Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
513/22.3T8BJA.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
TERMO
JUSTIFICAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
NECESSIDADE TEMPORÁRIA DA EMPRESA
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- O contrato de trabalho temporário a termo resolutivo, certo ou incerto, deve conter a menção concreta dos factos que integram o motivo que justifica a sua celebração, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário – artigo 181.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
II- Se o teor da cláusula de justificação do termo não se revelar suficiente para que se compreenda o motivo que justifica a celebração do específico contrato, com a menção concreta dos factos que o integram, deve aplicar-se a consequência prevista no n.º 2 do artigo 181.º do Código do Trabalho, isto é, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo.
III- Uma vez que o contrato de trabalho temporário a termo incerto não pode ultrapassar determinada duração fixada na lei – artigo 182.º, n.ºs 4 e 5 do Código do Trabalho – é de pressupor que a necessidade temporária e transitória que justifica a natureza excecional da contratação a termo deve ocorrer dentro do limite máximo de duração do contrato de utilização de trabalho temporário - artigo 178.º do Código do Trabalho.
IV- Se o termo estipulado no contrato de trabalho temporário violar o disposto no n.º 1 do artigo 180.º do Código do Trabalho, considera-se o trabalho efetuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo – artigo 180.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
AA, com o patrocínio do Ministério Público, intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra LUSO TEMP – EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, S.A., KNOWER PROJECTS, S.A. e BB, formulando a seguinte pretensão:
«Nestes termos deve a presente ação ser julgada procedente por provada, e por via dela, ser
A. Declarado convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato existente entre o Autor e a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A.; e bem assim ser
a. Declarado e reconhecido que o Autor desempenhou para a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A., ininterruptamente a sua atividade profissional de supervisor, mediante contrato de trabalho sem termo, no período compreendido entre 17/10/2019 e 9/5/2021.
b. Declarado ilícito o despedimento do Autor por parte da Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A.
c. Ser a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. e, subsidiariamente, a Ré Knower Projects, S. A. e o Réu BB, condenados a pagar ao Autor a quantia de 1 415,91€, acrescida de juros de mora até integral pagamento, a título de férias não gozadas, subsídios de férias e de Natal vencidos em 2021 e proporcionais de férias, subsídios de férias e de Natal do ano da cessação; e
d. Ser a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. e, subsidiariamente, a Ré Knower Projects, S. A. e o Réu BB, condenados a pagar ao Autor a quantia de 2 100€, acrescida de juros de mora até integral pagamento, a título de indemnização em substituição da reintegração; e
e. Ser a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. e, subsidiariamente, a Ré Knower Projects, S. A. e o Réu BB, condenados pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento ocorrido a 9/5/2021 até ao trânsito em julgado da decisão que declare a ilicitude do despedimento.
Ou, subsidiariamente,
B. Declarado e reconhecido que o Autor desempenhou para a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. ininterruptamente a sua atividade profissional de supervisor, mediante contrato de trabalho temporário, a termo incerto, no período compreendido entre 17/10/2019 e 9/5/2021.
a. Declarado ilícito o despedimento do Autor por parte da Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A.;
b. Ser a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. e, subsidiariamente, a Ré Knower Projects, S. A. e o Réu BB, condenados a pagar ao Autor a quantia de 17 087,95€, acrescida de juros de mora até integral pagamento e correspondente a:
i) 1 415,15€, a título de férias não gozadas e de subsídio de férias, vencidos em 2021 e de proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal do ano da cessação;
ii) 14 132,80€, a título de indemnização por despedimento ilícito, e
iii) 1 540€, a título de compensação pela caducidade do contrato de trabalho a termo incerto.».
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A ação seguiu a tramitação que consta dos autos e, em 20/01/2023, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a ação intentada por AA contra LUSO TEMP – EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁRIO, S.A. (1ª ré); KNOWER PROJECTS, S.A. (2ª ré) e BB (3º réu) procedente por provada e, em consequência:
A) Condeno a 1ª Ré e, subsidiariamente, a 2ª Ré e o 3º Réu, a pagarem ao Autor a quantia de €1.532,04 (mil quinhentos e trinta e dois euros e quatro cêntimos), a título de retribuição por férias não gozadas e subsidio de férias do ano de 2021 e subsidio de natal do ano de 2021, a que acrescem juros de mora desde a data da cessação do contrato (09.05.2021) até efetivo e integral pagamento;
B) Declaro convertido em contrato de trabalho sem termo o contrato celebrado entre o Autor e a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. a 17/10/2019.
C) Condeno os réus a reconhecer que o Autor desempenhou para a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A., ininterruptamente a sua atividade profissional de assistente de costumer care até 01.02.2020 e supervisor a partir dessa data, mediante contrato de trabalho sem termo, no período compreendido entre 17/10/2019 e 9/5/2021.
D) Declarado ilícito o despedimento do Autor por parte da Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S.A. e consequentemente:
a. Condeno a 1ª ré e, subsidiariamente, a 2ª Ré e o 3º Réu, a pagarem ao autor uma indemnização que fixo em 40 (quarenta) dias de retribuição base, no valor de € 933,33 (novecentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos) por cada ano completo ou fração de antiguidade desde o inicio do contrato de trabalho até ao trânsito em julgado da presente decisão, e que, tendo por base a antiguidade de três anos e três meses do autor até dia 17 do mês corrente, perfaz o valor de € 3.033,32 (três mil e trinta e três euros e trinta e dois cêntimos) e correspondentes juros de mora à taxa cível vencidos desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento;
b. Condeno a 1ª ré e, subsidiariamente, a 2ª Ré e o 3º Réu, a pagarem ao autora as retribuições intercalares, desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão, incluindo subsídios de férias e de natal vencidos, sem prejuízo dos descontos referidos nas alíneas a) a c) do n.º 2 do 390º do Código do Trabalho, a liquidar em execução de sentença e considerando, além do mais, que a presente ação deu entrada neste Juízo em 06-04-2022, ou seja, mais de 30 dias após o despedimento, e correspondentes juros de mora à taxa cível (quanto às retribuições vencidas desde a data do despedimento até à da presente sentença) vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
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Custas a cargo dos réus que decaíram no pedido (artigos 527.º, n.os 1 e 2 e 607.º, n.º 6,ambos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho).
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Notifique e registe.».
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Inconformados, vieram os Réus interpor recurso da sentença, rematando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A) O presente recurso interposto da douta Sentença de fls… dos autos, que julgou procedente a ação intentada pelo aqui Recorrido, representada pelo MP e que, nessa medida, considerou a cessação do contrato da mesma como um despedimento ilícito, com todas as consequências legais daí resultantes, ao invés de se ter considerado a cessação do contrato por caducidade, conforme os Recorrentes devidamente haviam comunicado.
B) A decisão quanto à celebração do contrato por tempo indeterminado assentou na alegação do caráter vago e genérico da justificação escrita no contrato, não cumprindo a sua função face ao legalmente exigido pelo artigo 140º do CT e na manutenção do contrato de prestação de serviços entre a entidade utilizadora e a PT após a data de cessação do contrato, indicando que a necessidade da contratação se mantinha em vigor.
C) A Cláusula contratual justificativa do termo do contrato dispõe que: “o motivo subjacente à outorga do presente contrato ocorre para fazer face a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da empresa utilizadora Talenter – Gestão de Projetos, Ldª, resultante de um contrato de prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as diretrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afetos ao presente projeto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de atividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recursos à contratação sem termo.»
D) Tendo em conta o seu conteúdo textual, a primeira questão a colocar e responder é a de se, efetivamente, se trata de um texto vago e genérico que não permite a concretização da necessidade temporária em causa?
E) Contrariamente ao constante na decisão recorrida, não se trata de uma cláusula com teor vago e genérico que não permite a concretização da necessidade temporária em causa.
F) Não estamos perante um contrato com ausência de justificação ou com mera remissão para a nomenclatura legal, sendo certo que, efetivamente, as partes fizeram constar do contrato verdadeiras motivações relacionadas com a atividade prestada e factos concretos dessa prestação.
G) O seu teor corresponde, como assim deve ser, ao que efetivamente também consta no contrato de utilização de trabalho temporário celebrado, devendo este, como se sabe, ser o condutor e regente do efetivo conteúdo da prestação material a efetuar pelo trabalhador temporário.
H) Basta atender ao texto do contrato para, em primeiro lugar, se aferir e verificar que a tarefa determinada e definida está devidamente concretizada e identificada, ou seja, é devidamente identificado um contrato e projeto que será temporário, sendo que a própria linha da TAP em questão tem essa natureza, daí se justificar que a própria PT presta esse serviço em regime de outsorcing.
I) Resulta ainda do teor da Cláusula que a atividade apresenta oscilações totalmente imprevisíveis que não se poderão evidentemente coadunar com a contratação por tempo indeterminado, até porque poderia dar azo a verdadeiras extinções do posto de trabalho.
J) Pela natureza da prestação e da atividade relativa à TAP, os meios humanos necessários em cada momento são necessariamente diferentes, pelo que a prestação em causa, para além de necessariamente temporária é ainda indeterminável quanto à sua verdadeira duração e necessidade.
K) Basta que esteja em causa um termo incerto para que se tenha que admitir que a duração da necessidade é por natureza indeterminada, pelo que, desde logo, não se pode ter uma interpretação literal da alínea g) do nº 2 do artigo 140.º do CT.
L) O nº 3 desse mesmo artigo admite a contratação a termo incerto nas situações da mencionada alínea g) porque a determinação da sua duração não tem que ser certa e determinada, sob pena de estarmos perante a estrita necessidade de aposição de um termo certo, o que, como se vê, legalmente não ocorre.
M) Deve ser admissível a prestação de trabalho a termo incerto em serviço precisamente definido e não duradouro, com a interpretação de que será a tarefa em causa e o caráter temporário da sua necessidade que deverão estar concretamente definidos e não a sua efetiva duração, como parece fazer crer a decisão recorrida.
N) Os factos concretos apresentados para a justificação do termo são enquadráveis no âmbito da mencionada alínea g), com as especificidades que para a mesma resultam no âmbito da contratação a termo incerto.
O) É fundamental ter em consideração que, pese embora a excecionalidade legal conferida à contratação a termo, a sua existência não deixa de estar legalmente admitida, pelo que, necessariamente, a interpretação das cláusulas deve ser feita segundo um critério de razoabilidade e possibilidade.
P) É necessário ter em consideração que a aposição de justificação no contrato é feita ab initio, ou seja, necessariamente não se podendo prever a duração da necessidade, as oscilações que venham a ocorrer e as atualizações ou adaptações necessárias.
Q) O que apenas deve resultar é a concretização da atividade em si e perceção, para os contratantes ou qualquer aplicador daquele contrato de que a natureza da prestação é temporária e que visa a satisfação de necessidades temporárias.
R) Do elemento literal da cláusula em causa resulta evidente que para o trabalhador, como para o próprio julgador, resulta percetível qual a motivação de que resulta a impossibilidade (ou inconveniência) de o contrato ser celebrado sem termo, sendo certo que não é legítimo pensar que o trabalhador podia justificadamente desconhecer as mesmas.
S) O trabalhador sabe o serviço e tarefa concreta para que é contratado, sabe que a sua existência é limitada no tempo e sabe que a satisfação dessa necessidade é temporária em razão das oscilações da atividade e dos recursos humanos afetos à mesma, apenas não sabe, por se tratar de termo incerto, qual a duração efetiva da sua prestação.
T) Resulta ainda claro do contrato que este não pode durar por mais de dois anos face a imposição legal nesse sentido.
U) Conforme resulta da doutrina do Acórdão da Relação de Lisboa de 04/05/2016, pese embora a excecionalidade da contratação a termo, não pode significar para o empregador a obrigação de as motivações do termo serem de tal forma detalhadas que se poderia tornar impossível a sua descrição, obedecendo a um critério de razoabilidade.
V) O nº 2 do artigo 140º e a suas alíneas configuram meras situações exemplificativas e que devem, obrigatoriamente, passar pelo crivo do disposto no nº 1 do mesmo artigo:
“o contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.”
W) Daqui resulta que sempre poderão estar em causa outras situações que não as constantes das alíneas do nº 2 desde que consubstanciem a satisfação de necessidades temporárias pelo tempo de período necessário para o efeito.
X) O critério a atender é o de aferir, e só reportando ao conteúdo literal da cláusula, se da mesma resulta o caráter temporário da prestação e se o próprio trabalhador e os observadores externos assim o compreendem.
Y) A lei pretende garantir que aos olhos de quem observa exteriormente o contrato seja compreensível que, tendo em consideração as especificidades próprias da contratação a termo incerto, se compreenda qual é a necessidade temporária efetivamente em causa.
Z) A necessidade temporária para esse efeito é o que a lei considera como admissível para esta contratação, ou seja, no caso do termo incerto, uma necessidade que dure até 4 anos (prazo máximo atual) nos termos e para os efeitos do disposto no nº 5 do artigo 140º do CT.
AA) Na presente situação, e especificamente para o contrato de trabalho temporário, a Lei considera, pela especial precaridade do vínculo e condições próprios do recurso a esta figura especial, que a duração do contrato não pode exceder os dois anos.
BB) Pese embora a Lei imponha a cessação do contrato, tal não implica que a necessidade da contratação não se mantenha e que apesar disso continue a ser temporária como se viu.
CC) A estipulação de um prazo reduzido admissível de contratação, mesmo um contrato a termo incerto, não configura, por nenhuma forma uma medida da temporaneidade legalmente admissível, conforme ocorre com o disposto no nº 4 do artigo 148º do CT, mas apenas uma exceção ao seu limite máximo, ainda que a necessidade legalmente perdure.
DD) A Recorrente fez constar da sua comunicação de caducidade do contrato que a cessação não ocorreu em razão da previsão da verificação do termo do contrato, mas, apenas, e de forma imperativa, pela verificação da duração máxima do contrato, quer por duração da sua vigência quer por duração do contrato de utilização.
EE) A necessidade que esteve na base da contratação não cessou, o que ocorreu é que o contrato conforme foi celebrado não poderia não cessar, estando a empresa de trabalho temporário, aqui Recorrente, obrigada a comunicar a sua caducidade como fez.
FF) Não se logra por nenhuma forma compreender qual a relevância da argumentação da decisão recorrida ao mencionar que a necessidade não cessou e que o trabalho podia continuar a ser prestado, tanto que até foi feita a proposta de contratação ao trabalhador.
GG) O contrato em causa, conforme existia, nunca poderia continuar a sua vigência e a comunicação de caducidade tinha obrigatoriamente de ser realizada, tal como foi.
HH) A necessidade da prestação durar mais do que o prazo legal de vigência do contrato de trabalho temporário, não determina, como acima se demonstrou, que não existisse e continue a existir uma necessidade temporária válida para a celebração ab initio desse contrato.
II) Ter ocorrido uma proposta de contratação apenas se coaduna com esta realidade, ou seja, com a manutenção da necessidade que esteve na base da contratação, mas por outra forma que fosse legalmente permitida, ou seja, a contratação direta a termo incerto entre a entidade utilizadora, aqui também Recorrente, e o trabalhador e cujos limites legais, comos e viu, se estendem até 4 anos de duração máxima.
JJ) Resultou não provado, porque efetivamente não ocorreu, que outro contrato de utilização de trabalho temporário tivesse sido celebrado, o que demonstra a impossibilidade de manutenção deste tipo de contratação.
KK) A cessação do contrato, nos termos e com os fundamentos em que ocorreu, em nenhum momento está dependente da existência ou não da necessidade que esteve na base da contratação, nem a Lei faz depender essa cessação da verificação ou não dessa necessidade.
LL) Do facto concreto de que a decisão recorrida fez depender a sua decisão, o da manutenção necessidade da prestação em causa pese embora a cessação do contrato, não pode resultar a conclusão, nem presunção diga-se, de que a necessidade em causa não tinha carácter temporário atendível para a celebração de contrato de trabalho a termo incerto.
MM) Resulta dos factos concretamente apurados é que o contrato cessou por imperatividade legal nos termos e para os efeitos dos artigos 178º/2 e 182º 1 e 4 do CT, sem que tal consubstancie a necessidade de a necessidade temporária também ter cessado.
NN) Dos factos em apreço resulta, outrossim, uma prestação que resulta notoriamente temporária e que, necessariamente, importa a afetação de diferente número de postos de trabalho em diversos períodos diferentes, pelo que o empregador tem de, obrigatoriamente, dispor de ferramentas que lhe permitam aumentar ou diminuir o número de recursos humanos disponíveis segundo a necessidade.
OO) A questão prende-se com a variabilidade da afetação humana a essa prestação em cada período e não com a existência ou não da prestação em causa.
PP) A atividade aérea consubstancia uma sazonalidade evidente absolutamente condicionada aos fluxos de oferta e procura.
QQ) O período do contrato em causa correspondeu às variações brutais provocadas pela situação pandémica, sendo os transportes aéreos especialmente afetados, pelo que seria manifestamente impensável a afetação de recursos humanos de forma temporalmente indeterminada.
RR) A decisão recorrida não assentou em qualquer falta da prova dos factos por parte do empregador face à conexão entre a justificação do termo e a situação material que lhe é subjacente, tanto que nenhum desses factos é dado como não provado, mas, apenas, no caráter vago e indefinido da própria cláusula contratual sendo que, como se sabe, o seu conteúdo se apresenta como “ad substantiam” e não “ad probationem”.
SS) O termo incerto constante do trabalho de trabalho temporário celebrado entre as partes configura-se como legalmente válido, pelo que, em consequência, se configura também como válida a cessação do contrato operada em razão da sua caducidade legal.
TT) Deve a presente decisão ser revogada no que concerne às injunções resultantes da verificação de despedimento ilícito em razão da conversão do contrato de trabalho temporário a termo incerto em contrato de trabalho sem termo celebrado com a primeira Recorrente, nomeadamente o disposto em B) a D) do ponto V da decisão recorrida.
Termos em que deve, com o douto suprimento de Vossas Excelências, atentas as razões e fundamentos expostos, ser dado ao provimento ao presente recurso, revogando-se os pontos decisórios B) a D) da Douta sentença recorrida no sentido de ser declaração a cessação lícita do contrato de trabalho temporário celebrado, com todas as consequências legais daí resultantes.».
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O Autor apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
«1. Decorre da factualidade provada (e não impugnada em recurso) que a justificação da cláusula do termo aposta no supra indicado contrato é insuficiente, pois não esclarece porque motivos concretos se optou pela contratação a termo incerto, designadamente em que se traduzem as irregularidades do ciclo de atividades, ou mesmo o que seja «a natureza estrutural dos serviços prestados», ou, bem assim, as oscilações das cargas de trabalho, sucedendo que da terminologia contratual, não se consegue estabelecer qualquer relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
2. Assim, a cláusula do termo aposta no contrato foi julgada nula e o contrato de trabalho considerado celebrado sem termo.
3. Decorre do art. 181º, nº 2 do Cód. de Trabalho que a insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato determina que se considere que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo.
4. Consequentemente, é de concluir que o Autor ficou vinculada com a 1ª Ré por tempo indeterminado, exercendo as mesmas tarefas, no mesmo local, no período compreendido entre 17/10/2019 e 5/11/2020, ou seja, desde que iniciou funções até à data em que foi despedido.
5. Pelo exposto, não podia a 1ª Ré fazer cessar o contrato de trabalho do Autor, impedindo-a de trabalhar e invocando caducidade do contrato a termo, pelo que o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito (art. 381.º, al. b) e c) do Cód. do Trabalho).
6. Nos termos do art. 174º, nº2 do Cód. do Trabalho, a 2ª Ré e o 3º Réu (presidente do conselho de administração das Rés) são subsidiariamente responsáveis pelos créditos da Autor.
7. Pelo exposto, o presente recurso não deve merecer provimento, devendo ser mantida a sentença recorrida, a qual não padece de qualquer vício, e devendo o presente recurso ser julgado improcedente.».
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A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Já na Relação, o recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões que se suscitam no recurso são as seguintes:
1. Validade da cláusula justificativa da aposição de termo ao contrato de trabalho temporário celebrado.
2. Cessação do referido contrato por caducidade.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância considerou provados a seguinte factualidade:
1. A Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. tem como objeto social a cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, recursos humanos, seleção, orientação e formação profissional.
2. A Ré Knower Projects, S. A. tem como objeto social, designadamente, a prestação de serviços a empresas dos sectores primário, secundário, terciário, incluindo sem limites as áreas de telecomunicações.
3. A Ré Knower Projects, S. A., até 20/5/2021, denominava-se Talenter – Gestão de Projetos, S.A..
4. As Rés integram o mesmo grupo, com a denominação Talenter, sendo os respetivos conselhos de administração constituídos, simultaneamente, pelo Réu BB, como presidente, por CC, como vogal, e ..., ..., SROC, Ldª, como fiscal único.
5. No dia 17/10/2019, o Autor e a 1ª Ré subscreveram um documento escrito denominado “contrato de trabalho temporário a termo incerto”, no qual a 2ª Ré, então com a denominação Talenter – Gestão de Projetos, Ldª, é identificada como empresa utilizadora do trabalhador.
6. Nos termos do referido acordo, o Autor foi “admitido ao serviço” da 1ª Ré, mediante retribuição desta, para trabalhar sob as ordens e direção da 2ª Ré, para desempenhar as funções inerentes à categoria de assistente de customer care.
7. Da cláusula terceira do referido documento consta: “o contrato a termo é celebrado” para «execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro», mais se referindo que «o motivo subjacente à outorga do presente contrato ocorre para fazer face a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da empresa utilizadora Talenter – Gestão de Projetos, Ldª, resultante de um contrato de prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as diretrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afetos ao presente projeto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de atividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recursos à contratação sem termo.».
8. Ficou estabelecido que o contrato de trabalho tinha início a 17/10/2019 e duração incerta, destinando-se a vigorar enquanto se mantivesse a causa justificativa da sua celebração.
9. Ficou acordado que a 1ª Ré iria pagar ao Autor o salário base mensal de 630€, sendo de 40 horas semanais o período normal de trabalho.
10. Inicialmente, o Autor trabalhava efetuando atendimento ao público, como assistente operacional, por meio de telemarketing, efetuando a venda de produtos da TAP Wellcome Call.
11. Em fevereiro de 2020, por decisão das Rés, o Autor deixou de fazer atendimento ao público e passou a exercer as funções de supervisor, supervisionando numa sala o trabalho de 7 a 15 assistentes de customer care, transmitindo-lhes as orientações da PT e da TAP, efetuando relatórios de vendas e de tempos de chamadas.
12. Desde 1/2/2020, as Rés passaram a pagar ao Autor o salário base de 700€
13. A 1ª e 2ª rés celebraram um acordo que reduziram a escrito nos seguintes termos:
(…)
14. O acordo de utilização celebrado entre as rés cessou em 09/05/2021 e não foi celebrado qualquer outro acordo entre a 1ª R. e a 2ª R. com vista à prestação desses mesmos serviços.
15. Em dezembro de 2020 e abril de 2021, as Rés propuseram ao Autor a revogação do contrato de trabalho e a assinatura de novo contrato de trabalho, a termo incerto, em que o empregador seria a Ré Knower Projects, S. A., então designada, Talenter – Gestão de Projetos, Ldª, visando ainda a «…prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as diretrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afetos ao presente projeto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de atividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recursos à contratação sem termo. ».
16. O Autor não concordou com o que lhe foi proposto, por não lhe ser assegurada a categoria de supervisor e a sua antiguidade, e não assinou nenhum dos documentos.
17. Por carta datada de 7/4/2021, a Ré Luso Temp – Empresa de Trabalho Temporário, S. A. comunicou ao Autor a cessação das suas funções, alegando “caducidade” do contrato de trabalho, com efeitos a 9/5/2021 e invocando o «terminus do contrato de utilização com a empresa Talenter – Gestão de Projetos, Ldª…».
18. A 2ª Ré mantém o contrato de prestação de serviços com a PT Pro, agora designada Meo – Serviços de comunicação e Multimédia, S. A. e com a TAP Wellcome, continuando a contratar trabalhadores para desempenhar as funções anteriormente atribuídas ao Autor, nas instalações da PT em Beja.
19. Em 2021, o Autor gozou 5 dias úteis de férias.
20. O autor auferia, ultimamente, o salário base mensal de 700€.
21. Em 2021, a Ré Lusotemp, S. A. pagou ao Autor 348,75€, a título de subsídio de férias e 219,21€, a título de subsídio de Natal.
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E considerou que não se provou:
A) As rés mantiveram o acordo de utilização de trabalho temporário após 09.05.2021.

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IV. A cláusula justificativa da aposição de termo
O Autor e a 1.ª Ré celebraram, entre si, em 17/10/2019, um acordo escrito denominado “Contrato de trabalho temporário a termo incerto”.
Nos termos do referido acordo, o Autor foi admitido para trabalhar sob as ordens e direção da 2.ª Ré, com quem a 1.ª Ré havia celebrado um “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, sendo a sua retribuição paga pela 1.ª Ré.
Consta da cláusula 3.ª do acordo celebrado entre o Autor e a 1.ª Ré:
«o contrato a termo é celebrado” para «execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro», mais se referindo que «o motivo subjacente à outorga do presente contrato ocorre para fazer face a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da empresa utilizadora Talenter – Gestão de Projetos, Ldª, resultante de um contrato de prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as diretrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afetos ao presente projeto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de atividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recursos à contratação sem termo.».
Ficou ainda estabelecido que o vínculo laboral se iniciava na data da assinatura do acordo e teria duração incerta, destinando-se a vigorar enquanto se mantivesse a causa justificativa da sua celebração.
A 1.ª instância, na apreciação que fez da validade da supracitada cláusula 3.ª, concluiu pela nulidade do termo incerto convencionado e entendeu que o contrato se converteu em contrato por tempo indeterminado.
A sua decisão apoiou-se na fundamentação que, seguidamente, se transcreve:
«O trabalho temporário caracteriza-se por obedecer a um esquema triangular, em que se encontram em ação três protagonistas: o trabalhador, a Empresa de Trabalho Temporário (ETT) e o utilizador (UTT).
O alicerce do trabalho temporário repousa em dois nexos contratuais autónomos, individualizados, em que apenas um dos participantes (a ETT) é comum:
i) Vínculo entre a ETT e o utilizador (UTT); e
ii) Vínculo entre a ETT e o trabalhador.
Ora, o carácter sui generis do trabalho temporário advém do facto de a ETT, pessoa singular ou coletiva, celebrar com o trabalhador um contrato de trabalho através do qual adquire a «qualidade de empregadora», obrigando-se perante o cliente, pessoa singular ou coletiva, e mediante a celebração de um CUTT – Contrato de Utilização de Trabalho Temporário - a ceder, onerosa e temporariamente, a disponibilidade de força de trabalho. Ou seja, o seu objeto consiste em proporcionar a outrem a mão-de-obra de que este necessita.
O regime de trabalho temporário compreende dois tipos de contrato de trabalho: o contrato de trabalho a termo e o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária, sendo apenas o primeiro tipo que ora nos interessa, atenta a relação laboral em causa nos autos.
O recurso a este tipo de trabalho apenas é admitido a título excecional (assim o impõe o princípio constitucional da estabilidade do emprego), segundo as motivações objetivas taxativamente contempladas na lei e desde que respeitados determinados requisitos de forma e limites temporais - A propósito do carácter excecional do trabalho temporário, veja-se MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, Da Autonomia Dogmática do Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2000, pp. 635-636.
Na relação de trabalho temporário, o direito do utilizador nasce do contrato celebrado com a ETT e este negócio é que, por sua vez, condiciona em grande medida o contrato de trabalho, razão pela qual a celebração do contrato de trabalho temporário a termo só é permitida nas situações previstas para a celebração do contrato de utilização.
Segundo os n.ºs 1 e 4 do artigo 182.º e n.º 2 do artigo 185.º, ambos do Código do Trabalho, o contrato de utilização modela o objeto da prestação e a duração do contrato de trabalho temporário, negócio que, pela sobreposição temporal entre os dois vínculos, surge, em princípio, como um contrato subordinado na sua duração ao contrato de utilização. Desta forma, atendendo à dependência em relação ao contrato de utilização, a duração do contrato de trabalho a termo determina-se pelo prazo em que aquele contrato se estabelece (n.º 1 do art. 182.º do Código do Trabalho. A própria renovação do contrato de trabalho só é admitida se e na medida em que a duração do contrato de utilização não seja ultrapassada.)
Com efeito, resulta dos artigos supra mencionados que, além da duração do contrato de trabalho não poder exceder a do contrato de utilização, o contrato de trabalho a termo incerto dura pelo tempo necessário à satisfação de necessidade temporária do utilizador. Acresce que durante a cedência, o trabalhador está sujeito ao regime aplicável ao utilizador no que respeito ao modo, lugar, duração do trabalho e suspensão do contrato de trabalho, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais. Mais, se atendermos às condições objetivas de existência, facilmente nos apercebemos que a relação entre o contrato de trabalho e o contrato de utilização é a de uma dependência mútua, pois ambos estão reciprocamente condicionados na sua existência, encontrando-se o destino dos dois negócios intimamente associado.
Na verdade, conforme dispõe o artigo 180º do Código do Trabalho:
«1 - O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização.
2 - É nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efetuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
3 - Caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no n.º 2 do artigo 176.º ou no n.º 5 do artigo 177.º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º»
Já no que concerne à ligação do trabalhador ao utilizador, aquela não tem, por conseguinte, origem em qualquer vínculo jurídico de natureza convencional, já que o mesmo é estabelecido com a ETT, conforme dispõe a alínea a) do artigo 172.º do Código do Trabalho.
Conforme se referiu o contrato de trabalho temporário tem que cumprir com exigências de forma.
E quanto aos aspetos formais, este contrato é disciplinado pelo artigo 181.º do Código do Trabalho, que impõe, desde logo, a forma escrita na celebração do contrato. Trata-se de uma forma qualificada, uma vez que o contrato deve conter algumas menções obrigatórias.
Assim, dispõe este artigo que:
«1 - O contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter:
a) Identificação, assinaturas, domicílio ou sede das partes e número e data do alvará da licença da empresa de trabalho temporário;
b) Motivos que justificam a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que os integram;
c) Atividade contratada;
d) Local e período normal de trabalho;
e) Retribuição;
f) Data de início do trabalho;
g) Termo do contrato;
h) Data da celebração.
2 - Na falta de documento escrito ou em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
3 - O contrato que não contenha a menção do seu termo considera-se celebrado pelo prazo de um mês, não sendo permitida a sua renovação.
4 - Um exemplar do contrato fica com o trabalhador.
5 - Constitui contraordenação leve, imputável à empresa de trabalho temporário, a violação do disposto na alínea a) ou qualquer das alíneas c) a f) do n.º 1 ou no n.º 4».
Do mesmo modo o contrato de utilização de trabalho temporário tem iguais exigências substanciais e formais.
Na realidade prescreve o artigo 175º do Código do Trabalho:
«1 - O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos:
a) Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento;
b) Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da atividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador;
c) Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar direto, de natureza social, durante dias ou partes de dia;
d) Realização de projeto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de empresa ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, no que se refere à alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º, considera-se acréscimo excecional de atividade da empresa o que tenha duração até 12 meses.
3 - A duração do contrato de utilização não pode exceder o período estritamente necessário à satisfação da necessidade do utilizador a que se refere o n.º 1.
4 - Não é permitida a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional.
5 - Não é permitido celebrar contrato de utilização de trabalho temporário para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento coletivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.
6 - Constitui contraordenação muito grave imputável ao utilizador a violação do disposto no n.º 4.».
Compete ao utilizador a prova dos factos que justificam a utilização do trabalho temporário (n.º 1 do artigo 176º), sendo nulo o contrato celebrado fora das condições previstas no n.º 1 do artigo 175º (n.º 2 do artigo 176º) e considerando-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º , nos termos do qual o trabalhador pode optar, nos 30 dias seguintes ao início da prestação de atividade, por uma indemnização nos termos do artigo 396.º do Código do Trabalho.
Por sua vez prescreve o artigo 177º do mesmo diploma legal, quando às exigências de forma do contrato de utilização de serviços:
«1 - O contrato de utilização de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter:
a) Identificação, assinaturas, domicílio ou sede das partes, os respetivos números de contribuintes e do regime geral da segurança social, bem como, quanto à empresa de trabalho temporário, o número e a data do alvará da respetiva licença;
b) Motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador;
c) Caracterização do posto de trabalho a preencher, dos respetivos riscos profissionais e, sendo caso disso, dos riscos elevados ou relativos a posto de trabalho particularmente perigoso, a qualificação profissional requerida, bem como a modalidade adotada pelo utilizador para os serviços de segurança e saúde no trabalho e o respetivo contacto;
d) Local e período normal de trabalho;
e) Retribuição de trabalhador do utilizador que exerça as mesmas funções;
f) Pagamento devido pelo utilizador à empresa de trabalho temporário;
g) Início e duração, certa ou incerta, do contrato;
h) Data da celebração do contrato.
2 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, a indicação do motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
3 - O contrato de utilização de trabalho temporário deve ter em anexo cópia da apólice de seguro de acidentes de trabalho que englobe o trabalhador temporário e a atividade a exercer por este, sem o que o utilizador é solidariamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
4 - (Revogado.)
5 - O contrato é nulo se não for celebrado por escrito ou não contiver qualquer uma das menções referidas nas alíneas do n.º 1.
6 - No caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
7 - Constitui contraordenação leve imputável à empresa de trabalho temporário e ao utilizador a violação do disposto nas alíneas a), c) ou f) do n.º 1.»
O autor alega que a indicação do motivo justificativo no contrato de trabalho temporário é vaga e genérica, não se concretizando os factos em que se traduz o invocado acréscimo excecional de atividade nem porque motivo se opta, no caso, pela contratação a termo incerto.
É de salientar que esta exigência se prende com a possibilidade do motivo ser sindicável pelo tribunal possibilitando um controlo não só pelo trabalhador mas também um controlo judicial.
No caso provou-se a seguinte justificação aposta no contrato celebrado com o autor:
“o motivo subjacente à outorga do presente contrato ocorre para fazer face a tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro da empresa utilizadora Talenter – Gestão de Projetos, Ldª, resultante de um contrato de prestação de serviços de duração limitada, celebrado com a empresa cliente PT Pro, para, em regime de outsourcing, prestar um serviço personalizado na linha outbound Tap Welcome Call, o que seguirá as diretrizes do cliente, para o exercício das funções adstritas aos trabalhadores temporários afetos ao presente projeto, uma vez que no decurso do contrato acima referido, o ciclo anual de atividades apresenta irregularidades, decorrentes da natureza estrutural dos serviços prestados, provocando cargas de trabalho que oscilam por excesso ou por defeito, segundo critérios de qualidade e níveis de serviço impostos pela PT Pro, tal determina um ajuste periódico das dotações de meios humanos, podendo deste modo vir a verificar-se períodos de aumento ou de decréscimo de atividade, também eles consequentemente imprevisíveis quanto à sua intensidade e quanto ao seu número, não se justificando o recursos à contratação sem termo.»
Os referidos motivos são coincidentes com os motivos que constam do CUTT celebrado entre as rés para justificação da utilização do trabalho temporário conforme decorre da cláusula do referido CUTT transcrito no ponto 12º da matéria de facto provada.
Analisando a matéria de facto provada, e os motivos subjacentes ao CTT, constatamos que os mesmos são inválidos. Com efeito, da leitura dos motivos invocados não é possível concluir pela duração precisa e limitada do contrato de prestação de serviços celebrado entre a EUTT e a PT e que motiva a contratação temporária do autor, sendo certo que, apesar da caducidade do contrato de utilização, se mantiveram as necessidades que motivaram a contratação do autor, mantendo-se em vigor o contrato de prestação de serviços celebrado entre a empresa utilizadora e a PT, cliente da segunda ré, tanto mais que a 2ª ré contactou o autor para celebrar um novo contrato a termo para se manter em funções, invocando os mesmos factos. Não estamos, assim, perante uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro nem os termos genéricos utilizados na justificação é suficiente para se julgar suficientemente justificado o recurso ao trabalho temporário a termo incerto.
JÚLIO GOMES (in Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 596), a propósito da alínea g) do n.º 2 do artigo 129.º do Código do Trabalho de 2003, afirma que «a referência ao carácter não duradouro já resultaria, porventura, de estar em jogo uma necessidade temporária, mas vem talvez reforçar a ideia de que se tem de tratar de um serviço de duração limitada no tempo: por exemplo, a instalação de um novo sistema informático numa empresa ou num sector de uma empresa, ou a decoração ou redecoração de um estabelecimento».
Assim sendo e perante tal conclusão o contrato de trabalho temporário do autor deverá ser convertido em contrato de trabalho sem termo/por tempo indeterminado, sendo a entidade empregadora a primeira ré, nos termos do disposto no artigo 180º, n.º 2 do Código do Trabalho.».
Os apelantes não se conformam com esta decisão, pois entendem que a cláusula 3.ª do contrato de trabalho não é vaga, nem genérica, dado que permite compreender a necessidade temporária que levou à contratação do apelado e a razão porque o mesmo não poderia deixar de ser contratado a termo incerto.
Pugnam, em sede de recurso, para que seja reconhecida a validade da cláusula de justificação do termo prevista no contrato.
Todavia, a sua pretensão não pode proceder, pois a apreciação feita pela 1.ª instância da mencionada cláusula merece a nossa absoluta concordância.
De acordo com o n.º 1 do artigo 180.º do Código do Trabalho, é possível celebrar um contrato de trabalho temporário a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para o contrato de utilização.
Deve, no entanto, o contrato de trabalho conter a menção concreta dos factos que integram o motivo que justifica a sua celebração, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário – artigo 181.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho.
No vertente caso, a justificação para a aposição de termo incerto ao contrato de trabalho celebrado coincide com a que consta do “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário” para justificar o recurso ao trabalho temporário.
Porém, atendendo ao conteúdo da cláusula justificativa, desde logo, não é possível compreender a concreta razão que motivou a necessidade de contratação do apelado para desempenhar as funções de “customer care”, sob as ordens e direção da 2.ª Ré, durante um período de tempo limitado, mas incerto.
Os termos da cláusula justificativa apresentam-se demasiados vagos e genéricos e, como tal, insuficientes para justificar a contratação a termo do apelado.
Dito de outro modo, a leitura da cláusula não permite perceber os específicos motivos que determinaram a contratação do trabalhador, a termo incerto.
Ora, como referimos anteriormente, decorre do artigo 181.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho, que o contrato de trabalho temporário deve conter, entre outros aspetos, uma suficiente indicação dos motivos que justificam a celebração do específico contrato, com a menção concreta dos factos que os integram[2].
No vertente caso verifica-se insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, o que determina que se considere que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo – artigo 181.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
Acresce que, nos termos do artigo 180.º, n.º 1 do aludido compêndio legal, o contrato de trabalho temporário a termo resolutivo, certo ou incerto, só pode ser celebrado, nas situações previstas para a celebração do contrato de utilização.
Tais situações são as contempladas no artigo 175.º, conjugado com o artigo 140.º do mesmo código.
No caso que se aprecia, o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado pretende enquadrar-se na situação prevista na alínea g) do n.º 2 do artigo 140.º : “Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”.
Mas, uma vez que o contrato de trabalho temporário a termo incerto não pode ultrapassar determinada duração fixada na lei – artigo 182.º, n.ºs 4 e 5 do Código do Trabalho – é de pressupor que a necessidade temporária e transitória que justifica a natureza excecional da contratação a termo deve ocorrer dentro do limite máximo de duração do contrato de utilização de trabalho temporário - artigo 178.º do Código do Trabalho.
Ora, resulta do elenco dos factos provados que a apresentada necessidade que levou à celebração do contrato de utilização de trabalho temporário corresponde, afinal, a uma situação duradoura, pois a 2.ª Ré continua a manter o contrato de prestação de serviços com a PT Pro, agora designada Meo – Serviços de comunicação e Multimédia, S. A. e com a TAP Wellcome, continuando a contratar trabalhadores para desempenhar as funções anteriormente atribuídas ao Autor, nas instalações da PT em Beja.
Aliás, em dezembro de 2020 e abril de 2021, as Rés propuseram ao Autor nova contratação a termo incerto com vista à satisfação da aludida prestação de serviços, conforme resultou demonstrado no ponto 15 do acervo de factos assentes..
Ora, o exposto, leva-nos a concluir que o contrato de utilização de trabalho temporário desrespeitou as situações legalmente previstas para a sua celebração, pelo que, também nos termos do n.º 2 do artigo 180.º do Código do Trabalho, o termo estipulado no contrato de trabalho temporário é nulo.
Em consequência, considera-se, também por esta via, que o contrato de trabalho celebrado com a 1.ª Ré se converteu em contrato de trabalho sem termo.
Face ao exposto, sufragamos a decisão que declarou a nulidade da cláusula justificativa da aposição de termo e entendeu que o contrato de trabalho teria que ser convertido em contrato sem termo.
Improcede, pois, a primeira questão suscitada no recurso.
*
V. Cessação do contrato de trabalho
Pretendem os apelantes que se decida que o contrato de trabalho celebrado com o apelado cessou por caducidade.
Contudo, também quanto a esta questão o recurso terá de improceder.
A partir do momento em que o contrato celebrado foi convertido em contrato sem termo ou por tempo indeterminado, a carta datada de 07/04/2021, através da qual a 1.ª Ré comunicou ao apelado, inequivocamente, que o seu contrato de trabalho cessava em 09/05/2021, consubstancia um despedimento ilícito, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar, nos termos previstos pelo artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho, como bem decidiu a 1.ª instância.
Concluindo, a decisão recorrido merece ser confirmada, pelo que o recurso apresentado terá de improceder na totalidade.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Évora, 20 de abril de 2023
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Cfr. Acórdão desta Secção Social de 13/02/2014, Proc. 628/12.6TTSTB.E1, consultável em www.dgsi.pt.