Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
647/18.9T8PTM.E1
Relator: PAULO AMARAL
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
ACÇÃO DECLARATIVA
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido.
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 647/18.9T8PTM.E1

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


(…) – Estudos e Equipamentos Hoteleiros, Lda. propôs a presente acção contra (…) e (…) pedindo que se declare a nulidade da transição do contrato de arrendamento celebrado com as Rés para o regime do NRAU e actualização da respectiva renda, pretendendo ver reconhecido que tal contrato não se subsume ao citado regime jurídico e que a renda mensal é do montante de € 483,00 e a ser declarada a nulidade da resolução do contrato de arrendamento titulada pela notificação judicial avulsa referida na petição inicial.
Alegou que é inquilina das RR. e que estas instauraram um processo executivo para cobrança de rendas actualizadas ao abrigo do NRAU. As RR. alegaram no requerimento executivo que tinham comunicado à A. o aumento da renda mas que esta continuou a pagar a renda de € 483,00. Alega ainda que tal processo de actualização é inválido.
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As RR. contestaram alegando que a A. não deduziu oposição à execução.
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Foi decidido absolver os RR. da instância por impossibilidade da lide,
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Desta sentença recorre a A. concluindo as suas alegações desta forma:
6) Na presente acção não está em discussão saber se a ora Autora deve às ora Rés determinada importância a título de rendas, mas antes determinar da validade/eficácia, quer da actualização da renda operada pelas Rés e transição para o NRAU do Contrato de Arrendamento referido no artigo 3º da p. i., quer da resolução de tal Contrato de Arrendamento.
7) A(s) questão(ões) em discussão no presente processo não se subsume(m) à(s) questão(ões) que estiveram em análise no processo executivo.
8) A dedução de Embargos de Executado nunca seria apta à obtenção de sentença com força de caso julgado tendente ao reconhecimento (declarativo) do(s) direito(s) que a Autora se arroga.
9) Constituindo petição duma ação declarativa e não contestação duma ação executiva, a dedução da oposição à execução não representa a observância de qualquer dos ónus cominatórios (ónus da contestação, ónus da impugnação especificada) a cargo do réu na ação declarativa: nem a omissão de oposição produz a situação de revelia nem a omissão de impugnação dum facto constitutivo da causa de pedir da execução produz qualquer efeito probatório.
10) A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art.º 728º-2); mas não opera para além dele.
11) A não utilização dos meios de defesa na execução não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras ações (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e que, quando utilizados, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa.
12) No caso em apreço, é certo que a Autora não deduziu Embargos de Executado no âmbito da Execução n.º 666/17.2T8SLV; todavia, pretendendo a mesma questionar a validade da actualização de rendas levada a efeito pelo Mandatário das Rés (questão a montante da falta de pagamento de rendas), o meio processual adequado para fazer valer essa pretensão substantiva não se compagina com a dedução de Embargos de Execução.
13) O facto de a Autora não ter, no âmbito da Execução n.º 666/17.2T8SLV, deduzido Embargos de Executado, não faz precludir o seu direito de, no âmbito da presente acção, peticionar, seja a declaração de nulidade e/ou de ineficácia do processo de transição para o NRAU e consequente actualização de rendas, seja a declaração de nulidade/ineficácia da resolução do Contrato de Arrendamento operada pelas Rés, seja ainda a restituição do indevido – como faz a Autora.
14) A douta sentença sob recurso violou, por erro de interpretação e/ou de aplicação, os artigos 278.º e 569.º do C. P. C..
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Os factos a ter em conta são os seguintes:
A A. é inquilina das RR. e paga uma renda de € 483,00.
No processo executivo n.º 666/17.2T8SLV, as Rés pediram o pagamento da quantia de € 11.545,32, sendo o capital de € 10.533,00 e o restante de juros.
Em Outubro de 2014 as Autoras notificaram judicialmente a A. da resolução do contrato de arrendamento.
A A. não deduziu oposição.
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Estes factos são suficientes para apreciar o recurso.
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O problema que se discute é saber se, não tendo sido apresentados embargos à execução, fica o executado impedido de fazer valer o seu direito a não pagar numa acção autónoma. Ou seja, se fica precludida a possibilidade de discutir a causa ou outras circunstâncias relevantes da dívida ou não; se o executado não pode mais discutir o direito inscrito no título ou não. Em alternativa, importa saber se esta possibilidade é viável juridicamente, isto é, se o executado que não deduziu oposição pode, depois, vir discutir o conteúdo do título.
A sentença recorrida optou pelo primeiro termo.
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Na acção executiva não se discutem direitos; executam-se documentos onde está definido um direito. O conhecimento destes apenas tem lugar se houver embargos à execução; neste processo, enxertado no processo de execução, é que eles são discutidos, analisados e decididos. Mas apenas se existirem embargos sendo que, então, a sentença que os julgar formará caso julgado nos seus precisos termos e limites (art.º 621.º Cód. Proc. Civil; cfr. art.º 732.º, n.º 5). Isto logo dá a indicação que, esgotado que fica um fundamento dos embargos, o mesmo não pode ser depois alegado pois que a tanto se opõe o caso julgado. Mas este não se forma sobre o que não está decidido o que significa que, se houver um outro fundamento de oposição à execução, o executado não está impedido de o fazer valer noutro processo. Esta conclusão resulta também da inexistência de um dispositivo legal no processo de execução semelhante ao art.º 573.º, n.º 1: toda a defesa deve ser deduzida na contestação. Na acção executiva esta cominação não existe pelo que também não existe o respectivo ónus. Conforme se escreve no ac. da Relação do Lisboa, de 16 de Janeiro de 2018, a «não utilização dos meios de defesa na execução (designadamente a oposição) não preclude a posterior invocação de excepções ao direito exequendo em outras acções (sendo que o efeito preclusivo só se verifica no processo executivo e relativamente aos meios de defesa específicos desse processo) e, quando utilizados tais meios de defesa, as decisões de mérito nela proferidas formam caso julgado material apenas quanto às concretas excepções apreciadas, por inexistência na execução de ónus de concentração da defesa» (itálico nosso).
Tem sido esta a orientação mais recente da jurisprudência, designadamente, a citada nas alegações. Dentro desta, destacamos o ac. do STJ de 04 de Abril de 2017, onde se decidiu que, no caso de a aposição ter findado com uma absolvição da instância, «nada impede, seja em termos de preclusão seja em termos de caso julgado, que o executado renove a discussão que visou travar na oposição». E se é assim para uma sentença que não conhece do mérito da causa, por maioria de razão será também assim quando não há qualquer sentença.
Transcrevemos o seguinte do citado acórdão:
«De acordo com entendimento doutrinário corrente (assim, Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 4ª ed., pp. 190 e 191; Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª ed., pp. 303 a 305; e, de certa forma, Castro Mendes, Acção Executiva, p. 54), o executado não está sujeito a qualquer ónus de oposição à execução (aliás, não é citado ou notificado sob qualquer cominação para o caso de não deduzir oposição), e daqui que, não deduzindo oposição, tal não acarreta uma cominação, mas tão só a preclusão, no processo executivo, de um direito processual cujo exercício se poderia revelar vantajoso, mas sem que se possa falar de caso julgado a impor-se noutra ação posterior ou de um efeito preclusivo para além do próprio processo executivo. Nesta medida, será de entender (e é o que, no fundo, significam os dois supra citados autores) que deixando o executado de deduzir oposição, nada impedirá que venha depois a invocar em outro processo (isto com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo exequente na execução) os fundamentos (exceções) que podia ter invocado na oposição. É esta também a visão, entre outra vária jurisprudência, do acórdão da RP de 6 de fevereiro de 2007 (processo nº 0720269, relator Vieira e Cunha, disponível em www.dgsi.pt), onde se sustenta que o decurso do prazo para a oposição à execução tem apenas efeitos dentro do processo, não existindo fundamento legal para que se possa entender que a respetiva preclusão produz efeitos fora do mesmo, e daqui que a não dedução de oposição à execução não impede o executado de propor ação declarativa que vise a repetição do indevido (no mesmo sentido a doutrina e jurisprudência aí citadas). Este ponto de vista assume toda a lógica desde que, como parece dever ser o caso, se encare a oposição à execução, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art.º 573º do CPCivil), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir).
«Diferentes serão as coisas se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito. Pois que nos termos do nº 5 do art.º 732º do CPCivil atual (que veio consagrar um princípio que já correspondia a uma corrente de opinião bem estabelecida; v. a propósito Jorge de Almeida Esteves, Themis, nº 18, pp. 47 e seguintes), a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda (esta norma, aliás, confirma a contrario a ideia de que a decisão simplesmente de forma - a que incide sobre a relação processual – não se impõe senão na oposição). Mas se, por qualquer razão, não chega a haver decisão de mérito na oposição à execução que o executado efetivamente apresentou, então nada impedirá que este venha posteriormente (e à semelhança do que sucederia no processo declarativo), em nova ação, renovar a discussão sobre a existência da obrigação exequenda que foi atuada em seu prejuízo na execução, e a extrair daí as pertinentes consequências reintegrativas do seu património (tudo sem prejuízo da eficácia ou validade do processo executivo). Nesta hipótese, não há qualquer caso julgado material a levar em conta, e só este imporia a sua força obstativa na ação subsequente».
Destacamos ainda o ac. da Relação do Porto (também citado no anterior) de 6 de Fevereiro de 2007, onde se decidiu que a «não dedução de oposição à execução, no prazo oportunamente assinalado ao executado, não o impede de propor acção declarativa que vise a repetição do indevido».
Por último e por ser mais recente, indicamos o ac. do STJ de 19 de Março de 2019, onde se afirma que não se pode falar em efeito preclusivo para além do próprio processo executivo.
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Tendo isto em mente, devemos ainda ter em conta os pedidos que a A. formula na presente acção e que são pedidos que não poderiam, dado o âmbito da oposição por embargos, ser formulados na respectiva petição (declaração de nulidade do procedimento de actualização de renda e nulidade da declaração de resolução do contrato de arrendamento). Admitindo que a A. tivesse deduzido oposição com estes fundamentos e que obtivesse ganho de causa, nunca ela obteria uma sentença com aquele conteúdo dada a função própria da oposição.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se a sentença recorrida, devendo o processo prosseguir.
Custas pela parte vencida a final.
Évora, 11 de Julho de 2019
Paulo Amaral
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho