contratos tem propósitos específicos e neste caso parece-nos que esse propósito é evidente (e surtiu efeito): Contornar a obrigação de integração dos clientes nos regimes do PARI e PERSI, como sucedeu neste caso e foi dado dado como prova.
22. Entendemos por isso que decidiu mal o Tribunal à quo, na medida em que colocou sobre a embargante/recorrente (que nesta relação contratual sempre foi a parte mais fraca) um ónus diabólico e um dever de produção de uma prova diabólica e impossível de produzir em Julgamento.
23. Em nosso ver, a Sentença recorrida frustra de modo absoluto o intento legislativo do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de outubro, que é impor sobre as instituições financeiras a obrigação de propor à parte mais fraca e desprotegida nesta relação contratual, formas de regularizar dividas e não partir sem mais para a cobrança coerciva.
24. O intento da embargada/recorrida foi atingido: contornar as imposições do Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de outubro.
25. O Tribunal à quo refere na douta Sentença (sobre as testemunhas e seus depoimentos) que “não se entende como poderão, com tanta certeza, saber que o automóvel era destinado apenas a fins pessoais – por ventura, seguiam atentamente as utilizações que, diariamente, eram dadas ao veículo?”
26. As testemunhas referiram o que viram, sempre, durante anos e era isso que lhes era suposto referir em Tribunal: apenas o que viram e que foi o veículo a ser usado para fins pessoais.
27. Por isso, mais uma vez não se alcança o que deveriam/poderiam estas testemunhas dizer mais para provar que este carro nunca foi usado para fins profissionais.
28. A embargante/recorrente não teve a virtude de ser mais expedita e obstar-se a assinar um contrato que não lhe era desvantajoso e que faltava à verdade pois ali referia que o carro serviria para fins que na verdade, não servia, nem nunca serviu, pois aos olhos do comum dos mortais, é inimaginável que uma simples cláusula deste tipo possa provocar um dano tão grande na sua vida futura e por isso, um leigo, Homem médio, não tem literacia jurídica bastante para recusar uma cláusula com esta natureza, das milhares que lhe são apresentadas pera assinar em minutos.
29. É do conhecimento comum que as instituições financeiras têm os seus contratos previamente redigidos, que não aceitam negociar sobre os mesmos e suas cláusulas e que vão adaptando estes instrumentos aos seus intentos mormente, contornar obrigações que sobre si recaem, como seja a referida de integração dos consumidores finais em procedimentos que visam obter a satisfação de créditos em moldes que respeitem as condições de cada consumidor e suas dificuldades.
30. Deste modo se reitera que se entende ser aplicável à embargante/recorrente o disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012 de 25 de outubro que procedeu à publicação do regime do PARI e PERSI dado que o mesmo se aplica designadamente, a contratos de crédito a consumidores sendo este um contrato desta natureza tanto no seu fundo como na sua forma e por isso estava a embargada obrigada por força do regime que se mencionou, a integrar a embargante/recorrente no plano PERSI e só assim cumprindo um dever legal e moral.
31. Como consequência directa desta não integração, a obrigação exequenda é inexigível, nos termos do artigo 713.º CPC, por isso nos termos do artigo 729.º ex vi artigo 731.º nº 1 al. e) do CPC, a obrigação exequenda é inexigível.
32. A prova produzida em juízo não abalou a afirmação da embargante de que desconhecia e de que não foi informada do modo como a livrança poderia vir a ser preenchida pela ausência de pacto de preenchimento.
33. O preenchimento de uma livrança em branco, faz-se de harmonia com o respectivo pacto de preenchimento, que não existiu no caso concreto.
34. Conforme sufragado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.04.2011, “se o título cambiário está no domínio das relações imediatas, não valem as regras da abstracção, literalidade e autonomia. O pacto de preenchimento é um contrato firmado entre os sujeitos da relação cambiária e extracartular que define em que termos deve ocorrer a completude do título cambiário no que respeita aos elementos que habilitam a formar o título executivo, estabelecendo os requisitos que tornam exigível a obrigação cambiária. O preenchimento deve respeitar aquele pacto – no fundo o contrato que deve ser pontualmente cumprido – já que a sua observância, é o quid que confere força executiva ao título, mormente, quanto aos requisitos de certeza, liquidez e exigibilidade”.
35. Na Sentença recorrida consta (cfr. páginas 25 e 26) que existiu um pacto de preenchimento referindo-se o Tribunal a uma mera cláusula o que em nosso ver não é um pacto de preenchimento.
36. A exigência de um pacto de preenchimento não se satisfaz com uma mera cláusula, pouco clara, mas antes a necessidade de um verdadeiro pacto ou contrato exclusivo e destinado a regular esta matéria e com efeito, a violação da obrigação de verificação do pacto de preenchimento torna igualmente a quantia exequenda inexigível.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. Doutamente suprirão requer-se seja o presente recurso recebido tendo provimento por provado e em sua consequência seja a Sentença proferida revogada e julgados os embargos de executado deduzidos procedentes e em consequência seja determinada a extinção da execução.»

Contra-alegou o exequente/embargado, pugnando por que seja negado provimento ao recurso e consequente manutenção da sentença recorrida.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se o embargado devia ter integrado a embargante no PARI/PERSI;
- se não houve no caso pacto de preenchimento da livrança dada à execução.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:
1 – O Embargado é uma instituição de crédito que se dedica, entre o mais, a conceder financiamentos para a aquisição de veículos automóveis.
2 – No âmbito dessa actividade, no dia 21 de Julho de 2016, o Embargado, na qualidade de “Banco Primus”, a Embargante e AA, estes na qualidade de “Mutuários” com residência na Rua ..., ... ..., outorgaram um documento escrito, com o título “Crédito automóvel; crédito com reserva de propriedade (contrato excluído do DL 133/2009), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e do qual constava, entre o mais, o seguinte:
“CONDIÇÕES PARTICULARES
1. Descrição do equipamento
1.1 Marca OPEL
1.2. Modelo Astra J Diesel
1.3. Matricula ..-RB-.. (…)
1.6 Preço a pronto do(s) bem(ns) 15.900,00 €
2. Condições do financiamento
2.1. Quantia mutuada 15.417,51 € (…)
2.3. Prestações
2.3.1. Número 120
2.3.2. Periodicidade Mensal
2.3.3. Data de vencimento da primeira prestação 05-09-2016
2.3.4. Data de vencimento da última prestação 05-08-2026.
2.3.5. Montante de cada prestação 214,20 €
Nota: Ao montante indicado acrescerá, por cada cobrança realizada, a comissão de processamento que, em cada momento, estiver em vigor no Preçário do Banco (…)
3. Uso do Bem: Profissional e Pessoal
4. Título Executivo: Livrança (…)
Montante da comissão de processamento/prestação – comissão de débito directo – em vigor nesta data € 3,00 (…)
SEGUROS
Prémios: Seguro Vida (cobrado mensalmente)
AA solicita(m) a adesão à apólice N.º ...0 (Vida 1 titular com cobertura de morte, Invalidez Absoluta e Definitiva e Morte por acidente) cujo beneficiário é o Banco Primus (…)
Os prémios do Seguro de Vida para um Titular são devidos mensalmente e determinados em percentagem do capital inicial financiado (…)
O prémio inicial global e mensal devido é de 6,35 € (…)
LIVRANÇA
1. Para garantia do cumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato o Mutuário(s) entregam ao Banco Primus e à sua ordem, uma livrança por si devidamente assinada (…)
2. O BANCO fica, desde já, autorizado a:
a) Preencher a referida livrança pelo valor que lhe for devido, conforme o preceituado neste contrato.
b) Fixar as datas de emissão e vencimento, bem como a designar o local de pagamento.
c) Proceder ao débito na conta de depósitos à ordem do Mutuário (s) (…) do valor devido pelo correspondente imposto do selo, no caso deste ser devido (…)
CONDIÇÕES GERAIS (…)
4. Uso do Bem
O equipamento indicado nas Condições Particulares destina-se a uso profissional e pessoal (…)
15. Resolução (…)
2. O Banco Primus pode resolver o contrato de crédito no caso e incumprimento definitivo ou outras razões objectivamente justificadas, sendo estas comunicadas pelo Banco Primus ao(s) Mutuário(s) através de papel (…) tais como (…) c) se o(s) Mutuário(s) cessar(em) pagamentos (…)
3. No caso de resolução, pelos motivos referidos no ponto anterior, são imediatamente devidas todas as prestações em falta, acrescidas da taxa de mora e eventuais encargos ou indemnizações devidas.
17. Domicílio convencionado e comunicações entre as partes
1. As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efectuadas para as moradas indicadas ou posteriormente comunicadas à outra parte (…)”.
3 – A Embargante e AA assinaram e rubricaram todas as folhas do documento indicado.
4 – Nesse mesmo dia, a Embargante e AA assinaram um documento designado “Livrança”, com o número ...43.
5 – Os restantes campos desse documento não foram preenchidos nessa data.
6 - Após Embargante e AA terem deixado de liquidar as prestações relativas ao documento indicado em 1, o Embargado, em 13 de Agosto de 2021, remeteu-lhes, para a morada Rua ..., duas cartas registadas, com assunto “Contrato de Mútuo com Reserva de Propriedade n.º 5033332, celebrado em 21-07-2016”, que foram recebidas em 16 de Agosto de 2021, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e de onde consta o seguinte texto:
“Referimo-nos ao contrato identificado em epígrafe, que teve por finalidade o financiamento do veículo com a marca OPEL, modelo Astra J Diesel (…) e matrícula ..-RB-.., do qual V. Exa. consta como mutuário (…)
Como é do conhecimento de V.Exa., emergem daquele Contrato determinadas obrigações, designadamente pecuniárias, que não se mostram cumpridas, mesmo após envio da nossa interpelação formal para pagamento em 23-07-2021 (…) tratando-se, portanto, de um incumprimento grave e reiterado.
Ainda que o BANCO PRIMUS tenha remetido a V. Exa., a interpelação admonitória mencionada (…) a situação de mora nela evidenciada mantém-se e é apenas imputável a V. Exa. (…)
No contexto supra exposto, vimos, ao abrigo das condições gerais do Contrato e, bem assim, do disposto no artigo 781.º do Código Civil, considerar imediatamente vencidas todas as obrigações emergentes daquele Contrato procedendo, com efeitos desde esta data, à sua resolução (…)
Em face do referido é V. Exa., desde esta data, devedor da quantia global de € 11.330,10 (…) decorrente das seguintes parcelas:
(…)
Em virtude do incumprimento descrito, o Banco Primus irá proceder ao preenchimento da livrança n.º ...43, entre para garantia das obrigações pecuniárias emergentes do Contrato, pela quantia de € 11.330,10 (…)”.
7 – Em 13 de Agosto de 2021, Embargante e AA não haviam liquidado as prestações referentes ao período compreendido entre Fevereiro e Agosto de 2021, encontrando-se por liquidar a quantia de € 11.330,10, relativa a todo o contrato.
8 – Aquando da assinatura do documento indicado em 2, a Embargante não indagou a contraparte quanto ao que estava a assinar, nem colocou qualquer dúvida sobre as cláusulas contratuais.
9 – Em 13 de Agosto de 2021, o Embargado procedeu ao preenchimento da “Livrança” referida em 4, apondo-lhe a data e o lugar da emissão, o respectivo valor, a data de vencimento, assim como a identificação dos subscritores e o valor do imposto selo, ficando a mesma com o seguinte teor: (...)
10 – O Embargado não integrou a Embargante e AA no plano PARI/PERSI.

E foi considerado não provado que:
I – O veículo automóvel indicado no documento referido em 1 destinava-se, em exclusivo, à utilização para fins pessoais, por parte da Embargante e de AA.

O DIREITO
Questão prévia
Da leitura das alegações/conclusões, resulta algum inconformismo da recorrente quanto ao facto de na sentença recorrida não se ter considerado provado que o veículo objeto do contrato de mútuo celebrado entre as partes se destinou a uso pessoal dos executados, pois, segundo a recorrente, «essa prova fez-se, sendo impossível demonstrar a verdade de outro modo, pelo que se a prova produzida não foi bastante conclui-se estar-se perante uma prova diabólica»[1], acrescentando ainda que «[a]s testemunhas referiram o que viram, sempre, durante anos e era isso que lhes era suposto referir em Tribunal: apenas o que viram e que foi o veículo a ser usado para fins pessoais»[2], e que, por isso «não se alcança o que deveriam/poderiam estas testemunhas dizer mais para provar que este carro nunca foi usado para fins profissionais»[3].
Na sentença recorrida motivou-se a decisão de dar como não provada a utilização do veículo para fins pessoais do seguinte modo:
«(…), era à Embargante que cumpria não só o ónus de alegação, como também de prova de que o veículo automóvel em questão era somente para fins pessoais dela e do Executado. Assim é porque era essa a circunstância que permitia qualificar o contrato como de mútuo a consumidor e, como veremos, justificar a sua integração no regime PARI/PERSI.
Em primeiro lugar, há, desde logo, de referir que a Embargante nem sequer efectuou tal alegação nos seus articulados, designadamente na petição inicial dos embargos. E, como vimos, cabia a si tal alegação, não podendo o Tribunal conhecer dessa factualidade oficiosamente (cf. artigo 5.º, n.º 1 do C.P.C).
No entanto, o Tribunal, para que não restassem dúvidas, e porque assim resulta da prova efectuada, consignou expressamente que tal utilização não resulta provada.
E não resulta provada porque a Embargante, de todo o modo, não cumpriu o ónus de o provar. Em primeiro lugar, há que referir que as testemunhas que arrolou para o comprovarem, deram sinais de parcialidade, praticamente repetindo o que foi declarado por aquela e por cada uma delas.
Diga-se que, a menos que tal haja sido expressamente referido pela Embargante – tendo assim as mesmas apenas conhecimento indirecto de tal circunstância -, não se entende como poderão, com tanta certeza, saber que o automóvel era destinado apenas a fins pessoais – por ventura, seguiam atentamente as utilizações que, diariamente, eram dadas ao veículo?
Além disso, é preciso notar que a própria Embargante, quando ouvida em juízo, acabou por referir, num primeiro momento, que o mesmo era usado para levarem os filhos à escola e para o Executado usar nas suas deslocações. Só depois acabou por dizer que o automóvel não era usado para fins profissionais porque o Executado tinha outro veículo e não podia utilizar o aqui em causa no campo, pois dedica-se à actividade agrícola.
Sempre se dirá que o Executado não é um trabalhador da lavora, mas sim sócio gerente de sociedades agrícolas. Logo, o seu trabalho não se exerce apenas nos campos – andando em torrões de terra e estradas de terra batida -, também se exercendo em deslocações a vários locais.
Por outro lado, se o veículo foi adquirido para irem buscar e levar os filhos à escola, porque motivo é que, após a separação do casal, ficou o mesmo com o Executado? Ora, fará sim muito mais sentido que tenha ficado porque, precisamente, este último o utilizava também na sua vida profissional.
E, por fim, há uma questão que acaba por ser incontornável e que não foi cabalmente explicada pela Embargante. É que no contrato que a mesma assinou – e rubricou em todas as folhas – consta expressa e explicitamente que o veículo seria usado para fins profissionais e pessoais. Por isso, não se entende como é que, caso tal não correspondesse à verdade, a Embargante iria assinar o contrato, com uma cláusula – que está nas condições particulares do contrato, e como tal estipuláveis pelas partes– que não correspondia à verdade.
Face a esta prova, à ausência sequer de alegação fáctica pela Embargante quanto à utilização que dava ao veículo automóvel, e às regras de distribuição do ónus da prova, não há dúvidas de que o facto aqui em causa teria de ser considerado não provado.»
Ora, ainda que fosse suscetível de censura a decisão do Tribunal a quo de considerar não provada a factualidade em causa, e admitindo que a recorrente quis efetivamente impugnar tal decisão, o certo é que a mesma não observou os ónus a que alude o art. 640º do CPC, desde logo porque não indicou com precisão os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa, pois além das suas declarações de parte limitou-se a mencionar, de forma genérica, a prova testemunhal, a que acresce o facto de, tendo sido gravados os depoimentos prestados em audiência de julgamento, a recorrente não indicar as exatas passagens da gravação em que funda tal impugnação, nem tão pouco ter procedido à transcrição dos excerto que considera importantes, deixando assim incumprido os ónus previstos no nº 1, al. b) e nº 2, al. a) do referido normativo, o que sempre determinaria a rejeição do recurso no tocante à impugnação da matéria de facto.
Assim, tem-se por intocada a decisão da matéria de facto pelo tribunal recorrido, situando-se o objeto do presente recurso no estrito plano da impugnação de direito, com os contornos assinalados supra.

Da integração da embargante no PARI/PERSI
Como se escreveu no acórdão da Relação de Lisboa de 12.10.2017[4], «(…) o PERSI não é indiferenciadamente aplicável aos contratos de crédito em risco de incumprimento ou em incumprimento».
Com efeito, o próprio preâmbulo do DL nº 227/2012, de 25.10 explica que:
«A concessão responsável de crédito constitui um dos importantes princípios de conduta para a atuação das instituições de crédito. A crise económica e financeira que afeta a maioria dos países europeus veio reforçar a importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades, em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores na aceção dada pela Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril.
A degradação das condições económicas e financeiras sentidas em vários países e o aumento do incumprimento dos contratos de crédito, associado a esse fenómeno, conduziram as autoridades a prestar particular atenção à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias.»
Enquanto o artigo 2º deste diploma legal estabelece o tipo contratual a que se aplica o PERSI estipulando que:
«1 - O disposto neste diploma aplica-se aos seguintes contratos de crédito celebrados com clientes bancários:
a) - Contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria;
b) - Contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel;
c) - Contratos de crédito a consumidores abrangidos pelo disposto no Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de junho, com exceção dos contratos de locação de bens móveis de consumo duradouro que prevejam o direito ou a obrigação de compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em documento autónomo;
d) - Contratos de crédito ao consumo celebrados ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 359/91, de 21 de setembro, alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 101/2000, de 2 de junho, e 82/2006, de 3 de maio, com exceção dos contratos em que uma das partes se obriga, contra retribuição, a conceder à outra o gozo temporário de uma coisa móvel de consumo duradouro e em que se preveja o direito do locatário a adquirir a coisa locada, num prazo convencionado, eventualmente mediante o pagamento de um preço determinado ou determinável nos termos do próprio contrato;
e) - Contratos de crédito sob a forma de facilidades de descoberto que estabeleçam a obrigação de reembolso do crédito no prazo de um mês.»
Já o art. 3º, nº 1, vem definir o que se entende neste âmbito por cliente bancário prescrevendo que “para efeitos do presente diploma, entende-se por:
a) - «Cliente bancário» o consumidor, na acepção dada pelo n.º 1 do artigo 2.º da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pela Lei n.º 24/96, de 31 de julho, alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que intervenha como mutuário em contrato de crédito».
Não restam assim dúvidas que se trata de procedimento apenas aplicável aos contratos elencados no artigo 2º, desde que celebrados com clientes enquadráveis no conceito legal de consumidor para efeitos da lei do consumo.
Por sua vez o artigo 2º do Decreto-Lei 67/2003, de 8 de abril, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Diretiva 1999/44/CE do Parlamento e do Conselho de 25 de maio de 1999, dispõe: «1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios.»[5]
O conceito de consumidor consagrado no DL 67/2003 adotou o seu sentido estrito uma vez que surge definido como aquele que adquire um bem ou serviço para uso privado (utilização doméstica, familiar ou pessoal), sendo a sua determinação feita exclusivamente com base no destino dado aos bens ou serviços adquiridos[6].
Consumidor será assim para efeitos da referida lei qualquer pessoa que não destine o bem ou serviço adquirido a um uso profissional ou um profissional, desde que não atuando no âmbito da sua atividade e desde que adquira bens ou serviços para uso pessoal ou familiar[7].
Assim, «para efeitos da aplicação do Regime Geral, entende-se que a noção cliente bancário poderá definir-se como todo aquele que celebrou qualquer contrato de crédito incluído no elenco previsto no âmbito do art. 2.º n.º 1 do Regime Geral, destinado a uso não profissional, com Instituição de Crédito habilitada a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do RGICSF”[8].
Ora, a esta luz, não tendo a embargante logrado provar que o veículo objeto do contrato de mútuo que os executados celebraram com o exequente se destinava ao seu uso pessoal – tendo, aliás, resultado provado que os executados celebraram o contrato declarando que o uso a dar ao veículo era profissional e pessoal [cfr. Condições Particulares do contrato] - esse contrato cuja dívida é aqui reclamada está excluído do âmbito de aplicação do DL 227/2012 face ao disposto no nº 1 do artigo 2º, conjugadamente com a alínea a) do artigo 3º e artigo 2º, nº 1 do DL 67/2003 nos termos expostos, como bem se decidiu na sentença recorrida.

Do pacto de preenchimento da livrança
Diz a recorrente que «[a] exigência de um pacto de preenchimento não se satisfaz com uma mera cláusula, pouco clara, mas antes a necessidade de um verdadeiro pacto ou contrato exclusivo e destinado a regular esta matéria e com efeito, a violação da obrigação de verificação do pacto de preenchimento torna igualmente a quantia exequenda inexigível».
Mas não tem razão a recorrente.
Na verdade, o pacto de preenchimento consta da página 2 do contrato de Mútuo celebrado entre as Partes, donde se extrai que:
«Livrança
1. Para garantia do cumprimento de quaisquer obrigações ou responsabilidades emergentes do presente contrato o Mutuário(s) entregam ao Banco Primus e à sua ordem, uma livrança por si devidamente subscrita e no caso de haver sido prestada fiança, a livrança será avalizada pelo(s) fiador(es).
2. O Banco fica, desde já, autorizado a:
a) Preencher a referida livrança pelo valor que lhe for devido, conforme o preceituado neste contrato.
b) Fixar as datas de emissão e vencimento, bem como a designar o local de pagamento.
c) (...).
3. (...).
4. Os Mutuário(s) e Fiador(es) comprometem-se a respeitar todas as formalidades legal ou contratualmente exigidas para o regular preenchimento da livrança.»
Como bem se diz na sentença recorrida, «daqui resulta evidente que entre Embargado e Embargante foi assinado um pacto de preenchimento, através do qual a segunda acordava que o primeiro poderia preencher a livrança pelo valor que lhe fosse devido – o que foi cumprido – e a fixar as datas de emissão e vencimento e designar o local de pagamento – tal foi o que sucedeu. A isto acresce que, mais uma vez, a Embargante não alegou, nem se provou, quaisquer factos dos quais se retire o preenchimento abusivo da livrança».
Nenhuma censura merece, pois, a muito bem elaborada sentença recorrida.
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencida, a recorrente suportaria as respetivas custas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527º, nºs 1 e 2, e 529º, nº 1, do CPC, as quais, porém, não lhe são tributadas por beneficiar de apoio judiciário.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
*
Évora, 2 de março de 2023
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Albertina Pedroso (1º adjunto)
Francisco Xavier (2º adjunto)

__________________________________________________
[1] Conclusão 5ª.
[2] Conclusão 26ª.
[3] Conclusão 27ª.
[4] Proc. 6776/15.3T8ALM.L1-8, consultável, como os demais adiante citados sem outra indicação, in www.dgsi.pt.
[5] Esta noção de consumidor foi introduzida com as alterações levadas a cabo pelo Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de maio, já que antes era feita por remissão para a Lei de Defesa do Consumidor [cfr. nº 1 do art. 1º]. Por sua vez, a Diretiva define o conceito de consumidor do modo seguinte: «Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente diretiva, atue com objetivos alheios à sua atividade comercial ou profissional».
[6] Neste sentido, Januário da Costa Gomes, Ser ou não ser conforme, eis a questão. Em tema de garantia legal de conformidade na venda de bens de consumo, in Cadernos de Direito Privado, nº 21, Porto, 2008, p. 3, João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, 2003, p. 58, e acórdãos do STJ de 20.10.2011, proc. 1097/04.0TBLLE.E1.S1 e de 02.02.2023, proc. 3232/19.4T8CBR.C1.S1.
[7] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, p. 213.
[8] Andreia Engenheiro, in O crédito bancário: a prevenção do risco e gestão de situações de incumprimento, p. 25, citada no acórdão da Relação do Porto de 07.03.2022, proc. 266/10.8TBVLC-B.P1, que aqui seguimos de perto.