Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
493/17.7T8SSB.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: TRANSACÇÃO JUDICIAL
RELATÓRIO PERICIAL
RESPONSABILIDADE CIVIL
Data do Acordão: 05/07/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Uma transação permite afastar, por via contratual, uma situação de incerteza, mediante concessões recíprocas.
2 - In casu, a transação ocorreu no âmbito de um processo judicial e através da qual as partes procederam a uma nova regulação contratual da situação litigiosa relacionada com as estremas das propriedades de cada um deles, confinantes uma com a outra, tendo os aqui apelantes concedido recuar a estrema da sua propriedade.
3 - Logo, a causa juridicamente significativa do recuo da estrema da propriedade dos apelantes gerador da perda de 50 m2 de terreno foi a transação firmada pelos apelantes e não o relatório pericial dos réus/apelados, os quais, na verdade, nada decidiram naquele processo pois o relatório pericial constitui apenas um meio probatório que o tribunal aprecia livremente (cfr. art. 388.º do Código Civil) e contra o qual as partes podem reclamar nos termos do artigo 485.º do CPC, podendo também requerer a realização de uma segunda perícia, nos termos do artigo 497.º do CPC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 493/17.7T8SSB.E1
(1.ª Secção)
Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) e (…), autores na ação declarativa sob a forma de processo comum que moveram contra (…), (…) e (…), interpuseram recurso da sentença proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Sesimbra-Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, o qual julgou a ação totalmente improcedente, por não provada, e, em conformidade, absolveu os réus dos pedidos.

Na ação os autores tinham peticionado que os réus fossem condenados, solidariamente, a pagarem-lhes a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização por danos patrimoniais e morais acrescida de juros legais vincendos contados desde a data de citação e até efetivo pagamento.
Para fundamentarem o seu pedido os autores alegaram que os ora réus foram nomeados peritos no âmbito do processo n.º 1051/11.5TBSTB – no qual os aqui autores intervieram na qualidade de réus – e, no exercício daquela função, os réus elaboraram um relatório pericial que padece de erros, concretamente, usaram coordenadas desconhecidas, desenharam uma linha desapropriada à escala e utilizaram técnicas que distorcem e amplificam os erros; em consequência de tais erros os ora réus (peritos no processo supra mencionado) concluíram que a linha confinante entre o prédio dos ora autores e o prédio dos autores na ação acima mencionada coincidia e colidia com a casa de morada de família dos pais dos primeiros (aqui autores) e estes, vendo-se na iminência de demolir aquele imóvel, acordaram realizar uma transação que se consubstanciou no recuo das extremas da sua propriedade e, consequentemente, no reposicionamento do muro em arame que haviam construído há mais de 20 anos para separação dos terrenos. Mais alegaram que em consequência dos factos supra referidos sofreram danos patrimoniais e morais que especificaram e pelos quais pretendem ser indemnizados.
Os réus contestaram por impugnação alegando que a perícia por si efetuada no âmbito do processo n.º 1051/11.5TBSTB não enferma de qualquer erro e requereram, ainda, a condenação dos autores por litigância de má-fé.
Foi proferido despacho-saneador e despacho a fixar o objeto do processo e os temas de prova, após o que se realizou a audiência final, finda a qual foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.
Os recorrentes formulam alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«1. Os Apelantes intentaram, contra os Apelados, ação declarativa comum pedindo que, os ora Apelados fossem condenados a pagar-lhes a quantia de € 15.000,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais;
2. Os Apelados foram nomeados peritos no âmbito do processo que correu termos pelo Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 1, Processo 1051/11.5TBSSB.
3. Na perspetiva dos Apelantes cometeram graves erros na formulação quer do relatório pericial quer dos restantes documentos relativos à perícia.
4. Ocasionando aos Apelantes graves transtornos quer patrimoniais quer não patrimoniais.
5. O mencionado relatório pericial enfermava de vários erros, nomeadamente no que concerne à identificação das coordenadas planimétricas, do terreno em perícia.
6. As coordenadas identificadas no relatório pericial e documento subsequente feriram de morte a veracidade técnico-científica de tais documentos, uma vez que as coordenadas se referiam a prédios localizados a centenas de quilómetros dos prédios objeto de perícia.
7. Os Apelantes, nos mencionados documentos, estabeleceram uma chamada linha vermelha, como sendo a linha cadastral que supostamente separaria os prédios em contenda.
8. Essa linha foi vastamente contrariada através de vários documentos elaborados pela Direção Geral do Território que se mostram juntos aos presentes autos.
9. A mesma passava por cima de um prédio urbano existente no local, construído há mais de 60 anos, que constituiu a casa morada de família dos pais dos Apelantes.
10. Caso a ação judicial procedesse com base nessa “linha vermelha”, os Apelantes corriam o sério risco de terem que mandar demolir a casa pertencente a seus pais.
11. Sendo irrelevante a hipótese de posteriormente poderem ou não alegar o instituto da usucapião ou da acessão imobiliária.
12. Foi devido a este justo receio que, embora a muito custo, os Apelantes acordaram em transigir naqueles autos.
13. Os erros cometidos pelos Apelados, além de inadmissíveis, contribuíram para o desgosto, a angústia, a vergonha, o gasto de dinheiro, e sobretudo para a perda de saúde de que os Apelantes foram vítimas em todo este processo.
14. Ao terem transigido no modo como o fizeram, os Apelantes tiveram que recuar as suas estremas, perdendo com isso cerca de 50 m2 de terreno com todos os prejuízos daí advenientes.
15. Face às matérias dada como provada e não provada é evidente uma clara e inequívoca contradição entre ambas.
16. Contradição essa mais patente nos números 14º, 15º, 16º,22º, 24º a 29º dos factos provados quando comparados com os artigos 2º, 6º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º, 22º, 30º, 31º dos factos não provados.
17. Face à matéria dada como provada e não provada a Mma. Juíza “a quo” não fez uma correta avaliação e ponderação.
18. A Mma. Juíza, ao arrepio de parte da matéria dada por provada, não considerou a seguinte matéria como provada:
“ A convicção criada pelos Réus nos autos, da existência de um marco cadastral identificado pelas coordenadas X=151865,05 – Y=45858,75 (o marco a vermelho mais à esquerda de fls. 86vº destes autos) motivou que os Autores se vissem, no limite, na obrigação de terem que mandar demolir um imóvel existente no local, construído há mais de 60 anos, que constituiu a casa de morada de família de seus pais, onde os Autores nasceram e foram criados, uma vez que alinha delineada pelos Réus coincidia a colidia precisamente com parte dessa mesma habitação” (2º dos factos não provados).
19. A Mma. Juíza ao não considerar tal matéria como provada não valorou factos e documentos que deu por assentes e provados.
20. Nos números 8, 9, 10, 11 e 12 da matéria dada como provada faz alusão a mapas e fls., tanto do apenso como dos próprios autos, onde é perfeitamente visível que a chamada “linha vermelha”, que supostamente dividiria a propriedade dos Apelantes com o prédio confinante, colidia com uma construção urbana.
21. Sobre esta questão e face aos documentos carreados para os autos, mais é inequívoco que tal edificação se situa no prédio dos aqui Apelantes, pelo que a proceder a peregrina tese dos Apelados – a chamada linha vermelha que supostamente dividia os prédios – tal sempre seria suscetível de ocasionar irreparável prejuízo para os aqui Apelantes.
22. É, pois, contraditório o referido nos números 8, 9, 10,11 e 12 dos factos provados e o número 2 dos factos não provados.
23. A Mma. Juíza “a quo” afirma que a testemunha, Maria Helena Gonçalves, reiterou, na senda da versão dos factos apresentados na petição inicial, que os Apelantes apenas chegaram a acordo no processo nº 1051 devido à linha vermelha traçada pelos peritos a fls. 170 do apenso porque seria um mal menor perante a demolição da casa de seus pais. A Mma. Juíza entendeu que “...nesta parte (negrito e sublinhado nosso) o depoimento da testemunha não incutiu convencimento, desde logo porque é contrariado pelo teor do processo 1051”.
24. A Mma. Juíza entende que os Apelados ”infletiram a posição vertida no seu relatório pericial quando referem que os marcos de estrema (nºs 1,3 e 4) por si descortinados correspondem não aos constantes da linha vermelha de fls. 173 do apenso, mas sim aos da linha azul de fls. 173 do apenso. Ora, ainda que não haja acordo quanto à localização dos marcos nºs 2 e 5, certo é que, ressalta à evidência que o mero facto de todos os intervenientes (Autores, Réus e até peritos) concordarem que os marcos nºs 1 e 3 são os correspondentes aos tracejado a azul e não ao tracejado vermelho (de fls. 173), imporia necessariamente que a dita linha vermelha fosse desconsiderada aquando da decisão final ...”.
25. A Mma. Juíza por evidente lapso confundiu a cronologia dos documentos nos autos, uma vez que o documento que refere refere-se é à ata da inspeção judicial realizada no dia 19 de janeiro de 2017, a convite da Relação de Évora, conforme se alcança do respetivo Acórdão.
26. Nesse documento – “Ata de Inspeção Judicial” – constam três cláusulas, respetivamente identificadas pelas letras “A”, “B” e C”. Na cláusula identificada pela letra “A” os peritos, ora Apelados mantiveram a sua tese de que a reta que dividia os terrenos em apreço era aquela por eles designada por “linha vermelha”.
27. Sucede que as partes – Autores e Réus – durante a inspeção judicial chegaram a um acordo sobre as estremas dos prédios, tendo eles (Autores e Réus) acordado que seria pela linha azul que se faria a divisão de ambos os prédios.
28. Só após esse acordo os senhores peritos, ora Apelados, respeitaram o acordado pelas partes, ou seja, que a divisão dos dois prédios se fizesse pela linha azul.
29. Toda a defesa efetuada pelos Apelados nos presentes autos, tem sido no sentido que é a chamada linha vermelha aquela que divide ambos os prédios, mesmo contrariando os pareceres /documentos emitidos pela Direção Geral do Território.
30. Não corresponde assim à verdade o deduzido pela Mma. Juíza “a quo” no que concerne ao hipotético retratamento por parte dos Apelados, que também não infletiram a sua posição.
31. Também não foram convenientemente compreendidas as plantas de fls. 340 a fls. 342, uma vez que tais plantas foram elaboradas pelo Apelado (…), por ordem do tribunal, e feitas com base no acordo efetuado entre Autores e Réus e em momento posterior à transação efetuada nos autos.
32. Estas plantas foram assim efetuadas de acordo com o traduzido no acordo entre os Autores e os Réus e não por intervenção direta dos ora Apelados.
33. Devido transação efetuada, o imóvel que se encontra na propriedade dos aqui Apelantes, que constituiu a casa de seus pais, nunca ficaria sujeito a ser demolido uma vez que a linha azul, ao contrário da vermelha, não passa por cima desse imóvel. Já a linha vermelha passa por cima desse imóvel, como aliás é possível observar pelas plantas e mapas constantes do relatório pericial.
34. No que concerne à questão se o imóvel que se encontra na propriedade dos Apelantes e que ficaria sujeito, caso prevalecesse a tese da linha vermelha, a ser demolido, ter sido ou não a “casa dos pais dos Apelantes é a própria Mma. Juíza “a quo” que afirma que o mencionado imóvel constitui a casa dos pais dos Apelantes e que se mostra construída no terreno dos Autores, aqui Apelantes, quando para justificar a sua ideia que não foi a conclusão do relatório pericial, elaborado no apenso, que determinou que os Apelantes tivessem transigido naqueles autos, escreveu desta forma:
“... Acresce que não é crível, que os Autores tivessem aceite transigir no processo nº 1051/11.5TBSSB, uma vez que estava em causa a própria existência física do imóvel que constituiu a casa de seus pais que se encontra construído no terreno dos Autores, já que, o pedido efetuado pelos Autores do processo 1051/11.5TBSSB se cingia à mera demarcação e não à reivindicação de nenhuma parcela de terreno, pelo que, nunca da referida ação poderia derivar qualquer condenação numa demolição...” (negrito e sublinha nosso)
35. Assim é a própria Mma. Juíza “a quo” quem afirma que a casa existente no local constituiu a casa dos pais dos Apelantes, o que não pode deixar de ser contraditório com o nº 14 dos factos não provados.
36. A Mma. Juíza “a quo”, também não levou em conta o depoimento da única testemunha com conhecimento de causa, (…), que a propósito da motivação dos Apelantes para terem transigido nos primeiros autos e consequentemente das questões emergentes da chamada linha vermelha.
37. A referida testemunha, conforme melhor se observa retro pela transcrição das suas declarações, foi bastante esclarecedora, tanto no que concerne à motivação dos Apelantes para terem transigido nos primeiros autos, como em relação ao imóvel situado na propriedade dos Apelantes e que constituiu a casa de seus pais, bem como em relação às questões de saúde que afligiram os aqui Apelantes.
38. Através deste testemunho foram esclarecidos diversos factos que, no entender dos ora Apelantes, justificaram e contribuíram para tivessem sido considerados provados os factos identificados com os números 1º a 29º dos factos não provados.
39. O relatório elaborado pela psicóloga clínica Dra. (…), junto pelos Apelantes aos autos com a sua petição inicial sob a designação de documento número 11, bem como o depoimento que prestou em julgamento expressa a patologia evidenciada pelo Apelante (…).
40. Face a este depoimento não se entende a razão pela qual a Mma. Juíza “a quo” não considerou provada a matéria constante dos números 30º e 31º dos factos não provados, tal a clareza do depoimento da Senhora Psicóloga, a que acresce o relatório clinico por ela subscrito e junto aos autos.
41. Tornando-se tudo ainda mais difícil de explicar quando confrontado com o teor do nº 15 dos factos provados.
42. Ficando a dúvida da razão pela qual não foram dados como provados os factos constantes dos números 30º e 31º do factos não provados quando transparece do nº 15 dos factos provados que os Apelantes sofreram diversos transtornos, quer morais, patrimoniais e principalmente de saúde derivados do primeiro processo judicial.
43. O mesmo se aplica às patologias evidenciadas pelo Apelante (…) e provadas quer documentalmente quer pela testemunha (…) que as situou no espaço e no tempo como consequência das questões relacionadas com o primeiro processo.
44. A Mma. Juíza “a quo” reconheceu que, pelo menos existe um prejuízo patrimonial de € 3.000,00, correspondente à perda de 50 m2 de terreno por parte dos Apelantes.
45. A Mma. Juíza “a quo” dá como não provado que os Autores, aqui Apelantes, perderam para o proprietário do prédio confinante cerca de 50 m2 de terreno seu (21º dos factos não provados) mas considera provado que ficaram lesados em 50 m2 de terreno os quais terão um valor global de € 3.000,00 (16º dos factos provados).
46. Ficando os Apelantes na dúvida de quais os 50 m2 que a Mma. Juíza considera que os Apelantes ficaram lesados e quais os 50 m2 que a Mma. Juíza não considerou que os Autores perderam para o proprietário do prédio confinante.
47. Ao longo de todo este processo o tema principal em discussão relacionou-se com o relatório pericial, nomeadamente com a linha traçada pelos Apelados – linha vermelha – como sendo aquela que supostamente dividiria os dois prédios confinantes.
48. A questão controvertida, quer no âmbito das alegações de recurso subordinado interposto pelos aqui Apelantes quer durante as audiências de julgamento e a inspeção judicial realizada no dia 19.01.2017, prendia-se precisamente com a chamada linha vermelha.
49. Os Apelantes tinham o justo receio de, caso procedesse a tese da linha vermelha e a sentença judicial desse por boa tal tese, os Apelados vissem a casa de seus pais ser “atravessada” por tal linha, com as consequências que ninguém poderá mesmo que hipoteticamente avançar.
50. O risco do primeiro processo ser decidido com base na linha vermelha era por demais evidente. Atente-se no Acórdão preferido por essa Veneranda Relação e proferido no âmbito do primeiro processo, também plasmado pela Mma. Juíza na sua fundamentação, quando determina que se proceda à inspeção ao local tendo em vista:
“ … proceder ao confronto dos Srs. Peritos em inspeção ao local de que forma se traça no terreno “ a linha delimitadora entre ambos os prédios (…) composta por 3 segmentos de reta, e 4 vértices referida no relatório, em que medida os marcos de estremas em causa descortinados pelos Srs. Peritos coincidem ou não com os marcos das restantes estremas referidos pelas partes e existentes no local e confrontar os Srs. Peritos, no terreno, com a possibilidade de uma concreta demarcação” (fls. 321 do apenso) …”
51. Ora esta foi, pois, a questão que pesou na decisão dos Apelantes em transigir no processo, não obstante toda a relutância que tiveram em o fazer, tanto mais que os Apelados durante a mencionada Inspeção e plasmada no documento intitulado “ATA DE INSPEÇÃO JUDICIAL” datado de 19.01.2017, junto aos autos no apenso e referido pela Mma. Juíza na sua fundamentação, sempre defenderam ser a linha vermelha aquela que dividia o prédio dos Apelantes e o do confinante.
52. Esta foi, pois, a razão pela qual os Apelantes transigiram a contragosto, diga-se, no primeiro processo.
53. Face ao que dispõe os artigos 483º e 563º ambos do Código Civil e bem assim à prova material e testemunhal carreada nos autos, é por demais patente o nexo causal entre o facto e o dano
54. É por demais evidente que foi o relatório pericial elaborado pelos Apelados a causa direta dos Apelantes terem transigido nos primeiros autos.
55. Foi a chamada linha vermelha, que consta do relatório pericial e dos documentos anexos, a causa dos Apelantes terem chegado a acordo.
56. Aliás na esteira do já anteriormente aqui alegado quando se fez eco da decisão da Veneranda Relação de Évora ao mandar que os Apelados fossem confrontados no terreno com a possibilidade de uma concreta demarcação.
57. O que sucedeu, tendo os Apelados mantido que a linha que dividia o prédio dos Apelantes e o confinante era linha vermelha do seu relatório.
58. O que motivou que os Apelantes tivessem que ceder nas suas legitimas pretensões, transigindo nos primeiros autos.
59. Existe assim evidente nexo de causa efeito entre o facto danoso e o prejuízo.
60. A sentença, ora recorrida, determina que os Apelados praticaram um facto ilícito culposo, pelo que lhes assiste o dever de indemnizar os Apelantes.
61. Provou-se o dano da perda de 50 m2 de terreno no montante global de € 3.000,00 e ainda danos não patrimoniais a título de desgosto, angústia, vergonha e perda de saúde.
62. Ao não ter reconhecido a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano, a Mma. Juíza “a quo” fez, salvo melhor opinião, uma errada leitura e interpretação, quer do apenso quer dos presentes autos, violando assim o disposto nos artigos 483º e seguintes do Código Civil e ainda do artigo 563º do mesmo diploma legal, o que ora se argui para os devidos e legais efeitos.
63. Assim sendo resulta inequívoco para os ora Recorrentes da bondade da sua pretensão e que, no caso presente, não foi feita a melhor a melhor interpretação da lei e uma justa aplicação do direito, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que julgue totalmente procedente a ação judicial movida pelos Apelantes contra os Recorrentes com a condenação dos mesmos ao pagamento da quantia de € 3.000,00 a título de danos patrimoniais a título de danos morais em quantia que V. Exas. por bem arbitrarão.
64. A sentença recorrida violou o dispositivo constante nos artigos 483º e seguintes do C. Civil e ainda do artigo 563º do mesmo diploma legal, pelo que é ilegal a douta decisão recorrida.»

I.3.
Os recorridos não apresentaram resposta às alegações.
O tribunal a quo recebeu o recurso.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que importa decidir são as seguintes:
1 – Impugnação da decisão relativa à matéria de facto.
2 – Saber se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual imputada aos réus, em particular o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

II.3.
FACTOS
II.3.1.
Factos provados
O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade:
1. Correu termos sob o nº 1051/11.5TBSSB junto deste Juízo de Competência Genérica-Juiz 1, uma ação judicial movida por (…) e (…) contra a herança aberta por óbito de (…) e (…).
2. Nesses autos, a herança aberta por óbito de (…) e (…) foi representada pelos aqui autores (…) e (…).
3. Na já referida ação judicial pretendia-se sindicar se a herança aberta por óbito de (…) e (…), representada pelos ora autores, na sua qualidade de únicos e legítimos herdeiros, tinha ou não ocupado parte do terreno confinante e em caso afirmativo deveria recuar a mesma para o local que fosse provado ser o legitimo.
4. No desenrolar dos autos, procedeu-se ao exame pericial dos terrenos.
5. Para o efeito constituiu-se colégio de peritos, tendo os ora Autores nomeado como seu perito o aqui primeiro Réu.
6. Os Autores naquele processo nomearam o aqui segundo Réu.
7. O Tribunal nomeou como terceiro perito o aqui terceiro Réu, constituindo-se assim o colégio de peritos.
8. Após várias visitas aos imóveis os peritos, aqui Réus, elaboraram o respetivo relatório final da perícia, o qual veio a merecer a concordância dos três peritos aqui Réus.
9. A conclusão traduz-se no mapa então junto aos autos pelos aqui Réus o qual, na opinião destes, traduzia a realidade existente no terreno.
10. Esse mapa que faz parte de fls. 92 dos autos apensos e fls. 25 do relatório pericial (do processo apenso) estabelece, na opinião dos aqui Réus, a linha divisória correspondente à linha proveniente do cadastro geométrico existente para o local e, como tal, deveria ser essa, na perspetiva dos Réus, aquela que delimitaria a propriedade dos Autores com o prédio confinante.
11. Aliás, os Réus tornam a reiterar essa sua convicção, quando a fls. 166 e 167 dos autos apensos, reiteram o que escreveram no relatório pericial o fizeram, só que desta vez identificam as coordenadas planimétricas dos vértices naquilo que entendem ser a linha do cadastro indicando a “vermelho” no referido documento aquela que entendem ser a linha do cadastro existente no local, linha esta que separa o prédio dos aqui Autores com o confinante.
12. Constando de tal documento as seguintes coordenadas planimétricas de cada vértice: M-151865,05; P-45858,75; M-151730,8; P-45857,52; M-151694,76; P-45860,34; M-151682,89; P-45860,95.
13. A transação consubstanciou-se no recuo das suas estremas e consequentemente no reposicionamento do muro em arame que haviam construído para separação dos terrenos.
14. Não obstante terem transigido naqueles autos, os autores nunca se conformaram com o desenlace do processo judicial.
15. Aliás, diga-se a propósito, todo este processo judicial foi para os autores extremamente doloroso tendo motivado a ambos diversos transtornos, quer morais, patrimoniais e principalmente de saúde.
16. A título material, os autores ficaram lesados em cerca de 50 m2 de terreno, os quais ao preço do metro quadrado que hoje se comercializa terrenos rústicos naquela zona – € 60,00 – terá um valor global de € 3.000,00.
17. Todo o inconformismo sentido pelos autores e, sobretudo, a certeza de não ter sido feita a devida justiça, originou que tivessem contactado dois técnicos no sentido de verem esclarecidas diversas situações levantadas no já mencionado processo judicial por força quer do relatório pericial quer dos restantes documentos juntos pelos réus.
18. E as conclusões que tais técnicos chegaram foram de molde a convencer os autores a intentar a presente ação judicial contra os réus, atentos os “erros” cometidos durante a perícia.
19. O imóvel propriedade da “herança” representada pelos aqui autores, está situado em Casal de (…), freguesia de Sesimbra (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº (…), e inscrito na matriz rústica sob o nº (…), secção (…).
20. Enquanto que o confinante está descrito na Conservatória do Registo Predial de Sesimbra sob o nº (…) da mencionada freguesia de Sesimbra (…) e inscrito na matriz rústica sob o artigo (…), secção (…).
21. Conforme certidão passada pela Direção Geral do Território, aquela entidade certificou que nos referidos prédios, isto é, o dos autores e o confinante, os marcos existentes de 1 a 3 têm coordenadas diferentes daquelas que os réus afirmam, no seu relatório de perícia, serem as dos referidos prédios.
22. Na aludida certidão passada pela Direcção-Geral do Território os marcos que dividem a propriedade dos autores e o prédio confinante são os marcos nºs 5, 6 e 7 cujas coordenadas são completamente diferentes daquelas referidas pelos réus.
23. Os autores solicitaram a dois técnicos uma vistoria aos mencionados prédios de modo a esclarecer esta questão.
24. A topógrafa, engenheira (…) é do mesmo entendimento da Direcção-Geral do Território, tendo a fls. 2 do seu relatório identificado as coordenadas dos marcos existentes nos prédios nos precisos termos em que aquela entidade também o fez.
25. Ou seja, a referida engenheira topógrafa, também é do entendimento que os réus não identificaram corretamente no seu relatório pericial os terrenos que deveriam ser objeto de perícia.
26. Tal diferença nas coordenadas equivale no terreno a várias centenas de quilómetros, o que significa que estamos falar de terrenos diferentes, pelo que a linha traçada pelos réus como sendo aquela que supostamente dividiria as duas propriedades não se situa nos terrenos objeto de perícia.
27. Os réus solicitaram a outro técnico, topógrafo (…) que realizasse também um levantamento topográfico dos mencionados prédios e emitisse um relatório no sentido de sindicar se as coordenadas indicadas pelos réus eram ou não as corretas.
28. Atenta a similitude de opinião com a engenheira (…), ambos tomaram a decisão de elaborarem um relatório conjunto, de onde constam após análise ao relatório colegial dos técnicos nomeados no processo 1051/11.5TBSSB, em seu entender, seguintes erros:
1. Coordenadas não conhecidas: Existem no relatório colegial plantas com a designação de "divisória entre parcelas – Coordenadas Planimétricas" e em ambos os desenhos n° 01 e 02", estão identificadas as coordenadas dos pontos (nos eixos do XX e do YY) com informação numérica, identificando o seu local. No entanto, após efetuar várias tentativas de transformações de coordenadas, conhecidas em Portugal, não se conseguiu encontrar a posição física correspondente ao local dessas coordenadas, ou seja, tentando calcular através desta informação numérica não foi possível sobrepor os prédios fisicamente com sucesso ao local em questão. Esta conclusão é reforçada pela existência de informação no mapa que refere que o sistema de coordenadas é Datum Lisboa mas, apesar de ser este o Datum das secções cadastrais, a informação não está correta.”
“2. Desenho de uma linha desapropriada à escala em estudo: Também nessas plantas, com a designação "divisória entre parcelas – Coordenadas Planimétricas" e novamente em ambos os desenhos n° 01 e 02, estão desenhadas 3 linhas a tracejado de cores verde, azul e vermelha. A linha de cor vermelha pretende identificar a linha de cadastro, no entanto, a forma de proceder à alteração da escala do excerto da seção cadastral não é tecnicamente correta, o que levou a um erro de posição aparente desta linha. Apenas as linhas a verde e a azul são idênticas aos levantamentos topográficos efetuados este ano pelos dois técnicos, nunca a vermelha.”
“3. Utilização de técnicas que distorcem e amplificam os erros: Verificando ainda o relatório colegial, verificam-se outros erros baseados na representação gráfica com a designação "sobreposição de imagem ótica". A informação baseada no vetor representado parece ser de ortofotomapa de restituição aérea mas, para trabalhos de pormenor, que é o caso, esta técnica não é adequada uma vez que pode resultar em erros acima do metro de precisão”.
29. Concluindo, mais à frente os técnicos, da seguinte forma: “Conclusão:
Verificando o levantamento topográfico efetuado pelos dois técnicos a estrema cadastral corresponde ao limite físico (a vedação existente) e este está por isso correto, (dentro dos limites do erro médio quadrático não ultrapassando os 5%) e de acordo com a informação raster da Direção Geral do Território, entidade competente no Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica.
Analisando também as coordenadas referentes ao pedido n° 32/17 (Informação sobre Coordenadas Gráficas) de 9 de fevereiro de 2017 da DGT, verifica-se que estas estão de acordo com as coordenadas efetuadas pelos técnicos e em nada estão em sintonia com as apresentadas no relatório pericial.
Assim, é de todo dúbio o relatório técnico efetuado pelos peritos uma vez que este contém erros técnicos crassos”.
30. O que consta de fls. 92 a 93 do processo apenso é a resposta ao quesito 1.º, que era do seguinte teor: “Que seja dito pelo colégio de peritos, qual a linha delimitadora de ambos os prédios”.
31. Tendo os aqui réus, a fls. 92 a 93 verso do apenso, dado a sua resposta, acompanhada de sete (7) imagens.
32. Estas imagens numeradas de 14 a 20 a que os aqui réus chamam Figuras, têm as seguintes legendas:
Figura 14 - Linha delimitadora entre os prédios dos Autores e do R.
Figura 15 – Linha delimitadora entre os dois prédios, (sobre cadastro Geométrico); Figura 16 – Linha delimitadora entre os dois prédios (vectorização do cadastro predial a vermelho);
Figura 17 – Cadastro Geométrico em vigor, indicação de marcos de propriedade. Figura 18 – extrato da secção cadastral “U”, indicação da data do levantamento. Figura 19 – Linha delimitadora entre os dois prédios e respetivos vértices;
Figura 20 – Linha delimitadora entre os dois prédios – indicação dos respetivos vértices. Sobreposição com levantamento topográfico e imagem ótica do local”.
33. E, servem para os aqui réus de forma minuciosa, explicarem ao Tribunal, qual a linha que no Cadastro Geométrico, corresponde à estrema dos dois prédios.
34. O documento n.º 3 junto com a petição inicial, não faz parte do relatório pericial subscrito unanimemente pelos aqui réus.
35. Trata-se de um trabalho somente elaborado pelo perito indicado pelo Tribunal, o aqui réu Eng.º (…), o qual dava comprimento ao que lhe tinha sido ordenado pelo Meritíssimo Juiz da causa, no seu douto despacho de fls. 161 do processo apenso.
36. Nesse despacho, como melhor se pode ler no terceiro parágrafo, ordenava-se àquele perito para “juntar aos autos planta com identificação sobreposta em cores diferentes da linha de demarcação dos prédios reclamada pelos autores a fls. 23 também identificada a fls. 33 do relatório pericial, a reclamada pelos réus a fls. 48 também identificada a fls. 37 do relatório pericial e a indicada pelos senhores peritos a fls. 92 fls. 25 do relatório pericial”.
37. Mais se ordenava naquele despacho, para que o perito e aqui Réu (…) indicasse “as coordenadas geográficas dos vértices de cada segmento de reta de cada uma das 3 linhas”.
38. Por fim, que após a realização deste trabalho por parte do sr. perito, que se notificasse “as partes para no prazo de 10 dias manifestarem nos autos se concordam com a linha delimitadora proposta pelos senhores peritos”.
39. Dando cumprimento ao despacho, o aqui réu (…) elaborou e subscreveu o trabalho que naquele processo se encontra de fls. 166 a fls. 174.
40. Tendo as partes naquele processo sido notificados do trabalho realizado pelo dito perito, vieram os aqui autores a fls. 180 solicitar que o perito esclarecesse “sobre as discrepâncias constatadas entre as linhas divisórias das propriedades verificadas na imagem de satélite (demonstrativa da divisão existente de facto) e as constantes no mapa cadastral apresentado no relatório pericial”.
41. Este pedido dos ali Réus e aqui Autores, foi indeferido por despacho de fls. 182 o qual transitou em julgado, sem que sobre o mesmo houvesse qualquer reclamação o recurso.
42. O aqui Réu (…), na primeira página do seu trabalho, a fls. 166, junta e anexa:
Planta com identificação sobreposta em cores diferentes de:
O Linha de demarcação dos prédios reclamada pelos Autores a fls. 23 (também identificada a fls. 33 do Relatório Pericial).
O Linha de demarcação dos prédios reclamada pelos Réus a fls. 48 (também identificada a fls. 37 do Relatório Pericial).
Linha de demarcação dos prédios indicada pelos peritos a fls. 92 (também identificada a fls. 25 do relatório pericial).”
43. Os peritos são da opinião que essa estrema é definida pela linha que resulta do Cadastro Geométrico da Propriedade Rústica.
44. O que os aqui réus concluíram foi que, segundo o Cadastro Geométrico, a linha que definia as estremas das propriedades era aquela que consta a vermelho, tanto no relatório pericial, como no trabalho realizado pelo perito nomeado pelo Tribunal.

II.3.2.
Factos não provados
O tribunal de primeira instância julgou não provada a seguinte factualidade:
1. Foi devido à conclusão do relatório referido em 8º, 9º e 10º dos factos provados, que os autores outro remédio não tiveram do que aceitar a transação nos moldes em que a mesma foi efetuada.
2. A convicção criada réus nos autos da existência de um marco cadastral identificado pelas coordenadas “X=151865,05 – Y=45858,75” (o marco a vermelho mais à esquerda de fls. 86 verso destes autos) motivou que os autores se vissem, no limite, na obrigação de terem que mandar demolir um imóvel existente no local, construído há mais de 60 anos, que constituiu a casa morada de família de seus pais, onde os autores nasceram e foram criados, uma vez que a linha delineada pelos réus coincidia e colidia precisamente com parte dessa mesma habitação.
3. E nem se diga que os autores, poderiam ter reclamado atempadamente desta suposta perícia, uma vez que, quem os poderia ter melhor aconselhado e que para isso mesmo foi nomeado, estamo-nos a referir precisamente ao perito nomeado pelos autores, o aqui primeiro réu, também corroborou a opinião dos restantes peritos pelo que, e uma vez que os autores são completamente leigos nesta matéria, outro remédio não tiveram do que aceitar a referida perícia.
4. Perante esta circunstância e uma vez que estava em causa a própria existência física do imóvel que constituiu a casa de seus pais, tiveram os autores que ceder e muito a custo acordar nos termos melhor expressos na transação constante de fls. 344 e 345 do apenso aos presentes autos com todos os prejuízos dai advenientes.
5. A transação efetuada pelos autores no Processo nº 1051/11.5TBSSB foi efetuada como “fuga” a um mal maior que poderia no limite obrigar à demolição de parte da casa que foi dos pais dos autores, pois a linha vermelha que os réus afirmaram ser a linha delimitador do cadastro passava precisamente por cima da referida casa.
6. Os erros cometidos pelos réus contribuíram para o desgosto, a angustia, a vergonha, o gasto de dinheiro, e sobretudo para a perda de saúde de que os autores foram vítimas em todo este processo.
7. O meio envolvente frequentado pelos autores é pequeno, como se de uma pequena aldeia se tratasse.
8. Quase todas as pessoas se conhecem.
9. Os autores nasceram e foram criados naquele meio.
10. São conhecidos de todos.
11. Os mais idosos, chegaram a conhecer seus pais.
12. Um dos autores – (…) – ainda habita no imóvel.
13. O outro – (…) – embora não habitando, continua a ter a sua casa no imóvel indo quase diariamente ao terreno.
14. O imóvel pertenceu a seus pais.
15. A casa de seus pais ainda permanece intocável no terreno.
16. Todo este processo judicial acarretou para ambos os autores angústia.
17. Medo, de perderem aquilo que bem sabiam ser seu e que pertenceu a seus pais.
18. Desgosto, por terem a convicção que, se não cedessem, correriam o risco de ter que demolir a casa de seus pais.
19. Vergonha, pois que passou para a restante comunidade que se estariam a tentar apropriar de terreno que não era seu.
20. Humilhação, pois viram-se obrigados a ceder nas suas convicções, em virtude de um suposto “Relatório Pericial”, elaborado pelos réus que enferma de vícios e erros crassos.
21. Os autores perderam para o proprietário do prédio confinante cerca de 50 m2 daquilo que sabem ser seu por direito, terreno esse que pertenceu a seus pais.
22. Além de terem que destruir todo o muro em arame que haviam edificado para separar as duas propriedades, recuando o mesmo de acordo com a transação efetuada.
23. Os autores são homens honestos, dignos, com honra, e que acima de qualquer valor ou interesse patrimonial está a “palavra”, a “honra” e a “dignidade”.
24. O autor (…), fruto de toda a carga emocional que sofreu durante todo o processo, foi acometido de doença cardíaca tendo sido, desde então, já transportado pelo INEM por duas vezes para o Hospital de Setúbal onde lhe diagnosticaram doença cardíaca.
25. Passando desde então a ser seguido regularmente pelos serviços de cardiologia.
26. Deixou por isso, e em consequência de toda a carga emotiva que todo o processo lhe desencadeou, de poder fazer a sua vida normal.
27. Tendo inclusive piorado nos últimos tempos, coincidentemente com o relatório apresentado pelos réus, havendo suspeitas ainda por confirmar de ter sofrido AVC.
28. De qualquer modo nunca mais foi o mesmo, pois a vergonha, o vexame e a angústia que passou ainda hoje o impede de estar tranquilo e de fazer a sua vida normal.
29. O autor (…) por força de todo este processo, de toda a carga emocional que sentiu, do medo que teve em ver demolida a casa de seus pais onde também nasceu e foi criado, da vergonha que sentiu por pensar que era visto na comunidade como alguém que pretendia de forma ilícita apropriar-se de terreno que não era seu, foi forçado também a receber ajuda.
30. Desde então e para controlar a sua ansiedade, tristeza e pessimismo tem vindo a ser seguido em consultas de psicoterapia.
31. Sendo evidente para a psicóloga clinica que o segue que o autor (…) evidencia uma forte influência de perturbação depressiva e descontentamento face ao seu quotidiano.
32. Tendo perdido inclusive o interesse que tinha em muitas atividades, como por exemplo o Grupo Coral de Sesimbra onde é solista, não tendo aparente vontade de o frequentar conforme anteriormente o fazia.
33. Por tudo isto o autor (…) sofre, e não consegue refazer a vida que anteriormente fazia e que lhe dava alegria e estimulo.
34. Em virtude do relatório pericial formulado pelos réus os autores foram forçados a gastos com taxas de justiças, complementos para despesas e honorários de advogados, o que tudo se contabiliza em € 4.500,00, montante este que deverá ser ressarcido pelos réus aos autores.
35. Devido ao relatório pericial e à consequente decisão judicial, os autores tiveram que recuar as suas estremas e em consequência procederam ao levantamento do muro em arame que separava a sus propriedade do prédio confinante, o que acarretou para os autores um prejuízo de € 1.500,00.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
II.4.1.
Impugnação da decisão relativa à matéria de facto
Neste domínio, os autores/apelantes alegam que:
a) Existe contradição entre a matéria de facto provada, concretamente, entre os factos provados enunciados sob os n.ºs 14.º, 15.º, 16.º, 22.º, 24.º a 29.º e os factos não provados enunciados sob os n.ºs 2.º, 6.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 30.º e 31.º;
b) O tribunal a quo deveria ter julgado provada a factualidade constante 1.º a 29.º dos factos não provados e dos factos não provados n.ºs 30 e 31.
Importa, antes de mais, determinar se os apelantes cumpriram os ónus relativos à impugnação da decisão sobre matéria de facto previstos no art. 640.º do CPC.
Sob a epígrafe Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto dispõe o citado normativo que:
«1 – Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da requerida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravadas, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º».

O conselheiro Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, 2018, pp. 165-166, a propósito do regime sobre a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, destaca que «sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões.
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) (…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recurso de pendor genérico ou inconsequente […]».
Como se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.02.2015[1], a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar e a e a enunciação da decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da matéria de facto. Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório serve também de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.
Desta forma, a falta de especificação dos requisitos acima enunciados no art. 640.º, n.º 1, do CPC implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.
Não perdendo de vista que são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha nos termos do art. 639.º, n.º 1, do CPC, voltemos ao caso concreto.
Os apelantes alegam a existência de contradição entre determinados factos provados e não provados, sendo de realçar que os factos provados e não provados e que alegadamente se encontram em contradição entre si não são absolutamente idênticos na motivação e nas conclusões de recurso, sendo certo que são estas últimas que delimitam o objeto do recurso.
Ressalvando os pontos de factos não provados n.ºs 2, 21.º, 30 e 31 relativamente aos quais os apelantes indicam os concretos pontos da matéria de facto provada que com eles estarão em contradição, quanto a todos os demais os apelantes não concretizam quais as contradições existentes entre cada um deles e entre qual ou quais dos factos julgados provados e tão pouco indicam a decisão que, uma vez, uma vez expurgada a alegada contradição, deverá ser proferida.
Por conseguinte, com exceção dos factos não provados n.ºs 2, 21.º, 30 e 31 que serão objeto de análise infra, os apelantes, ao alegarem a existência de contradições, não cumprem os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1, als. a) e c), do CPC, pelo que cumpre rejeitar, nos termos do corpo do n.º 1, o recurso no que respeita à impugnação da decisão relativa a matéria de facto com fundamento numa (alegada) contradição entre factos provados e não provados.
*
Relativamente ao facto não provado n.º 2, os apelantes referem que este facto não provado «está ao arrepio de parte da matéria dada por provada» e na conclusão n.º 18 que «A Mma. Juíza ao arrepio de parte da matéria dada por provada, não considerou a seguinte matéria como provada» (cfr. conclusão n.º 18), sem, contudo, aludirem à decisão que concretamente deveria ser proferida sobre o facto não provado impugnado, sendo certo que o mesmo envolve diversa factualidade e não apenas a «colisão da linha vermelha com uma construção urbana» e o facto de esta última ter sido, alegadamente, a casa dos pais dos autores.
Por conseguinte, os apelantes não cumpriram, relativamente a ele, o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC, sendo que a falta de uma posição expressa dos apelantes sobre a concreta decisão que deve ser proferida relativamente a cada segmento da impugnação, impõe a rejeição imediata do recurso, sem possibilidade de aperfeiçoamento.
*
Os apelantes defendem que também os factos não provados n.ºs 1 a 29 devem ser julgados provados, invocando, para tal desiderato, o depoimento da testemunha (…).
Como acima foi referido, nos termos do art. 640.º, n.º 1, al. c), do CPC, na motivação do seu recurso o recorrente tem de expressamente indicar a decisão que deve ser proferida sobre cada um dos factos impugnados, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
In casu, os apelantes enunciaram, em bloco, os factos não provados que entendem ter sido mal julgados, sem que expressem relativamente a cada um deles a decisão que deveria ter sido proferida. E com exceção do facto não provado n.º 2, os apelantes não fazem uma valoração crítica e atomizada da prova produzida nos autos e que, relativamente a cada um daqueles pontos de facto não provados deveria conduzir a uma decisão diversa. Com efeito, não basta indicar um concreto depoimento testemunhal e transcrever o respetivo depoimento para cumprir o ónus previsto no art. 640.º, n.º 1, al. b), do CPC; há que, ao invés, empreender uma valoração crítica da análise dos meios probatórios que foi realizada pelo tribunal a quo e explicitar as razões de discordância relativamente à mesma. Dito de outra forma, o recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova concretos e específicos em que fundamenta a sua impugnação bem como as concretas razões de censura por referência a cada um dos factos impugnados. Como se salienta no acórdão da Relação de Coimbra de 24.02.2015, processo n.º 145/12.4TBPBL.C1, publicado em www.dgsi.pt: «[…] importa, também, que o Recorrente, ofereça alegação que se mostre hábil a uma cabal impugnação da matéria de facto. Isto porque a alegação em causa tem de se alicerçar em erro que se aponte à convicção do Tribunal que determinou o sentido das respostas que este deu quanto à matéria de facto, sendo que uma tal alegação não se basta com a mera discordância do Apelante quanto ao facto de não terem sido atendidas as declarações das testemunhas de cujos depoimentos se serve para, no recurso, impugnar a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” quanto à matéria de facto. O erro que é mister o recorrente evidenciar ao proceder, em recurso, à impugnação da decisão da matéria de facto - saliente-se que estamos ainda no plano da alegação e não em sede de apreciação do mérito ou demérito do teor dos depoimentos para provocarem a alteração factual pretendida - é, note-se, o que enferma o processo valorativo do Tribunal “a quo” relativamente à prova produzida, não residindo, pois, na mera consequência dessa putativa deficiente valoração, que se traduz na circunstância de a(s) resposta(s) dada(s), ser(em) contrária(s) ou diversa(s), daquela(s) que o Recorrente defende merecer a base instrutória. Torna-se, pois, necessário, que o recorrente alegue um erro de valoração da prova escorado em fundamento que o evidencie, para que o Tribunal de recurso verifique o acerto dessa alegação e, consequentemente, pondere a procedência da alteração que, no âmbito da matéria de facto, é peticionada.»
No caso sub judice, e no tocante à factualidade ora em apreço (com exceção, como se disse, do facto não provado n.º 2), os apelantes não cumpriram aquele ónus pois limitam-se a invocar, em bloco, o depoimento de uma testemunha sem concretizarem as razões da sua discordância quanto à valoração da prova empreendida pelo tribunal recorrido e por que razão aquele depoimento, por si só, deve determinar a alteração da quase totalidade da factualidade não provada. Para além, de como se disse anteriormente, não terem especificado a decisão que, concretamente, deveria ter sido proferida relativamente a cada um dos factos impugnados.
Por conseguinte, os apelantes não cumpriram os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC, o que determina a rejeição deste segmento do recurso, ao abrigo do disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC.
*
Os apelantes afirmam que existe uma contradição entre o facto provado n.ºs 16 e o facto não provado n.º 21.
Porém, não indicam a decisão que, no seu entender, está em conformidade com a prova produzida nos autos e que, como tal deveria ter sido produzida, para além de não indicarem os concretos meios probatórios que permitiriam sustentar uma das duas respostas do tribunal.
Por conseguinte, os apelantes não cumpriram os ónus previstos no art. 640.º, n.º 1, als. b) e c), do CPC, o que determina a rejeição deste segmento do recurso, ao abrigo do disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC.
Finalmente e no que respeita aos factos não provados n.ºs 30 e 31, os apelantes uma vez mais limitam-se a dizer que os mesmos devem ser julgados provados até porque «transparece do n.º 15 dos factos provados que os apelantes sofreram diversos transtornos quer morais, quer patrimoniais e principalmente de saúde derivados do primeiro processo judicial», não indicando expressamente a decisão que concretamente deveria ser proferida em vez da decisão recorrida que impugnam.
Impõe, assim, rejeitar também este segmento do recurso, por força do disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC dada a falta de cumprimento do ónus previsto na alínea c) daquele normativo.
*
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no art. 640.º, n.º 1, do CPC rejeita-se o recurso na parte respeitante à impugnação da decisão sobre matéria de facto.

II.4.2.
Reapreciação dos pressupostos do direito a indemnização
Os apelantes insurgem-se contra a decisão do tribunal de primeira instância pelo facto de aquele ter julgado não estar comprovado o nexo de causalidade entre o “facto” e o “dano”.
Alegam os apelantes que «face à prova produzida é por demais evidente que foi o relatório pericial elaborado pelos pelados a causa direta dos apelantes terem transigido nos primeiros autos». Mais alegam que os apelados ao serem confrontados no terreno e na sequência da decisão do Tribunal da Relação de Évora com a possibilidade de uma concreta demarcação mantiveram que a linha que dividia o prédio dos apelantes e o confinante era a linha vermelha do seu relatório «o que motivou os apelantes tivessem que ceder nas suas legítimas pretensões, transigindo nos primeiros autos».
Os apelantes colocam enfâse no ónus probatório, entendendo que a prova foi realizada no que respeita aos pressupostos da responsabilidade extracontratual, em particular do nexo de causalidade.
Não é controvertido que está em causa nos presentes autos uma responsabilidade civil dos apelados por alegadamente terem cometido um ato ilícito.
A responsabilidade civil consiste na obrigação de reparar os danos sofridos por alguém. Ou, dito de outra forma, traduz-se numa obrigação de indemnização, procurando-se, através daquele instituto, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento causador dos prejuízos (art. 562.º do Código Civil).
A indemnização pode consistir na reconstituição natural, ou seja, na restituição do lesado à situação material efetiva em que ele se encontrava antes da ocorrência do evento danoso (reconstituição in natura) ou, quando esta não seja possível, não reparar integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa para o devedor, lança-se mão da indemnização em dinheiro (art. 566.º, n.º 1, do CC).
No campo da responsabilidade civil, distingue-se a responsabilidade contratual/obrigacional da responsabilidade extra contratual/delitual. Enquanto a primeira supõe a falta de cumprimento de uma obrigação, isto é, pressupõe uma relação jurídica obrigacional e que aquele que nela ocupe a posição de devedor não cumpra pontualmente (arts. 762.º, n.º 1 e 763.º, n.º 1, do CC), a segunda supõe a violação de um dever genérico – sendo o caso mais frequente a violação de deveres correspondentes a direitos de personalidade ou a direitos reais – da qual resulta para outrem um dano na respetiva esfera jurídica.
Dispõe o art. 483.º, n.º 1, do Código Civil que:
«1 - Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. 2- «Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei».
Nos termos do normativo legal acima transcrito, são pressupostos da responsabilidade civil extracontratual:
1) O facto, isto é, uma conduta objetivamente dominável pela vontade imputável a um sujeito, a qual pode revestir a forma de ação ou omissão.
2) A ilicitude, ou seja, a anti-juridicidade da conduta, no sentido de que esta implica a violação de direitos absolutos ou de interesses legalmente protegidos de terceiros.
3) A imputação do facto ao lesante, ou seja, a culpa, o que implica a formulação de um juízo de censurabilidade, isto é, sustentar que a pessoa podia e devia ter agido de outro modo.
4) O dano, o qual consiste numa lesão, num prejuízo ocorrido na pessoa ou na esfera patrimonial de outrem.
5) O nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano.
A conduta lesiva, para o ser, supõe uma determinada conexão entre a ação/omissão imputável a determinada pessoa e o dano a ela associado, não bastando, contudo, que o comportamento de alguém haja desencadeado o processo causal que conduziu à ocorrência do dano ou que aquela conduta seja uma das condições que concorrem para a produção do dano. Ao invés, é necessário que exista uma particular ligação entre o primeiro e o segundo por via da qual se possa afirmar que o dano é atribuível à conduta de outrem, ou seja, é necessário definir que características deverá ter determinada condição para que se possa considerá-la causa juridicamente significativa de entre as várias condições que concorrem para a produção de determinado resultado.
A orientação consagrada no nosso ordenamento jurídico é aquela que considera causa jurídica do prejuízo/dano a condição que, pela sua natureza e em face das circunstâncias do caso, se mostre apropriada para o gerar. A ideia de causalidade restringe-se às condições que apresentam aptidão ou idoneidade para a produção do dano[2].
Prescreve o artigo 563.º do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão».
Este normativo legal consagrou a chamada doutrina da causalidade adequada, na sua formulação negativa, segundo a qual o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano — assim, entre outros, Acórdão do STJ de 27.01.2005, proc. n.º 05B2286-7 e Acórdão da RC de 29.04.2014, processo n.º 231/10.5TBSAT.C1, ambos publicados em www.dgsi.pt.
De acordo com a teoria da causalidade adequada ali consagrada há que determinar, em primeira linha, se o evento lesivo constituiu conditio sine qua non do dano causado e, em segunda linha, se, em abstrato, aquele evento se revela adequado a produzir o dano segundo o curso normal ou típico das circunstâncias à luz das regras da experiência comum, atendendo-se tanto às circunstâncias cognoscíveis, à data do facto, por um cidadão médio, como às circunstâncias realmente conhecidas pelo agente.
A teoria da causalidade adequada não pressupõe, por conseguinte, a exclusividade da condição, bastando que seja uma das condições do dano. O facto que atuou como dano só deixará de ser “causa adequada” se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano.
No caso em apreço, a responsabilidade civil (extracontratual) imputada aos réus/apelados emerge da elaboração pelos mesmos de um relatório pericial no qual aqueles indicaram a linha que, no seu entendimento, deveria delimitar a propriedade dos aqui autores com o prédio confinante, linha que resultaria do cadastro geométrico da propriedade rústica existente para o local (cfr. supra factos provados n.ºs 10 e 43.º).
Está provado que a linha traçada pelos réus/apelados como sendo aquela que supostamente dividiria o prédio dos autores do prédio confinante melhor identificado no facto provado n.º 20 foi traçada a partir de marcos cujas coordenadas não correspondem àquelas que foram atestadas pela Direção Geral do Território (cfr. facto provado n.º 21) e que a linha traçada pelos réus como sendo aquela que supostamente dividiria as duas propriedades não se situa nos terrenos que foram objeto de perícia (cfr. facto provado n.º 26).
Está também provado que os apelantes perderam cerca de 50 m2 de terreno da sua propriedade porque recuaram as estremas do mesmo, o que ao preço do metro quadrado que hoje se comercializa terrenos rústicos na zona, equivale a um prejuízo no valor de € 3.000,00 (cfr. facto provados n.ºs 13 e 16) e que o processo judicial n.º 1051/11.5 gerou transtornos morais e de saúde para os autores (cfr. facto provado n.º 15).
Já não é controvertido que os réus/apelados cometeram um erro na realização da perícia e na elaboração do respetivo relatório pericial na medida em que terão utilizado coordenadas para traçar a linha delimitadora dos terrenos que não correspondem às do local.
Todavia, poder-se-á afirmar que foi aquele relatório pericial produzido pelos réus que determinou os danos invocados pelos aqui apelantes supra referidos?
Resulta dos autos que a perda dos 50 m2 de terreno acima mencionados resultou de um recuo das estremas da propriedade dos autores e que este recuo foi uma decorrência da transação firmada no âmbito do processo n.º 1051/11.5 pelos autores e homologada judicialmente (cfr. factos provados n.ºs 13 e 16).
Uma transação é o ato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, podendo estas envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido (cfr. art. 1248.º do Código Civil).
Uma transação permite afastar, por via contratual, uma situação de incerteza, mediante concessões recíprocas.
In casu, a transação ocorreu no âmbito de um processo judicial, através da qual os apelantes e os autores do processo judicial n.º 1051/11.5 procederam a uma nova regulação contratual da situação litigiosa relacionada com as estremas das propriedades de cada um deles, confinantes uma com a outra, tendo os aqui apelantes concedido recuar a estrema da sua propriedade.
Logo, é de meridiana evidência que a causa juridicamente significativa do recuo da estrema da propriedade dos apelantes gerador da perda de 50 m2 de terreno foi a transação firmada pelos apelantes no processo judicial supra referenciado e não o relatório pericial dos réus/apelados, os quais, na verdade, nada decidiram naquele processo. Com efeito, o relatório pericial – com o qual os aqui autores/apelantes, aliás, se conformaram (cfr. facto provado n.º 41) – constitui apenas um meio probatório que o tribunal aprecia livremente (cfr. art. 388.º do Código Civil). Com efeito, e ao contrário do que sucede no âmbito do processo penal em que é conferida à prova pericial uma força probatória reforçada uma vez que o art. 163.º do Código de Processo Penal presume subtraído à livre apreciação do julgador o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial, impondo o n.º 2 daquele normativo ao julgador a obrigação de fundamentar a divergência sempre que a sua convicção divergir do juízo contido no parecer dos peritos, o art. 389.º do Código Civil dispõe que a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal.
Nos termos do art. 485.º do CPC as partes podem formular reclamações contra o relatório pericial se entenderem que «há qualquer deficiência, obscuridade ou contradição no relatório pericial ou que as conclusões não se mostram devidamente fundamentadas» e o art. 487.º do mesmo diploma permite às partes requererem a realização de uma segunda perícia, a qual se destinará a corrigir eventuais inexatidões dos resultados da primeira.
In casu, e como se disse, os apelantes até se conformaram com o relatório pericial.
Diga-se, a talhe de foice, que ainda que o tribunal do processo n.º 1051/11.5, na ausência de transação, viesse, porventura, a decidir a ação de demarcação a favor dos ali autores, ou seja, determinando que a linha delimitadora dos dois prédios fosse traçada em conformidade com a linha que os peritos entendiam corresponder àquela do cadastro geométrico da propriedade rústica existente para o local, nem assim haveria um nexo de causalidade entre a conduta dos peritos e o dano traduzido num recuo das estremas da propriedade dos autores porque os réus nada teriam decidido.
In casu, a transação resultou de um ato de vontade dos aqui autores que, ponderando os riscos envolvidos na ação judicial, designadamente de a mesma vir a ser resolvida de forma favorável à contraparte (risco que, aliás, existe na maioria das ações judiciais, em maior ou menor grau), resolveram transigir.
Se aquele ato de vontade porventura padece de algum vício determinante de uma eventual invalidade da transação é questão que não integra o objeto da presente ação.
No que respeita aos danos morais e de saúde sofridos pelos autores, o que está provado é que os mesmos decorreram do processo judicial em si mesmo e não do erro dos réus, os quais, repete-se, nada decidiram naquele processo.
Em face do exposto, não merece censura a decisão do tribunal de primeira instância ao julgar não verificado o pressuposto de responsabilidade civil extracontratual consistente na existência de nexo de causalidade entre a conduta dos réus, ora apelados, e os danos invocados pelos autores, ora apelantes, improcedendo, assim, o presente recurso.

Sumário:
(…)

III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas de parte na presente instância recursiva são da responsabilidade dos recorrentes (arts. 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º, 533.º ex vi art. 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil).
Notifique.

Lisboa, 7 de maio de 2020
Cristina Dá Mesquita

José António Moita
Silva Rato


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[1] Processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[2] Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5.ª Edição, Coimbra Editora, Lda., p. 380.