Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2208/17.0T8PTM.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO
CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
REMISSÃO ABDICATIVA
QUITAÇÃO
ABUSO DO DIREITO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) a declaração do trabalhador, escrita e entregue pela empregadora, onde refere que com o pagamento dos créditos emergentes da cessação da relação de trabalho, recebe todos os valores resultantes da cessação ocorrida, que integram todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e respetiva cessação, incluindo proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho suplementar, trabalho noturno e quaisquer outras remunerações ou subsídios e que para todos os efeitos, que com os pagamentos referidos no parágrafo anterior, considera-se integralmente pago de todos os créditos vencidos à data da cessação, emergentes da relação em causa e da sua cessação, nomeadamente, a título de retribuição-base, subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias, subsídio de natal, trabalho suplementar, trabalho noturno, ajudas de custo e descansos compensatórios, sabendo a empregadora que o autor ficaria sem emprego e necessitava de receber o salário relativo ao trabalho prestado novembro de 2016, para fazer face aos seus encargos mensais e que só por este motivo emitia a declaração, não constitui uma remissão abdicativa, extintiva de todos os créditos, mas apenas um documento de quitação em relação à quantia que efetivamente lhe foi paga.
ii) não incorre em abuso do direito o trabalhador que vem reclamar créditos que vão além do que recebeu.
(sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: B... (ré).
Apelado: J... (autor).

Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J1.

1. O A. instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra a R., pedindo que deve ser julgada a ação procedente e, em consequência, ser a ré condenada a pagar-lhe o montante global de € 9 815,48 (nove mil, oitocentos e quinze euros e quarenta e oito cêntimos) e juros vincendos à taxa legal, até integral pagamento das quantias em dívida, sendo:
- Trabalho suplementar e abonos de refeição referentes aos contratos de trabalho a termo certo que vigoraram nos anos de 2015 e 2016, bem como os juros legais que se venceram até à presente data, quantias essas que correspondem ao valor total de € 8 815,48 (oito mil, oitocentos e quinze euros e quarenta e oito cêntimos); e
- Indemnização por danos não patrimoniais, na quantia de € 1 000 (mil ouros).
Alegou, em suma, que celebrou dois contratos a termo com a ré. Em ambos prestou trabalho suplementar, que não lhe foi pago. No final, de ambos, a ré forçou-o a assinar uma remissão abdicativa (que deve ser anulada – cf. artigo 52.º da petição inicial). Com a sua conduta, a ré provou danos na saúde do autor.
Citada a ré e frustrado o acordo em audiência de partes, por falta de comparência da ré, foi apresentada contestação (fls. 763 e ss.) onde esta veio dizer que os créditos emergentes da relação de trabalho que cessou em 2015 estão prescritos; o autor assinou remissão abdicativa, que é válida; sempre foram pagos valores superiores aos devidos pelo trabalho suplementar. De resto, impugna os factos.
O autor respondeu a fls. 789 e ss., reduzindo o pedido para o valor global de € 7 993,93, sendo € 6 933,93 de trabalho suplementar e juros e € 1 000 de compensação por danos não patrimoniais.
Desse articulado resulta (cf. artigo 189.º) que da relação laboral de 2016 o autor reduz o pedido para a quantia de € 3 130,40 a título de trabalho suplementar, acrescido de juros de € 163,40.
Designou-se data para a realização de audiência prévia, à qual a ré não compareceu, onde ficou conhecida a exceção da prescrição, julga-a procedente.
Dispensou-se a elaboração dos factos assentes e da base instrutória, prosseguindo os autos para conhecimento do restante pedido (relativo à relação laboral de 2016).
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento como consta da respetiva ata.
A resposta à matéria de facto, com os factos provados, não provados e motivação, foi proferida em audiência designada para esse efeito.
De seguida foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Nestes termos e por tudo o exposto, julgando a ação procedente, decide-se anular a declaração designada de remissão abdicativa datada de 2/12/2016 e condenar a ré B... a pagar ao autor J... a quantia de € 3130,40 (três mil, cento e trinta euros e quarenta cêntimos) acrescida de juros vencidos e vincendos contados à taxa legal desde 30/11/2016 e até integral pagamento e a quantia de € 1 000 (mil euros) acrescida de juros vencidos e vincendos e contados à taxa legal desde a citação.
Custas, nesta parte, pela ré em função do respetivo decaimento.
Fixa-se o valor da ação em € 9 815,48.
Registe e notifique.
Tendo presente o disposto, nomeadamente, nos artigos:
- 4.º n.º 3, alíneas a) e b) e 14.º n.º 2, alínea d) e n.º 3, alínea e), do D.L. 237/2007, de
19 de junho (falta de entrega ao trabalhador, no âmbito deste processo, de cópia do livrete individual de controlo);
- 215.º e 216.º do Código de Trabalho e artigo 2.º da Portaria 983/2007, de 27 de agosto (falta de mapa de horário de trabalho);
- 231.º n.ºs 1 e 9 do Código de Trabalho (falta de registo do trabalho suplementar);
- 229.º n.ºs 1, 3, 4 e 7 do Código de Trabalho (falta de descanso compensatório);
Após trânsito comunique, com cópia, à ACT para os efeitos tidos por convenientes.

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação que motivou e com as conclusões que se seguem:
1. A sentença é nula nos termos do art.º 615.º n.º 1, alíneas b) c) e d) do CPC.
2. A atual redação do processo civil determina a unificação do julgamento da matéria de facto com a sentença, que têm que incluir a fundamentação da matéria de facto.
3. Da sentença recorrida não consta qualquer fundamentação para os factos provados, nem é feita qualquer análise crítica à prova produzida e aos meios de prova considerados.
4. Tal omissão constitui a nulidade da sentença prevista na alínea b), do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
5. A recorrente é condenada num determinado montante global a título de trabalho suplementar, de trabalho noturno e alimentação.
6. A sentença recorrida – no ponto 13 dos factos provados – dá como assente o horário praticado pelo recorrido.
7. Porém, é totalmente omissa, na parte da fundamentação de direito e na decisão, quanto ao número de horas consideradas, com a especificação dos respetivos acréscimos remuneratórios e dos dias a que se reporta.
8. Do mesmo modo, é condenada a pagar um montante – não determinado individualmente, a título de refeição sem qualquer referência a quantidades e dias.
9. Da sentença não é possível apurar a origem dos montantes concretos e relativamente a cada rubrica em que a recorrente foi condenada.
10. Verifica-se, assim, ambiguidade e obscuridade na sentença quanto ao objeto desta condenação, o que gera a sua nulidade nos termos da alínea c), n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
11. A sentença é, igualmente, nula por omissão de pronúncia sobre determinados factos essenciais para a boa decisão da causa.
12. A sentença recorrida não contém, em violação do art.º 607.º n.º 4 do CPC, a enumeração dos factos não provados.
13. A falta do elenco do factos não provados constitui uma nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, na medida em que o Tribunal a quo não se pronuncia sobre tal matéria, como era obrigação, impedindo uma total apreciação da bondade dos factos considerados e do sentido da sua decisão.
14. A recorrente alegou, a título de exceção, a existência de um acordo remuneratório substitutivo da convenção coletiva, nomeadamente, em compensação do trabalho suplementar, trabalho noturno e alimentação, cujos pedidos estavam em causa nos presentes autos e que constituíam o objeto da ação.
15. O tribunal considerou tal matéria factual como “conclusiva e de direito”, não a colocando nos elencos dos factos provados ou não provados.
16. Essa matéria era uma das questões dos autos, constituindo um tema de prova sobre o qual o tribunal tinha que se pronunciar nos termos do art.º 608.º n.º 2 do CPC.
17. Há uma total omissão de pronúncia sobre o facto relacionado com esse acordo retributivo e com os seus eventuais efeitos, correspondente à nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
18. O tribunal deu como provados factos constantes da resposta à contestação que excedem o âmbito previsto para a mesma, nos termos do art.º 60.º do Código de Processo do Trabalho, como considerou, de forma ilegítima, os documentos juntos para prova dos mesmos.
19. Aconteceu assim com os factos provados no ponto 13 da matéria assente que resultam da alegação dos artigos 101.º a 199.º da resposta à contestação e os quais não tinham cabimento processual nesse articulado.
20. Esses factos têm que ser considerados como não escritos e o Tribunal a quo não se podia servir deles para a decisão da causa, sob pena de violação do art.º 60.º do Código de Processo do Trabalho.
21. Ao fazê-lo verifica-se a nulidade da sentença nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC.
22. Na definição legal as presunções são ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Código Civil), sendo certo que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do mesmo diploma legal).
23. É verdade que a remissão abdicativa foi integralmente redigida pela ré, como acontece em todas as situações deste tipo.
24. É verdade que o referido documento foi entregue para que fosse assinado pelo autor como condição para que lhe fosse entregue o cheque que, ao contrário do que o tribunal a quo refere, não titulava só o pagamento do último salário, mas também, ajudas de custo, a compensação pecuniária global e o subsídio de Natal, tudo conforme doc. n.º 48 junto com a petição inicial (recibo de vencimento do mês de novembro de 2016).
25. Precisamente porque o cheque englobava várias rúbricas é que foi pedido ao autor que assinasse a respetiva declaração, atendendo a que era o último recebimento e visto que no mesmo estava incluída a referida compensação de natureza global, relativamente à qual já se extraía a interpretação de que todos os créditos devidos pela execução e cessação do contrato de trabalho estavam incluídos e, por isso, a serem totalmente liquidados.
26. Não pode a recorrente sufragar o sentido que o Tribunal a quo pretende retirar deste facto, uma vez que é o próprio autor quem confessa que aquela assinatura foi por si feita (art.º 51.º da PI) e, se decidiu fazê-la de uma forma diferente, não se pode daí retirar a ilação de que assinou o documento “contrariado”.
27. O facto é que assinou o documento pelo seu próprio punho, conforme provado, e, como tal, com os efeitos previstos no artigo 374.º do Código Civil.
28. O autor, no limite, poderia sempre recusar-se a assinar o documento.
29. O A. era perfeitamente livre de aceitar ou repudiar as condições avançadas, não se configurando, no contexto sujeito, o invocado cenário da coação moral, desenhado – na definição legal constante do art.º 255.º n.º 1 do Cód. Civil – para as situações em que a declaração negocial é determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter dele a declaração.
30. É do senso comum que “um trabalhador que ganha um salário como aquele que a ré acordou pagar ao autor é porque necessita dele para viver”.
31. Mas, também é do senso comum que essa “máxima” se aplica a todo e qualquer trabalhador e não é uma prerrogativa específica do autor, aqui recorrido.
32. O que a recorrente já não pode aceitar que seja do senso comum, salvo melhor e douto entendimento por opinião divergente, é o facto de que “findo o contrato se segue um período sem emprego”.
33. Esta associação – fim de contrato/desemprego - parece-nos, com o devido respeito, absolutamente abusiva por total falta de apoio em qualquer fundamento fáctico.
34. No silogismo efetuado pelo Tribunal a quo falta uma premissa essencial para que a coação produza a anulabilidade.
35. Os factos provados não demonstram que a recorrente fez qualquer ameaça ilícita nem teve a intenção de extorquir ao autor a remissão abdicativa.
36. Não tendo o autor feito a prova dos factos que integrariam os citados requisitos da coação moral, sobre ele terão de recair as consequências respetivas - não se ter como apurada aquela invocada coação moral.
37. Por vício na construção da presunção judicial, não pode o tribunal a quo anular tal remissão abdicativa, com fundamento em coação moral.
38. O contrato de “remissão abdicativa” tem plena aplicação no domínio das relações laborais, designadamente quando as partes se dispõem a negociar a cessação do vínculo pois, nessa fase, já não colhe o princípio da indisponibilidade dos créditos laborais, que se circunscreve ao período de vigência do contrato de trabalho, o que não exclui que tal contrato não possa ser tido como inválido, sempre que concorra um vício na declaração da vontade, seja ele intrínseco ao agente ou motivado por terceiros.
39. Constata-se que na declaração constante do documento de fls. 49, intitulado “Remissão de Débitos”, que o Tribunal a quo classificou, e bem, como remissão abdicativa, o autor declarou que “para todos os efeitos, que com os pagamentos referidos no parágrafo anterior, considero-me integralmente pago de todos os créditos vencidos à data da cessação, emergentes da relação em causa e da sua cessação, nomeadamente, a título de retribuição base, subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho suplementar, trabalho noturno, ajudas de custo e descansos compensatórios.”
40. Assim, afigura-se-nos que estamos perante uma remissão que, nos termos do disposto no artigo 863.º do CC, fez extinguir todas as obrigações decorrentes da relação laboral em apreço.
41. Ora, o sentido a conferir à supracitada declaração afigura-se-nos ser o de renunciar a todos os créditos que pudessem emergir da relação de trabalho. Afigura-se, assim, que ao receber esta última importância e ao produzir uma declaração daquele teor, o autor não se limitou a fazer uma mera declaração de ciência.
42. Através da declaração em apreço, renunciou aos créditos a que eventualmente ainda tivesse direito.
43. Considera-se, assim, verificada a existência de uma remissão, com a consequente extinção de todos os créditos peticionados pelo autor, nomeadamente a título de danos não patrimoniais.
44. Ao decidir como decidiu sobre esta matéria, a sentença recorrida violou o disposto nos art.ºs 863.º e 255.º do Código Civil.
45. O autor ao intentar a presente ação peticionando o pagamento de trabalho suplementar, abonos de refeição e danos não patrimoniais, fê-lo em claro abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, pelo que o Tribunal a quo deveria ter absolvido a recorrente de todos os pedidos contra si formulados.
46. Sobre a matéria do pedido relacionado com o trabalho suplementar, noturno e alimentação, o Tribunal deu como provado o facto constante do ponto 13 da matéria assente, condenando a recorrente ao pagamento da quantia global não especificada de € 3 130,40.
47. Esse montante condenatório corresponde ao pedido formulado pelo autor recorrido na resposta à contestação, sem qualquer especificação ao montante referente a cada uma das rubricas.
48. Como, igualmente, não especifica a quantidade de horas que devem ser objeto de condenação por referência aos acréscimos remuneratórios previstos para o trabalho suplementar, nem aos dias a que se refere.
49. O pedido do trabalho suplementar formulado na petição é inepto, por violação do disposto no art.º 226.º do Código do Trabalho, uma vez que não discrimina o horário prestado e os vários factos constitutivos do seu direito invocado.
50. Apesar de não ter existido nenhum convite para aperfeiçoamento, na resposta à contestação, o recorrido vem tentar suprir tal ineptidão, fazendo nova alegação com novos factos, não obstante a violação do previsto no art.º 552.º n.º 1, alínea d) do CPC.
51. Factos esses que, depois, vieram a ser, indevidamente, considerados na sentença, com manifesta violação do art.º 60.º do CPT.
52. Não é admissível a inversão do ónus da prova que é feito na sentença sob recurso.
53. A falta de junção dos registos do trabalho suplementar não constitui causa para a inversão do ónus da prova, mas tão só para eventuais efeitos contraordenacionais.
54. Aliás, a notificação para a junção de documentos é omissa quanto à inversão do ónus da prova.
55. Não é dado como provado, nem alegado pelo recorrido, qualquer comportamento dolosa da recorrente, para a não junção dos documentos solicitados.
56. Ao decidir pela aplicação da figura da inversão do ónus da prova, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 344.º n.º 3 do Código Civil.
57. Conforme resulta da sentença recorrida, o autor não ficou impossibilitado de fazer a sua prova – que lhe competia – quanto ao trabalho suplementar.
58. Os horários considerados como provados no ponto 13 não são suficientes para apurar a existência de trabalho suplementar.
59. Para efeitos de apuramento do trabalho suplementar não releva o início e terminus do período de condução, mas sim o tempo de trabalho efetivo.
60. Entre o início e o fim da condução existem – ou podem existir – tempos de disponibilidade que não são considerados como tempo de trabalho, nos termos do art.º 2.º, alínea a) do DL 237/2007.
61. O recorrido é um trabalhador móvel, cujo regime é regulado pela Portaria n.º 983/2007.
62. Para efeitos de apuramento do trabalho suplementar tinha que ser considerado o tempo de trabalho e não o tempo de condução.
63. Ao considerar esse critério, o tribunal a quo violou o art.º 226.º n.º 1 do Código do Trabalho, bem como o disposto nos art.ºs 2.º e 5.º do DL 237/2007, na medida em que a interpretação que resulta dos mesmos é que o tempo de trabalho é que pode ser considerado para apuramento do trabalho suplementar e não o início e fim do período de condução.
64. Numa eventual condenação, o tribunal recorrido teria que considerar os valores pagos no âmbito do sistema a que alude no ponto 12 da matéria de facto determinado a compensação dos valores apurados com os valores pagos ao abrigo desse sistema, sob pena de violação do disposto no art.º 473.º do Código Civil.
65. O tribunal a quo julgou incorretamente a matéria relacionada com o pedido dos danos morais.
66. O facto provado no ponto 21 reporta-se a data anterior ao início da relação laboral em causa nos presentes autos, pelo que não pode ser valorado.
67. Os documentos 56 e 57 não constituem prova suficiente com o nexo causal exigido para o pedido do autor e não permitiam dar como provados os factos 22 e 23.
68. Ao condenar a recorrente no pagamento de uma indemnização por danos morais a sentença recorrida violou o disposto no art.º 496.º n.º 1 do CPC.
69. Isso porque não se encontram preenchidos os elementos necessários para existência de responsabilidade.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e decidido de acordo com as alegações e conclusões formuladas.

3. O autor não respondeu.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de que:
Não devem ser conhecidas as nulidades, em virtude de não terem sido arguidas expressamente e em separado no requerimento de interposição do recurso;
Deve ser mantida a matéria de facto inalterada, assim como a decisão de direito.
O parecer foi notificado às partes e a ré apelante respondeu, dizendo que a alegação das nulidades vão logo a seguir ao requerimento de interposição do recurso e, quanto ao mais, manteve o já alegado.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

5. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1.ª – As nulidades da sentença
2.ª - Reapreciação da matéria de facto
3.ª – A ineptidão da alegação do trabalho suplementar
4.ª - A remissão abdicativa
5.ª – Os danos não patrimoniais
6.ª – A compensação de créditos
7ª - O abuso do direito

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
1. A relação laboral entre o autor e a ré iniciou-se a 28 de abril de 2015, com a outorga de um primeiro contrato de trabalho com termo resolutivo, ocorrido a 30 de novembro de 2015.
2. Em março de 2016, quatro meses depois, a ré volta a contactar o autor no sentido de saber se este está disponível para outorgar novo contrato de trabalho a termo certo a vigorar de 1 de abril a 30 de novembro de 2016, o que sucedeu.
3. O autor foi contratado para exercer a atividade de motorista de veículos turísticos.
4. O autor sempre exerceu a sua atividade profissional, sob a autoridade e direção da ré.
5. Nas cláusulas designadas «retribuição» convencionaram as partes que o salário mensal a auferir pelo trabalhador seria de € 534 (quinhentos e trinta e quatro curas), sujeitos aos descontos legais em vigor, acrescidos do pagamento de € 6,60 (seis euros e sessenta cêntimos), a título de subsídio de refeição, por cada dia útil de trabalho.
6. A ré comprometeu-se a pagar ao autor, além da retribuição base, um valor fixo e tabelado por cada viagem e dependente da distância da mesma, que processava nos recibos de vencimento como ajudas de custo.
7. No que concerne ao horário de trabalho, a R. impôs ao A. que este se obrigaria a «cumprir o horário de trabalho que, em cada momento, lhe for fixado (...) nos termos legalmente previstos para o trabalho por turnos» e ainda que, “Consoante as necessidades de serviço, a PRIMEIRA CONTRATANTE poderá colocar o SEGUNDO em situação de reserva, podendo esta dispor livremente do seu tempo, mantendo-se, todavia, sempre contactável e pronto o imediatamente prestar as suas funções, separa tal for contactada”;
8. Pela cláusula designada de “Serviços Ocasionais”, é também imposto ao trabalhador que sempre que realizasse um serviço de transporte ocasional, deveria preencher «todos os elementos constantes da folha de itinerários, nomeadamente a data do serviço; a identificação do transportador e organizador; a finalidade do transporte; o respetivo itinerário; o local de origem; destino; locais de tomada e largada de passageiros; os quilómetros constantes no veículo no início e no final do percurso.»
9. Nesses contratos de trabalho é ainda referido que aos outorgantes, aplicam-se as normas constantes do Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a APAVT - Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo e o SIMAMEVIP, celebrado em 15 de agosto de 1985, com a última revisão global publicada no BTE, l.ª série, n.º 3, de 22/1/2007.
10. A empregadora refere ainda, no que concerne ao “Dever de Informação”, que “As demais informações - relativas à identidade das partes (…) período normal de trabalho diário e semanal - constam dos contratos de trabalho celebrados com cada um dos trabalhadores ou das ordens de serviço que se refiram a essas matérias”.
11. Apesar dos contratos de trabalho outorgados não mencionarem especificamente o horário de trabalho a que o trabalhador estaria adstrito, a cláusula 9.ª do contrato, refere apenas que «O SEGUNDO CONTRATANTE obriga-se a cumprir o horário que, em cada momento, lhe for fixado pela PRIMEIRA, nos termos legalmente previstos para o trabalho por turnos.».
12. A forma de pagamento da ré foi explicada aquando da admissão do autor.
13. Em 2016, nos seguintes dias, o autor iniciou e terminou a condução e procedeu ao transporte de clientes da ré e por determinação desta:
Data, dia da semana, local de início de serviço, início de serviço, fim de serviço, local de fim de serviço, fim do período normal de trabalho, hora de início do trabalho suplementar, folgas e feriados
01-04-2016 Sexta ALBUFEIRA 04:50 17:23 CARVOEIRO 12:20 14:20
02-04-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:00 16:45 ALBUFEIRA 13:30 15:30
03-04-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:00 17:15 ALBUFEIRA 13:30 15:30
04-04-2016 Segunda ALBUFEIRA 05:30 17:29 PORTIMÃO 13:00 15:00
07-04-2016 Quinta ALBUFEIRA 04:10 16:00 ALBUFEIRA 11:40 13:40 FOLGA
08-04-2016 Sexta ALBUFEIRA 05:00 17:25 ALBUFEIRA 12:30 14:30
09-04-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:35 17:10 ALBUFEIRA 14:05 16:05
10-04-2016 Domingo ALBUFEIRA 05:05 17:05 ALBUFEIRA 12:35 14:35
11-04-2016 Segunda ALBUFEIRA 05:10 16:15 ALBUFEIRA 12:40 14:40
14-04-2016
Quinta ALBUFEIRA 07:45 20:08 OLHOS DE ÁGUA 15:15 17:15 FOLGA
15-04-2016 Sexta ALBUFEIRA 07:05 20:20 ALBUFEIRA 14:35 16:35
16-04-2016 Sábado ALBUFEIRA 07:55 15:50 ALBUFEIRA 15:25 ---
17-04-2016 Domingo ALBUFEIRA 04:00 16:00 ALBUFEIRA 11:30 13:30
18-04-2016 Segunda ALBUFEIRA 04:45 16:00 ALBUFEIRA 12:15 14:15
21-04-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:35 19:40 ALBUFEIRA 15:05 17:05 FOLGA
22-04-2016 Sexta CARVOEIRO 07:52 21:23 LAGOS 15:22 17:22
23-04-2016 Sábado ALBUFEIRA 08:20 20:25 ALBUFEIRA 15:50 17:50
24-04-2016 Domingo ALBUFEIRA 07:55 19:15 ALBUFEIRA 15:25 17:25
25-04-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:30 18:18 ARM. DE PERA 14:00 16:00 FERIADO
28-04-2016 Quinta ALBUFEIRA 06:55 17:35 ALBUFEIRA 14:25 16:25 FOLGA
29-04-2016 Sexta ALBUFEIRA 05:55 16:55 ALBUFEIRA 13:25 15:25
30-04-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:10 16:00 ALBUFEIRA 13:40 15:40
01-05-2016 Domingo ALBUFEIRA 05:05 13:55 ALBUFEIRA 12:35 -- FERIADO
02-05-2016 Segunda ALBUFEIRA 03:25 14:40 ALBUFEIRA 10:55 12:55
05-05-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:45 18:15 VILAMOURA 15:15 17:15 FOLGA
06-05-2016 Sexta ARM. DE PERA 05:17 15:55 ALBUFEIRA 12:47 14:47
07-05-2016 Sábado ALBUFEIRA 08:15 19:40 ALBUFEIRA 15:45 17:45
08-05-2016 Domingo ALBUFEIRA 07:25 19:25 ALBUFEIRA 14:55 16:55
09-05-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:25 16:55 ALBUFEIRA 13:55 15:55
12-05-2016 Quinta ALBUFEIRA 06:20 19:45 ALBUFEIRA 13:50 15:50 FOLGA
13-05-2016 Sexta OLHOS DE ÁGUA 07:17 18:39 PORTIMÃO 14:47 16:47
14-05-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:05 17:38 ARM. DE PERA 13:35 15:35
15-05-2016 Domingo ARM. DE PERA 05:12 18:13 ARM. DE PERA 12:42 14:42
16-05-2016 Segunda ALBUFEIRA 05:40 18:59 PORTIMÃO 13:10 15:10
19-05-2016 Quinta ALBUFEIRA 03:20 15:15 ALBUFEIRA 10:50 12:50 FOLGA
20-05-2016 Sexta ALBUFEIRA 04:05 14:50 ALBUFEIRA 11:35 13:35
21-05-2016 Sábado ALBUFEIRA 03:15 16:09 PORTIMÃO 10:45 12:45
22-05-2016 Domingo ALBUFEIRA 04:40 16:45 ALBUFEIRA 12:10 14:10
23-05-2016 Segunda ALBUFEIRA 05:10 17:20 ALBUFEIRA 12:40 14:40
26-05-2016 Quinta ALBUFEIRA 08:50 19:40 ALBUFEIRA 16:20 18:20 FOLGA
27-05-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:30 17:05 ALBUFEIRA 14:00 16:00
28-05-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:15 18:10 ALBUFEIRA 13:45 15:45
29-05-2016 Domingo ARM. DE PERA 06:07 18:30 ALBUFEIRA 13:37 15:37
30-05-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:05 18:25 ALBUFEIRA 13:35 15:35
02-06-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:15 20:10 ALBUFEIRA 14:45 16:45 FOLGA
03-06-2016 Sexta ALBUFEIRA 09:25 21:20 ALBUFEIRA 16:55 18:55
04-06-2016 Sábado ALBUFEIRA 09:40 21:05 VILAMOURA 17:10 19:10
05-06-2016 Domingo CARVOEIRO 07:07 20:33 CARVOEIRO 14:37 16:37
06-06-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:15 17:50 ALBUFEIRA 13:45 15:45
09-06-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:25 19:20 ALBUFEIRA 14:55 16:55 FOLGA
10-06-2016 Sexta ALBUFEIRA 08:40 20:35 ALBUFEIRA 16:10 18:10 FERIADO
11-06-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:30 18:35 ALBUFEIRA 14:00 16:00
12-06-2016 Domingo ALBUFEIRA 07:50 19:35 ALBUFEIRA 15:20 17:20
13-06-2016 Segunda ALBUFEIRA 07:55 21:30 ALBUFEIRA 15:25 17:25
16-06-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:55 21:05 ALBUFEIRA 15:25 17:25 FOLGA
17-06-2016 Sexta ALBUFEIRA 07:25 19:20 ALBUFEIRA 14:55 16:55
18-06-2016 Sábado ALBUFEIRA 08:20 19:50 ALBUFEIRA 15:50 17:50
19-06-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:45 19:45 VILAMOURA 14:15 16:15
20-06-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:40 17:45 ALBUFEIRA 14:10 16:10
23-06-2016 Quinta ALBUFEIRA 03:25 14:40 ALBUFEIRA 10:55 12:55 FOLGA
24-06-2016 Sexta ALBUFEIRA 05:55 16:40 ALBUFEIRA 13:25 15:25
25-06-2016 Sábado ALBUFEIRA 04:30 14:50 ALBUFEIRA 12:00 14:00
26-06-2016 Domingo ALBUFEIRA 04:25 15:35 ALBUFEIRA 11:55 13:55
27-06-2016 Segunda ALBUFEIRA 04:00 14:45 ALBUFEIRA 11:30 13:30
30-06-2016 Quinta ALBUFEIRA 05:40 17:15 ALBUFEIRA 13:10 15:10 FOLGA
01-07-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:45 17:20 ALBUFEIRA 14:15 16:15
02-07-2016 Sábado ALBUFEIRA 05:45 16:40 ALBUFEIRA 13:15 15:15
03-07-2016 Domingo ALBUFEIRA 04:50 16:45 ALBUFEIRA 12:20 14:20
04-07-2016 Segunda ALBUFEIRA 04:20 16:50 ALBUFEIRA 11:50 13:50
07-07-2016 Quinta ALBUFEIRA 08:15 21:05 ALBUFEIRA 15:45 17:45 FOLGA
08-07-2016 Sexta VILAMOURA 07:10 20:40 ALBUFEIRA 14:40 16:40
09-07-2016 Sábado VILAMOURA 14:15 00:45 ALBUFEIRA 21:45 23:45
12-07-2016 Terça ALBUFEIRA 06:05 18:03 ARM. DE PERA 13:35 15:35
13-07-2016 Quarta PORTIMÃO 06:26 19:00 ALBUFEIRA 13:56 15:56 FOLGA
14-07-2016 Quinta VILAMOURA 06:05 17:15 ALBUFEIRA 13:35 15:35 FOLGA
15-07-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:40 17:00 ALBUFEIRA 14:10 16:10
16-07-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:05 18:28 ARM. DE PERA 13:35 15:35
17-07-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:15 19:08 OLHOS DE ÁGUA 13:45 15:45
18-07-2016 Segunda ALBUFEIRA 08:40 20:35 ALBUFEIRA 16:10 18:10
21-07-2016 Quinta ALBUFEIRA 04:05 15:15 VILAMOURA 11:35 13:35 FOLGA
22-07-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:05 18:50 ALBUFEIRA 13:35 15:35
23-07-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:50 19:40 ALBUFEIRA 14:20 16:20
24-07-2016 Domingo ALBUFEIRA 07:55 19:15 ALBUFEIRA 15:25 17:25
25-07-2016 Segunda ALBUFEIRA 07:35 20:00 ALBUFEIRA 15:05 17:05
28-07-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:40 19:50 ALBUFEIRA 15:10 17:10 FOLGA
29-07-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:45 20:10 ALBUFEIRA 14:15 16:15
30-07-2016 Sábado ALBUFEIRA 08:20 20:20 ALBUFEIRA 15:50 17:50
31-07-2016 Domingo ALBUFEIRA 08:25 20:15 ALBUFEIRA 15:55 17:55
01-08-2016 Segunda ALBUFEIRA 07:25 20:35 ALBUFEIRA 14:55 16:55
04-08-2016 Quinta ALBUFEIRA 06:10 17:30 ALBUFEIRA 13:40 15:40 FOLGA
05-08-2016 Sexta ALBUFEIRA 07:00 17:15 ALBUFEIRA 14:30 16:30
06-08-2016 Sábado ALBUFEIRA 04:05 15:45 VILAMOURA 11:35 13:35
07-08-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:15 17:15 ALBUFEIRA 13:45 15:45
08-08-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:00 17:45 ALBUFEIRA 13:30 15:30
11-08-2016 Quinta CARVOEIRO 04:57 17:50 VILAMOURA 12:27 14:27 FOLGA
12-08-2016 Sexta ALBUFEIRA 05:00 17:25 ALBUFEIRA 12:30 14:30
13-08-2016 Sábado ALBUFEIRA 04:20 15:20 ALBUFEIRA 11:50 13:50
14-08-2016 Domingo ALBUFEIRA 03:20 14:30 VILAMOURA 10:50 12:50
15-08-2016 Segunda ALBUFEIRA 05:35 17:55 ALBUFEIRA 13:05 15:05 FERIADO
18-08-2016 Quinta ALBUFEIRA 04:10 14:45 ALBUFEIRA 11:40 13:40 FOLGA
19-08-2016 Sexta VILAMOURA 05:40 19:40 ALBUFEIRA 13:10 15:10
20-08-2016 Sábado CARVOEIRO 08:27 20:28 LAGOS 15:57 17:57
21-08-2016 Domingo ALBUFEIRA 07:30 19:15 ALBUFEIRA 15:00 17:00
22-08-2016 Segunda ALBUFEIRA 07:15 20:10 ALBUFEIRA 14:45 16:45
25-08-2016 Quinta ALBUFEIRA 06:40 18:55 ALBUFEIRA 14:10 16:10 FOLGA
26-08-2016 Sexta ALBUFEIRA 08:30 20:00 ALBUFEIRA 16:00 18:00
27-08-2016 Sábado ALBUFEIRA 16:00 00:55 VILAMOURA 23:30 ---
28-08-2016 Domingo ALBUFEIRA 12:10 00:45 ALBUFEIRA 19:40 21:40
29-08-2016 Segunda ALBUFEIRA 15:00 00:45 ALBUFEIRA 22:30 00:30
01-09-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:10 18:55 ALBUFEIRA 14:40 16:40 FOLGA
02-09-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:45 19:30 ALBUFEIRA 14:15 16:15
03-09-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:50 18:35 ALBUFEIRA 14:20 16:20
04-09-2016 Domingo ALBUFEIRA 07:30 18:55 ALBUFEIRA 15:00 17:00
05-09-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:45 18:33 ARM. DE PERA 14:15 16:15
08-09-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:20 20:00 ALBUFEIRA 14:50 16:50 FOLGA
09-09-2016 Sexta OLHOS DE ÁGUA 06:22 18:13 LAGOS 13:52 15:52
10-09-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:25 19:23 CARVOEIRO 13:55 15:55
11-09-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:00 17:15 ALBUFEIRA 13:30 15:30
12-09-2016 Segunda ALBUFEIRA 04:45 15:55 ALBUFEIRA 12:15 14:15
15-09-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:10 19:40 ALBUFEIRA 14:40 16:40 FOLGA
16-09-2016 Sexta ALBUFEIRA 07:05 20:13 OLHOS DE ÁGUA 14:35 16:35
17-09-2016 Sábado ALBUFEIRA 08:10 19:35 ALBUFEIRA 15:40 17:40
18-09-2016 Terça ALBUFEIRA 06:40 19:00 ALBUFEIRA 14:10 16:10
19-09-2016 Segunda ALBUFEIRA 08:20 20:08 LAGOS 15:50 17:50
22-09-2016 Quinta ALBUFEIRA 03:20 14:50 ALBUFEIRA 10:50 12:50 FOLGA
23-09-2016 Sexta ALBUFEIRA 04:35 16:38 OLHOS DE ÁGUA 12:05 14:05
24-09-2016 Sábado ALBUFEIRA 03:15 15:35 ALVOR 10:45 12:45
25-09-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:10 13:25 ALBUFEIRA 13:40 ---
26-09-2016 Segunda CARVOEIRO 02:17 14:45 ALBUFEIRA 09:47 11:47
30-09-2016 Sexta ALBUFEIRA 05:55 16:28 CARVOEIRO 13:25 15:25
01-10-2016 Sábado ALBUFEIRA 05:50 18:00 ALBUFEIRA 13:20 15:20
02-10-2016 Domingo ALBUFEIRA 05:40 18:25 ALBUFEIRA 13:10 15:10
03-10-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:50 17:35 ALBUFEIRA 14:20 16:20
06-10-2016 Quinta ALBUFEIRA 03:50 14:00 ALBUFEIRA 11:20 13:20 FOLGA
07-10-2016 Sexta ALBUFEIRA 04:50 16:40 ALBUFEIRA 12:20 14:20
08-10-2016 Sábado ALBUFEIRA 05:55 17:50 ALBUFEIRA 13:25 15:25
09-10-2016 Domingo ALBUFEIRA 05:20 17:05 ALBUFEIRA 12:50 14:50
10-10-2016 Segunda ARM. DE PERA 05:57 16:15 ALBUFEIRA 13:27 15:27
13-10-2016 Quinta ALBUFEIRA 03:00 14:35 ALBUFEIRA 10:30 12:30 FOLGA
20-10-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:05 19:35 ALBUFEIRA 14:35 16:35 FOLGA
21-10-2016 Sexta ALBUFEIRA 07:20 16:38 LAGOS 14:50 ---
22-10-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:30 21:50 ALBUFEIRA 14:00 16:00
23-10-2016 Domingo ALBUFEIRA 10:15 20:20 ALBUFEIRA 17:45 19:45
24-10-2016 Segunda ALBUFEIRA 06:40 14:55 ALBUFEIRA 14:10 ---
27-10-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:00 11:55 ALBUFEIRA 14:30 --- FOLGA
28-10-2016 Sexta ALBUFEIRA 08:30 17:10 ALBUFEIRA 16:00 ---
29-10-2016 Sábado ALBUFEIRA 06:20 13:40 ALBUFEIRA 13:50 ---
30-10-2016 Domingo ALBUFEIRA 06:20 12:55 ALBUFEIRA 13:50 ---
31-10-2016 Segunda ALBUFEIRA 04:10 11:30 ALBUFEIRA 11:40 ---
03-11-2016 Quinta ALBUFEIRA 07:55 14:49 PORTIMÃO 15:25 --- FOLGA
04-11-2016 Sexta ALBUFEIRA 06:45 12:25 ALBUFEIRA 14:15 ---
05-11-2016 Sábado ALBUFEIRA 10:00 16:35 ALBUFEIRA 17:30 ---
06-11-2016 Domingo ALBUFEIRA 08:25 14:45 ALBUFEIRA 15:55 ---
14. O autor diariamente recebia da ré uma listagem com a indicação da hora e local onde deveria iniciar o transporte de passageiros e o local de destino dos mesmos, o que, na prática, correspondia ao seu horário de trabalho diário a cumprir.
15. A ré entregava ao autor um documento que designava de “boletim de ajudas de custo”.
16. A ré fez o último pagamento ao autor no valor de € 994,12.
17. A ré redigiu documento contendo declaração em nome do autor intitulada “remissão de débitos”, com data de 2/12/2016, onde fez constar os seguintes dizeres: “Eu, J..., contribuinte fiscal nº ... declaro que, com o pagamento dos créditos emergentes da cessação da relação de trabalho, recebi da B..., todos os valores resultantes desta cessação ocorrida com efeitos a partir do dia 30 de novembro de 2016, que integram todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e respetiva cessação, incluindo proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho suplementar, trabalho noturno e quaisquer outras remunerações ou subsídios. Mais declaro, para todos os efeitos, que com os pagamentos referidos no parágrafo anterior, considero-me integralmente pago de todos os créditos vencidos à data da cessação, emergentes da relação em causa e da sua cessação, nomeadamente, a título de retribuição-base, subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias, subsídio de natal, trabalho suplementar, trabalho noturno, ajudas de custo e descansos compensatórios”.
18. A ré sabia que o autor ficaria sem emprego e necessitava de receber o salário relativo ao trabalho prestado em novembro de 2016, para fazer face aos seus encargos mensais.
19. Quando o autor compareceu nas instalações da ré para levantar o cheque referente ao salário respeitante ao trabalho realizado em novembro de 2016, foi confrontado com a exigência por parte da ré de apenas lhe ser entregue o cheque contra a sua assinatura no documento intitulado “remissão abdicativa”.
20. O autor, não querendo assinar tal declaração, nela apôs, com o seu punho, assinatura que não usa, temendo que, se não cumprisse a exigência da ré, não receberia o cheque desta.
21. O cansaço físico pelas horas de condução causou ao autor uma extrassistolia ventricular isolada e hemibloqueio esquerdo anterior.
22. O autor consultou a sua médica de família e esta, face ao quadro clínico, através declaração datada de setembro de 2016, atestou que o autor não poderia ser sujeito a um horário prolongado, o que não foi atendido pela ré.
23. O autor ficou temporariamente incapacitado para o trabalho, entre os dias 14 e 19 de outubro de 2016, para recuperar a saúde.

B) APRECIAÇÃO

As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos.

B1) As nulidades da sentença

O requerimento de interposição de recurso é do teor que se transcreve:
“B... na ação declarativa de condenação, que lhe é movida por J..., tendo sido notificada da douta sentença proferida e com a mesma não se conformando, dela pretende interpor recurso nos termos nos termos dos art.ºs 79.º, 80.º e 81.º, todos do Código de Processo do Trabalho, que é de apelação, com efeito suspensivo, para o que requer a prestação de caução, por meio de garantia bancária, no montante de € 4 130,40, pelo disposto no art.º 83.º n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, para o VENERANDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA.
ASSIM,
Porque está em tempo e tem legitimidade, requer que V. Exa. se digne admitir o presente recurso, que é de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo, da douta decisão proferida, para o conhecimento do qual anexa as respetivas alegações”.
Como se constata facilmente, a ré apelante não arguiu expressamente e em separado as nulidades da sentença, como prescreve o art.º 77.º n.º 1 do CPT.
A arguição é efetuada pela apelante juntamente com as alegações de recurso e não no próprio requerimento de interposição.
Assim, verifica-se que a apelante não cumpriu o disposto no art.º 77.º n.º 1 do CPT, pelo que não pode esta Relação conhecer das nulidades por si invocadas.

B2) Reapreciação da matéria de facto

A apelante conclui que os documentos 56 e 57 não constituem prova suficiente com o nexo causal exigido para o pedido do autor e não permitiam dar como provados os factos 22 e 23.
O tribunal recorrido, para dar como provados estes factos, fundamentou da forma seguinte:
“Finalmente, que o excesso de horas trabalhadas era motivo de exaustão resultou do depoimento de R...; conjugado tal depoimento com os documentos dos autos e de onde resultam as muitas horas trabalhadas pelo autor (e a que, na verdade, deve acrescer o tempo necessário à manutenção e limpeza do veículo, também a cargo do autor), deve merecer total acolhimento a versão do autor nesse domínio.
Que essa exaustão pode ser causa do padecimento que consta da documentação clínica junta pelo autor (cf. fls. 743 e ss.) resulta das mais elementares regras da experiência (corroborada, de resto, pela declaração de fls. 744 – que, por sua vez, levou à prova dos artigos 104.º e 105.º da PI – e pelas declarações de fls. 745 e ss. – que levaram à prova do artigo 106.º da PI), pelo que outra não poderia ser a resposta aos artigos 102.º e 103.º da PI.
Que a ré, em face disso, não diminuiu o horário, resulta da conjugação de fls. 846, com os demais documentos referidos e relativos às horas trabalhadas (parte final da resposta aos artigos 104º e 105º)”.
Resulta claramente da fundamentação que o tribunal recorrido se fundou não só nos documentos referidos pela apelante, mas também no depoimento de duas testemunhas.
A ré apelante não requereu a reapreciação da prova gravada, nomeadamente a destes dois depoimentos, pelo que este tribunal de recurso não tem meios para alterar a resposta dada àqueles dois factos, por lhe faltar o seu enquadramento, análise e ponderação em conjunto com os depoimentos testemunhais.
Assim, improcede a impugnação da matéria de facto quanto a estes dois factos dados como provados.
A apelante conclui que o tribunal recorrido procedeu ilegalmente à inversão do ónus da prova em relação ao trabalho suplementar por aquela não ter apresentado os registos relativos ao tempo de trabalho.
Sobre esta matéria, escreveu-se na motivação dada a esta parte da matéria de facto:

“Quanto à prova dos dias e horas trabalhados (cujos factos concretos foram, como se disse, alegados pelo autor) atendeu-se aos documentos juntos pelo autor e à posição processual assumida pela ré.
Dir-se-á que a ré foi notificada para juntar documentos que, obrigatoriamente, deveria ter na sua posse: mapa de horário de trabalho do autor, registo das horas de trabalho suplementar e livrete individual de controlo (quanto a este último ver o disposto no artigo 4.º n.º 3, alíneas a) e b), do D.L. 237/2007, de 19 de junho – não só deveria manter o livrete por 5 anos, como constitui um ilícito a sua não entrega ao trabalhador, quando exigida por este, como foi o caso).
Se, na verdade, essa atitude da ré não torna impossível a prova do autor, a verdade é que a dificulta de sobremaneira (caso contrário, o legislador não teria cominado com a prática de uma contraordenação a não entrega, quando solicitado, do livrete individual de controlo ao trabalhador), pelo que sempre a recusa teria de ser livremente apreciada para efeitos probatórios, nos termos definidos no artigo 417.º n.º 2, do Código de Processo Civil.
É, com efeito, muito confortável a atitude de quem, como a ré, não entrega ao trabalhador um mapa de horário de trabalho, não entrega o livrete individual de controlo (que deve ter na sua posse) e, depois, impugna a veracidade dos documentos que ela própria emitiu (e que contêm as ordens dadas ao trabalhador para efetuar os transportes de passageiros nos dias, horas e entre os locais indicados), tudo sem alegar (e provar) quais as horas em que, no seu entender, o trabalhador prestou a sua atividade a seu favor (e, pela qual, diz que pagou). É confortável mas não é processualmente admissível (desde logo por violar as mais elementares regras da boa-fé processual e da cooperação).
Se entende que os documentos que elaborou não servem para provar as horas que lá fez constar, teria de ter provado (e permitido outra prova por parte do autor) de quais as horas efetivamente trabalhadas pelo autor.
Por outro lado, durante a audiência nenhuma das testemunhas (nem mesmo as arroladas pela ré) colocaram em causa quer a autoria, quer a veracidade de tais documentos, pelo que o Tribunal só poderia atender aos mesmos para provar os factos alegados quanto às horas trabalhadas pelo autor (e refletidas no quadro que acima consta): cf. documentos de fls. 403 e ss.”
Como se vê claramente da fundamentação da resposta à matéria de facto relativa ao trabalho suplementar, o tribunal recorrido não inverteu o ónus da prova. Apreciou livremente a conduta da ré, ao não apresentar os documentos, juntamente com outra prova produzida.
O tribunal não se bastou com a não apresentação dos registos pedidos à ré, pois fundou-se também nas outras provas que indica.
Verificamos que o tribunal recorrido, quanto a esta questão, não recorreu ao disposto no art.º 344.º n.º 2 do Código Civil para inverter o ónus da prova, mas ao disposto no artigo 417.º n.º 2 do CPC, apreciando livremente a conduta para efeitos probatórios, o que fez juntamente com outros elementos de prova, pelo que não pode proceder a alegação da ré nesta parte.
A apelante conclui que o tribunal recorrido fez mau uso das presunções judiciais.
Sobre esta questão, escreveu-se na fundamentação à resposta da matéria de facto:
“Quanto ao documento datado de 2/12/2016 (que se transcreveu em resposta aos artigos 44.º a 46.º da PI e 5.º da contestação), atendeu-se ao declarado pelo autor e pela testemunha R,...: na verdade, resultou das declarações de ambos que tal documento foi integralmente redigido pela ré; foi entregue para que fosse assinado pelo autor como condição para que lhe fosse entregue o cheque (contendo o último salário).
Também se sabe que a assinatura que nesse documento ficou a constar não é a usualmente usada pelo autor (basta confrontá-la com as demais constantes dos autos).
Quanto ao mais, a verdade é que destes factos conhecidos se chega facilmente à prova dos demais relacionados com esta “declaração”.
Sempre os Tribunais de 1ª instância fizeram uso de presunções judiciais, previstas na lei substantiva como meios de formação da convicção. São ilações que o julgador extrai de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido, podendo as mesmas assentar em factos essenciais que tenham sido considerados provados ou que resultem plenamente dos autos, mas podem também derivar da convicção formada sobre factos de natureza puramente instrumental que resultem do processo ou da instrução da causa, tenham ou não tenham sido alegados pelas partes.
É do senso comum que um trabalhador que ganha um salário como aquele que a ré acordou pagar ao autor é porque necessita dele para viver; é, também do senso comum, que findo o contrato (ainda para mais com a carga horária provada nos autos – que impossibilitava o exercício simultâneo de outra atividade remunerada) se segue um período sem emprego (daí a resposta aos artigos 47.º da PI e 55.º da resposta).
A exigência de que só assinando a “declaração” o autor poderia levar o cheque do último salário resultou clara das declarações da própria testemunha arrolada pela ré: R....
Ora, deste conjunto de factos conhecidos (e da circunstância de ser, efetivamente, diferente a assinatura do autor nesse particular documento), face aos dados da experiência, resulta claro que o autor não só não estava confortável com essa exigência, como assinou contrariado e apenas para receber o salário (temendo não o receber, caso não assinasse).
Tudo a dar mais credibilidade, por isso, à versão do autor e a ser razão mais do que suficiente para dar a resposta aos artigos 48º a 51º da PI e 54º, 57ºe 57º da resposta”.
As presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art.º 349.º do Código Civil) e só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do CC).
No caso, o tribunal recorrido teve em conta os factos certos consistentes no documento assinado pelo trabalhador, nas circunstâncias em que foi celebrado e assinado, no valor da sua retribuição e no depoimento de uma testemunha em conjunto com as declarações prestadas pelo autor. Não se trata de dar o facto como provado com base unicamente na presunção judicial. A normalidade do acontecer aferido pelo tribunal recorrido ajudou a credibilizar o depoimento da testemunha e as declarações do autor no sentido de formar a convicção pela positiva.
Analisando a fundamentação e as disposições legais que citamos, entendemos que o tribunal recorrido fez bom uso das regras relativas ao direito probatório, pelo que a apelação improcede quanto a esta matéria.

B3) A ineptidão da alegação do trabalho suplementar

A apelante conclui que o pedido do trabalho suplementar formulado na petição é inepto, por violação do disposto no art.º 226.º do Código do Trabalho, uma vez que não discrimina o horário prestado e os vários factos constitutivos do seu direito invocado.
O art.º 552.º n.º 1, alínea d), do CPC prescreve que na petição com que propõe a ação o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.
O art.º 186.º do CPC, prescreve que é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (n.º 1).
No termos do n.º 2, alínea a), deste artigo, diz-se inepta a petição quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir.
Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial (n.º 3).
Analisada a contestação apresentada pela ré, verifica-se que exceciona a ineptidão da petição inicial com fundamento na não discriminação do trabalho suplementar, por um lado, mas por outro, revela que compreende bem o pedido respetivo formulado pelo autor.
Assim, a existir ineptidão, ela estaria suprida pela compreensão manifestada pela ré.
Realce-se que o autor remete para os documentos que juntou com a petição inicial, onde consta o trabalho prestado.
Contudo, o autor respondeu a esta exceção e veio discriminar o trabalho suplementar prestado, pelo que inexiste a invocada ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade da causa de pedir que fundamenta o pedido de pagamento do trabalho suplementar.
Nessa sequência foi dado como provado o facto 13.
Sobre esta questão, o tribunal recorrido escreveu na sentença:
“No tocante à duração do trabalho o contrato em causa nos autos (de 2016) estava sujeito à lei geral e, por expressa vontade das partes (cf. artigos 405.º e 406.º do Código Civil), ao CCT celebrado entre a APAVT - Associação Portuguesa de Agencias de Viagens e Turismo e o SIMAMEVIP, celebrado em 15 de agosto de 1985, com a última revisão global publicada no BTE, l.ª Serie, n.º 3, de 22/1/2007.
O que ressalta, desde logo e quanto a esta matéria, é a obrigação do empregador manter um registo que permita apurar o número de horas de trabalho prestadas pelo trabalhador, por dia e por semana, com indicação da hora de início e de termo do trabalho (cláusula 21.ª n.º 1, do citado CCT). No caso, esse registo não foi feito pela ré.
Por outro lado, resulta desse CCT que o período normal de trabalho é de trinta e sete horas e meia semanais e sete horas e meia diárias, ficando a definição do horário de trabalho a cargo do empregador (cláusula 17.ª n.º 1). E que se considera trabalho suplementar “o prestado para além do período normal de trabalho” (cláusula 22.ª n.º 1).
Nos termos desse CCT (cláusula 29.ª):
“1 – O trabalho suplementar será retribuído com os seguintes acréscimos sobre a retribuição horária:
a) Nos dias normais de trabalho semanal, entre as 7 e as 22 horas, 75%;
b) Nos dias normais de trabalho semanal, entre as 22 e as 7 horas, nos dias de descanso semanal obrigatório e complementar e nos feriados, 100%; e
c) Entre as 22 e as 7 horas, nos dias de descanso semanal obrigatório e complementar e nos feriados, 130%.
2 – A retribuição horária é calculada com a seguinte fórmula: RM×12/52×n, sendo Rm o valor da retribuição mensal e n o período normal de trabalho semanal.”
No entanto, a verdade é que não resulta dos autos que, alguma vez, a ré tenha afixado o horário de trabalho do autor (216.º n.º 4 do Código de Trabalho e Portaria 983/2007, de 27 de agosto, sendo que não resulta dos autos que tivesse sido acordada a isenção de horário de trabalho, conforme artigo 218.º do Código de Trabalho). A ré não manteve o livrete individual de controlo do autor (cf. artigo 4.º n.ºs 1 e 3, do D.L. 237/2007, de 19 de junho).
Também é certo que a ré não procedeu ao registo de trabalho suplementar (em violação do disposto no artigo 231.º do Código de Trabalho). E esse trabalho suplementar existiu (como resultou provado). Essa violação do disposto no artigo 231.º n.º 1, do Código de Trabalho, dá ao autor o direito previsto no artigo 231.º nº 5, do mesmo diploma.
Não se sabendo qual o horário de trabalho do autor, nem havendo registo do trabalho suplementar, não pode o autor ficar prejudicado pela falta de cumprimento da lei por parte da ré.
Deverá contar-se, como trabalho suplementar, todo o tempo que excedeu as sete horas e meia diárias.
Assim, tem o autor (por via do disposto no artigo 231.º n.º 5, do Código de Trabalho) ao pagamento de, pelo menos, duas horas de trabalho suplementar em cada dia em que o trabalho excedeu as 7 horas e meia.
Por outro lado, dependendo da hora, assim terá direito aos correspondentes acréscimos.
A retribuição horária do autor era de € 3,29, sendo que nos dias normais de trabalho semanal, entre as 7 e as 22 horas, terá direito ao pagamento de € 5,76/hora; nos dias normais de trabalho semanal, entre as 22 e as 7 horas, nos dias de descanso semanal obrigatório e complementar e nos feriados, terá direito a € 6,58/hora; e entre as 22 e as 7 horas, nos dias de descanso semanal obrigatório e complementar e nos feriados, terá direito a € 7,57/hora.
Por outro lado, de acordo com a cláusula 37.ª n.ºs 1 e 2, do referido CCT, terá o autor direito, quando prestar trabalho fora do seu horário de trabalho, a ser abonado em transporte e em refeições de acordo com a seguinte tabela mínima: pequeno-almoço € 2,30; almoço € 12,70; jantar € 12,70; e ceia € 8,40 (considerando-se horas de refeição, início e termo: pequeno-almoço, entre as 7 e as 9 horas; almoço, entre as 12 e as 15 horas; jantar, entre 19 e as 21 horas; e ceia, entre as 0 e as 7 horas), o que terá se considerar para o pagamento do trabalho suplementar.
Considerando os dias trabalhados, as horas de início e termo e, sobretudo, a falta de alegação e prova por parte da ré de que foram outras as horas trabalhadas pelo autor e quais os valores pagos a título de trabalho suplementar, outra não pode ser a consideração do que conferir ao autor o direito aos montantes peticionados.
De resto, perante os factos provados (todo o trabalho do autor, sobretudo as horas de condução), foram por determinação da ré, pelo que fica ultrapassada a questão que decorre do artigo 268.º n.º 2, do Código de Trabalho”.
A apelante contesta não o valor fixado a título de trabalho suplementar diretamente, mas que não existe “especificação ao montante referente a cada uma das rubricas”. A ré não diz se existe algum erro de cálculo, nem apresenta outro valor alternativo. Faz uma impugnação genérica, mas sem concretizar.
Analisada a sentença, verificámos que são enunciadas as regras de direito, quer de fonte estadual quer convencional, é referido o valor hora para cada uma das situações em termos que merecem a nossa concordância. Não vemos onde esteja algo errado e a apelante também não o diz.
Termos em que improcede a apelação quanto a esta questão.

B4) A remissão abdicativa

A apelante conclui que a declaração assinada pelo autor quando o contrato de trabalho cessou constitui uma remissão abdicativa, pelo que nada mais tem a pagar-lhe.
O art.º 349.º n.º 5 do CT, prescreve que se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.
Este artigo pressupõe um acordo de vontades entre a empregadora e o trabalhador e não apenas uma declaração unilateral deste.
O art.º 863.º n.º 1 do CC prescreve que o credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor, o qual extingue a obrigação.
O art.º 236.º do CC prescreve que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (n.º 1).
Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (n.º 2).
Com interesse para esta questão, chamamos à colação o que se escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Ac. STJ, de 22.02.2017, processo n.º 2236/15.0T8AVR.P1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
, de 22.02.2017: “a declaração de “nada mais ter a receber” do empregador “seja a que título for”, constante de um “acordo” assinado pelo trabalhador no dia em que cessou o contrato a termo que vigorara, não consubstancia uma remissão abdicativa se o trabalhador ao efetuá-la apenas estava a receber as quantias legalmente devidas na perspetiva do contrato a termo que vigorara, pois não tendo havido negociações prévias em que a questão da renúncia a tal impugnação tivesse sido discutida, não se pode depreender da declaração do trabalhador que fosse sua vontade renunciar à faculdade de impugnar a validade do termo do contrato, tanto mais que nenhuma quantia lhe era paga para o compensar, minimamente que fosse, da renúncia a esse direito”.
Sobre esta questão, provou-se que:
“17. A ré redigiu documento contendo declaração em nome do autor intitulada “remissão de débitos”, com data de 2/12/2016, onde fez constar os seguintes dizeres: “Eu, J..., contribuinte fiscal nº ... declaro que, com o pagamento dos créditos emergentes da cessação da relação de trabalho, recebi da B..., todos os valores resultantes desta cessação ocorrida com efeitos a partir do dia 30 de novembro de 2016, que integram todos os créditos emergentes do contrato de trabalho e respetiva cessação, incluindo proporcionais de férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, trabalho suplementar, trabalho noturno e quaisquer outras remunerações ou subsídios. Mais declaro, para todos os efeitos, que com os pagamentos referidos no parágrafo anterior, considero-me integralmente pago de todos os créditos vencidos à data da cessação, emergentes da relação em causa e da sua cessação, nomeadamente, a título de retribuição-base, subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias, subsídio de natal, trabalho suplementar, trabalho noturno, ajudas de custo e descansos compensatórios”.
18. A ré sabia que o autor ficaria sem emprego e necessitava de receber o salário relativo ao trabalho prestado em novembro de 2016, para fazer face aos seus encargos mensais.
19. Quando o autor compareceu nas instalações da ré para levantar o cheque referente ao salário respeitante ao trabalho realizado em novembro de 2016, foi confrontado com a exigência por parte da ré de apenas lhe ser entregue o cheque contra a sua assinatura no documento intitulado “remissão abdicativa”.
20. O autor, não querendo assinar tal declaração, nela apôs, com o seu punho, assinatura que não usa, temendo que, se não cumprisse a exigência da ré, não receberia o cheque desta.
No caso concreto, presume-se a aceitação da declaração pela empregadora, uma vez que foi esta que a apresentou ao trabalhador para que este a assinasse. Ou seja, os termos da declaração foram redigidos pela empregadora e o trabalhador apenas assinou a declaração para poder receber o montante que lhe foi apresentado através de cheque.
Está provado que a vontade real do declarante ao assinar a declaração não era renunciar a todos os créditos a que teria direito decorrentes da cessação do contrato de trabalho, mas sim assinar o documento para poder receber a quantia titulada pelo cheque, porque precisava dela para satisfazer as suas despesas mensais.
Daí que a declaração assinada pelo trabalhador deva valer com este sentido, pois era esta a sua vontade real, a qual era conhecida da empregadora (art.º 236.º n.º 2 do CC).
Ao assinar tal declaração o trabalhador não estava a remitir todos os débitos da empregadora. Neste contexto, a declaração não pode ser considerada como uma remissão abdicativa, extintiva de todos os créditos, mas apenas como um documento de quitação em relação à quantia que efetivamente lhe foi paga.
Assim, improcede a apelação quanto a esta questão.

B5) Os danos não patrimoniais

A sentença recorrida condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 1 000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos a partir da data da citação.
Os danos não patrimoniais são prejuízos insuscetíveis de avaliação em dinheiro.
A quantia pecuniária atribuída não visa ressarcir o dano, pois tratando-se de sofrimento espiritual não é possível a sua reparação como se fosse um prejuízo material. O que se pretende é compensar o lesado através de uma quantia monetária que possa ser utilizada em proveito próprio de forma a satisfazer necessidades que lhe proporcionem bem-estar.
Não se trata de uma verdadeira indemnização, mas sim de uma compensação em consequência da lesão dos direitos de personalidade. Os danos não patrimoniais não podem ser reintegrados mesmo por equivalente, daí que seja apenas possível compensá-los mediante satisfações que o dinheiro proporciona ao lesado.
A gravidade do dano é avaliada por um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos Lima, Pires e Varela, Antunes, Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1982, p. 473. . Os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais.
O art.º 127.º n.º 1 do CT prescreve, além do mais que ao caso não importa, que o empregador deve proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral (alínea c); prevenir riscos e doenças profissionais, tendo em conta a proteção da segurança e saúde do trabalhador (alínea g).
O art.º 281.º do CT prescreve que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde (n.º 1).
O empregador deve assegurar aos trabalhadores condições de segurança e saúde em todos os aspetos relacionados com o trabalho, aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção (n.º 2).
Para compensar o trabalhador deverá aplicar-se o disposto nos artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
Sobre esta questão está provado que:
“21. O cansaço físico pelas horas de condução causou ao autor uma extrassistolia ventricular isolada e hemibloqueio esquerdo anterior.
22. O autor consultou a sua médica de família e esta, face ao quadro clínico, através declaração datada de setembro de 2016, atestou que o autor não poderia ser sujeito a um horário prolongado, o que não foi atendido pela ré.
23. O autor ficou temporariamente incapacitado para o trabalho, entre os dias 14 e 19 de outubro de 2016, para recuperar a saúde”.
Estes factos mostram que o trabalhador teve problemas de saúde em consequência do horário de trabalho prolongado que praticava e a empregadora nada fez para alterar o tempo de trabalho, nomeadamente reduzindo as horas da sua prestação.
Considerando os danos na saúde sofridos pelo trabalhador, os riscos que comportava a continuação do mesmo horário de trabalho e o alheamento da empregadora, entendemos que a sua conduta é culposa e os danos merecedores da tutela do direito. A quantia de € 1 000 fixada a título de danos não patrimoniais mostra-se adequada a compensar o dano sofrido, pelo que se mantém.

B6) A compensação com os valores pagos

A apelante conclui que “numa eventual condenação, o tribunal recorrido teria que considerar os valores pagos no âmbito do sistema a que alude no ponto 12 da matéria de facto determinado a compensação dos valores apurados com os valores pagos ao abrigo desse sistema, sob pena de violação do disposto no art.º 473.º do Código Civil”.
Sobre esta questão está provado que:
6. A ré comprometeu-se a pagar ao autor, além da retribuição base, um valor fixo e tabelado por cada viagem e dependente da distância da mesma, que processava nos recibos de vencimento.
12. A forma de pagamento da ré foi explicada aquando da admissão do autor”.
A ré apelante não provou que pagou ao autor qualquer verba a título de trabalho suplementar, que é o que está aqui em causa. Não provou também quais eram os tempos em que o autor estava disponível para ser chamado e que se distinguiriam de trabalho efetivo. O que está provado é que o trabalhador prestou trabalho conforme está provado no ponto 13 dos factos provados.
Se a empregadora tivesse provado que tinha instituído um regime retributivo em substituição do que resulta da lei geral e do CCT aplicável, calcular-se-ia o que foi recebido pelo trabalhador no âmbito do regime instituído na empresa e o que deveria ter recebido de acordo com o CCT e descontar-se-ia o que já tivesse recebido, conforme o que se apurasse.
Todavia, a empregadora não provou a existência de um sistema retributivo que incluísse o trabalho suplementar. Provado que o trabalhador o prestou por determinação da empregadora, cabe a esta pagá-lo, ou provar que o pagou, pelo menos em parte, o que não ocorre.
Assim, não pode proceder esta pretensão da apelante.

B7) O abuso do direito

A apelante conclui que “O autor ao intentar a presente ação peticionando o pagamento de trabalho suplementar, abonos de refeição e danos não patrimoniais, fê-lo em claro abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, pelo que o Tribunal a quo deveria ter absolvido a recorrente de todos os pedidos contra si formulados”.
O art.º 334.º do CC prescreve que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso do direito existe quando alguém exerce o direito de que é titular de uma forma clamorosamente contrária ao sentimento de justiça da comunidade.
Em face dos factos provados e no seguimento do que já fomos decidindo relativamente às questões anteriores, não existe fundamento para concluir que o trabalhador incorre em abuso de direito ao acionar a empregadora na presente ação.
Como já referimos, a declaração assinada pelo autor não tinha em vista abdicar de todos os créditos decorrentes da relação laboral, mas apenas dar quitação do que lhe foi pago.
Assim, improcede a apelação quanto a esta questão.
Nesta conformidade, julgamos a apelação improcedente e confirmamos a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 14 de março de 2019.
Relator: Moisés Silva
Mário Branco Coelho
Paula do Paço