Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1388/10.0 TBSTR.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: SIMULAÇÃO
PROVA
Data do Acordão: 06/30/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I- Nos casos de negócio simulado, a prova não tem de ser directa e imediata.
II- A convicção do juiz forma-se pelo conjunto de todos os elementos que tem perante si, designadamente o contexto factual, a plausibilidade dos factos, as regras de experiência e, claro, a prova produzida.
III- Uma partilha em que ao herdeiro devedor (de terceiros), estando pendente um processo de execução, apenas cabe o direito a tornas, sendo aquela situação conhecida dos demais herdeiros, indicia a simulação.
IV- Mais ainda, de forma a dar-se por provado este vício, quando a casa onde o devedor habita há mais de 20 anos e onde continuou a habitar (o que é corroborado por prova testemunhal) foi adjudicada a outro herdeiro.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora

AA propôs a presente ação declarativa contra BB e mulher CC, DD, EE e marido FF, peticionando que seja declarada a nulidade da escritura pública de partilha outorgada pelos réus em 27/10/2004.
Alega, em síntese, que é credor do R. BB, pela quantia de €24.690,00, e que, efectuadas as partilhas entre os RR., por morte de seu pai, aquele R. não recebeu bens mas apenas tornas no valor de €4.493,98; que tais partilhas foram assim realizadas para prejudicar o A..
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Os RR. contestaram.
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O processo seguiu os seus termos e, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu os RR. do pedido.
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Desta sentença recorre o A. impugnando a matéria de facto bem como a solução de direito.
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Os RR. contra-alegaram defendendo a manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos.
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O problema que se discute é saber se a escritura de partilhas é um negócio simulado ou não. O que se alega é que o prédio misto (verba 1) é muito mais valioso do que consta da escritura sendo certo que o devedor do A. apenas recebe tornas.
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Os quesitos, cuja resposta o recorrente impugna, são os seguintes:
1.º
Todos os RR. tinham conhecimento do processo executivo referido em E)?
(À data da celebração dessa escritura, o réu BB era devedor ao autor do montante de 24.690,05€, proveniente do aceite de uma letra de câmbio pelo mesmo, dada à execução pelo autor, no processo executivo n.º 122/2002, que corre termos no 1º Juízo Cível)
9.º
A celebração da escritura de partilha referida em A) foi um acordo entre os declarantes no sentido de enganar terceiros?
11.º
EE e FF, construíram no prédio misto e rústico uma moradia de rés-do-chão que constitui há mais de 20 anos a sua habitação?
12.º
E no extremo da propriedade, contígua à habitação do R. BB, uns anexos?
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Para fundamentar a sua impugnação, o recorrente indica como meio de prova [nos termos do art.º 640.º, n.º 1, al. b), Cód. Proc. Civil] o depoimento da testemunha GG (só foi ouvida outra, HH, que pouco disse).
Começaremos por reproduzir um excerto da fundamentação das respostas aos quesitos:
«Apesar de reconhecer [a testemunha GG] o seu interesse na resolução do litígio de forma a que o autor seja pago do seu crédito sobre o réu AA (…), a testemunha apenas pode assegurar que, para além deste réu, também o réu FF teve sempre conhecimento desse processo, por ter falado com ele sobre o assunto, do qual não falou com as rés, estando convencido de que as mesmas também souberam do processo por serem mulheres de cada um destes réus e a ré DD sua mãe e sogra, conclusão esta que, baseada apenas na relação familiar entre os réus, na ausência de outros indícios nesse sentido, não permite concluir, com suficiente segurança, no sentido de que as rés tinham conhecimento do processo executivo aquando da outorga da escritura de publica».
A testemunha, nascida e criada na localidade, conhece todos os RR. há muitos anos e com eles conviveu muito (é compadre do R. FF) e conhece também o prédio em questão (uma fazenda, como lhe chama) bem como o que nele está construído.
Ouvindo o depoimento, em nada contraditado pelo outro, cremos que, sem a mínima distorção da prova, se devem dar por provados os quesitos em questão.
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Não é preciso ver ver toda a cadeia de factos para se poder estabelecer um acontecimento, um evento. Por um lado, a prova testemunhal é um meio de prova que há-de ser ponderado com outros, por exemplo, com as presunções judiciais (art.º 351.º, Cód. Civil), isto é, com ilações que se retiram de outros factos conhecidos e que permitem concluir que um outro facto, então desconhecido, se passou, aconteceu. Por exemplo, quem vê passar um carro azul da direita para a esquerda e deixa de o olhar deve concluir que é o mesmo carro que embateu noutro, segundos depois, e que está à esquerda do observador e que é também um carro azul. Ou seja, esta pessoa, para prestar um depoimento relevante, não necessita de estar a ver todo o desencadear de sucessos — desde o primeiro momento em que viu o carro azul à sua direita até ao embate que se dá à sua esquerda. Sendo um dos veículos embatidos de cor azul, e dado ter decorrido um lapso de tempo curto, é legítimo concluir, é imperativo concluir que o carro que o observador viu passar é o mesmo que embateu noutro.
Por outro lado, a prova judicial, a produzida no decurso de um processo judicial, “visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça. A prova tem, por isso mesmo, atenta a inelutável precariedade dos meios de conhecimento da realidade (...), de contentar-se com certo grau de probabilidade do facto: a probabilidade bastante, em face das circunstâncias concretas da espécie, para convencer o julgador (...) da verificação ou realidade do facto” (Antunes Varela, anotação na R.L.J., 116, p. 339). Como escreve ainda Manuel de Andrade, a «prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, pp. 191-192).
É tendo presente “este sentido relativista das coisas” que os meios de prova hão-de ser valorados e hão-de ser criticados. É também tendo presente esta relatividade que temos de analisar o modo como a prova foi apreciada neste processo.
Do exposto resulta que não há necessidade nem obrigatoriedade de a testemunha ter visto tudo. Significa isto que, num caso como o nosso, a testemunha não tem que saber toda a vida da família dos RR., não tem que estar presente. Mas pode ter conhecimento dos factos por outras vias, nomeadamente, por conversas sobre o tema (como aconteceu com o R. FF) e pelo que sabe da família em concreto— pode por isso assegurar que os casais conversam entre si, relatando e discutindo os seus problemas, os temas que os preocupam, etc.
Em conversa com o seu compadre, e por alturas em que se estava a preparar a partilha aqui em discussão, a testemunha comentou com o seu compadre como é que ele podia aceitar aquilo (o modo da partilha e os respectivos valores), ao que o R. FF respondeu «É família». Este «ser família» tem aqui o sentido de entreajuda, da necessidade de apoiar o membro que dela precisa (no caso, o R. BB a respeito de quem, como diz a testemunha, era publicamente sabido que tinha várias dívidas).
Mas acrescem outros elementos, os tais indícios que no despacho se diz serem ausentes.
O prédio, tal como foi descrito por ambas as testemunhas, é grande tendo no centro situada a casa onde mora a R. DD e em cada extrema as casas dos seu filhos, o R. BB e a R. EE. E sempre moraram nestes termos, isto é, cada um na sua (sem qualquer conotação jurídica) casa. E o mesmo se manteve depois de realizada a escritura — nisto ambas as testemunhas são claras. Dito de outra forma, os R. BB e mulher continuaram a viver na casa onde sempre viveram — o que está provado.
A que título? O R. marido, por força da partilha formalizada, apenas tem direito a tornas uma vez que o usufruto dos imóveis ficou para a viúva do autor da herança e a nua propriedade ficou para a R. EE; aliás, a escritura é clara a este respeito: o R. BB só recebe tornas. Por isso, tem sentido o tribunal colocar a pergunta: a que título continua tudo como estava, tudo igual? Caridade? Necessidade? Que o dissessem e que o explicassem.
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Mas há mais.
Foi elaborado o quesito 18.º com o seguinte teor:
A escritura referida em A) foi a formalização de uma partilha da herança aberta por óbito de II, de acordo com aquilo que os herdeiros da mesma haviam acordado mais de 20 anos antes, e materializado ao longo dos anos?
Teve esta resposta:
Há mais de 20 anos, os réus EE e marido, DD e BB e mulher, residem nas respetivas casas de habitação, referidas em 8, 9 e 10, respetivamente.
Ou seja, e desde logo, o tribunal não deu por provada a realização de qualquer partilha verbal há muito tempo.
Não obstante, no despacho dá-se por «indiciado um acordo parcial de partilha, pelo menos no que se refere à atribuição à R. DD do direito de uso do prédio urbano pré-existente no prédio misto e aos demais réus do direito a construírem nesse mesmo prédio a casa de habitação» mas não sabemos com base em que depoimento. A segunda testemunha referiu-se a uma eventual partilha verbal mas com muitas dúvidas. E vejamos: se se tivesse realizado tal partilha, porque não invocaram cada um dos RR. o direito de propriedade adquirido por usucapião? Porque fizeram, todos, ao invés uma escritura em que o R. BB não recebe nenhum bem? Fizeram, todos (repetimos), a escritura contrariando o que estava há muitos anos combinado?
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O mesmo se dirá a respeito dos valores envolvidos. O valor total dos bens (um prédio misto e três prédios rústicos) que foi declarado na escritura é de €6.576,55; só o prédio misto vale mais de €100.000.
São conhecidas as várias razões para que os valores não coincidam, desde logo as de ordem fiscal.
Mas cabe perguntar: as partes aceitam entre si estes valores como sendo os correctos, os devidos? Com todas as consequências? Nada se diz a este respeito mas este silêncio, conjugado com os demais elementos, é esclarecedor.
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De tudo isto, diz o despacho, «não se vislumbra que a circunstância dos réus manterem na sua posse (…), ainda que aliada à existência de diferença relativamente aos valores reais dos valores atribuídos (…), sejam susceptíveis de indiciar a existência de um conluio dos outorgantes no sentido de enganar terceiros»; será indício de quê, então?
Todas estas circunstâncias, apreciadas entre si e no confronto do depoimento da testemunha GG, levam à conclusão que nada mais foi querido se não afastar a casa do R. BB dos credores, o que também foi querido pelas RR. mulheres. O que, por sua vez, leva também à conclusão de que todos tinham conhecimento da execução contra o R. BB pois que só esta situação despoletaria a partilha tal como foi feita.
Como se escreve nas alegações: «se por um lado não se provou que a escritura em causa visasse a formalização de uma partilha anteriormente acordada (resposta ao artigo 18.º da BI), pelo contrário, tudo aponta no sentido do acto praticado ter visado formalizar uma aparência de sentido radicalmente contrário à realidade substantiva, ao real comportamento (quer anterior quer posterior à partilha) dos intervenientes».
Não há outra explicação plausível ou, sequer, minimamente credível.
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Também em relação aos quesitos 11.º e 12.º deve ser dada resposta positiva porque existe prova suficiente. Embora a do quesito 12.º tenha sido englobada na resposta conjunta a outro, não haverá contradição entre a resposta dada e a que se dá agora.
No final da exposição da matéria de facto, acrescentar-se-ão estes quesitos.
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Assim, a matéria de facto é a seguinte:
1. No dia 27 de outubro de 2004, no Cartório Notarial, foi outorgada uma escritura pública de partilha, na qual intervieram a ré DD como primeira outorgante, os réus FF e BB como segunda e terceiro outorgantes, e os demais réus como quartos outorgantes, os quais declararam, além do mais:
“Que, conforme consta da escritura de habilitação de herdeiros lavrada hoje (…), são eles os únicos herdeiros da herança aberta por óbito de II, casado que foi sob o regime da comunhão geral com a primeira outorgante (…) vão pela presente escritura partilhar o respetivo património hereditário, composto pelos bens imóveis constantes do Documento Complementar (…) atribuem aos prédios valores iguais aos patrimoniais (…) o valor total dos bens a partilhar é de seis mil quinhentos e setenta e seis vírgula cinquenta e cinco euros (…).
Que à partilha procedem do seguinte modo:
Adjudicam à primeira outorgante o usufruto de todos os bens imóveis, no valor de (…), pelo que leva a menos que o seu quinhão.
Adjudicam à segunda outorgante a nua propriedade sobre os bens imóveis (…), pelo que leva a mais que o seu quinhão o valor de quatro mil quatrocentos e noventa e três vírgula noventa e oito euros, que repõe a título de tornas aos demais herdeiros, os quais dão a respetiva quitação (…).” (cfr. alíneas A) e B) dos factos assentes e doc. junto a fls. 10-14);
2. Do documento complementar dessa escritura, consta, além do mais:
“Verba um
Misto, composto de casa de rés-do-chão, dependência, adega, palheiro e quintal, oliveiras, figueiras, macieiras, pereiras e solo subjacente de cultura arvense e olival, com a área de 5.600 m2 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número sessenta e cinco mil seiscentos e catorze, folhas cinquenta e nove do livro B cento e sessenta e oito e inscrito na matriz urbana sob o artigo 804 com o valor de 2.282,56€ e na matriz rústica sob parte do artigo 17 da secção U, antes artigo 1.455 da matriz não cadastral, com o valor tributável de 526,61€ e para efeitos de IMT com o valor de 1.331,42€, que adotam.
Verba dois
Rústico, composto de oliveiras, figueiras, macieiras, pereiras e solo subjacente de cultura arvense e olival, com a área de 4.880 m2 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número sessenta e cinco mil seiscentos e quinze, folhas cinquenta e nove verso do livro B cento e sessenta e oito e inscrito na matriz rústica sob parte do artigo 17 da secção U, antes artigo 1.455 da matriz não cadastral, com o valor tributável de 526,61€ e para efeitos de IMT com o valor de 1.331,42€, que adotam.
Verba três
Rústico, composto de oliveiras, figueiras, pinhal e e solo subjacente de cultura arvense e olival (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número sessenta e cinco mil seiscentos e dezasseis, folhas sessenta do livro B cento e sessenta e oito e inscrito na matriz rústica sob o artigo 4 da secção T, antes artigo 1.807 da matriz não cadastral, com o valor tributável de 190,03€ e para efeitos de IMT com o valor de 480,44€, que adotam.
Verba quatro
Rústico, composto de oliveiras, figueiras, macieiras, pinhal e solo subjacente de cultura arvense e olival, com a área de 4.880 m2 (…) descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número catorze mil quinhentos e cinco, folhas setenta e quatro do livro B trinta e sete e inscrito na matriz rústica sob parte do artigo 8 da secção S, antes artigo 238 da matriz não cadastral, com o valor tributável de 455,13€ e para efeitos de IMT com o valor de 1.150,71€, que adotam.” (cfr. alínea C) dos factos assentes e doc. junto a fls. 15-16);
3. O prédio misto é o bem de maior valor do acervo hereditário partilhado (cfr. alínea H) dos factos assentes);
4. II era marido da ré DD e pai dos réus EE e BB (cfr. alíneas D) e G) dos factos assentes);
5. À data da celebração dessa escritura, o réu BB era devedor ao autor do montante de 24.690,05€, proveniente do aceite de uma letra de câmbio pelo mesmo, dada à execução pelo autor, no processo executivo n.º 122/2002, que corre termos no 1º Juízo Cível (cfr. alínea E) dos factos assentes e doc. junto a fls. 17-21);
6. Aquando da outorga da escritura de partilha, os réus BB e FF tinham conhecimento desse processo executivo (cfr. resposta ao quesito 1º da base instrutória);
7. O réu BB não efetuou o pagamento dessa quantia nem deu à penhora bens suscetíveis de o assegurar (cfr. alínea F) dos factos assentes);
8. Os réus EE e marido, construíram no prédio misto descrito sob a verba n.º 1 do Documento Complementar da escritura pública de partilha, uma moradia de rés-do-chão, na qual residem há mais de 20 anos (cfr. resposta ao quesito 11º da base instrutória);
9. É também nesse prédio misto que se encontra implantado o prédio urbano composto de casas de rés-do-chão, dependência, adega, palheiro e quintal, no qual reside e sempre residiu desde que casou com o autor da herança a ré DD (cfr. resposta ao quesito 13º da base instrutória);
10. Existem uns anexos junto da casa de habitação que se encontra implantada no prédio misto descrito sob a verba n.º 1 do Documento Complementar da escritura pública de partilha e na qual os réus BB e mulher sempre residiram, e existe uma piscina no prédio rústico contíguo, ali descrito sob a verba n.º 2 (cfr. resposta aos quesitos 3º, 4º, 5º, 12º e 14º da base instrutória);
11. Os réus DD, EE e marido, nunca fizeram uso da parte do prédio misto descrito sob a verba n.º 1 do Documento Complementar da escritura pública de partilha, onde se encontra implantada a casa de habitação na qual os réus BB e mulher residem (cfr. resposta ao quesito 6º da base instrutória);
12. Há mais de 20 anos, os réus EE e marido, DD e BB e mulher, residem nas respetivas casas de habitação, referidas em 1.8., 1.9. e 1.10., respetivamente (cfr. resposta ao quesito 18º da base instrutória);
13. Após a celebração da escritura pública, os réus continuaram a comportar-se relativamente aos bens objeto da mesma como faziam antes (cfr. resposta ao quesito 2º da base instrutória);
14. O prédio misto descrito sob a verba n.º 1 do Documento Complementar da escritura pública de partilha, com as 3 casas de habitação e respetivos anexos, onde residem a ré DD, os réus EE e marido e os réus BB e mulher, respetivamente, tem um valor não inferior a 100.000,00€ (cfr. resposta ao quesito 7º da base instrutória);
15. Aquando da celebração da escritura pública de partilha, ao atribuírem tornas no valor de 4.493,98€ com base nos valores nela atribuídos aos prédios objeto da mesma, os réus sabiam que tais valores eram inferiores aos respetivos valores reais (cfr. resposta ao quesito 8º da base instrutória).
16. Todos os RR. tinham conhecimento do processo executivo referido em 5.
17. A celebração da escritura de partilha referida em 1 foi um acordo entre os declarantes no sentido de enganar terceiros.
18. EE e FF, construíram no prédio misto e rústico uma moradia de rés-do-chão que constitui há mais de 20 anos a sua habitação.
19. E no extremo da propriedade, contígua à habitação do R. BB, uns anexos.
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O pedido do A. é que seja declarada nula a partilha outorgada com base em simulação.
A simulação tem na sua base uma ausência de vontade de realizar o negócio declarado; os que as partes declaram não corresponde ao que elas realmente querem (ou não querem de todo ou não querem naqueles termos). E tem também um objectivo: o de enganar terceiros criando uma certa aparência (art.º 240.º, n.º 1, Cód. Civil). Como escreve I. Galvão Telles: «Os estipulantes, mancomunados, criam a aparência de um contrato, que efectivamente não querem no seu conteúdo, pelo menos como dizem celebrá-lo. Faz-se um contrato, mas este é simulado, portanto, meramente aparente; as partes fazem-no só para enganar ou, até, para prejudicar terceiros, não tendo a intenção de dar aos seus interesses a regulamentação jurídica que do acto se depreende; nenhuma querem ou querem outra diversa» (Manual dos Contratos em Geral, 4.º ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2002, p. 165) — cfr., ainda, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, vol. I, t. I, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2005, p. 843; Castro Mendes, Direito Civil (Teoria Geral), poli., 1979, pp. 322-323; Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1996).
Porque as partes não querem o conteúdo e os efeitos do que declaram, o negócio é nulo por respeito ao princípio da vontade. Como escreve Larenz, a «nulidade do negócio simulado corresponde ao princípio segundo o qual uma declaração concebida com igual significado pelas partes de comum acordo é válida com o significado atribuído pelas partes» (Derecho Civil Parte General, trad, esp., ERDP, 1978, p. 500).
E o significado é não realizar na prática as partilhas.
O que quer dizer que os outorgantes da escritura não quiseram partilhar os bens mas apenas criar a aparência (1.º) de que queriam isso mesmo e (2.º) de que fizeram isso mesmo. Mas é só aparência pois que tudo se manteve (no que à utilização do prédio e construções nele edificadas diz respeito) como estava.
O negócio simulado pode conter, a ele subjacente, um negócio realmente querido pelas partes (o negócio dissimulado a que alude o art.º 241.º, Cód. Civil). A existir, e se respeitar as exigências de forma, este negócio é válido. Mas aqui não há nenhum outro contrato; existe apenas a escritura das partilha que as partes não quiseram fazer.
Em relação ao intuito de enganar terceiros (que não se confundo com a intenção de os prejudicar — cfr. Menezes Cordeiro, loc. cit.), e como decorre do que acima se expôs, não temos dúvidas em afirmar que este requisito da figura existe e está verificado. O objectivo é dar a entender aos credores, designadamente, ao A., que no património do R. BB não existem quaisquer bens imóveis que se possam penhorar, criando-se o risco de não realização do crédito. Foi com este intuito que se fez o acordo simulatório (n.º 17 da exposição da matéria de facto).
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A consequência do negócio realizado com divergência entre a vontade declarada e a vontade real é a sua nulidade, nos termos do art.º 240.º, n.º 2. O negócio aparentemente realizado não produz nenhum dos efeitos jurídicos típicos que lhe estão associados (e que seria a adjudicação dos bens aos herdeiros).
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O A. pede que seja declarada a nulidade da escritura pública de partilha outorgada pelos réus em 27 de Outubro de 2004. Cremos há aqui um vício de linguagem mas que não afecta o pedido. A escritura não é nula nem a ela se assacam quaisquer circunstâncias que a invalidem. O que o A. pretende é que o negócio formalizado na escritura, esse sim, seja declarado nulo. A declaração de nulidade que se pede é da partilha em si, plasmada naquele documento.
Será essa a decisão.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso em função do que se revoga a sentença recorrida e se declara nula a partilha celebrada entre os RR. celebrada por escritura pública de 27 de Outubro de 2004.
Custas pelos recorridos.
Évora, 30 de Junho de 2016

Paulo Amaral


Rosa Barroso


Francisco Matos