Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MOREIRA DAS NEVES | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO CUMPRIMENTO DE DEVERES FIXADOS NA SENTENÇA REVOGAÇÃO DA PENA DE SUBSTITUIÇÃO REQUISITOS | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | I. A revogação da pena de prisão suspensa na sua execução e consequente determinação do cumprimento da pena de prisão substituída depende de o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta decorrentes da pena que lhe foi concretamente aplicada; ou incumprir o dever geral de não praticar novos crimes e isso revelar que as finalidades da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (artigo 56.º CP), assentando a decisão de revogação na constatação do malogro do prognóstico positivo que permitiu e determinou a substituição da pena principal. II. Exige-se um juízo não apenas de inconciliabilidade do incumprimento objetivamente verificado com a teleologia da suspensão da execução da pena de prisão, como ainda sobre a inadequação das medidas menos gravosas previstas no artigo 55.º do Código Penal. III. O tribunal da execução deve acompanhar periodicamente o cumprimento das condições fixadas na sentença e intervir, tempestiva e adequadamente, sempre que se verifique uma situação objetiva de incumprimento. | ||
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Decisão Texto Integral: | I – RELATÓRIO a. AA, nascido a …1984, com os demais sinais dos autos, foi condenado neste processo, por sentença de 29/3/2016 do Tribunal Judicial da Comarca de …, confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação, de 6/6/2017, pela prática de um crime de burla qualificada, na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, a qual foi suspensa na sua execução por igual período, sujeito à condição de entregar à ofendida a quantia de 200€ por mês até ao termo do período da suspensão. Tal quantitativo veio posteriormente a ser fixado em 175€ mensais, por despacho de 31/3/2019. A condenação transitou em julgado transitado no dia 13/7/2017. Em dado momento no curso do tempo, tendo-se constatado que o condenado (1) não cumpria a condição fixada, isto é, não procedia à entrega mensal à ofendida da quantia referida, veio aquele a ser convocado para diligência judicial, realizada apenas a 23/9/2021, a fim de prestar esclarecimentos acerca desse inadimplemento. Nessa diligência o condenado afirmou não dispor de rendimentos bastantes para prover à sua subsistência e concomitantemente suportar aquela prestação pecuniária. Nessa sequência foi determinada a recolha de informações acerca dos seus proventos. Com base nas informações obtidas e na sequência do devido contraditório, veio o tribunal a quo, a 21/6/2022, a proferir despacho, pelo qual revogou a suspensão da execução da pena de prisão determinada na sentença proferida a 29/3/2016 (transitada a 13/7/2017), determinando o sequente cumprimento da pena de prisão determinada naquela sentença, por considerar ter havido «incumprimento foi permanente, durante todo o prazo da suspensão, e grosseiro (…) que frustraram irremediavelmente as finalidades preventivo-especiais da pena.» b. Não se conformando com esta decisão dela veio recorrer o condenado, pugnando pela revogação do despacho recorrido e consequente declaração de extinção da pena aplicada, formulando deste modo as seguintes (e prolixas) «conclusões» (2): «(…) III) (…) não se pode descurar que o nosso Código Penal traçou um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objectivo que a própria prisão parece comprometer. IV) Com efeito, os artigos 55.º e 56.º do C.P., que tratam do incumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão apresentam claros parâmetros de referência sequencial, no sentido da afectação da consequência máxima às situações limite, pelo que se deverá, antes de mais, verificar como esgotadas e ineficazes as providências do artigo 55.º, daquele diploma legal. V) Como referem Figueiredo Dias e Anabela Rodrigues, os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da necessidade da pena cobrem todo o processo de determinação da sanção, que é uma actividade judicialmente vinculada e que perdura até à extinção da sanção aplicada ao condenado. VI) De facto, como vem salientando a jurisprudência dos Tribunais Superiores, as causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. VII) No mesmo sentido, como dizem Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 711: “(…) As causas de revogação não devem, pois, ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. (…) Aliás, como se viu, o Tribunal goza de uma ampla faculdade de prescindir da revogação, mesmo que exista mau comportamento durante o período de suspensão.” VIII) Em bom rigor, mesmo a condenação por crime cometido durante o período da suspensão da execução da pena de prisão não dita, por si só, a imediata revogação da pena de substituição, sendo antes e sempre o juízo sobre a possibilidade de ainda se alcançarem, em liberdade, as finalidades da punição que ditará a opção entre o regime do artigo 55.º ou do artigo 56.º do C.P. IX) Destarte, mesmo nos casos em que o condenado em pena suspensa comete novo crime no decurso do período da suspensão, o Tribunal deve ponderar a possibilidade de manutenção da confiança na ressocialização em liberdade, esgotando primeiramente os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição. X) Assim sendo, é pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência que a revogação da suspensão da execução da pena não funciona ope legis, não bastando para a sua verificação o mero incumprimento dos deveres ou regras de conduta que foram impostos ao condenado. XI) Nesta medida, está afastado um cenário frio e positivista do qual decorra, automática e necessariamente, do incumprimento dessas regras a revogação da suspensão da pena, na medida em que esta só deverá ser decretada se for de concluir, do dito incumprimento, que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas. XII) No entanto, se o que está em causa com a suspensão da execução da pena é a integração comunitária do agente, então aquela só deverá ser revogada se as finalidades da punição não forem conseguidas, sendo que para estas assumem especial relevo as de prevenção especial, com o desiderato do afastamento do arguido da criminalidade. XIII) Por seu turno, como se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/05/2016, relativo ao Proc. n.º 86/07.7GBCLD: “(…) Não é, no entanto, um qualquer incumprimento que releva para este fim. A lei exige que seja grosseiro ou repetido o que significa que a conduta infratora deve ser especialmente qualificada, deve revelar um grau de culpa muito elevado, uma completa indiferença pelo condenado relativamente ao sentido de ressocialização que a condição imposta significava.” XIV) Neste sentido, compulsados os elementos que foram recolhidos e o teor do relatório social elaborado pelos serviços da D.G.R.S.P., constata-se que o incumprimento pelo Arguido da obrigação de pagamento do montante indemnizatório à Ofendida apenas se deve a falta de capacidade e possibilidades económico-financeiras daquele. XV) De facto, quer durante o período da suspensão, quer actualmente, o Recorrente encontra-se onerado com a penhora do seu vencimento à ordem de vários processos de execução, para satisfação de alguns credores, como é o caso da Autoridade Tributária, da Segurança Social e de uma instituição bancária. XVI) Por sua vez, o despacho recorrido limita-se a afirmar o incumprimento culposo da obrigação condicionante da suspensão da execução da pena e concluir pela alegada frustração das finalidades de prevenção especial da pena, cujo teor corresponde praticamente a uma mera cópia da promoção do Ministério Público. XVII) Contudo, da conjugação do disposto nos artigos 55.º e 56.º, ambos do C.P., é necessária a demonstração inequívoca de que o incumprimento da obrigação condicionante evidencia a frustração da finalidade prosseguida pela suspensão da execução da pena, não sendo aceitável que tal exigência exista apenas para a prática de novo crime no decurso do período de suspensão. XVIII) Nesta medida, veja-se como se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25/05/2017, referente ao Proc. n.º 317/14.7PBPDL-A-L1-9, em cujo sumário se pode ler: “(…) II – A revogação da suspensão só se impõe, nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos, ou o plano individual de reinserção e cumulativamente revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, assim a infracção grosseira será só a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou plano individual de reinserção.” XIX) Deste modo, no caso dos autos não se encontra minimamente demonstrado que as finalidades da punição e de prevenção especial se mostram irremediavelmente frustradas, resultando precisamente o contrário, quer do teor do relatório elaborado pelos serviços da D.G.R.S.P., quer do facto de o Arguido não ter averbada a prática de qualquer outro crime no seu C.R.C., seja anteriormente, seja posteriormente à prática dos factos dos presentes autos. XX) Nesta conformidade, verifica-se que o Recorrente interiorizou o desvalor da sua conduta e formulou um juízo de auto-crítica e de respeito pela decisão resultante da sentença condenatória, não se permitindo apurar de qualquer modo que as finalidades de prevenção especial e ressocialização se encontram afectadas. XXI) Efectivamente, verifica-se que o Arguido não regista qualquer outra condenação por factos praticados durante o período de suspensão da execução da pena ou mesmo após a data dos factos praticados e que constituíram o objecto dos presentes autos. XXII) Nesta conformidade, não podemos deixar de acompanhar o entendimento plasmado no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 19/12/2019, proferido no Proc. n.º 293/03.1TAVFX.E2, relatado pela Exma. Desembargadora Ana Bacelar Cruz, com os seguintes moldes: “(…) II – Atendendo a que do registo criminal do Arguido não consta qualquer condenação para além da imposta nos presentes autos, não pode deixar de se considerar um exagero o período de mais de 3 (três) anos para apreciar a necessidade de prorrogação ou de revogação da suspensão da execução da pena. Estando esgotado o período de suspensão da execução da pena de prisão imposta e não sendo possível decretar a sua prorrogação, face ao tempo, entretanto decorrido e ao disposto na alínea d) do artigo 55.º do Código Penal, impõe-se a extinção da pena.” XXIII) No mesmo sentido, veja-se o entendimento propugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 07/09/2015, prolatado no Proc. n.º 424/06.0GAFAF.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Tomé Branco, disponível in www.dgsi.pt, com os seguintes moldes: “(…) II) In casu, e apesar do quadro de incumprimento evidenciado nos autos, justifica-se a conclusão a que chegou o Senhor a quo ao não revogar a suspensão da execução da pena, por haverem sido cumpridas as expectativas que motivaram a concessão da suspensão, sobretudo porque não há registo de que o arguido haja cometido quaisquer ilícitos, no decurso dos dois anos de suspensão (…) e não ter outros antecedentes criminais.” (Sublinhado nosso). XXIV) Deste modo, além de não se verificar uma infracção culposa e grosseira da obrigação de pagamento do montante pelo Arguido, cujo incumprimento se deveu à sua falta de capacidade económica e financeira, não se encontra demonstrado de qualquer modo que as finalidades de prevenção especial e de ressocialização se encontram irremediavelmente frustradas, razões pelas quais não se encontram integralmente preenchidos os pressupostos para a revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao Recorrente. XXV) Por sua vez, o Tribunal recorrido limita-se a expender considerandos jurídicos e juízos conclusivos, sem que os mesmos assentem em premissas correctas, quando a revogação da pena de substituição carece sempre de uma apreciação judicial sobre a personalidade e as condições de vida do arguido e o circunstancialismo que envolveu a sua conduta culposa posterior ao crime revela, em concreto, à luz dos fins das penas, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão. XXVI) Contudo, como salientam Leal Henriques e Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, Vol. I, 2.ª Edição, 1995, pág. 423: “(…) o não cumprimento das obrigações impostas não deve desencadear necessariamente a revogação da condenação. Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências.” XXVII) Com efeito, só será legítimo concluir pela revogação da suspensão da execução da pena e pela aplicação da pena de prisão se existirem, efectivamente, e em concreto, elementos de facto para poder concluir que o condenado não só actuou com culpa grosseira, mas também não oferece as condições pessoais essenciais ao êxito do seu processo de reinserção social em liberdade, nem revela a motivação para tanto necessária. XXVIII) Nesta medida, veja-se o entendimento sufragado no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 16/02/2016, relativo ao Proc. n.º 279/13.8GBTNV-B.E1, relatado pela Exma. Desembargadora Maria Isabel Duarte, disponível in www.dgsi.pt, no qual se salienta: “(…) É necessário que fique demonstrado que o condenado não cumpriu, falhou, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa. Daqui decorre que se impõe um poder-dever ao julgador (…) de procurar reunir todos os elementos para aquilatar da situação que determinou o incumprimento e tomar uma das medidas do art. 55.º ou 56.º do CP.” (Sublinhado nosso). XXIX) No caso concreto, não foram carreados para os autos elementos que demonstrem que o juízo de prognose favorável ao Arguido se haja frustrado, quando o incumprimento da obrigação a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena se deveu a falta de capacidade económica do Recorrente, face às suas penhoras que incidiram sobre o seu vencimento. XXX) Além disso, como se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10/04/02, prolatado no Proc. n.º 307/03.3GESTB.E1: “(…) Daí que sejamos a entender que só a rebeldia intolerável do arguido e a inultrapassável obstinação em manter-se no crime, bem como o fracasso da esperada emenda cívica resultante da suspensão, justifiquem a revogação da suspensão da execução da pena. (Sublinhado nosso). XXXI) Nesta conformidade, o Tribunal recorrido devia ter ponderado minimamente a possibilidade de manutenção da ressocialização do Arguido em liberdade, esgotando os meios legais de intervenção penal fora da prisão como garantia das finalidades da punição, importando não olvidar que o momento pelo qual essa aferição é feita se reporta à precisa data em que se decide da revogação ou não da suspensão da execução da pena. XXXII) Sem conceder, ainda que se pudesse aceitar que o incumprimento do Arguido fosse culposo, há sempre que apreciar se o incumprimento culposo dos deveres e regras de conduta impostos na sentença como condição da suspensão da prisão, mesmo que incumprimento próximo do grosseiro, consente ainda as consequências previstas nalguma das alíneas do artigo 55.º do C.P., mecanismos que o despacho judicial que conhece do incumprimento tem de equacionar expressamente. XXXIII) Nesta medida, veja-se como se decidiu no Acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 08/03/2018, referente ao Proc. n.º 2207/13.1GBABF-A.E1, relatado pela Exma. Desembargadora Ana Barata Brito, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “(…) II – Estando em causa, não o cometimento de um novo crime no decurso do período da suspensão da prisão, mas a violação de dever, regra de conduta ou a não correspondência a plano de reinserção, comportamentos que integram a previsão do art. 55.º do Código Penal, deve o tribunal pronunciar-se expressamente sobre a eficácia das medidas previstas nesta norma para se alcançarem ainda as finalidades da punição. III – E mesmo em caso de infracção grosseira e repetida aos deveres e às regras de conduta (podendo já configurar-se a previsão do art. 56.º, n.º 1, al. a), do CP), há que ponderar sempre, e previamente, a viabilidade da manutenção da ressocialização em liberdade. IV – Os princípios da proporcionalidade e da necessidade da pena norteiam a ponderação até à extinção da sanção, e a prorrogação do período de suspensão da prisão (art. 55.º al. d) do CP) será a resposta mais adequada se, no quadro de um incumprimento culposo e grosseiro, as circunstâncias do caso ainda permitirem conservar a confiança na eficácia da pena não detentiva.” (Sublinhados nossos). XXXIV) Todavia, como resulta do despacho recorrido, o Tribunal a quo não se pronunciou de modo algum sobre as medidas previstas no artigo 55.º do C.P., como forma de se alcançarem as finalidades da punição no caso concreto, limitando-se a concluir de modo automático pela revogação da suspensão da execução da pena segundo o disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 daquele diploma legal. XXXV) Vertendo ao caso concreto, parece haver alternativa à conclusão extraída pelo Tribunal a quo de que se encontram frustradas as finalidades de prevenção especial, quando o Arguido se manteve afastado da prática de qualquer outro tipo de crime e entretanto já se encontram decorridos 10 anos após a prática do crime. XXXVI) Efectivamente, não é possível neste momento afirmar que o Arguido colocou em crise, de modo irreversível, a sua reintegração social e que seja inviável a formulação de um juízo de prognose favorável no sentido de o mesmo não voltar a delinquir e de pautar no futuro o seu comportamento pela conformação com as normas da comunidade. XXXVII) Isto quando o Arguido se encontra desde a prática do crime inserido social, familiar e laboralmente, importando ainda realçar que os factos remontam a 2013 e não é conhecida aquele a prática de quaisquer outros ilícitos. XXXVIII) Não havendo elementos que permitam demonstrar que o juízo de prognose positivo se frustrou de modo irreversível, tal juízo ainda se mantém actualmente, sendo a revogação da suspensão da pena excessiva para a conduta do Arguido, com consequências claramente contraproducentes, tendo em conta a dimensão da pena de prisão aplicada e a circunstância de não ser legalmente admissível a sua substituição por qualquer outra forma de cumprimento que não a prisão efectiva. XXXIX) Destarte, não podemos deixar de acompanhar o entendimento propugnado pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 27/06/2018, relativo ao Proc. n.º 1347/07.0TAPFR, disponível in www.dgsi.pt, com os seguintes moldes: “(…) a revogação da suspensão por incumprimento dos deveres impostos não é automática e só é possível se este resultar de uma conduta culposa do condenado. (…) Acresce que, tais circunstâncias têm que ser aferidas e demonstradas em concreto, não bastando a constatação de que decorreu um período temporal alargado sem que a condição se mostre cumprida, nem tão pouco a formulação de juízos de valor ou verosimilhança sobre o comportamento exigível ao condenado.” (Sublinhado nosso). XL) Bem visas as coisas, a ponderação global dos valores em jogo e avaliação legalmente exigida pelo artigo 56.º do C.P., face ao circunstancialismo do caso concreto, não devem implicar a conclusão retirada pelo Tribunal recorrido, com profundas implicação na vida do Recorrente que não parece justificar-se de qualquer modo. XLI) Nesta medida, veja-se ainda o entendimento que se encontra plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/10/2020, referente ao Proc. n.º 76/14.3GCOAZA.P1, relatado pelo Exmo. Desembargador Nuno Pires Salpico, disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler: “(…) III – Para que a violação do dever ou o crime cometido na suspensão opere a revogação, necessário se torna a quebra da confiança que fora depositada no arguido, assim como a falência do juízo de prognose que fora inicialmente formulado, aquando da outorga da suspensão da pena, exigindo-se que o incumprimento dos deveres evidencie o risco sério da mera ameaça da pena de prisão não surtir o seu efeito e do arguido tornar a delinquir.” (Sublinhado nosso). XLII) Na verdade, como resulta do teor do relatório da D.G.R.S.P., o facto de o Arguido não ter satisfeito integralmente o pagamento do montante indemnizatório à Ofendida, não se ficou a dever a qualquer acto intencional ou de leviandade, mas outrossim à sua falta de capacidade económica ou possibilidade para o efeito. XLIII) Assim sendo, não obstante o incumprimento pelo Arguido da obrigação de pagamento à Ofendida, ainda é possível formular um juízo de prognose positivo em relação ao seu futuro, evitando-se, assim, a revogação da suspensão da pena, por não se mostrarem de qualquer modo comprometidas as esperanças de reintegração social que estiveram na base da sua aplicação. XLIV) Posto isto, o Tribunal a quo sempre deveria ter lançado mão dos mecanismos a que alude o artigo 55.º do C.P. ou ter declarado extinta a pena aplicada ao Arguido, pelo que violou o disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do C.P. XLV) Na realidade, considerando as finalidades preventivas e de ressocialização subjacentes à aplicação da suspensão da execução da pena, os direitos do Arguido constitucionalmente consagrados e a natureza de ultima ratio da revogação da suspensão da pena, sempre se impunha que o Tribunal a quo fizesse anteriormente uma ponderação da aplicação de uma medida mais adequada, entre aquelas que são enunciadas no artigo 55.º do C.P. XLVI) De facto, não se encontram verificados os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena aplicada ao Arguido, pelo que mal andou o Tribunal recorrido em decidir revogar a suspensão da pena, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação das disposições conjuntas dos artigos 55.º e 56.º do C.P. e incorrendo em erro de julgamento. XLVII) Por outra banda, a interpretação e aplicação da norma do artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do C.P., no sentido propugnado pelo Tribunal a quo de que o incumprimento pelo Arguido da obrigação de pagamento à Ofendida do montante indemnizatório é culposo e revela que se frustraram irremediavelmente as finalidades de prevenção especial da pena, padece de inconstitucionalidades material. XLVIII) Por violação do princípio da proporcionalidade, na vertente da necessidade, previsto no artigo 18.º, n.º 2, do disposto no artigo 29.º, n.º 5 e das garantias constitucionais de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.º 1, todos da C.R.P, a qual desde já se invoca para todos os efeitos legais.» c. Na sua resposta o Ministério Público sustentou a bondade da decisão judicial, sinteticamente nos seguintes termos: «1-ª – Por sentença transitada em julgado em 13-07-2017, o arguido AA foi condenado (como autor material de um crime consumado de burla qualificada, p. e p. no art. 218-º, n-ºs 1 e 2, al. a), por referência aos arts. 217-º, n-º1, e 202-º, do CP) a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, com execução suspensa por igual período de tempo, sob condição de pagamento mensal à ordem do processo, inicialmente de 200,00€ e após o despacho de 31-03-2019 de 175,00€, até perfazer o valor de 102.870,00€, para posterior entrega e satisfação à assistente do valor indemnizatório arbitrado a título de danos patrimoniais (sem supervisão da DGRSP, que, diversamente do alegado no recurso, não elaborou qualquer relatório de execução). 2-ª – O prazo da suspensão da execução da pena decorreu entre o dia 13-07-2017 e o dia 13-01-2022. 3-ª - O arguido não cumpriu a obrigação económica condicionante da suspensão da execução da pena, posto que realizou um só depósito de 200,00€ à ordem dos autos, em 10-11-2021, já na pendência do incidente aberto para ponderar a revogação da suspensão. 4-ª – O incumprimento é culposo, pois que o arguido dispôs de meios financeiros para cumprir a obrigação (como espelham os lançamentos de créditos de valor na sua conta bancária no Banco CTT, sobre a qual não incidiu qualquer penhora), repetido ou permanente e grosseiro. 5-ª – De facto, considerando as disponibilidades financeiras do arguido durante o prazo da suspensão da execução da pena, indicadas no despacho recorrido, deve concluir-se que o mesmo não cumpriu a obrigação, porque deliberadamente assim não quis, e que a generalidade das pessoas, nas mesmas circunstâncias, teria cumprido a obrigação. 6-ª – Ademais, resulta dos fundamentos da decisão condenatória a essencialidade do cumprimento da obrigação para realizar as finalidades preventivas, gerais e especiais, da punição, em consonância com o disposto nos arts. 40-º, n-º1, 50-º, n-ºs 1 e 2, e 51-º, n-º1, al. a), do CP. 7-ª – O arguido não quer cumprir a obrigação - como resulta do incumprimento deliberado, das declarações que prestou a respeito daquele e dos termos do recurso, assim se revelando refractário à censura contida a decisão condenatória e às finalidades pedagógicas e ressocializadoras da pena - antes pretende que, sem mais, se declare a pena extinta. 8-ª – Deve, por isso, julgar-se que o incumprimento infirmou definitivamente o prognóstico subjacente à decisão de suspensão da execução da pena, de bastarem a censura do facto e a ameaça de execução da prisão para realizar as finalidades preventivas da punição e que estas não puderam ser alcançadas, exclusivamente devido ao posterior comportamento deliberado e indesculpável do arguido, e verificado o fundamento da sua revogação estabelecido no art. 56-º, n-º1, al. a), do CP. 9-ª – A extinção da pena, sem cumprimento da obrigação a que foi subordinada a suspensão da execução da prisão, sem dor ou sacrifício sensível pelo arguido, importaria alteração da condenação, com desconsideração das finalidades preventivas da pena aplicada, e não previne o risco elevado de o arguido praticar novos crimes. 10-ª – Não é já prorrogável o prazo da suspensão da execução da pena, por terem decorrido mais de 5 anos desde o trânsito em julgado da condenação, e, de todo o modo, no caso de diverso entendimento, nenhum dos demais deveres indicados no art. 51-º, do CP, é adequado a satisfazer as necessidades preventivas que no caso se verificam. 11-ª – O douto despacho recorrido interpretou e aplicou correctamente as normas legais pertinentes, não violou o disposto no art. 55-º, e 56-º, n-º1, al. a), do CP, não afronta os princípios da proporcionalidade e da adequação nem qualquer norma constitucional e não merece censura alguma. 12-ª – Deve ser confirmado e julgar-se totalmente improcedente o recurso. Vossas Excelências, porém, melhor decidirão, como for de direito e de justiça.» d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância de recurso, elaborou douto parecer no qual sustenta que os autos demonstram que as finalidades gizadas pela suspensão da execução da pena de prisão não foram manifestamente alcançadas, pelo que o recurso não é merecedor de provimento. e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o recorrente veio, no exercício do contraditório, reiterar a argumentação já expendida. Os autos foram aos vistos e à conferência. Cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. O objeto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respetiva motivação – artigo 412.º, § 1.º CPP. A única questão que se suscita no presente caso é a de saber se estão (ou não) reunidos os pressupostos que legitimam a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, que vem impugnada. 2. Apreciando 2.1 A decisão recorrida O despacho judicial recorrido é do seguinte teor: «Acompanhando integralmente o teor da promoção que antecede, com a qual concordamos, aqui nos permitimos dar a mesma, no essencial, por reproduzida. Assim, Por sentença transitada em julgado em 13-07-2017, o arguido AA foi condenado a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, com execução suspensa, por igual período de tempo, subordinada inicialmente à obrigação de pagamento mensal de 200,00€ à ofendida, até perfazer o montante indemnizatório fixado de 102.870,00€, e, após o despacho de 02-03-2019, à obrigação de pagamento mensal de 175,00€. Apenas pagou o valor de 200,00€. Ouvido sobre o incumprimento da aludida obrigação, declarou, em síntese, que os rendimentos obtidos durante a suspensão da execução da pena, face às despesas necessárias à sua subsistência e ao cumprimento de obrigações legais, não lhe permitiram cumprir a obrigação. Em sequência, obteve-se informação dos salários pagos pelas suas entidades patronais no prazo da suspensão da execução da pena e informação de saldos bancários. Notificada assistente e o arguido da promoção que antecede, nada disseram. Ora, O arguido foi titular de outras contas bancárias no período da suspensão da execução da pena, mas apenas a conta bancária de que é titular no banco CTT registou movimentos no período indicado. Nesse período, tal conta de DO, com o n-º …, registou lançamento dos seguintes créditos de valor: - 17-07-2017: 235,00€; -20-07-2017: 488,10€; - 20-07-2017: 407,00€; - 08-08-2017: 196,03€; - 24-08-2017: 488,10€; - 22-09-2017: 458,76€; - 11-10-2017: 130,00€; - 13-10-2017: 500,00€; - 24-10-2017: 439,20€; - 07-11-2017: 470,00€; - 23-11-2017: 118,00€; - 24-11-2017: 439,20€; - 21-12-2017: 439,20€; - 03-01-2018: 250,00€; - 17-01-2018: 202,40€; - 23-01-2018: 488,10€; - 05-02-2018: 80,00€; - 12-02-2018: 90,00€; - 23-02-2018: 488,10€; - 06-03-2018: 70,00€; - 07-03-2018: 10,00€; - 14-03-2018: 255,00€; - 28-03-2018: 772,94€; - 04-04-2018: 100,00€; - 10-04-2018: 150,00€; - 30-04-2018: 772,94€; - 29-05-2018: 580,00€; - 26-06-2018: 300,00€; - 28-06-2018: 580,00€; - 26-07-2018: 580,00€; - 03-09-2018: 380,00€; - 03-09-2018: 200,00€; - 21-09-2018: 86,64€; - 26-09-2018: 439,29€; - 27-09-2018: 67,60€; - 05-10-2018: 373,59€; - 12-10-2018: 129,38€; - 18-10-2018: 245,90€; - 24-10-2018: 148,47€; - 31-10-2018: 185,49€; - 06-11-2018: 720,86€; - 07-11-2018: 79,90€; - 14-11-2018: 201,49€; - 21-11-2018: 94,35€; - 29-11-2018: 108,71€; - 05-12-2018: 703,91€; - 12-12-2018: 202,95€; - 19-12-2018: 245,03€; - 20-12-2018: 288,32€; - 31-12-2018: 213,73€; - 07-01-2019: 689,69€; - 15-01-2019: 179,10€; - 22-01-2019: 187,05€; - 30-01-2019: 115,15€; - 05-02-2019: 755,58€; - 08-02-2019: 119,47€; - 14-02-2019: 293,42€; - 20-02-2019: 302,36€; - 28-02-2019: 181,05€; - 05-03-2019: 844,31€; - 15-03-2019: 142,76€; - 19-03-2019: 166,73€; - 28-03-2019: 99,45€; - 02-04-2019: 134,41€; - 05-04-2019: 781,85€; - 12-04-2019: 179,59€; - 10-05-2019: 120,00€; - 10-05-2019: 80,00€; - 05-06-2019: 623,00€; - 30-07-2019: 549,84€: - 12-09-2019: 260,00€; - 02-10-2019: 165,00€; - 24-10-2019: 150,00€; - 28-10-2019: 1 000,00€; - 23-12-2019: 450,00€; - 30-01-2020: 607,92€; - 28-02-2020: 607,92€; - 16-03-2020: 350,00€ - 19-03-2020: 138,36€; - 24-03-2020: 600,00€; - 30-03-2020: 607,92€; - 03-04-2020: 443,00€; - 08-04-2020: 280,00€; - 13-04-2020: 118,00€; - 15-04-2020: 27,08€; - 17-04-2020: 165,00€; - 18-04-2020: 340,00€; - 30-04-2020: 588,04€; - 08-05-2020: 46,96€; - 01-06-2020: 565,15€; - 10-06-2020: 587,64€; - 02-07-2020: 159,76€; - 08-07-2020; 587,64€; - 31-08-2020: 292,38€; - 09-09-2020: 226,55€; - 08-10-2020: 120,00€; - 16-10-2020: 497,77€; - 04-11-2020: 2,00€; - 06-11-2020: 392,49€; - 10-12-2020: 392,59€; - 16-12-2020: 185,51€; - 18-12-2020: 73,86€; - 21-12-2020: 133,38€; - 11-01-2021: 421,75€; - 15-01-2021: 155,47€; - 29-01-2021: 876,80€; - 09-02-2021: 665,00€; - 10-02-2021: 200,00€; - 15-02-2021: 109,73€; - 26-02-2021: 926,00€; - 15-03-2021: 100,00€; - 31-03-2021: 926,00€; - 20-04-2021: 88,00€; - 22-04-2021: 66,23€; - 30-04-2021: 662,67€; - 04-05-2021: 2 000,00€; - 13-05-2021: 500,00€; - 18-05-2021: 300,00€; - 28-05-2021: 415,34€; - 28-05-2021: 200,00€; - 31-05-2021: 569,01€; - 03-06-2021: 300,00€; - 15-06-2021: 200,00€; - 17-06-2021: 255,64€; - 18-06-2021: 36,67€; - 18-06-2021: 200,00€; - 28-06-2021: 776,00€; - 30-06-2021: 679,89€; - 19-07-2021: 4,08€; - 19-07-2021: 150,00€; - 30-07-2021: 877,10€; - 16-08-2021: 424,42€; - 25-08-2021: 381,07€; - 02-09-2021: 278,82€; - 03-09-2021: 350,00€; - 08-09-2021: 1 316,43€; - 30-09-2021: 648,95€; - 01-10-2021: 1 207,93€; - 04-10-2021: 656,57€; - 07-10-2021: 350,00€; - 03-11-2021: 350,00€; - 03-11-2021: 665,00€; - 16-11-2021: 500,00€; - 20-11-2021: 4,45€; - 23-11-2021: 7,44€; - 29-11-2021: 70,00€; - 29-11-2021: 7,00€; - 06-12-2021: 665,00€; - 07-12-2021: 300,00€; - 16-12-2021: 62,00€; - 17-12-2021: 445,00€; - 04-01-2022: 665,00€. Feita a soma de todas as parcelas, resulta que, durante o prazo da suspensão da execução da pena de prisão, o arguido obteve o rendimento total global líquido de 54 443,52€. Nesse prazo, de 54 meses, o rendimento médio mensal líquido foi de 1 008,02€. De 13-07-2017 a 31-12-2017 o rendimento médio mensal líquido foi de 874,28€; no ano de 2018, o rendimento médio mensal líquido foi de 765,42€; no ano de 2019 foi de 714,08€; no ano de 2020, foi de 761,41€; no ano de 2021, foi de 1 839,07€; e de 01-01- a 13-01-2022 obteve rendimento líquido de 665,00€. Não obstante o declarado pelo arguido, devia o mesmo ter organizado a sua vida e o governo dos seus rendimentos de modo a cumprir a obrigação condicionante da suspensão da execução da pena, reduzindo, se necessário fosse, o custo do seu modo de vida. Por isso, entendo que o arguido não obteve nos meses de Setembro e Dezembro de 2017; de Maio, Julho e Agosto de 2018; de Maio, Julho, Agosto, Setembro, Novembro e Dezembro de 2019; e Maio, Agosto, Setembro e Novembro de 2020 rendimentos suficientes para o cumprimento da obrigação. Todavia, obteve em meses anteriores ou posteriores rendimentos que lhe permitiram cumprir as obrigações referentes àqueles meses, ainda que além do prazo. O arguido não podia ignorar que continuava obrigado aos pagamentos referentes aos meses aludidos, porque se destinavam a satisfazer à ofendida o valor indemnizatório judicialmente fixado, e se dúvidas tivesse cabia-lhe solicitar ao tribunal o seu esclarecimento; o que não fez. Por outro lado, verifica-se que, no ano de 2021, o arguido pôde cumprir, sem qualquer sacrifício, a obrigação imposta, dado o elevado valor dos rendimentos auferidos, e não o fez, porque não quis. Assim, o incumprimento da obrigação foi culposo e revela que o arguido não interiorizou as finalidades de prevenção especial da pena aplicada e a essencialidade do cumprimento da obrigação imposta para a realização daquelas. Considerando que o incumprimento foi permanente, durante todo o prazo da suspensão, e grosseiro, tem de concluir-se que se frustraram irremediavelmente as finalidades preventivo-especiais da pena. Pelo exposto, nos termos do disposto no artigo 56º, nº1, alínea a) e nº2, do Código Penal, determino a revogação da suspensão da execução da pena, e determino o cumprimento efectivo dos 4 anos e 6 meses de prisão aplicados.» 3. Pressupostos da revogação da suspensão da pena de prisão O recorrente considera que a falta de cumprimento da condição da suspensão não procede de culpa sua, na medida em que não possui meios económicos nem condição que tal permitam realizar. O Ministério Público não reconhece essas insuficiências, considerando que o condenado não cumpriu o dever a que estava adstrito no âmbito da suspensão da pena de prisão porque não quis. Pois bem. Resulta da lei a e da exegese que dos normativos pertinentes se vem fazendo que a suspensão da execução da pena de prisão, prevista no artigo 50.º CP, é uma verdadeira pena, com um conteúdo autónomo de censura, medido à luz de critérios gerais de determinação da pena concreta (artigo 71.º), assente em pressupostos específicos, sendo na sua categorização dogmática uma pena de substituição, isto é, uma pena que se aplica na sentença condenatória em vez da execução de uma pena principal concretamente determinada. (3) É, com efeito, no artigo 50.º, § 1.º do CP que estão fixados os respetivos pressupostos: um de natureza formal (a medida concreta da pena imposta ao agente não pode ser superior a cinco anos de prisão); e outro de cariz material, constituído este por um juízo de prognose favorável acerca da ressocialização do arguido em liberdade (de desnecessidade de cumprir efetivamente a pena de prisão), a realizar no momento da condenação, quando se tem de escolher e fixar a medida da pena. A aplicação desta pena assenta num risco prudencial (4) sobre a personalidade do agente, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior à prática do crime e as circunstâncias deste, concluindo-se que a simples censura do facto e a ameaça da execução da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Exige-se ao tribunal de julgamento a ponderação de todos os elementos disponíveis que possam sustentar a conclusão de que o facto ilícito praticado terá sido como que um acidente de percurso e de que a solene advertência, que constitui a condenação e a ameaça da prisão, terá inevitável reflexo sobre o comportamento futuro do agente, em benefício da reintegração social. Fatores essenciais são: a capacidade da pena concreta apontar ao arguido o rumo certo no domínio dos valores prevalecentes na sociedade, impondo-lhe num sentido pedagógico e autorresponsabilizante o seu comportamento futuro; e a capacidade dele para sentir e compreender a ameaça da prisão, de molde a que ela exerça sobre si efeito contentor. O juízo final exige ainda, de acordo com o princípio vertido no artigo 40.º, § 1.º do CP, que se acautelem as razões de prevenção geral positiva, isto é, que a suspensão da pena não comprometa a manutenção da confiança da comunidade na ordem jurídica e na norma penal que foi violada. Em vista desses objetivos a suspensão pode ser sujeita a deveres especiais para reparar o mal causado com a prática do crime (artigo 51.º CP) ou ao cumprimento de regras de conduta de conteúdo positivo (artigo 52.º) ou a um regime de prova - que em certos casos é de aplicação obrigatória (artigos 53.º e 54.º CP). Foram estes mesmos objetivos visados na sentença no momento em que se procedeu à escolha e medida da pena, decidindo-se suspender a execução da pena de prisão mediante a condição de o condenado fazer um esforço no sentido de compensar a lesada, como forma de reparação do mal causado pela prática do crime. A dinâmica da vida corrente faz emergir problemas ou perturbações novos ou pré-existentes, surgindo noutras vezes, no tempo da execução da pena, incidências comprometedoras do cumprimento das condições da suspensão, que impõem a sua atempada e criteriosa avaliação. Se assim for, isto é, se a execução da pena for acompanhada, como deve suceder, e surgirem perturbações, incidências ou problemas, deverá atuar-se de imediato, sendo as consequências normalmente as previstas no artigo 55.º CP: fazendo-se uma advertência ao condenado; procedendo-se ao reforço de garantias; impondo novos deveres ou regras de conduta; ou prorrogando o período de suspensão. Só em circunstâncias de significativa gravidade se impõe a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (artigo 56.º CP). Sobre a esta revogação rege precisamente o artigo 56.º, § 1. CP, nos seguintes termos: «A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.» A revogação da pena de substituição e consequente determinação do cumprimento da pena de prisão substituída depende de o condenado infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta decorrentes da pena que lhe foi concretamente aplicada; ou incumprir o dever geral de não praticar novos crimes e isso revelar que as finalidades da suspensão da execução da pena de prisão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (artigo 56.º CP). Isto é, a revogação assenta na constatação do malogro do prognóstico positivo que permitiu e determinou a substituição da pena principal. No primeiro caso – não cumprimento de deveres impostos -, que é o que ora nos importa, tal violação tem de constituir uma infração grosseira ou repetida dos deveres, isto é, uma atuação grave, indesculpável, em termos tais que o comum dos cidadãos em tal não incorreria e que por isso não deve ser tolerada nem desculpada. Não tendo de provir de comportamento doloso do condenado, bastando que este tenha agido com culpa, isto é, que a infração ao cumprimento dos deveres seja o resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade. (5) Reportando-nos agora ao caso sub judice, logo constatamos que desde a data em que foi suspensa a execução da execução da pena de prisão se sabia que o condenado reunia condições precárias, nomeadamente económicas, mas também pessoais, para poder cumprir – ou para cumprir plenamente - a obrigação fixada. Tanto assim que decorrido pouco mais de ano e meio (em março de 2019) se confirmou isso mesmo, optando-se então para reduzir a prestação mensal. Mas o condenado continuou a não cumprir a prestação fixada como condição da suspensão da execução da pena. Mas a nova intervenção tardou. Tardou muito. Surgiu apenas dois anos e meio depois quando se procedeu à audição do condenado (mas sem a presença de técnico de reinserção social – como preconiza o artigo 495.º, § 2.º CPP) (6), para que este se explicasse. E ele explicou: os seus rendimentos são reduzidos e não logram mais que prover às suas necessidades de subsistência, não lhe permitindo suportar a prestação associada como dever à suspensão da execução da pena de prisão. Só nessa altura o tribunal determinou se apurassem os rendimentos que ele auferia. Mas apenas os rendimentos! Não se curou de apurar a situação social do condenado! Apurou-se, então, os valores que ao logo do tempo foram depositados na sua conta bancária. Com base nestes elementos concluiu o tribunal a quo que o condenado «nos meses de setembro e dezembro de 2017; de maio, julho e agosto de 2018; de maio, julho, agosto, setembro, novembro e dezembro de 2019; e maio, agosto, setembro e novembro de 2020 [não obteve] rendimentos suficientes para o cumprimento da obrigação», talqualmente refere o despacho recorrido (de 21/6/2022). Mas considerou que «nos meses anteriores ou posteriores àqueles obteve rendimentos que lhe permitiram cumprir as obrigações referentes àqueles meses, ainda que além do prazo.» Isto é, concluiu o tribunal que o condenado não tinha rendimentos suficientes para suportar o dever fixado na sentença nalguns dos meses transcorridos; mas que noutros havia obtido rendimentos que lhe permitiam suportar tal encargo. O conhecimento dos valores que se foram registando a crédito na conta da bancária do condenado são efetivamente dados relevantes. Mas servem de pouco se nada se apurar quanto às despesas correntes e outros compromissos que o condenado tenha, sendo razoável admitir que terá despesas com a habitação, de transporte e até outras prestações. Em quanto importarão estas? Nada se apurou! Como pode, então, concluir-se que o condenado tinha possibilidade de suportar a condição pecuniária fixada na sentença? Não se pode. O não cumprimento objetivo da prestação a que estava obrigado pela sentença condenatória não constitui, só por si, infração grosseira (o resultado de um comportamento censurável, de descuido ou leviandade). Só apurando que esse inadimplemento (que objetivamente existe) constituiu uma atuação grave, indesculpável, se permite a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. Acresce que para haver lugar a essa revogação, a lei preconiza que o comportamento do condenado, a mais de grosseiro, seja demonstrativo de que se frustraram, definitivamente, as expetativas que motivaram a suspensão da execução da pena, designadamente por se mostrarem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as medidas previstas no artigo 55.º CP. (7) Isto é, exige-se um juízo não apenas de inconciliabilidade do incumprimento objetivamente verificado com a teleologia da suspensão da execução da pena de prisão, como ainda sobre a inadequação das medidas menos gravosas previstas naquela disposição legal, que são as seguintes: «a) Fazer uma solene advertência; b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção; d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º». O momento que para tanto se propiciou foi a (muito tardia) audição do condenado. Nesse momento o que mais importava era apurar a situação pessoal (global) do condenado, para depois disso serem revistos (ou não) os termos críticos da condição fixada à pena (v.g. fixando deveres alternativos, conforme se prevê na al. c) do artigo 55.º CP). Ou, sendo disso caso (se p. ex. o condenado melhorou a sua condição pessoal e económica) ampliar o prazo da suspensão até uma data que não fosse além do limite legalmente admissível (13/7/2022). Mas não foi nada disto o que então se determinou! Temos então, para o que importa ao objeto do presente recurso, é que o incumprimento objetivamente constatado da condição, não só não constitui infração grosseira dos deveres da suspensão da execução da pena de prisão (al. a) do § 1.º do artigo 56.º CP), como não demonstra que emirja de atuação grave, indesculpável do condenado. E como na data em que foi proferido o despacho recorrido se não verificava qualquer outra causa que pudesse legitimar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (al. b) do § 1.º do artigo 56.º CP), a decisão recorrida não poderá manter-se, por não estarem verificados os pressupostos da revogação por ele operada, impondo-se por isso a revogação de tal despacho, procedendo o recurso. III – DISPOSITIVO Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: a) Revogar o despacho recorrido. b) Sem tributação (artigo 513.º, § 1.º CPP a contrario sensu). c) Anota-se que o esgotamento do prazo da suspensão da pena e a não superveniência de condenação (a confirmar-se) determinará (que na 1.ª instância) se decrete a extinção da pena (57.º CP). Évora, 9 de maio de 2023 J. F. Moreira das Neves (relator) Maria Clara Figueiredo Fernanda Palma ........................................................................................................ 1 «Condenado» e não «arguido», pois (não por acaso) é desse modo que a lei, após o trânsito em julgado da decisão condenatória passa a designar aquele que foi arguido (cf. artigos 470.º/2, 477.º/3, 478.º, 490.º/1, 490.º/3, 491.º/2, 491.º-A/1 e 2, 492.º/1 e 2, 493.º/2 e 3, 494.º/3, 495.º/1 e 2, 496.º/3, 498.º/5, 499.º/1, 2, 4 e 5, 500.º/2 e 3 e 504.º/3 CPP e em todo o Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade. O condenado tem, evidentemente, direitos, mas não seguramente todos os previstos no artigo 61.º CPP, desde logo porque já não beneficia da presunção de inocência, sendo esta característica que justifica o estatuto de arguido. 2 As conclusões, pela sua própria natureza, não devem ser uma reprodução (ou uma quase reprodução - como é aqui o caso) do teor da motivação; mas antes uma síntese dos fundamentos do recurso. É esse sentido que toda a doutrina e a jurisprudência de um modo geral orientam: cf. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14. em comentário ao artigo 412.º; Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento (Marcha do Processo), Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335; Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp.23. No mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, Des. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, Des. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, Des. Filipa Costa Lourenço; e desse mesmo Tribunal, de 15/2/2013. Proc. 827/09.3PDAMD.L1-5, Des. Vieira Lamim. 3 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91; e Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020 [reimpressão da edição de 2017], pp. 30. 4 Hans-Heirich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Bosch, Barcelona, 1981, 2.º vol., p. 1154. 5 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pp. 201. Cf. igualmente acórdão TRCoimbra, de 17/10/2012, proc. 91/07.3IDCBR.C1 Des. Correia Pinto; e acórdão TRCoimbra, de 9/9/2015, no proc. n.º 83/10.5PAVNO.E1.C1, Des. Orlando Gonçalves. 6 Embora a letra da lei possa dar a ideia de só ser necessária a presença do técnico de reinserção social se a modalidade da suspensão em causa incluir acompanhamento por tais profissionais. A presença destes técnicos giza aportar ao juiz, em todos os casos, informação técnica especializada relativa à pessoa e circunstância do condenado (neste sentido cf. André Lamas Leite, A Suspensão da Execução da Pena Privativa de Liberdade, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Stvdia Ivridica 99, Ad honorem 5, pp. 623). 7 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editoral Notícias, 1993, pp. 355/357. |