Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2216/18.4T8STB.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: EXCEPÇÃO DO CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I- Tendo sido julgada uma acção de dívida em que o credor alegou, mas não provou, a interpelação do devedor e a resolução do contrato de mútuo e que, por isso, foi julgada improcedente, não pode o credor propor nova acção com igual pedido e causa de pedir mas provando, desta vez, aqueles dois factos (mesmo que com datas diferentes).
II- O caso julgado impede o credor de propor nova acção nestes termos.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2216/18.4T8STB.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora

(…) – Sucursal da S.A. Francesa (…) intentou a presente ação contra (…) e (…) peticionando a condenação dos réus no pagamento da quantia de € 7.073,74 a título de capital, acrescida de juros vencidos no valor de € 3.474,83 à taxa convencional de 19,90% e demais juros vincendos, € 559,91 referente a comissão pelo incumprimento e € 22,40 e imposto de selo.
Para tanto, alegou ter celebrado com os réus um contrato de financiamento através de crédito em conta corrente, datado de 10 de agosto de 2009, tendo disponibilizado aos mesmos o montante total de € 8.460,00.
Mais alegou que o valor emprestado devia ter sido reembolsado à autora em prestações mensais. Em 01 de Março de 2015, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga e desde essa data os réus deixaram de cumprir o pagamento das prestações mensais, sendo a taxa anual atualmente em vigor de 19,90%.
Assim, em 27 de Fevereiro de 2018, o contrato foi resolvido por incumprimento definitivo do devedor.
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Os réus contestaram a ação por exceção e por impugnação.
Desde logo, invocaram a exceção de caso julgado, alegando que correu termos o processo n.º 37418/16.9YIPRT, no Juiz 1, do Tribunal de Setúbal, no qual a autora peticionou a condenação dos réus no pagamento da dívida aqui invocada e no qual foram absolvidos do pedido.
Concluíram requerendo a condenação da autora como litigante de má-fé.
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Foi proferido despacho saneador em que se julgaram improcedentes as exceções de ineptidão e de caso julgado invocadas pelos réus.
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Depois da audiência de julgamento, foi proferida sentença cuja parte decisória é esta:
a) condenar os réus (…) e (…) no pagamento à (…) da quantia de € 7.918,71, correspondendo € 7.073,74 a título de capital, € 844,97 a título de juros de mora vencidos, calculados até à presente data, acrescido de € 22,40, a título de imposto do selo, bem como no pagamento dos juros de mora vincendos, desde a presente data e até efetivo pagamento, à taxa anual de 4%.
b) condenar as partes no pagamento das custas do processo na proporção de 8% e 92%, autora e réus respetivamente.
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Desta sentença recorrem os RR. invocando a violação do caso julgado e impugnando a matéria de facto.
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Em rigor, deveríamos começar pela impugnação da matéria de facto. Mas na possibilidade de ser procedente a excepção invocada, fica prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
Por isso, será analisada, em primeiro lugar, a referida excepção e, eventualmente, a restante matéria.
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A matéria de facto é a seguinte:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica a operações de financiamento por conta de terceiros com exceção das operações de carácter puramente bancário e, por outro lado, a corretagem de seguros.
2. A autora no exercício da sua atividade comercial, celebrou com os réus o contrato datado de 04/08/2009 e com o número (…), que constitui o documento n.º 1, junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3. Do referido contrato consta, entre outros dados, como morada do 1.º Titular […] a Rua (…), n.º 4, 4.º Dto, e onde se lê “solicito a minha reserva de 5000 €, com a prestação mensal de 115 €”; “TAEG de 19,51% e TAN de 16,80%”; “os prazos deste contrato em conta corrente são indeterminados. A título meramente indicativo informamos que o prazo de reembolso, válido para a primeira utilização de qualquer montante de crédito e sem adesão ao seguro facultativo é de 71 meses”; e ainda “Sim, desejo aderir, sem seguro”.
4. Nos termos das condições gerais contratadas, sendo «CLT» o cliente e «IC» a instituição de crédito, consta:
Cláusula 6.1
“A IC autoriza o CLT a utilizar o crédito concedido através da conta corrente Maxicrédito, até ao montante autorizado pela IC (“Reserva”).”
Cláusula 6.2
“O CLT poderá optar, durante a vigência deste contrato, pela utilização, ou não, do crédito até ao limite máximo do crédito autorizado (“Reserva”). Enquanto não utilizar o crédito autorizado o CLT não tem quaisquer encargos ou despesas de manutenção da “Reserva”.”
Cláusula 6.3
“O crédito considera-se utilizado na data da disponibilização pela IC ao CLT da totalidade ou parte do montante de crédito em conta corrente autorizado. Para o efeito, a IC disponibilizará por transferência bancária para a conta bancária indicada pelo CLT nas CP o montante por este solicitado que nunca pode ser inferior a 5.000,00 (para qualquer limite máximo autorizado).”
Cláusula 6.4
O CLT poderá utilizar como e quando entender o montante de crédito em conta corrente até ao limite autorizado, solicitando à IC a disponibilização do crédito, na totalidade ou em frações, por transferência na conta bancária indicada nas CP. À medida que vá amortizando o capital, o CLT poderá solicitar à IC reutilizações do crédito.”
Cláusula 6.5A
“A movimentação da conta corrente é registada pela IC num extrato a enviar mensalmente ao CLT, em papel ou noutro suporte duradouro, devendo o CLT informar imediatamente a IC caso discorde de algum dos movimentos aí registados.”
Cláusula 7.1
“O limite máximo do crédito autorizado não pode ser ultrapassado, podendo o CLT a todo o tempo solicitar à IC a alteração desse limite ou sob proposta da IC ao CLT (…)
Cláusula 7.3
“As alterações do limite máximo do crédito em conta corrente são comunicadas pela IC pelo CLT através do extrato de conta previsto no ponto 6.5.”
Cláusula 7.4
“Consideram-se aceites pelo CLT as alterações nos limites do crédito autorizadas pela IC quando este faça utilizações até tais limites.”
Cláusula 8.2
“A TAN ou a TAEG poderão ser alteradas por atualização das taxas praticadas pela IC, por variação do regime legal ou fiscal aplicável seja por alteração das circunstâncias em que foram fixadas ou de alguns dos encargos considerados para o seu cálculo. O CLT é avisado previamente por escrito, através do extracto mensal referido no ponto 6.5, de qualquer alteração da taxa de juro, encargos com o crédito e reembolso mínimo mensal ou outras condições de pagamento, sendo as novas condições aplicadas ao saldo devedor a partir da data de vencimento da prestação mensal seguinte.
Cláusula 8.4
“O custo do seguro de proteção do crédito, que é facultativo, não está incluído na TAEG. Optando o CLT pela adesão ao seguro, o respetivo custo é imputado à prestação mensal de reembolso do crédito aumentando o prazo de reembolso.”
Cláusula 9.1
“Todas as despesas, impostos ou encargos inerentes ou resultantes da assinatura, vigência, execução, cumprimento e incumprimento do contrato de crédito, são da responsabilidade da CLT, podendo ser cobrados pela IC nos mesmos termos e pelos mesmo meios utilizados para a cobrança das prestações de reembolso do crédito.”
Cláusula 9.2
“O presente contrato tem os seguintes encargos: Preçário
- imposto de selo conta corrente (incluído na TAEG) …
- imposto de selo sobre juros (incluído na TAEG) …
- valor cobrado a titulo de despesas de cobrança das prestações quando a IC emite documento para pagamento através dos CTT … (Não Incluído na TAEG) …
- prémio do seguro mensal (quando aplicável, não incluído na TAEG) …
- comissão por mora (…): 4% sobre a prestação mensal em mora
- comissão por incumprimento definitivo (…): 8% sobre o montante total em dívida…
- custos de recuperação do crédito através de contencioso externo (quando aplicável – não incluído da TAEG): em caso de mora ou de incumprimento poderão ser cobrados ao CLT encargos adicionais sempre que a IC recorra a empresas terceiras para recuperação do crédito de acordo com o preçário em vigor na data da mora ou incumprimento definitivo. (…)
- comissão de reembolso antecipado (…).
Cláusula 10.1
“As prestações mensais correspondem a uma parte fixa e pré-estabelecida de valor igual a 2,3% do limite máximo do montante do crédito em conta corrente autorizado, em cada momento, sendo o número dessas prestações variável.”
Cláusula 10.3
“As prestações vencem-se ao dia 1 de cada mês e o seu pagamento é feito por débito na conta bancária do CLT indicada nas CP. O CLT obriga-se a manter a sua conta bancária provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações de reembolso.”
Cláusula 12.1
“O CLT fica constituído em mora caso não efetue o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros na data do respetivo vencimento.”
Cláusula 12.2
“Sobre as importâncias em mora incidirá a comissão prevista na cláusula 9.º (que inclui sobretaxa sobre juros contratuais e compensação de custos extra-judiciais para recuperação).”
Cláusula 12.3
“A IC pode capitalizar os juros remuneratórios e encargos vencidos e não pagos, adicionando tais juros ao capital em dívida, nos termos da lei.”
Cláusula 12.5
“Verificada a mora em duas ou mais prestações sucessivas, cuja soma exceda 10% do montante total do crédito em dívida, a IC informará o CLT, por escrito, de que possui um prazo suplementar de 15 dias de calendário, contados da data de vencimento da segunda prestação, para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas dos encargos devidos pela mora com a expressa advertência de que, caso não o faça, a IC poderá exigir de imediato todos os montantes em dívida ou resolver o contrato.”
Cláusula 16.1
“Verifica-se incumprimento definitivo por parte do CLT quando, cumulativamente i) se encontrar em falta o pagamento de, pelo menos, duas prestações sucessivas, desde que o valor em conjunto das prestações em falta exceda 10% do montante total do crédito em dívida; e ii) o CLT não proceda ao pagamento das prestações em atraso no prazo concedido para o efeito pela IC nos termos do número 5 da cláusula 12.º.”
Cláusula 16.2
“Com o incumprimento definitivo do contrato, é imediatamente devido o montante total em dívida que compreende os prémios de seguro (quando aplicáveis), todos os encargos vencidos, incluindo a comissão de incumprimento, juros e capital em dívida e ainda os juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida.”
5. Em 22 de Setembro de 2009 o 1.º réu aderiu ao seguro de facultativo referente ao crédito disponibilizado ao abrigo do contrato referido no ponto 2.
6. Em execução do contrato referido no ponto 2, a autora disponibilizou aos réus a quantia de € 5.000,00, em 12 de agosto de 2009.
7. Em execução do contrato referido no ponto 2, a autora disponibilizou aos réus a quantia de € 3.460,00, em 25 de janeiro de 2011.
8. Em 01 de março de 2015, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga, nem as seguintes.
9. Em 1 de setembro de 2011, encontrava-se em dívida o valor de € 7.073,74.
10. A autora interpelou os réus para procederem ao pagamento dos valores em dívidas, entre outras vezes por carta de 05.02.2018, nos termos dos documentos n.º 5 e 6, juntos com a petição, mas nenhum valor foi liquidado, entretanto.
11. A autora por missiva postal datada de 27 de fevereiro de 2018 comunicou aos réus a resolução do contrato, nos termos dos documentos n.º 9 e 10.
12. Correu termos o processo n.º 37418/16.9YIPRT, no Juiz 1, deste Juízo Local Cível, no qual a autora peticionou a condenação dos réus no pagamento da dívida aqui peticionada, tendo os réus deduzido oposição no processo em 20.06.2016.
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Acrescentamos a matéria de facto constante da sentença proferida no referido processo bem como a respectiva decisão:
1. A Autora é uma sociedade comercial cujo objecto consiste em, por um lado todas as operações de financiamento por conta de terceiros com excepção das operações de carácter puramente bancário e por outro lado a corretagem de seguros.
2. A Autora no exercício da sua actividade comercial, celebrou com os RR. um contrato datado de 04/08/2009 e com o número (…), no qual consta, entre outros dados, como morada do 1.º Titular […] a Rua (…), n.º 4, 4.º Dto, e onde se lê “solicito a minha reserva de 5000 €, com a prestação mensal de 115 €”; “TAEG de 19,51% e TAN de 16,80%”; e ainda “Sim, desejo aderir, sem seguro”.
3. Nos termos das condições gerais contratadas, sendo «CLT» o cliente e «IC» a instituição de crédito:
3.1 A IC autoriza o CLT a utilizar o crédito concedido através da conta corrente Maxicrédito, até ao montante autorizado pela IC (“Reserva”) [cláusula 6.1];
3.2 O CLT poderá optar, durante a vigência deste contrato, pela utilização, ou não, do crédito até ao limite máximo do crédito autorizado (“Reserva”). Enquanto não utilizar o crédito autorizado o CLT não tem quaisquer encargos ou despesas de manutenção da “Reserva” [cláusula 6.2].
3.3 O crédito considera-se utilizado na data da disponibilização pela IC ao CLT da totalidade ou parte do montante de crédito em conta corrente autorizado. Para o efeito, a IC disponibilizará por transferência bancária para a conta bancária indicada pelo CLT nas CP o montante por este solicitado que nunca pode ser inferior a 5.000,00 (para qualquer limite máximo autorizado) [cláusula 6.3].
3.4 O CLT poderá utilizar como e quando entender o montante de crédito em conta corrente até ao limite autorizado, solicitando à IC a disponibilização do crédito, na totalidade ou em fracções, por transferência na conta bancária indicada nas CP. À medida que vá amortizando o capital, o CLT poderá solicitar à IC reutilizações do crédito [cláusula 6.4].
3.5 A movimentação da conta corrente é registada pela IC num extracto a enviar mensalmente ao CLT, em papel ou noutro suporte duradouro, devendo o CLT informar imediatamente a IC caso discorde de algum dos movimentos aí registados [ponto 6.5].
3.6 O limite máximo do crédito autorizado não pode ser ultrapassado, podendo o CLT a todo o tempo solicitar à IC a alteração desse limite ou sob proposta da IC ao CLT (…) [cláusula 7.1].
3.7 As alterações do limite máximo do crédito em conta corrente são comunicadas pela IC pelo CLT através do extracto de conta previsto no ponto 6.5. [cláusula 7.3].
3.8 Consideram-se aceites pelo CLT as alterações nos limites do crédito autorizadas pela IC quando este faça utilizações até tais limites [cláusula 7.4].
3.9 A TAN ou a TAEG poderão ser alteradas por actualização das taxas praticadas pela IC, por variação do regime legal ou fiscal aplicável seja por alteração das circunstâncias em que foram fixadas ou de alguns dos encargos considerados para o seu cálculo. O CLT é avisado previamente por escrito, através do extracto mensal referido no ponto 6.5, de qualquer alteração da taxa de juro, encargos com o crédito e reembolso mínimo mensal ou outras condições de pagamento, sendo as novas condições aplicadas ao saldo devedor a partir da data de vencimento da prestação mensal seguinte [cláusula 8.2].
3.10 O custo do seguro de protecção do crédito, que é facultativo, não está incluído na TAEG. Optando o CLT pela adesão ao seguro, o respectivo custo é imputado à prestação mensal de reembolso do crédito aumentando o prazo de reembolso [cláusula 8.4].
3.11 As prestações mensais correspondem a uma parte fixa e pré-estabelecida de valor igual a 2,3% do limite máximo do montante do crédito em conta corrente autorizado, em cada momento, sendo o número dessas prestações variável [cláusula 10.1].
3.12 As prestações vencem-se ao dia 1 de cada mês e o seu pagamento é feito por débito na conta bancária do CLT indicada nas CP. O CLT obriga-se a manter a sua conta bancária provisionada, ao dia 1 de cada mês, em montante suficiente para permitir o débito das prestações de reembolso [cláusula 10.3].
3.13 O CLT fica constituído em mora caso não efectue o pagamento de qualquer prestação de capital e/ou juros na data do respectivo vencimento [cláusula 12.1].
3.14 Sobre as importâncias em mora incidirá a comissão prevista na cláusula 9.º (que inclui sobretaxa sobre juros contratuais e compensação de custos extra-judiciais para recuperação) [cláusula 12.2].
3.15 A IC pode capitalizar os juros remuneratórios e encargos vencidos e não pagos, adicionando tais juros ao capital em dívida, nos termos da lei [cláusula 12.3].
3.16 Verificada a mora em duas ou mais prestações sucessivas, cuja soma exceda 10% do montante total do crédito em dívida, a IC informará o CLT, por escrito, de que possui um prazo suplementar de 15 dias de calendário, contados da data de vencimento da segunda prestação, para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas dos encargos devidos pela mora com a expressa advertência de que, caso não o faça, a IC poderá exigir de imediato todos os montantes em dívida ou resolver o contrato [cláusula 12.5].
3.17 Verifica-se incumprimento definitivo por parte do CLT quando, cumulativamente i) se encontrar em falta o pagamento de, pelo menos, duas prestações sucessivas, desde que o valor em conjunto das prestações em falta exceda 10% do montante total do crédito em dívida; e ii) o CLT não proceda ao pagamento das prestações em atraso no prazo concedido para o efeito pela IC nos termos do número 5 da cláusula 12.º [cláusula 16.1].
3.18 Com o incumprimento definitivo do contrato, é imediatamente devido o montante total em dívida que compreende os prémios de seguro (quando aplicáveis), todos os encargos vencidos, incluindo a comissão de incumprimento, juros e capital em dívida e ainda os juros de mora à taxa legal sobre toda a dívida vencida [cláusula 16.2].
4. Em 22 de Setembro de 2009 o 1.º Réu aderiu ao seguro de facultativo referente ao crédito disponibilizado ao abrigo do contrato referido no ponto 2.
5. Em execução do contrato referido no ponto 2, a Autora disponibilizou aos Réus a quantia de € 5.000,00 em 12 de Agosto de 2009.
6. Em execução do contrato referido no ponto 2, a Autora disponibilizou aos Réus a quantia de € 3.460,00 em 25 de Janeiro de 2011.
2.2 Factos não provados
a) Que em 01 de Março de 2015, na data de vencimento da prestação, a mesma não foi paga.
b) Que a Autora por missiva postal datada de 02 de Setembro de 2015 tenha interpelado os Réus a procederem ao pagamento de prestações em atraso.
c) Que a Autora por missiva postal datada de 01 de Outubro de 2015 tenha comunicado aos Réus a resolução do contrato.
d) Que a Autora tenha enviado aos Réus os extractos de conta referidos na cláusula 6.5 do contrato.
Decisão:
Assim e pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente e, em consequência:
a) Absolvo os Réus do pedido.
b) Condeno a Autora no pagamento das custas do processo.
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A função primacial do caso julgado é que a questão que foi julgada não mais o poderá ser de novo. Sobre um determinado conflito recai uma decisão e só uma. O caso julgado garante, assim, que os tribunais não tomem sobre o mesmo caso decisões diferentes. Como escreve Manuel de Andrade, o prestígio dos tribunais «seria comprometido no mais alto grau se a mesma situação concreta, uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 1979, p. 306; itálico no original).
Mas tem também a função de garantir a certeza ou segurança jurídica. De acordo com o mesmo autor, seria «intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu» (idem, ibidem). Esta função de garantia destina-se também a defender as pessoas destinatárias da sentença; estas pessoas sabem, e contam com isso, que o litígio não será discutido de novo, que a excepção de caso julgado serve para as proteger de nova demanda igual à anterior.
«O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem.
«O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur.
«Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão» (negritos no original) (Rui Pinto, «Exceção e Autoridade do Caso Julgado ­– Algumas Notas Provisórias», publicado na revista Julgar Online, de Novembro de 2018, p. 6).
Como também escrevem Lebre de Feitas e Isabel Alexandre (Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, 2017, p. 599), a «exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela exceção, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade de caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito».
No efeito negativo do caso julgado, a identidade de elementos indicados no art.º 581.º, Cód. Proc. Civil, tem de existir; já no efeito positivo tal identidade não é exigível, bastando que o objecto da segunda acção esteja consumido pelo da primeira (seja por conexão ou qualquer outra ligação entre ambos).
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Ainda, um dos elementos que permitem a formação do caso julgado é o da preclusão, isto é, a perda da oportunidade, quando ela existia, de discutir um dado objecto da acção. Como é sabido, toda a defesa deve ser deduzida da contestação (art.º 573.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil) sendo corolário deste princípio da concentração da defesa a preclusão: se não impugnar os factos alegados pelo autor, se não alegar os factos que integram uma excepção ou mesmo se não deduzir excepções, fica sem a possibilidade de o vir a fazer num momento posterior (cfr. Lebre de Freitas, Cód. Proc. Civil Anotado, vol. 2.º, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, p. 295; e também com Isabel Alexandre, ob. cit., p. 566).
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Por último, na delimitação do caso julgado, não podemos deixar de considerar os fundamentos da decisão. Se é só esta que transita nos precisos termos e limites em que julga (art.º 621.º Cód. Proc. Civil), as razões do decidido são importantes para conhecermos os termos do julgamento. Como escreve Rui Pinto, o «título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos» (p. 19).
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Tendo estas considerações por pano de fundo, vejamos agora o despacho que decidiu não existir a excepção de caso julgado.
Transcreve-se:
(…) a causa de pedir não se afere por referência ao fundamento jurídico que sustenta a pretensão da parte – no caso o incumprimento e na resolução do contrato – mas nos concretos factos em que esse fundamento de extinção do acordo assenta.
«De facto, por via da ação n.º 37418/16.9YIPRT, intentada pela autora contra os réus, a autora invocou o incumprimento do contrato de concessão de crédito celebrado entre as partes e a sua resolução, reclamando o reembolso do valor total em dívida. Sendo certo que na decisão proferida no processo em causa ficou provado que a autora em execução do contrato celebrado disponibilizou aos réus € 5.000,00, em 12 de agosto de 2009, e € 3.640,00, em 25 de janeiro de 2011 e a resposta dada à pretensão da autora assentou na circunstância de o Tribunal ter entendido que a autora não tinha direito a reclamar os valores peticionados porquanto não demostrou que lhe assistia o direito de resolver o contrato, ou seja a mora dos réus e a interpelação para cumprir, como se pode ver da conclusão jurídica constante do segmento final da página doze da sentença proferida.
«É verdade que na presente ação a autora volta a peticionar determinado montante em dívida com fundamento no incumprimento o mesmo contrato de concessão de crédito, sucede que nesta ação vem alegar factos novos e posteriores relativamente àquela decisão, e cuja omissão constituiu fundamento para a improcedência da pretensão da autora na primeira ação.
«Em suma na decisão proferida no processo n.º 37418/16.9YIPRT o Tribunal entendeu que a autora não tinha direito a reclamar os valores peticionados porque não demostrou que interpelou os réus para o pagamento e que resolveu o contrato, pressupostos que foram considerados determinantes para a decisão à luz do enquadramento jurídico em que assentou.
«Donde o que resulta que por via daqueloutra ação não ficou decidido que a autora não tinha direito a ser reembolsada dos valores em dívida emergentes do contrato em causa, mas tão só que a autora para o fazer tinha que interpelar os réus e resolver o contrato, o que não logrou demostrar ter feito até aquele momento.
«Por via desta ação, a autora tendo subsequente procedido à interpelação dos réus e à resolução do contrato, veio novamente reclamar o valor em dívida.
«Nesta confluência, julga-se que não estão verificados os pressupostos legais do caso julgado, na medida em que os factos em que a autora funda a agora a sua pretensão são outros, não havendo por isso identidade da causa de pedir.
«Assim sendo, como é bom de ver, improcede a invocada exceção de caso julgado, devendo a ação prosseguir».
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Salvo o devido respeito, não podemos concordar.
A acção anterior foi julgada improcedente porque a A. não demonstrou que o contrato tivesse sido resolvido, não obstante ter alegado tal facto. Com efeito, na parte dos factos não provados da sentença do referido processo, consta o seguinte: que a Autora por missiva postal datada de 01 de Outubro de 2015 tenha comunicado aos Réus a resolução do contrato, tal como não provou que os RR. tivessem sido interpelados para cumprir. Foi com base nisto que o tribunal absolveu os RR. do pedido. Não podemos, pois, dizer que o «Tribunal entendeu que a autora não tinha direito a reclamar os valores peticionados porque não demostrou que interpelou os réus para o pagamento e que resolveu o contrato». Isto é esquecer o efeito positivo do caso julgado, a definição da solução dada ao litígio. Note-se que a acção foi julgada improcedente e esta improcedência tem o sentido de resultar do conhecimento do mérito da causa. Não se trata de uma condição de procedibilidade mas sim do próprio mérito da causa. Concordamos, assim, com os recorrentes quando afirmam que a primeira acção não terminou com uma absolvição da instância; «foi julgada improcedente a pretensão da Recorrida, isto é, do seu pedido, porque os factos constitutivos da mesma não ficaram demonstrados» (p. 5 das alegações).
E dúvidas não há que o contrato, tal como o pedido, é exactamente o mesmo.
Decorre do exposto que também não concordamos com a seguinte frase do saneador: «a autora tendo subsequente procedido à interpelação dos réus e à resolução do contrato, veio novamente reclamar o valor em dívida». Foi isto que a A. fez, claro, mas o efeito impeditivo do caso julgado não permite que tal seja feito.
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No seguimento do que antecede, o art.º 621.º Cód. Proc. Civil, define o alcance do caso julgado. E acrescenta: «se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique». Isto não significa que qualquer facto que seja praticado depois da primeira sentença é relevante para este efeito. Se a causa de pedir foi deficientemente alegada ou se não obteve prova total, é evidente que a parte vencida não pode propor nova acção com melhor alegação ou com melhor prova. Aqui, a preclusão intervém. Como escreve Manuel de Andrade, «os actos (maxime as alegações de factos ou os meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos» (ob. cit., p. 382).
Por isso, o citado preceito legal não tem aplicação ao caso que alguns factos se não tenham provado numa acção, propondo o autor uma nova em tudo igual mas com melhor prova. É este o «caso em que, estando a condição [equivalente ao facto, dados os termos do art.º 621.º)] já verificada à data do encerramento da discussão em 1.ª instância, o facto não tenha sido alegado ou provado: sem prejuízo de (…) se poder lançar mão do recurso de revisão [art.º 696.º-c)], o caso julgado impede a propositura de nova acção em que a condição seja alegada» (Lebre de Feitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 756).
É este mesmo o caso dos autos.
A A. não provou, na anterior acção, que tivesse interpelado os réus ou que tivesse resolvido o contrato, embora tenha alegado isto. Não pode, pois, ao abrigo daquele preceito legal, propor nova acção em que prova tais factos. E note-se que não altera os dados da questão a circunstância de a resolução e a interpelação dadas por provadas no presente processo terem ocorrido depois da primeira sentença quando, na acção anterior, a recorrida tinha alegado que tais factos aconteceram antes, em 2015. Para frustrar a garantia do caso julgado, bastaria a parte alegar, de cada vez que propusesse uma acção igual, novas datas, sempre posteriores à sentença anterior. Cremos que isto toca as raias da má fé e a recorrida não pode aproveitar-se disto. Como escrevem os recorrentes: «O que fez a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo foi consentir e permitir que a Recorrida, que viu frustradas as suas pretensões no processo 37418/16.9YIPRT, por sua única e exclusiva responsabilidade, reincidisse, até que, de tentativa em tentativa, conseguisse, finalmente, atingir o seu objectivo – e que veio efectivamente a concretizar» (conclusão XVIII).
Quantas vezes poderia a A. propor a acção até obter prova?
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Entendemos, assim, que existe caso julgado que impede que o tribunal se pronuncie de novo sobre o mesmo contrato celebrado entre as partes.
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Isto significa que o recurso procede por violação do caso julgado o que, por sua vez, significa que está prejudicado o conhecimento do recurso sobre as restantes questões. Aliás, sendo esta uma excepção dilatória, o tribunal está impedido de conhecer do mérito da causa devendo antes absolver os réus da instância (art.º 576.º, n.º 2, Cód. Proc. Civil).
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revoga-se a sentença recorrida por verificação da excepção de caso julgado e absolvem-se os recorrentes da instância.
Custas pela recorrida.
Évora, 19 de Dezembro de 2019
Paulo Amaral
Rosa Barroso
Francisco Matos

Sumário:
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