Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
208/14.1GBODM.E1
Relator: CLEMENTE LIMA
Descritores: REGISTO CRIMINAL
ESCOLHA E MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 07/14/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O cancelamento automático, no registo criminal, das decisões que tenham aplicado penas de prisão ou de multa, só ocorre desde que, entretanto, não tenha existido nova condenação por crime.
II - O cancelamento de decisões pretéritas no registo criminal não pode ser assimilado à inexistência daquele passado delitivo, inibindo, por um apagamento decorrente do mero decurso do tempo, a relevância judiciária desse passado.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I


1 – Nos autos de processo sumário em referência, precedendo audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 21 de Outubro de 2014, decidiu nos seguintes termos:

«a) Condenar o arguido ASN, pela prática em 12/10/2014 e em autoria material de um crime de condução de veículo automóvel em estado de embriaguez, previsto e punível, pelo art.º 291, nº 1 do Código Penal na pena de 10 (dez) meses de prisão, cuja sua execução fica suspensa pelo período de 3 (três) anos e sujeita à condição do arguido no prazo de 3 (três) meses entregar aos Bombeiros Voluntários de Odemira a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros), devendo comprovar tal nos autos (cfr. artº 50 nºs 1, 2 e 5 e artº 51 nº 1 al.c) e nº 2, a contrario);

b) Mais condeno o referido arguido na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados e pelo período de 1 (um) ano, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal e sob pena de, não o fazendo, incorrer em responsabilidade criminal se violar tal proibição;

c) Ordenar a entrega da carta e/ou licença de condução detida pelo arguido, no prazo de dez dias, após o trânsito em julgado da presente sentença, na secretaria do Tribunal ou qualquer posto policial, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 500, nº 2 do Código de Processo Penal e com a cominação de, não o fazendo, a mesma ser-lhe coercivamente apreendida;

d) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) U.C.'s e reduzindo a mesma a metade, atento o disposto no art.º 344, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal, sendo que os honorários devidos ao seu ilustre defensor serão pagos nos termos e de acordo com a legislação em vigor;

e) Ordenar, após trânsito, a remessa do boletim de registo criminal à DSIC;

f) Após trânsito, comunique a presente decisão à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e ao IMTT, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 69º, nº 3 do Código Penal e no art.º 500º do Código de Processo Penal».

2 – O arguido interpôs recurso desta sentença.

Pretende vê-la revogada.

Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões:

«I-O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art.º 292º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sob condição de frequentar consultas de alcoologia e na proibição de conduzir veículos com motor por 1 ano, nos termos do art.º 69º, n.º 1, alínea a), do Código Penal;

II-O arguido discorda de tais penas por as mesmas serem manifestamente excessivas, pois a decisão recorrida assentou entre outras circunstâncias, num antecedente criminal pela prática do mesmo tipo legal de crime, que não podia ter sido levado em conta;

III-O antecedente criminal remonta a uma condenação em pena de multa, cujo trânsito em julgado ocorreu em 08/11/2001, tendo aquela pena sido liquidada em 09/11/2001;

IV-A extinção da pena de multa pelo seu cumprimento ocorre na data do seu pagamento e não da data em que foi proferido despacho judicial a declarar extinta a pena;

V-Nos termos do art.º 15º, alínea b) da Lei da Identificação Criminal são cancelados definitivamente “As decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, decorridos cinco anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime.”;

VI-O arguido desde 09/11/2001 não foi condenado por qualquer outro crime, pelo que deveria o mesmo ser considerado primário e tal circunstância ter sido levada em conta na escolha e determinação da medida da pena, o que não aconteceu;

VII-Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que se considera adequado no caso concreto;

VIII- Deveria o arguido ser condenado em pena de multa de acordo com os seus rendimentos dados como provados;

IX-A douta sentença proferida pela Mma. Juíza “a quo” violou, assim, o disposto nos arts.º 43º, 70º e 71º, todos do Código Penal;

X-Por maioria de razão o mesmo se entende quanto ao período de proibição de conduzir veículos com motor, pois ao serem aplicados os critérios estabelecidos no art.º 71º do Código Penal, a inibição deveria ser por um período menor atento o facto do arguido ser primário;

XI-Condenando-se o arguido em pena de multa, a medida da pena acessória, não poderá deixar de reflectir a opção pela aplicação da pena principal de natureza menos gravosa. E a forma de se adequar à mesma só pode concretizar-se numa simetria inferior àquela que a proporção imporia;

XII-Quanto à frequência de consultas de alcoologia, esta foi determinada como condição para suspender a execução da pena de prisão, e sendo revogada tal pena de prisão necessariamente será a sua condição de suspensão também revogada».

3 – O recurso foi admitido, por despacho de 8 de Dezembro de 2014.

4 – O Ex.mo Magistrado do Ministério Público em 1.ª instância respondeu ao recurso.

Propugna pela confirmação do julgado.

Extrai da respectiva minuta as seguintes conclusões:

«A. Pretende o arguido, ora recorrente, que as penas em que foi condenado são manifestamente excessivas na medida em que a decisão recorrida assentou em antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime que não podiam ter sido levados em linha de conta, isto porque, no seu entendimento, as extinções das penas ocorreram há mais de 5 anos.

B. Entende o arguido que a extinção da pena de multa pelo cumprimento ocorre na data do seu pagamento e não na data em que foi proferido despacho judicial a declarar extinta a pena, mas desde já se diga que não assiste razão ao arguido uma vez que a data relevante para efeitos de extinção é, como não podia deixar de ser, a do despacho que declara a extinção, pois de outro modo estar-se-ia a subtrair ao conhecimento do tribunal e ao poder decisório do juiz a competência para a tomada de decisão nos termos do disposto no art. 475.º do CPP.

C. Entende ainda o arguido, com base no disposto no art. 15.º da Lei de Identificação Criminal, o qual dispõe acerca da não transcrição/ cancelamento do registo criminal, que o tribunal não podia ter levado em linha de conta aqueles antecedentes criminais, pois que aquelas decisões teriam que ter sido canceladas decorridos os tais 5 anos sobre a data da extinção da pena, sucede que, se por um lado já vimos que a data relevante para efeitos de extinção é, como não podia deixar de ser, a do despacho que declara a extinção, por outro lado, o alcance da norma inserta no art. 15.º da Lei de Identificação Criminal circunscreve-se á publicidade conferida pelo registo criminal, mas não quer significar com isso que o tribunal não possa servir-se do conhecimento que tem acerca do percurso criminal do arguido para efeitos de escolha da pena e determinação da medida da mesma, até porque isso será um dado de particular importância para traçar o perfil/ personalidade do arguido e da sua conformidade, ou não, ao direito.

D. É por demais evidente que o arguido não podia ser considerado primário, ao contrário do que pretende nesta sede de recurso, e tão pouco poderia o mesmo ser condenado ainda em pena de multa, sobretudo, quando é o próprio que nas suas alegações de recurso diz que “consta do registo criminal do arguido três condenações pelo mesmo tipo de crime”.

E. No caso dos autos é manifesto o fracasso da pena de multa, bastando para isso analisar os antecedentes criminais do arguido, que a tal manifestamente se opõem, pelo que in casu, apenas a pena de prisão (ainda que suspensa) consegue satisfazer as finalidades da punição.

F. Os antecedentes criminais do arguido revelam, pois, uma propensão inequívoca para a reiteração de crimes no âmbito da circulação rodoviária, todos associados à condução sob o efeito do álcool, aliás, tais antecedentes traduzem que o arguido desde a primeira condenação e advertência e censura penal não alterou a sua conduta e desde então, beneficiou de sucessivas penas de multa e nem assim soube aproveitar as oportunidades que o direito e a justiça lhe deram para alterar a sua conduta.

G. O arguido não é pois capaz de interiorizar a norma e de se abster de conduzir quando está influenciado pelo álcool, conseguindo sim frustrar as finalidades das penas que lhe são aplicadas e vindo a infringir as mesmas, o que apenas significa que continua a desprezar os bens jurídicos que sucessivamente viola, incapaz de pautar a sua conduta em obediência à lei, constituindo pois um perigo para si e para os outros na circulação rodoviária.

H. Assim, no caso dos autos, a personalidade do arguido e o facto de ter já beneficiado por diversas vezes da condenação em pena de multa, são factores que suficientemente nos permitem formular um juízo desfavorável quanto ao seu desempenho futuro.

I. O arguido já teve tempo, atendendo ao seu passado criminal, de interiorizar, pelas anteriores condenações, que não pode conduzir veículos automóveis em estado de embriaguez, ainda assim nenhuma pena que até à data lhe foi imposta o tem impedido de praticar este ilícito de forma reiterada sendo certo que todas as penas que lhe foram aplicadas não foram suficientes para o afastar da respectiva prática, pelo que a pena de prisão é a única que agora responde á violação das normas legais vigentes.

J. O arguido ainda não interiorizou a censurabilidade e gravidade da sua conduta, donde se infere ainda a falta de preparação do arguido para manter uma conduta lícita quanto a não praticar o crime em causa e por isso apenas a pena de prisão constitui uma censura suficiente do facto e realiza de forma adequada as finalidades de prevenção geral e especial subjacentes à punição.

K. Não obstante as anteriores infracções o que é certo é que o arguido manteve a sua atitude de total indiferença pelo respeito à lei e de igual modo mostra um total desprezo pela censura do facto que rodeou as suas anteriores condenações, as quais revelaram a sua total ineficácia, uma vez que o arguido insiste em praticar o ilícito em causa, estando assim demonstrada que a aplicação de penas de multa mostram-se insuficientes para promover a recuperação social do arguido e satisfazer as exigências de reprovação e de prevenção do crime.

L. Não obstante as oportunidades que lhe foram concedidas nas anteriores condenações, o arguido optou por não interiorizar a gravidade da sua conduta, desconsiderando as advertências que lhe foram feitas e praticou mais um crime de idêntica natureza, pelo que só uma pena de prisão poderá fazer com que o arguido se recupere e passe a adoptar uma actuação conforme ao direito.

M. Resulta inequívoco que a pena de multa deixou de ser suficiente para que o arguido de uma vez por todas aprenda os valores do direito e a pautar-se em consonância com o dever ser, e apenas a ameaça de prisão poderá conseguir aí resultados. Apenas a (ameaça de) prisão é, pois, suficiente para acautelar as necessidades de prevenção que o caso requer.

N. Parece, pois, que a repreensão e censura das anteriores condenações (em penas de multa) não surtiram os seus efeitos, já que não o demoveram de voltar a delinquir. Nem as exigências de prevenção geral nem as exigências de prevenção especial saem compatíveis, in casu, com a condenação ainda em pena de multa.

O. Todas estas razões colocam-se de igual forma no que toca á determinação do período de proibição de conduzir.»

5 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que o recurso deve ser julgado improcedente.

Pondera, designadamente, que «basta ter em conta a taxa de alcoolémia apresentada (2,02), pelo que estamos em crer que a aplicação daquela dosimetria [de penas] poderá constituir meio adequado a prevenir a perigosidade que está imanente àquela previsão sancionatória e que a mesma visa evitar».

6 – O objecto do recurso, tal como definido pelo teor das conclusões da motivação recursiva, respeita a saber se, em violação do disposto nos artigos 43.º, 70.º e 71.º, do Código Penal (CP), o Mm.º Juiz do Tribunal a quo incorreu em erro de jure no ponto em que deixou de condenar o arguido em pena de multa e, ademais, desconsiderou o disposto no artigo 15.º, alínea a), da Lei de Identificação Criminal (LIC), do passo em que não considerou o arguido primário para efeitos de escolha e medida da pena.


II

7 – Em primeira instância, apreciou-se a matéria de facto nos seguintes termos:

Factos provados:

No dia 12 de Outubro de 2014, na Estrada Nacional n.º 390, Odemira, o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros, matrícula 35-66-CC, apresentando uma taxa de álcool no sangue (TAS) de 2,20 gramas/litro, correspondente, deduzido o valor do erro máximo admissível, à TAS de 2,02 g/l.

O arguido confessou os factos.

Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que havia ingerido bebidas alcoólicas e que nessas condições não poderia conduzir.

Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei.

O arguido tem como antecedentes criminais os que constam da cópia actualizada do respectivo certificado de registo criminal: - foi condenado a 14 de Março de 1997, por factos praticados em 13 de Março de 1997, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, nas penas de 80 dias de multa, à taxa diária de 400$00 e em 2 meses de inibição da faculdade de conduzir; - foi condenado a 4 de Abril de 2000, por factos praticados em 4 de Abril de 200097, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, nas penas de 95 dias de multa, à taxa diária de 1.000$00 e em 100 dias de inibição da faculdade de conduzir; - foi condenado a 26 de Março de 2001, por factos praticados em 18 de Março de 2001, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, nas penas de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, sujeita aos deveres de não praticar crimes durante aquele período e de entregar 100.000$00 aos Bombeiros Voluntários de Odemira, e em 11 meses de inibição da faculdade de conduzir.

Confessou de forma livre e mostrou-se arrependido, revelando auto-censura.

Trabalha por conta própria, exercendo a profissão de cortador de madeira/moto-serrista, tomando de empreitada o corte da referida madeira.

Tem trabalho regular.

Aufere, em média, (…) cerca de € 900,00/mês.

Tem as inerentes despesas com o combustível do veículo e da moto-serra.

É casado, sendo a esposa doméstica e tem dois filhos, um com 21 anos de idade e que já trabalha por sua conta e é autónomo e outro, com 15 anos de idade, que se encontra a estudar em Odemira.

Habita em casa própria.

É proprietário de um veículo automóvel Renault Clio de 1993.

Tem as despesas normais de alimentação, vestuário, água e electricidade e não tem outros encargos.

Na altura dos factos, antes de ser interceptado pela GNR, o arguido já havia percorrido cerca de 30 km e iria ainda percorrer cerca de 16/17 km.

Ingeriu vinho e aguardente antes de iniciar a condução dizendo que o fez em convívio com amigos.

Não se provaram outros factos.

A convicção resultou das declarações confessórias do arguido, cotejadas com o auto de notícia, talão de fls. 28 e certificado do registo criminal.

8 – Importa, antes de mais e de ofício, dar nota de que se não verifica qualquer nulidade de que cumpra conhecer [artigo 410.º n.º 3, do Código de Processo Penal (CPP)].

9 – Acresce salientar, mesmo ex officio e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP – investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.

10 – Defende o recorrente que as penas foram concretizadas, pelo Mm.º Juiz do tribunal a quo, em medida manifestamente excessiva, com violação do disposto nos artigos 43.º, 70.º e 71.º, do CP.

11 – Alega, em abono: (i) que, na medida das penas foram levados em conta os antecedentes criminais do arguido quando estes se reportam a factos de há mais de 10 anos e a penas que, extintas, deviam já ter sido canceladas do respectivo registo criminal; (ii) que o arguido devia ter sido condenado em pena de multa; (iii) que a pena acessória de proibição de conduzir é excessiva, dada a necessidade, para o arguido, de se deslocar de automóvel, e as sérias dificuldades que um tão longo período de inibição acarretará em termos familiares e laborais; e (iv) que a condição da suspensão (pagamento, no prazo de 3 meses, de € 750,00 aos BVO) reporta a quantia que o arguido sem sempre consegue retirar da sua actividade.

12 – Nos termos prevenidos no artigo 15.º n.º 1 alíneas a) e b), da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, na versão conferida Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro (entretanto revogada pela Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, com entrada em vigor a 90 dias da publicação), o cancelamento automático, no registo criminal das decisões que tenham aplicado penas de prisão ou de multa, só ocorre desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime, por isso que, no caso, atento o rol de condenações que o arguido averba, não se vê que houvesse lugar ao pretextado cancelamento e, por tal via, que a decisão revidenda pudesse desconsiderar tal passado delitivo.

13 – Sem embargo, o cancelamento de decisões pretéritas no registo criminal não pode ser assimilado à inexistência daquele passado delitivo, inibindo, por um apagamento decorrente do mero decurso do tempo, a relevância judiciária deste passado, pelo que sempre haveriam de ter-se considerado as precedentes condenações do arguido.

14 – Em sede de escolha e medida da pena, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo reportou, designadamente, o passado criminal do arguido (3 crimes de idêntica natureza), as necessidades de prevenção geral e especial, a elevada TAS apresentada, o passado criminal do arguido, a distância percorrida e a percorrer e a idade do arguido (que supõe maturidade suficiente para adoptar outro comportamento), revelando uma culpa elevada, de par com a confissão, a colaboração com a Justiça, o arrependimento, revelando auto-censura, bem como o facto de o arguido ser o único sustentáculo económico do respectivo agregado familiar.

15 – Importa, antes de mais, ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de escolha e medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normação que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.

16 – Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, não deve aproximar-se desta senão quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado quantum em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal a quo) qualquer abusiva evicção relativamente a uma concreta pena que ainda se revele congruente e proporcionada.

17 – Ora, ressalvado o devido respeito, em face dos factos sedimentados, como provados, na instância, o grau de ilicitude presente na conduta do arguido deve ter-se por particularmente relevante, do passo que, sendo incontornavelmente ponderosas as exigências de prevenção geral, as necessidades de prevenção especial não consentem já, em vista do pretérito delitivo verificado, mesmo atenta a confissão, a atitude repesa e a sua integração familiar e profissional, que, na alternativa prevenida no artigo 70.º, do CP, se conclua que uma pena não privativa da liberdade realiza ainda, de forma adequada e suficiente, as finalidades punitivas.

18 – Cabe ponderar, como se ponderou na instância, que, em face do circunstancialismo apurado, designadamente, do elevado grau de ilicitude resultante do valor da taxa de alcoolemia detectada (2,02 g/l), do tipo de veículo utilizado, do facto de o arguido conduzir já, naquelas condições, há cerca de 30 km, aprestando-se para tripular o veículo, ainda por mais cerca de 16 km, traduzindo um comportamento delitivo com dolo directo, tendo já três condenações por crime da mesma natureza, condenações pretéritas que lhe não serviram de suficiente motivação para evitar a prática de novo crime, de par com as faladas razões de prevenção especial e geral, a aplicação de pena de prisão pelo período de 10 meses, suspensa na sua execução pelo período de um ano, com a decretada condição, traduz um inarredável justo concreto que, no caso, só pode ser olhado como adequado – e até beneficente –, sendo que a condição da suspensão, no montante em que foi concretizada, haveria de significar um lembrete para o arguido se afastar da prática de ilícitos, designadamente estradais, o que só se vê atingido com uma quantia que acarrete um sacrifício (e que não equivalha a um nada) para o arguido infractor.

19 – Outro tanto no que pertine à medida da pena acessória, porquanto traduz uma censura adicional pelo crime praticado, por se revelar especialmente censurável, e visa o efeito de prevenção geral de intimidação, e de prevenção especial, de modo a que o condutor imprudente não volte a praticar factos da mesma natureza.

20 – Assim, no caso, não se vê que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo haja valorado as circunstâncias apuradas com inadequado peso prudencial, ou que haja desconsiderado o comprovado contexto delitivo, por isso que a sentença revidenda não merece nem suscita, designadamente no particular sindicado, qualquer intervenção ou suprimento reparatório.

21 – A tanto se adita, tão apenas, que, não vindo impugnado o julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto, este Tribunal de recurso não pode considerar materialidade que o Mm.º Juiz do Tribunal a quo não estabeleceu como provada, designadamente o facto, alegado em sede recursiva, atinente à indispensabilidade da condução automóvel para o exercício profissional do recorrente – argumento, ademais, de pouca valia, sempre rebatível com a consideração de que seria matéria que o próprio arguido devia ter enunciado antes de encetar a condução automóvel em estado de embriaguez, e que lhe não pode servir de factor atenuativo.

22 – Em conclusão, atendendo à gravidade dos factos apurados, ao grau de culpa do arguido e às editadas exigências de prevenção, só pode concluir-se que a decisão revidenda fez aplicação do disposto, designadamente, nos artigos 40.º n.os 1 e 2, 70.º e 71.º, do CP, com adequado (e até tolerante) critério.

23 – Termos em que, ressalvado sempre o muito e devido respeito pela douta argumentação recursiva, o recurso não pode, de todo em todo, lograr provimento.

24 – O decaimento total no recurso importa a condenação do arguido recorrente em custas, nos termos e com os critérios definidos nos artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP, e no artigo 8.º n.º 5 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.





III


25 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se: (a) negar provimento ao recurso interposto arguido, ASN; (b) condenar o arguido nas custas, com a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta – ressalvado apoio judiciário e nos estritos termos de tal benefício.

Évora, 14 de Julho de 2015

António Manuel Clemente Lima (relator)

Alberto João Borges (adjunto)