Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
294/17.2 T8PTM. E1
Relator: SÍLVIO SOUSA
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:

Tendo o tribunal criminal remetido a decisão do pedido cível de indenização, para os “tribunais civis” - decisão aceite pelo demandante -, o início da contagem do prazo de prescrição coincide com a data do despacho de “remessa”, e não com a do seu trânsito em julgado.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora:


Relatório

BB, residente na praça …, bloco …, r/c, esq., Lagos, intentou a presente ação declarativa de condenação, na forma de processo comum, contra o ISP - Fundo de Garantia Automóvel[1], com sede na avenida da República, nº 59, Lisboa, pedindo, nomeadamente, a sua condenação no pagamento da importância de €100.000,00, a título de danos não patrimoniais, e, quanto aos “danos corporais”, no “que se vier a liquidar em execução de sentença, após os peritos procederem à avaliação percentual do mesmo dano”, ou, quando assim não se entenda, em quantia a liquidar nos mesmos moldes, também em sede do dano não patrimonial, “após os peritos médicos de pronunciarem sobre o quantum doloris”, articulando factos que, em seu entender, conduzem à sua procedência, a qual, porém, culminou com a absolvição dos demandados do pedido, com fundamento na verificação da exceção perentória de prescrição.


Inconformado com o decidido, recorreu o aludido demandante, com as seguintes conclusões[2]:

- O interveniente CC foi acusado e condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física grave, previsto e punido no artigo 144º. do Código Penal, cuja moldura penal máxima é de 10 anos de prisão;

- O prazo de prescrição da responsabilidade criminal é, pois, de 10 anos;

- O prazo de prescrição do direito à indemnização é, também, de 10 anos;

- O despacho de reenvio do pedido indemnizatório do procedimento criminal para os meios comuns - lavrado a 17 de janeiro de 2012-, transitou em julgado, contando com o prazo de 20 dias para o respetivo trânsito, em 6 de fevereiro de 2012;

- Tendo a presente ação sido instaurada a 31 de janeiro de 2017, o recorrente fê-lo, atempadamente;
- Deve, pois, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a prossecução dos autos.



Inexistem contra-alegações.


Face às mencionadas conclusões, o objeto do recurso circunscreve-se à apreciação da seguinte questão: saber se o direito de indemnização está ou não prescrito.


Foram colhidos os vistos legais.




Fundamentação


A - Os factos


A.a - Data da interposição da presente ação


30 de janeiro de 2017.


A.b - Data da citação do demandado ISP - Fundo de Garantia Automóvel


14 de fevereiro de 2017.


A.c. - Data da ocorrência do acidente


21 de janeiro de 2010.


A.d - Data da dedução da ação penal contra o interveniente CC


30 de março de 2011.


A.e - Infrações penais imputadas ao interveniente CC


“ (…)


Um crime de ofensas à integridade física negligente, p. e p. pelo art.148º, nº 1 e 2, do C. Penal, um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200º., nº 1 do C. Penal, e um crime de condução ilegal, p. e p. pelo artigo 3º., nº 1 e 2 do DL 2/98, de 3 de Janeiro.”





A.f - Data da dedução do pedido cível, na ação penal (processo nº 23/10.1GALGS / 2º. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos), contra o ora demandado ISP - Fundo de Garantia Automóvel


14 de novembro de 2011.


A.g - Data da contestação do pedido cível, na ação penal (processo nº 23/10.1GALGS / 2º. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos), por parte demandado ISP - Fundo de Garantia Automóvel


13 de janeiro de 2012.


A.h - Despacho exarado, no âmbito da ação penal (processo nº 23/10.1GALGS / 2º. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos), no dia 17 de janeiro de 2012, na ata da audiência de julgamento


“Considerando que as questões suscitadas pelo Demandante BB, no que se atém a perícia médico-legal requerida, bem assim, como a exceção de ilegitimidade, suscitada pelo Demandado Fundo de Garantia Automóvel na sua contestação, apenas suprível por via de incidente de intervenção provocada e tendo em conta o estado dos autos, a apreciação de tais pedidos iria implicar um retrocesso processual, sendo manifestamente questões aptas a gerar incidentes com influência na marcha do processo, com sacrifício na célere apreciação da responsabilidade criminal do arguido.


Termos em que, ao abrigo do disposto no artº 82º, nº 3 do C.P. Penal, determino a remessa das partes para os meios comuns.


Notifique e desconvoque as testemunhas que se mostram convocada para as instâncias cíveis enxertadas”.


A.i - Notificação deste despacho


Este despacho foi, “de imediato”, notificado ao recorrente BB, dele ficando ciente, ”nada tendo a reclamar ou requerer”.


A.j - Dispositivo da sentença proferida no âmbito da ação penal (processo nº 23/10.1GALGS / 2º. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Lagos)


“Nos termos e pelos fundamentos de facto e de direito oportunamente expendidos, julgando a ação procedente, por provada, decido,


1.Condenar o arguido CC, pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, na sua forma agravada, previsto e punido pelo artigo 148º., nº 1 e 3, do Código Penal, por referência ao disposto no Art. 144º, alínea c), do mesmo diploma, na pena de dez meses de prisão.


2.(…).”


B - O direito/doutrina/jurisprudência


- O prazo de prescrição do direito de indemnização é de 3 anos, a contar da data em que o lesado dele teve conhecimento, ainda que desconheça a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos; todavia, se o facto constituir, também, uma infração penal, para a qual “a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável” [3];


- O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, no prazo de cinco anos, a contar da prática do crime, quando se tratar de infrações penais “puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco[4];


- A ofensa a integridade física, por negligência, ainda que provoque doença particularmente dolorosa ou permanente, é punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias [5];


- “A aceitação, expressa ou tácita, da decisão, depois de proferida e notificada às partes ou delas conhecida, tem efeitos equiparados à renúncia ao direito de recorrer. Impede, pois, a interposição do recurso, extinguindo o direito processual em causa. A aceitação expressa não suscita especiais de dificuldades (devendo ser interpretada como qualquer declaração de vontade: art. 236 CC); a aceitação tácita tem de derivar da prática de qualquer facto “inequivocamente incompatível com a vontade recorrer” [6];


- O direito de recorrer pode perder-se, não só por via da renúncia antecipada, senão também em consequência de aceitação expressa ou tácita da decisão proferida. (…) A lei não exige forma especial para a aceitação expressa. Por isso pode ela revestir qualquer forma: pode fazer-se por meio de termo, por simples requerimento, por declaração inserta em qualquer ato ou peça processual. (…) Do mesmo modo que renúncia, a aceitação pode ser feita pela própria parte ou pelo mandatário judicial. E para que este aceite validamente a decisão, não é indispensável que esteja munido de procuração que lhe dê poderes especiais para aceitar; basta a procuração com poderes forenses (…)”[7];


- Nos casos omissos, quando as disposições do Código de Processo Penal não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal[8];


- O prazo da prescrição só começa a correr quanto o direito puder ser exercido[9];


- “A prescrição traduz-se na extinção de um direito que desse modo deixa de existir na esfera jurídica do seu titular, e que tem como seu principal e especifico fundamento a negligência do titular direito em concretizá-lo, negligência que faz presumir a sua vontade de renunciar a tal direito, ou pelo menos o torna indigno de ser merecedor de proteção jurídica. Outras razões há justificativas da prescrição, como razões de proteção da certeza e segurança do tráfico, proteção dos obrigados, especialmente os devedores, contra dificuldades de prova a longa distância, e, por fim, exercer pressão ou estímulo educativo sobre titulares os direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queriam abdicar deles” [10].


C - Aplicação do direito aos factos


O recorrente BB alicerçou a contestação da sentença recorrida em duas circunstâncias, a saber: a) uma das infrações penais - a de ofensa a integridade física grave, por negligência -, imputada ao interveniente CC, é punível “com uma pena que vai de dois a dez anos”, pelo que o prazo de prescrição do direito de indemnização é de dez anos; b) mesmo que seja apenas de 5 anos, o início da sua contagem coincide, não com a data do despacho, lavrado na ação penal, a remetê-lo ”para os tribunais civis”, e, sim, com a data do trânsito em julgado deste mesmo despacho.


Quanto ao primeiro argumento, não é o mesmo procedente, uma vez que à dita infração penal fez o legislador corresponder uma pena de prisão até dois anos ou uma pena de multa até 240 dias. Como tal, o prazo de prescrição é de 5 anos.


De referir, a propósito que, na resposta à contestação, o recorrente BB alega que o prazo de prescrição é de 5 anos[11].


Acontece que o segundo argumento também não procede, dado que, a partir de 17 de janeiro de 2012 - data do despacho que o remeteu para o Tribunal cível - o referenciado ficou com “via aberta” para demandar, nomeadamente, o ISP - Fundo de Garantia Automóvel, no citado tribunal, o que equivale a dizer que o seu eventual direito à indemnização passou a poder ser exercido (em separado), com consequente início da contagem de novo prazo de prescrição.


Assim sendo, na data da propositura da presente ação - 30 de janeiro de 2017 - o eventual direito à indemnização do recorrente BB estava prescrito.


Sucede que não se vislumbra qual o interesse do recorrente BB em esperar pelo trânsito de tal despacho, uma vez que o próprio, “por declaração inserta” na ata, disse aceitá-lo, sendo certo que era manifestamente improvável que o mesmo fosse impugnado pelo ISP - Fundo de Garantia Automóvel.


Se, por hipótese absurda, o despacho de “remessa” para o tribunal cível viesse a ser revertido, a única consequência seria encarar uma situação de litispendência, com as inerentes consequências, mas sem qualquer prejuízo para o dito recorrente.


Em síntese[12]: tendo o tribunal criminal remetido a decisão do pedido do cível de indenização, para os “tribunais civis” - decisão aceite pelo demandante -, o início da contagem do prazo de prescrição coincide com a data do despacho de “remessa”, e não com a do seu trânsito em julgado.





Decisão


Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando o recurso improcedente, manter a decisão recorrida.


Custas pelo recorrente.


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Évora, 22 de novembro de 2018


Sílvio José Teixeira de Sousa


Maria da Graça Araújo


Manuel António do Carmo Bargado


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[1] Por despacho exarado a fls. 138 e 139, foi admitida a intervenção nos autos, “ao lado do primitivo réu”, de CC, “causador do acidente e que não dispunha de seguro válido”.
[2] Conclusões elaboradas por esta Relação, a partir das do recorrente.
[3] Artigo 498º., nºs 1 e 3 do Código Civil.
[4] Artigos 118º, nºs 1, c) e 4 e 119º., nº 1 do Código Penal.
[5] Artigos 144º., c) e 148º., nºs 1 e 3 do Código Penal.
[6] José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in Código de Processo Civil Anotado, vol. III, tomo I, 2ª edição, pág. 32, e artigo 632º., nºs 2 e 3 do mesmo diploma.
[7] Prof. Alberto dos Reis, in Código de processos Civil Anotado, vol. v, 1984, pág. 279.
[8] Artigo 4º do Código de Processo Penal.
[9] Artigo 306º., nº 1 do Código Civil.
[10] Acórdão do STJ de 19 de junho de 2012 (processo nº 82-C/2000.c1.S1), in www.dgsi.pt..
[11] Folhas 54 e 55.
[12] Artigo 663º., nº 7 do Código de Processo Civil.