Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
955/21.1T8LRA-A.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
LEGITIMIDADE PASSIVA
REPRESENTAÇÃO
EMPREITADA
EMPREITEIRO
SUBEMPREITADA
DONO DA OBRA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- A legitimidade das partes constitui um pressuposto processual, ou seja, é uma condição essencial de que depende o exercício da função jurisdicional.
II- Nos termos previstos pelo artigo 30.º do CPC, o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, manifestando-se tal interesse pelo prejuízo que lhe advenha caso a ação seja julgada procedente.
III- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor – artigo 30.º, n.º 3 do CPC.
IV- Numa ação especial de acidente de trabalho, em que são demandadas, com fundamento na responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT, a empregadora do sinistrado, a seguradora para a qual estava transferida a responsabilidade por acidentes de trabalho, a empreiteira da obra e o dono da obra, sem que face á relação jurídico material delineada na petição inicial, as duas últimas tivessem atuado como representantes do empregador, no local de trabalho, no momento em que sucedeu o acidente, há que concluir pela ilegitimidade passiva destas rés.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
AA e BB, vieram dar inicio à fase contenciosa da presente ação especial emergente de acidente de trabalho, apresentando petição inicial contra:
1.º Britagem do Fetal, Lda. (subempreiteira executante da obra e empregadora do sinistrado);
2.º Generali Seguros, S.A. (companhia de seguros para a qual a 1.ª Ré havia transferido a responsabilidade emergente de acidente de trabalho dos seus trabalhadores);
3.º DD – Construções Civil e Obras Públicas, Lda. (empreiteira da obra);
4.º Rodoviária do Lis, Lda. (dono da obra).
Para o que aqui interessa[2], alegaram, em breve síntese, que são os únicos e universais herdeiros de CC, seu pai, que faleceu na sequência de um acidente de trabalho ocorrido no dia 12/03/2021, aquando da execução de trabalhos de abertura/fecho de uma vala, sendo todos os réus solidariamente responsáveis pela reparação do dito acidente, face à dinâmica do mesmo.
Referiram que o acidente sucedeu por falta de observação das regras sobre segurança no trabalho pela 1.ª Ré, o que determina o agravamento da respetiva responsabilidade, nos termos previstos pelo artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro[3]. Mais alegaram que esta responsabilidade é extensiva à 3.ª Ré, por conduta omissiva da mesma no que toca à supervisão das obras que estavam a ser realizadas e a que estava obrigada, e, também, à 4.ª Ré, por uma conduta ativa ­- passagem de autocarros junto ao talude, sendo que o podia fazer por outro caminho, provocando tal passagem a trepidação do solo, o que contribuiu para a ocorrência do acidente. Quanto à 2.ª Ré, a sua responsabilidade emerge do contrato de seguro celebrado com a 1.ª Ré.
A 1.ª Ré contestou, invocando que seguiu escrupulosamente as regras estabelecidas no plano de segurança e saúde elaborado pela empreiteira da obra em causa, que procedeu à avaliação dos riscos através de empresa que contratou para o efeito e que assegurou a segurança do falecido trabalhador, orientando-o in loco na execução do seu trabalho por dois dos seus responsáveis de obra. Concluiu que nenhuma responsabilidade agravada e subjetiva lhe poderá ser assacada relativamente ao fatídico acidente dos autos.
A seguradora demandada também ofereceu contestação, tendo aceitado a ocorrência de um acidente de trabalho e a existência do alegado contrato de seguro por acidentes de trabalho. No entanto, pronunciou-se no sentido de que o acidente ocorreu por exclusiva violação das regras de segurança e saúde no trabalho pelas 1.ª, 3.ª e 4.ª Rés, que devem ser consideradas solidariamente responsáveis pela reparação do mesmo.
Na sua contestação, a 3.ª Ré veio invocar a sua ilegitimidade, argumentando que no regime de reparação de acidentes de trabalho, o processo especial de trabalho está estruturado por forma a que a relação jurídica tenha do lado ativo o sinistrado ou seus beneficiários legais e do lado passivo a entidade patronal ou a seguradora. É a entidade patronal que responde, em termos objetivos, pela reparação do acidente (ou a seguradora para a qual tenha transferido a sua responsabilidade) e, no caso de ter ocorrido violação de regras de segurança, em termos agravados e, ainda, em termos subjetivos, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos. Tendo os Autores alegado violação de regras de segurança, e tendo em conta o regime previsto no artigo 18.º da LAT, a 3.ª Ré não tem qualquer interesse em contradizer, já que da ação não lhe advirá qualquer prejuízo. Concluiu que, atenta a sua ilegitimidade, deveria ser absolvida da instância.
Por seu turno, a 4.ª Ré, em sua defesa, alegou, na contestação que apresentou, que não adotou qualquer comportamento que tenha contribuído para a produção do acidente de trabalho, pelo que, a final, sempre se terá de concluir pela sua ilegitimidade passiva.
Em 09/09/2022, foi prolatado despacho a colocar a possibilidade de as 3.ª e 4.ª Rés virem a ser consideradas partes ilegítimas e, consequentemente, virem a ser absolvidas da instância. Na sequência, as partes foram convidadas a exercer o contraditório, «nos termos dos artigos 3.º, n.ºs 3 e 4, 6.º e 547.º do CPC ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, visto a questão da legitimidade das partes dever ficar decidida em sede de saneamento dos autos.».
A Ré seguradora veio expressar a sua discordância com o entendimento manifestado pelo tribunal.
A 3.ª Ré também respondeu, dando por integralmente reproduzido o declarado na sua contestação quanto à exceção da ilegitimidade.
Em 20/10/2022, o tribunal a quo procedeu ao saneamento do processo, e apreciou assim o pressuposto processual da legitimidade das partes:
«Da legitimidade:
Os AA. vieram propor a presente ação contra:
1º Britagem do Fetal, Ldª;
2º Generali Seguros, SA;
3º DD – Construção Civil e Obras Públicas, Ldª; e,
4º Rodoviária do Lis, Ldª.
A 1.ª Ré era a entidade patronal do sinistrado, a terceira Ré era a empreiteira que havia contratado a primeira como subempreiteira e a 4.º Ré era a dona de obra.
A responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho recaí sobre o empregador relativamente a trabalhador ao seu serviço (artigo 7.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09), sendo que o empregador é obrigado a transferir a sua responsabilidade para uma empresa de seguros (artigo 79.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09).
Se o acidente for causado por terceiros, o direito à reparação devida pelo empregador não prejudica o direito de ação contra aqueles nos termos gerais (artigo 17.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09). Por outro lado, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais (artigo 18.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09).
Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso (artigo 79.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04/09). O empregador tem também direito de regresso sobre o seu representante (artigo 18.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04/09).
Da conjugação do supra citado resulta, além do mais, que em caso de responsabilidade de terceiro, da violação das regras de segurança e saúde pelo empregador ou dos seus representantes, é demandado o empregador e a seguradora, cabendo ao primeiro a satisfação da indemnização integral, com condenação solidária da seguradora nos termos e limites previstos no artigo 79.º, n.º 3 da Lei n.º 98/2009, de 04/09, não podendo haver lugar à condenação solidária das 1.ª, 3.ª e 4.ªs RR na satisfação da indemnização emergente de acidente de trabalho que constitui o objeto destes autos, não sendo aplicável, a este tipo de ação, o artigo 16.º, n.º 5 da Lei 102/2009, de 10/09, visto esse estabelecer, outrossim, a responsabilidade solidária mas enquanto garantia de pagamento da coima (e não uma transferência da responsabilidade pela prática da contraordenação), o que não se cuida nestes autos.
Se a entidade patronal do sinistrado, permitiu que o seu trabalhador recebesse ordens ou instruções de terceiro, na execução do trabalho, designadamente por parte da empreiteira ou de pessoa por esta indicado ou por terceiro, estaremos perante um seu representante[4], como indicado no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04/09.
Porquanto, nos presentes autos de acidente de trabalho, apenas têm de figurar do lado passivo, o empregador e a seguradora.
Se os AA. pretenderem exercer o seu direito de ação contra terceiros, podem fazê-lo, mas nos termos gerais, como determina o artigo 17.º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04/09.
Aliás, é esta a situação indicada no Ac. do TRG de 23/11/2017, acessível em www.dgsi.pt, ao condenar a empreiteira solidariamente, por violação do dever de vigilância previsto no artigo 493.º, n.º 1 do CC. Semelhante caso é apreciado na ação de processo comum no Ac. do STJ de 13/09/2018, acessível em www.dgsi.pt.
Pelo exposto, entende-se que quer a 3.ª Ré quer a 4.ª Ré devem ser absolvidas da instância, por serem partes ilegítimas, já que o dever de indemnização, nos termos definidos nas ações emergentes de acidente de trabalho, recai sobre as primeiras RR., nos termos indicados, sem prejuízo do direito de regresso destas, ou do direito de ação dos AA. sobre terceiros, mas nos termos gerais (veja-se, neste sentido, o Ac. do TRP de 18/11/2019, acessível em www.dgsi.pt).
Pelo exposto, julgo as 3.ª e 4.ªs Rés, partes ilegítimas, absolvendo-as da instância.
Consigna-se, no entanto, que sendo relevantes os documentos que juntaram aos autos, serão os mesmos valorados com a demais prova.
§
Os Autores e as 1.ª e 2.ªs Rés têm legitimidade para a presente ação e estão devidamente patrocinadas.».

Não se conformando com o decidido, a 1.ª Ré veio interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A. No douto despacho saneador ora posto em crise, o tribunal a quo não interpretou corretamente a lei aplicável ao caso dos autos, à luz da configuração que os autores deram (na p.i.) à relação material controvertida entre as partes.
B. Compete ao dono da obra, in caso, a 4.ª ré, elaborar ou mandar elaborar o plano de segurança e saúde para garantir a segurança e a saúde de todos os intervenientes no estaleiro,
C. Assim como compete ao empreiteiro geral, in caso, a 3.ª ré, desenvolver e especificar o plano de segurança e saúde para a fase da execução da obra.
D. O dono da obra e o empreiteiro geral são solidariamente responsáveis pelas violações das disposições legais relativas à segurança e saúde dos trabalhadores ao serviço de empresas prestadoras de serviços, cometidas durante o exercício da atividade nas suas instalações.
E. Considerando o alegado pelos autores em 5.º e 6.º da p.i., as 3.ª e 4.ª rés têm interesse direto em contradizer, devendo manter-se como partes na ação, enquanto titulares da relação material controvertida configurada por aqueles, em virtude da responsabilidade decorrente da violação de regras de segurança e saúde do trabalho a que estavam adstritas.
F. Da conjugação do preceituado nos artigos 127.º, n.º 1 e 129.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, extrai-se que, quando “estiver em causa a determinação da entidade responsável”, não só o juiz pode mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, como pode o réu utilizar como fundamento de defesa a indicação de outra entidade como eventual responsável, o que permite a cada um dos corréus responder sobre tal questão.
G. Foram violados os artigos 127.º, n.º 1 e 129.º, n.º 1, al. b) e n.º 2 do CPT; 5.º, n. ºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29-10; 16.º, n.º 3 da Lei n.º 102/2009, de 10-09 e 30.º, n.º 3 do CPC.
Nestes termos, e nos melhores de direito que V. Exas doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado e revogado o douto despacho saneador recorrido, substituindo-o por outro que, julgando as 3.ª e 4.ª rés partes legitimas, ordene o prosseguimento dos autos contra as mesmas, de acordo com a configuração que os autores deram (na p.i.) à relação material controvertida entre as partes, com o que farão, como é timbre deste Venerando Tribunal, a já costumada JUSTIÇA.»

Também a Ré seguradora interpôs recurso do despacho citado supra, extraindo das suas alegações, as seguintes conclusões:
«A. A decisão do tribunal viola o disposto nos artigos 30.º, n.º 1 e 2, alínea a), do Código de Processo Civil, 18.º e 79.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT), 126.º, n.º 1, 127.º, n.º 1 e 129.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo do Trabalho e 15.º, n.º 1 e n.º 7 e 16.º, n.º 1, da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro.
B. A legitimidade passiva das Recorridas resulta não só do disposto no artigo 126.º do CPT, que dispõe que no processo principal se decidem todas as questões, mas também do disposto no artigo 127.º, n.º 1 e 129.º, n.º 1, alínea b), do CPT, onde se dispõe que quando estiver em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode mandar intervir na ação qualquer entidade que julgue ser eventual responsável, assim como pode o réu indicar outra entidade como eventual responsável.
C. A legitimidade passiva das Recorridas resulta ainda do princípio da economia e celeridade processual, devendo o processo emergente do acidente de trabalho ser encarado como um verdadeiro instrumento para que as partes alcancem a rápida e segura concretização dos seus direitos e em que se opere a justa e definitiva composição do litígio, privilegiando-se a decisão de fundo sobre a mera decisão de forma.
D. De nenhum preceito legal resulta que numa ação especial emergente de acidente de trabalho apenas possam ser demandadas a entidade patronal e a seguradora para a qual foi transferida a responsabilidade, sendo antes imperioso concluir que podem, em determinadas circunstâncias, como na presente, ser parte legítima em ação especial de acidente de trabalho, a empreiteira e a dona da obra onde ocorreu o acidente.
E. Com efeito, tendo as Recorridas, na qualidade de empreiteira e dona da obra onde ocorreu o acidente, obrigações em matéria de segurança e saúde no trabalho, é imperioso concluir que se estabeleceu entre elas e a entidade patronal do sinistrado uma relação conexa com a relação de trabalho existente entre a 1.ª R. e o sinistrado.
F. Face ao exposto, afigura-se, inequivocamente, serem as Recorridas partes legítimas para os termos da presente ação, devendo a decisão que as absolveu da instância ser revogada e determinada a prossecução dos autos destas entidades como rés, para determinação da entidade responsável.
Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V.Exas., deverá a presente Apelação ser julgada procedente, sendo o despacho recorrido reformulado nos termos supra referidos, só assim se fazendo a costumada Justiça!».

Contra-alegou a 3.ª Ré, pugnando pela improcedência dos recursos.

A 1.ª instância fixou o valor da ação em € 110.000, quanto à 1.ª Autora e Rés e de € 239.539,69 quanto ao 2.º Autor e Rés e admitiu os recursos com subida imediata, em separado, e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o apenso com os recursos subido à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela procedência dos recursos.
Não foi oferecida resposta.
Os recursos foram mantidos e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a única questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se as 3.ª e 4.ª Rés são partes legítimas.[5]
*
III. Matéria de Facto
A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição, sendo ainda tidos em consideração os elementos processuais que resultam da ação.
*
IV. Enquadramento jurídico
Conforme já referimos supra, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se as 3.ª e 4.ª Rés são partes legítimas.
Apreciemos, pois.
A legitimidade das partes constitui um pressuposto processual, ou seja, é uma condição essencial de que depende o exercício da função jurisdicional[6].
O conceito de legitimidade mostra-se definido no artigo 30.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo laboral, por força da remissão prevista no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Dispõe tal normativo:
1- O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.
Da norma citada resulta que o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, manifestando-se tal interesse pelo prejuízo que lhe advenha caso a ação seja julgada procedente.
Nos termos previsto no n.º 3 do aludido preceito legal, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor.
No caso do autos, os Autores demandaram as 3.ª e 4.ª Rés por considerarem que as mesmas, juntamente com a entidade empregadora, violaram regras de segurança no âmbito da obra onde ocorreu o acidente que vitimou fatalmente o pai dos Autores, tendo sido o concurso desses comportamentos violadores que originou o acidente de trabalho.
Em consequência, consideraram que as três Rés são solidariamente responsáveis pela reparação do acidente, ao abrigo do artigo 18.º da LAT, por a responsabilidade da entidade empregadora prevista nesta norma ser extensiva à 3.ª Ré e à 4.ª Ré, tendo sido formulado pedido em conformidade[7].
Mostra-se ainda peticionada a condenação das quatro Rés a pagarem, solidariamente, ao 2.º Autor, o subsídio por morte, previsto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 2, da LAT.
Face ao exposto, a relação jurídica material controvertida tal como é delineada pelos Autores na petição inicial, estriba-se na aplicação do artigo 18.º da LAT.
Assim, para se aferir da eventual legitimidade das 3.ª e 4.ª Rés para a presente ação, importa analisar se estas são “partes certas” da relação controvertida configurada pelos Autores.
A este propósito escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 17/12/2019, P. 5834/17.4T8BRG.G1:[8]
«1- Como decorrência dos princípios do dispositivo e do contraditório, o Autor encontra-se obrigado, na vigência do atual CPC, a delimitar, na petição inicial, subjetiva (sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) a relação jurídica material controvertida que submete à apreciação do tribunal, encontrando-se onerado com o ónus da alegar, nesse articulado, os factos essenciais consubstanciadores dessa causa de pedir.
2- Contrariamente ao que acontecia antes da revisão operada pela Lei n.º 41/2013, de 26/6, na vigência do atual CPC não é possível ao Autor alterar ou ampliar o pedido ou a causa de pedir na réplica, articulado este que, aliás, passou a ser meramente eventual (apenas admissível quando seja deduzida reconvenção).
3- Os pressupostos processuais são os elementos de cuja verificação depende a possibilidade de o juiz poder entrar na apreciação do mérito, pelo que, em princípio, os mesmos têm de ser aferidos por referência à relação jurídica material controvertida delineada, subjetiva e objetivamente, pelo Autor na petição inicial.
4- Pelo pressuposto processual da legitimidade exige-se que atendendo, em princípio, à relação jurídica material controvertida delineada, subjetiva e objetivamente, pelo Autor, na petição inicial, entre os sujeitos que figuram no processo como Autor e como Réu e o objeto do processo (pedido e causa de pedir) por aquele delineados na petição inicial, interceda uma certa conexão, por forma a poder concluir-se que aqueles são “as partes certas” dessa relação jurídica em discussão no processo, por nele figurar como “Autor” a pessoa que, de acordo com essa relação jurídica delineado na petição inicial, por referência ao direito substantivo, tem a pretensão deduzida em juízo, por ser o titular incontestado do direito que aí é exercido (independentemente dos factos que alegou, na petição inicial, como constitutivos desse seu direito serem verdadeiros ou falsos e de os vir ou não a lograr provar), e nesse processo figurar como “Réu” a pessoa que, atenta essa relação jurídica controvertida delineada na petição inicial e por referência ao direito substantivo, ser a pessoa cuja esfera jurídica será diretamente atingida pela providência requerida (pedido) em caso de procedência da ação.»

Passemos, então, à análise da responsabilidade prevista no artigo 18.º da LAT, para verificar se as 3.ª e 4.ª Rés têm legitimidade passiva.
Sob a epígrafe “Atuação culposa do empregador”, estipula o aludido artigo 18º:
1 - Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.
4 - No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70 % e 100 % da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;
c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.
5 - No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59.º a 61.º
6 - No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior.
Este normativo corresponde ao anterior artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13/09 que sob a epígrafe “Casos especiais de reparação”, consagrava:
1- Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição;
b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução de capacidade resultante do acidente.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido.
3 - Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante da entidade empregadora, esta terá direito de regresso contra ele.
O confronto entre os dois preceitos legais, permite-nos concluir que no atual artigo 18.º introduziu-se a expressão «entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra».
Deste modo, explicitamente, são potenciais sujeitos da responsabilidade agravada prevista no artigo (individual ou solidariamente), o empregador, o representante do empregador ou entidade por aquele contratada e a empresa utilizadora de mão-de-obra.
Assim sendo, para que as 3.ª e 4.ª Rés possam ser responsabilizadas, em regime de solidariedade, nos termos previstos pelo artigo, as mesmas têm de assumir uma das qualidades prevista na norma que se analisa.
Resulta incontroverso nos autos que nem a 3.ª Ré, nem a 4.ª Ré, eram empregadoras do sinistrado, de acordo com a relação material controvertida apresentada.
Quanto ao conceito de representante do empregador, escreveu o atual Juiz Conselheiro Azevedo Mendes, no seu artigo intitulado “Apontamentos em torno do artigo 18º da LAT de 2009: Entre a clarificação e a inovação da efetividade da reparação dos acidentes de trabalho”:[9]
«2.2. Os sujeitos obrigados a reparar na chamada responsabilidade agravada
Tendo em conta a diferença da redação, pode suscitar-se a interpretação segundo a qual na LAT de 2009 ocorre alargamento da responsabilidade do empregador, solidária com outros, como agora diz a letra da lei, para os casos em que o acidente tiver sido provocado por entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra.
Creio, no entanto, que não há qualquer alargamento, quando muito uma clarificação interpretativa.
Do meu ponto de vista, sustentado na jurisprudência que vem sendo afirmada maioritariamente, aquelas “entidades” são também representantes do empregador. Ou seja, o conceito de representante do empregador inclui quer uma entidade por ele contratada (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra, no caso do empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.
Apesar de jurisprudência publicada ser maioritária nesse sentido, a clarificação era porventura necessária em função da divergência de outra posição jurisprudencial que, por exemplo, no caso de empresas utilizadoras de mão-de-obra, entendia que elas tinham que ser vistas, na matéria dos acidentes, como o empregador real do sinistrado e, portanto, uma empresa de trabalho temporário seria apenas a empregadora formal ou aparente e não podia ser responsabilizada pela reparação do acidente ocorrendo atuação culposa do utilizador da mão de obra. Esta jurisprudência foi reafirmada, por exemplo, num recente Acórdão da Relação do Porto, de 20/09/2010 (publicado apenas na CJ-on line, refª 7287/2010), sobre acidente ainda no âmbito de aplicação da Lei n.º 2127, que revê posição da própria Relação do Porto no sentido da corrente jurisprudencial maioritária a que aludi, apoiando-se nos Acórdãos do STJ, que cita, de 27/11/1996, 06/11/2002 e de 3/12/2003.
Assumindo todas as referidas “entidades” no conceito de representante, este é, portanto, um conceito largo.
Não pode entender-se, designadamente, que a noção de “representante” se reduza ao conceito de representante de pessoa coletiva previsto no art. 163.º do Código Civil, confundindo-o com os seus órgãos sociais, como refere, p. ex., Carlos Alegre em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (2.ª edição, Almedina, 2000, págs. 102/103), embora este autor também admita que o conceito de representante pode ser alargado a outras pessoas, seja porque detêm um mandato do empregador, seja porque agem sob as ordens diretas do empregador.
Seguindo a posição de Luís Menezes Leitão (“A Reparação dos Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho”, in Temas Laborais, vol. I, Almedina, 2006, pág. 47), no âmbito da LAT de 1997, o que estava em causa não era uma verdadeira representação em sentido jurídico. Tratava-se antes das situações em que o empregador admite um terceiro a exercer os poderes de autoridade e direção aos quais o trabalhador se vinculou pelo contrato de trabalho, abrangendo os casos em que ocorre:
- “delegação dos poderes de direção noutro membro da empresa por força da normal hierarquia de funções dos seus membros”;
- “transferência dos poderes de direção para outro empresário, como no caso de cessão de mão-de-obra, ou trabalho em comum sob a direção de outrem”.
Nesta última situação deverão estar as agora designadas na lei como entidades contratadas pelo empregador e como empresas utilizadoras de mão-de-obra. Em ambos os casos, o empregador só pode ser responsabilizado pela reparação do acidente caso se verifique ter ocorrido transferência de poderes de direção do empregador.
Em qualquer dos casos, porém, ocorre delegação de poderes de direção.
É o que nos diz, por exemplo, o Ac. do STJ de 19-10-2005, in www.dgsi.pt, proc. 05S1918, num caso de contrato de utilização de trabalho temporário, quando refere que a empresa de trabalho temporário delega no utilizador os seus poderes de autoridade e de direção sobre o trabalhador temporário, assumindo aquele a qualidade de representante do empregador, na concreta relação laboral que estabelece com o trabalhador. Salientando que no quadro das relações jurídicas geradas pela conformação legal do trabalho temporário, não existindo qualquer vínculo jurídico direto entre o trabalhador e o utilizador, a reparação de danos emergentes de acidentes de trabalho recai sobre a empresa de trabalho temporário, o empregador, nos termos do disposto no art. 18.º da Lei 100/97, assistindo-lhe o direito de regresso contra os responsáveis referidos nos arts. 18.º, n.º 3, e 31.º, n.º 4, da mesma Lei.
E o que nos diz, também, um mais conhecido Acórdão do STJ, de 30-9-2004 (in www.dgsi.pt, proc. 03S3775), sustentando que o empreiteiro, empresa utilizadora ou cessionário, no caso de cedência ocasional de trabalhadores, sob a direção de quem o trabalhador presta temporariamente a sua atividade, conforme lhe foi determinado pelo seu empregador, funcionam perante o trabalhador como “representantes” do mesmo empregador.
De resto, no primeiro dos casos que acima apontei (ou seja, no caso de delegação dos poderes de direção noutro colaborador da empresa do empregador por força da normal hierarquia de funções), a responsabilidade do empregador pela reparação plena dos danos causados, independentemente de culpa, já resultaria do que está previsto nos artigos 500.º (responsabilidade do comitente) e 800.º (responsabilidade por atos de auxiliares) do Código Civil.
Mas já no segundo dos casos (designadamente nos casos de cessão de mão de obra ou trabalho em comum sob a direção de outrem), a responsabilidade do empregador para além das prestações normais previstas na legislação especial sobre acidentes de trabalho poderia ser questionada caso não existisse a norma do art. 18.º, já que poderia em bastantes casos ser difícil, por exemplo, qualificar um cessionário de utilização de mão-de-obra ou um recetor de prestação de serviço como um comissário ou um auxiliar do empregador. Daí a sua vantagem e daí a vantagem de conceber em termos amplos, tal como a jurisprudência maioritária tem feito, o conceito de “representante”.
Em síntese, penso que a redação do novo art. 18.º n.º 1 traduz apenas uma explicitação legislativa do critério jurisprudencial que vinha sendo adotado quanto ao conceito de “representante” do empregador, não acrescentando realmente nada de novo.».

Em termos jurisprudenciais, vejamos alguns acórdãos exemplificativos que se pronunciaram sobre a matéria que se analisa:[10]
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2012, P.297/07.7TTBJA.E1.S1:
«O termo “representante”, a que alude o art. 18.º, n.º 1, da LAT, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade empregadora e atuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda quem no local de trabalho exerça o poder diretivo, como sucede com a empresa utilizadora do trabalho temporário.».

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/09/2021, P. 1979/16.6T8LRA.C1:
« I) O conceito “representante” utilizado no art. 18.º, n.º 1, da LAT de 2009, refere-se às pessoas que gozam de poderes representativos de uma entidade patronal e atuem nessa qualidade, abrangendo normalmente os administradores e gerentes da sociedade, cujas características preenchem as próprias do mandato, e ainda a quem no local de trabalho exerça o poder diretivo, o que significa que os comportamentos da empresa utilizadora de trabalho temporário se traduzem em atos da própria empresa de trabalho temporário, que a vinculam e responsabilizam pela violação culposa das regras legais de segurança e saúde no trabalho que àquela venham a ser imputáveis.
II) O conceito referido em I) abrange, assim, quer uma entidade contratada pelo empregador (por exemplo, um empreiteiro ou um subempreiteiro), quer uma empresa utilizadora de mão-de-obra no caso de o empregador ser uma empresa de trabalho temporário ou no caso de cedência ocasional de trabalhadores, por exemplo.»

Acórdão da Relação do Porto de 17/02/2020, P.6652/18.8T8VNG-A.P1:
«A propósito do conceito de representante a que se reporta o art. 18º da então Lei 100/97, dizia Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado, 2ª edição, Almedina, a págs. 102/103, que: “(…).Assim, as entidades empregadoras a que se refere o artigo 18º são, apenas, as entidades patronais que não sejam pessoas coletivas.
Estas, pessoas coletivas, são referenciadas, no artigo em causa, pela expressão seu representante. Toda a pessoa física, constituinte dos órgãos de direção da pessoa coletiva – entidade patronal, enquanto age em nome desta, é seu representante, o que pode constituir um conceito de representação mais alargado que o previsto no artigo 163º do Código Civil.
Todavia, afigura-se-nos, que o conceito de representante da entidade patronal- seja ela, agora, pessoa individual ou coletiva – pode ser alargado a outras pessoas físicas que, de algum modo, atuem em representação daquela entidade seja porque detém um mandato específico para tanto, seja porque age sob as ordens diretas da entidade patronal, como é o caso de qualquer pessoa colocada na escala hierárquico-laboral de uma empresa”. E também assim vinha entendendo a jurisprudência, sendo que, todavia, face ao regime dessa legislação, ainda que a violação da norma de segurança causal do acidente fosse imputável a um representante (fosse ele o legal representante da sociedade-entidade empregadora ou um representante no conceito mais alargado do termo), a responsabilidade, perante o sinistrado ou, em caso de morte, perante os beneficiários legais, pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho sempre recairia sobre a sociedade entidade empregadora.
O atual artigo 18º não altera o entendimento que vinha sendo sufragado quanto ao conceito representante, o qual abrangerá tanto o legal representante da sociedade empregadora, como outras pessoas físicas que, de algum modo, atuem em representação daquela entidade nos termos referidos por Carlos Alegre, no excerto transcrito.
Este preceito veio, todavia, estender a responsabilidade pela reparação infortunística não apenas à entidade empregadora, mas também aos próprios representantes, nestes se incluindo o legal representante do empregador que seja pessoa coletiva e as pessoas incluídas no conceito alargado de representante [bem como à entidade contratada pelo empregador e à empresa utilizadora de mão de obra] quando o acidente tiver sido por eles provocado ou quando resulte da falta de observação, pelos mesmos, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, prevendo-se no preceito a responsabilidade individual ou solidária de ambos. Diga-se que o legal representante de sociedade empregadora é, por excelência, o representante da mesma, sendo, pois, abrangido pela previsão da norma. Aliás, mal se compreenderia que a responsabilidade solidária prevista no atual art. 18º seja extensível ao representante no conceito alargado acima referido em caso de acidente de trabalho resultante da falta de observação, por ele, de regras de segurança, mas que o não fosse se esse representante for o próprio legal representante da sociedade empregadora.»

Dos excertos transcritos, resulta que o conceito de representante da entidade empregadora que se mostra consagrado no artigo 18.º da LAT é um conceito amplo que abrange o legal representante da empregadora, quando esta seja uma pessoa coletiva, mas, também, aqueles que, no local de trabalho, estejam a exercer o poder diretivo que é conferido ao empregador no âmbito do contrato de trabalho.
Posto isto, analisemos, novamente, a relação jurídico material controvertida delineada pelos Autores na petição inicial.
Alegaram os Autores que, no dia 12/03/2021, pelas 16h30m, o seu pai encontrava-se a manobrar uma máquina mini giratória, fazendo trabalhos de abertura/fecho de uma vala, junto ao sopé de um terreno contínuo, com um talude de 5 metros, suportado por um muro de 5 metros, que se situava entre a vala que estava a ser aberta e fechada e o dito talude. Entretanto, o muro começou a desmoronar, tendo vários blocos que o compunham caído sobre a máquina giratória e atingido, de forma que se veio a revelar fatal, o sinistrado.
Mais alegaram que na altura do funesto acidente, o sinistrado trabalhava como operador de máquinas, por conta e sob as ordens e instruções da 1.ª Ré, sua entidade empregadora.
Referiram que houve falha de observância de regras de segurança no trabalho por parte da 1.ª Ré, o que deveria ter sido vistoriado pela 3.ª Ré (empreiteira).
Relativamente à 4.ª Ré, alegaram que o facto de a mesma utilizar o espaço contíguo ao dito talude para passagem de autocarros, sendo que o poderia fazer por outro caminho, contribuiu para o desmoronamento do muro.[11]
Não resulta do alegado que na altura em que sucedeu o acidente, as 3.ª e 4.ª Rés atuavam como representantes (utilizamos o termo no sentido amplo consagrado no artigo 18.º da LAT) da 1.ª Ré (empregadora).
Ou seja, atenta a relação controvertida configurada pelos Autores, as 3.ª e 4.ª Rés não assumem qualquer uma das qualidades previstas na norma que se tem vindo a analisar.
Também não existe qualquer fundamento legal para “estender” esta norma (que é de aplicação especifica às entidades aí referidas) às 3.ª e 4.ª Rés.
Por conseguinte, a esfera jurídica destas Rés nunca poderá ser atingida em face da construção da relação controvertida, plasmada na petição inicial.
No que concerne à pretensão relacionada com o subsídio de morte previsto no artigo 65.º, n.ºs 1 e 2 da LAT, que foi deduzida pelo 2.º Autor, trata-se de uma prestação abrangida pela responsabilidade prevista no artigo 7.º da LAT, ou seja, trata-se de prestação da responsabilidade do empregador, que é obrigado a transferir a sua responsabilidade para uma empresa de seguro nos termos previstos pelo artigo 79.º, n.º 1 da LAT.
Consequentemente, as 3.ª e 4.ª Rés também não têm qualquer interesse em contradizer esta matéria, porque no âmbito do regime especial de reparação de acidentes de trabalho, consagrado na LAT, as mesmas nunca poderiam responder solidariamente pelo pagamento da dita prestação.
Por outras palavras, nenhum prejuízo lhes pode advir do eventual reconhecimento do direito do 2.º Autor receber o mencionado subsídio.
Concluindo, face à relação material controvertida configurada pelos Autores, as 3.ª e 4.ª Rés são partes ilegítimas, pelo que, a decisão recorrida merece a nossa confirmação.
Nesta conformidade, os recursos terão de ser julgados improcedentes.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar os dois recursos improcedentes, e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.
Custas a cargo dos Apelantes.
Notifique.

Évora, 30 de março de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Na referência que será feita ao conteúdo dos articulados, teremos apenas em consideração a parte relevante para a apreciação do recurso - artigo 130.º do Código de Processo Civil.
[3] Doravante, designada por LAT.
[4] «“Este terceiro funciona sempre perante o trabalhador apenas como “representante” da entidade patronal, pois foi a entidade patronal que determinou a execução da prestação laboral sob a direção daquele terceiro na obra ou atividade em que se deu o acidente, sujeitando o sinistrado ao modo como na mesma são, ou não, cumpridas por aquele as prescrições legais de higiene e segurança, e exercendo deste modo o seu poder de autoridade sobre o trabalhador” – Cfr. Abílio Neto, Acidentes de Trabalho Anotado, pág. 77.»
[5] A questão identificada é suscitada nos dois recursos.
[6] Anselmo de Castro, in “Direito Processual Civil Declaratório”, Vol. II, 1982, Almedina, pág. 7.
[7] Esclarece-se que só o 2.º Autor formulou pedido relativo ao pagamento de pensões agravadas, por ser o único que, alegadamente, assume a qualidade de beneficiário, à luz da LAT, mas que ambos os Autores peticionaram a condenação solidária das Rés a pagar uma indemnização pelos damos não patrimoniais sofridos em consequência do acidente e pelo dano morte.
[8] Publicado em www.dgsi.pt.
[9] In “Prontuário do Direito do Trabalho”, n.º 88-89, janeiro-agosto 2011, CEJ/Coimbra Editora, págs. 125 e seguintes.
[10] Todos os acórdãos mencionados estão publicados em www.dgsi.pt.
[11] Realce da nossa responsabilidade.