Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3133/07.9TJLSB.1.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
COMPETÊNCIA
Data do Acordão: 03/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Desde a anterior reforma do processo executivo, que o actual CPC nessa parte manteve, a instância do processo executivo não é declarada extinta por sentença, decorrendo automaticamente da verificação das situações elencadas no artigo 849.º, n.º 1, do CPC, e não carecendo de intervenção judicial ou da secretaria, conforme expressamente declara o n.º 3 do preceito.
II - Conjugando este preceito com o estatuído nos artigos 719.º e 723.º do CPC, que regem respectivamente quanto à repartição de competências entre o agente de execução, a secretaria e o juiz, a competência para declarar a extinção da execução, também por deserção da instância, está primeiramente cometida ao agente de execução, salvo se tiver sido suscitada ao juiz pelo agente de execução ou pelas partes (alínea d) do artigo 723.º do CPC).
III - Tendo presente a intenção do legislador e ainda o dever de gestão processual do juiz, a quem incumbe, por força do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, isto sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, mal se compreenderia que estando pendente em tribunal processo executivo em que se verificassem os requisitos para declarar a extinção da instância, por deserção, o juiz não o pudesse fazer, quando o agente de execução a quem está cometida tal competência, não a actuou.
IV - Porém, para que o faça mister é que esteja comprovada nos autos a negligência do exequente em promover os termos da acção executiva.
V - Não se podendo concluir que o agente de execução aja em nome do exequente por dele ter poderes de representação, as omissões que lhe são imputáveis não se repercutem na esfera jurídica daquele e, por isso, estando demonstrada nos autos apenas a inércia do agente de execução, esta não se repercute na esfera jurídica do exequente, já que não é a omissão daquele, mas a inércia deste, que se pretende sancionar com a deserção da instância executiva.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3133/07.9.9TJLSB.1.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – Relatório
1. BANCO ..., SA, nos autos de execução supra identificados, em que é exequente, e em que é executado A..., tendo sido notificado da sentença proferida em 18-10-2016, que julgou extinta a instância executiva ao abrigo do disposto no artigo 281.º, do Código de Processo Civil[3], e não se conformando com a mesma, apresentou o presente recurso de apelação, concluindo que «por violação do disposto no artigo 2º, nº 1, do disposto no artigo 754º nº 1, alínea a), do disposto no artigo 277º, alínea c) e igualmente por violação do disposto nos nºs 1 e 5 do artigo 281º todos do Código de Processo Civil, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida substituindo-se a mesma por Acórdão que ordene o normal e regular prosseguimento da execução, desta forma se fazendo correcta e exacta interpretação e aplicação da lei».
2. Não foram apresentadas contra-alegações.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão colocada no presente recurso de apelação é a de saber se, face aos elementos constantes dos autos, podia ou não ter sido declarada a extinção da presente execução, por deserção da instância.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
A tramitação processual relevante que importa à decisão do presente recurso e constante do sistema informático Citius é a seguinte:
1 - No requerimento executivo instaurado nos próprios autos em que foi proferida a decisão condenatória, entrado em juízo no dia 21-05-2014, o Banco exequente indicou o Senhor Agente de Execução C…, e em requerimento Anexo procedeu à descrição dos bens móveis cuja penhora requereu, com indicação de todo o mobiliário, aparelhos electrodomésticos, televisão, telefonia e demais recheio que guarnecem a residência do executado, declarando desde logo não autorizar que o executado fosse nomeado depositário dos bens nem que os mesmos fossem removidos com encargos, requerendo fosse informado do dia e hora para realização da diligência para que a nomeação de fiel depositário, fosse de empregado seu, que procedesse à remoção dos bens para local sem encargos para o processo.
2 - No dia 23-05-2014, o Banco Exequente comprovou o pagamento da devida provisão ao indicado agente de execução, tendo este nesse mesmo dia efectuado a abertura do respectivo processo electrónico com o número PE/25513/2014.
3 - Entre 13-07-2014 e 22-08-2014 o agente de execução procedeu a consultas várias, nomeadamente, na Identificação Civil, CGA, SS, RA, e registo de execuções;
4 - Em 22-08-2014, o agente de execução notificou o Banco exequente, nos seguintes termos:
“Fica(m) V. Exa(s). notificado(s) para o términos da FASE 1 nos autos em referência, conforme dispõe o artigo 749º, do Código de Processo Civil. Para os referidos efeitos refere-se abaixo, em informações complementares, o resultado da consulta ao registo informático das execuções e dos bens penhoráveis identificados ou do facto de não se ter identificado quaisquer bens penhoráveis. No caso de terem sido identificados bens penhoráveis, a execução prossegue, sem prejuízo do disposto no número 1 do artigo 751.º do Código de Processo Civil, com a penhora desses bens excepto se, no prazo de 10 dias a contar desta notificação, o exequente: a) Declarar que não pretende a penhora de determinados bens imóveis ou móveis não sujeitos a registo identificados; ou b) Desistir da execução. Não tendo sido encontrados bens penhoráveis, o exequente deve indicar bens à penhora no prazo de 10 dias, sendo penhorados os bens que ele indique.
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
(…) (aguarda resposta da Segurança Social)
(aguarda resposta do Juíz face ao pedido de levantamento de sigilo fiscal)
Foram ainda detetados os seguintes bens:
Veículos Automóveis – 1 (…)”;
5 - Em 22-08-2014, o agente de execução, requereu o levantamento do sigilo fiscal, que foi deferido, nos termos requeridos, por despacho de 19-11-2014 e notificado àquele em 28-11-2014, sem evidência de que tivessem sido requeridas informações à AT;
6 - Em 18-01-2015 consta na informação sobre o estado do processo apresentada pelo agente de execução «pesquisa de bens penhoráveis»;
7 - Em 27-03-2015 consta nova consulta à SS, e em 29-07-2015, pedido de penhora em saldos bancários, constando em 22-06-2016 uma comunicação ao processo de alteração de dados.
8 - Nenhuma destas diligências foi notificada ao exequente, que entretanto efectuou o pagamento das provisões solicitadas.
9 - Em 09-09-2016, foi aberto termo de conclusão nos autos, tendo o Senhor Juiz proferido o seguinte despacho: «Em 19 de Novembro de 2014, foi autorizada a consulta das bases de dados sujeitas a sigilo fiscal respeitante ao executado, encontrando-se os autos a aguardar desde então por impulso processual.
Considero ser de conceder ao exequente o prazo de 10 (dez) dias para, sob pena de imediata extinção da instancia por virtude da deserção, justificar a ausência de negligência da sua parte pelo facto dos presentes autos se encontrarem a aguardar impulso processual por prazo superior ao estabelecido no artigo 281.º n.º 5 do Código de Processo Civil».
10 – Em 20-09-2016, o Banco Exequente apresentou requerimento nos seguintes termos: «como ressalta dos autos, impõe-se dar conhecimento que o exequente, ora
requerente, continua a aguardar que o Solicitador de Execução notifique o exequente, ora requerente, por intermédio do advogado signatário, do resultado da penhora dos bens que guarnecem a residência do executado.
Assim, na medida em que nem sequer cumprido foi pelo Solicitador de Execução o disposto no artigo 754º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil, requer-se a V.Exa. que - ouvido, se assim o considerar necessário, o Solicitador de Execução designado - se digne ordenar o normal e regular prosseguimento da presente execução e a notificação do Solicitador de Execução para dar cumprimento aos preceitos que a lei lhe impõe e determina, designadamente a notificação ao exequente, ora requerente, das diligências que tem levado a efeito, ou que não realizou, para a efectivação da dita penhora logo requerida no requerimento executivo, concedendo ao mesmo, para o efeito, prazo à cautela não inferior a quarenta e cinco dias.»
11 – Em 23-09-2016 o agente de execução efectua novamente consultas nas bases de dados da Identificação Civil, CGA, SS, e RA, elabora um auto de diligência para penhora certificando «que aos dia dezanove de Abril de dois mil e dezasseis, desloquei – me à morada do Executado, constante do Requerimento Executivo, Sito …, em Portimão, para proceder à diligência de penhora de bens móveis. No local, após diversas tentativas, não conseguiu o Signatário proceder ao contacto com o Executado, de modo a proceder à penhora dos bens móveis existentes na supra referida morada, tentando inclusive o contacto com moradores junto da habitação, não tendo conseguido obter mais informações.
Assim, face ao exposto não foi possível efectuar a penhora de bens móveis»; procede à actualização estatística com a informação «Diligência de penhora em curso; e remeteu ao Senhor Juiz a seguinte informação «das diligências anteriormente realizadas no âmbito dos presentes autos, conforme autos de diligência que presentemente se juntam.
Da impossibilidade no apuramento de entidades patronais e ou outros rendimentos, pensões ou abonos susceptíveis de penhora da titularidade do Executado e conforme requerido pelo Ilustre Mandatário do Exequente, no próprio requerimento executivo, encontra-se o Signatário a promover pelas diligências de penhora de bens móveis na morada do Executado.
Das consultas efectuadas às bases de dados disponíveis não foi possível o apurar da existência de bens susceptíveis de penhora da titularidade do Executado, e tendo o Ilustre Mandatário do Exequente no próprio requerimento executivo requerido a diligência de penhora de bens móveis na morada do Executado, encontra-se o Signatário a promover pelo impulsionamento dos presentes autos para o prosseguimento das diligências necessárias à realização da penhora de bens móveis na morada do Executado.
Mais informa que na data de 31.03.2015, diligenciou pelo registo da penhora dos créditos de IRS do Executado no Portal das Finanças, cujo resultado logrou negativo.
Procedeu o Signatário a consultas junto das bases de dados disponíveis, de forma a apurar uma actualização nos dados, constatando que no IRN – Identificação Civil, encontra-se nova morada registada do Executado, pelo que irá o Signatário promover pelas diligências de penhora de bens móveis junto do novo endereço, conforme vem requerido pelo Ilustre Mandatário da Exequente no Requerimento Executivo».
12 – Em 14-10-2016 foi novamente aberto termo de conclusão ao Senhor Juiz que, no dia seguinte proferiu o despacho recorrido, declarando, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 281.º n.º 5 do Código de Processo Civil, a extinção da presente instância por efeito da deserção, com os seguintes fundamentos: «Notificado para demonstrar a ausência de negligência da sua parte, pelo facto dos presentes autos se encontrarem a aguardar impulso processual veio o exequente dar conhecimento que continua a aguardar que o solicitador de execução o notifique do resultado da penhora dos bens que guarnecem a residência do executado.
Ora, é o próprio exequente quem refere encontrar-se a aguardar resposta por parte do Sr. AE, relativamente à diligência que havia solicitado e que, consultado o histórico do processo, verificamos ter ocorrido em 21 de Maio de2014.
Consideramos que, tendo sido o exequente quem indicou o Sr. AE, compete ao exequente acompanhar e fiscalizar a actividade por esta desenvolvida, cuidando de saber os actos que este praticou, com resultado positivo ou negativo, para o que lhe bastaria consultar informaticamente o histórico do processo, demonstrando a efectiva diligência da sua parte na prossecução dos autos de execução.
Por outras palavras, uma atitude processual passiva, manifestamente desinteressada (tanto que aguardou, conforme referiu, sem tomar qualquer iniciativa para obter a informação da penhora por si requerida dois anos antes) revela negligência da parte do exequente, tanto que é o exequente o interessado directo na realização de actos de penhora que possam satisfazer o seu crédito.
Deveria o exequente ter diligenciado junto do Sr. AE pela realização da penhora dos bens indicados no requerimento de execução em Maio de 2014.
Fazê-lo na sequência da notificação do tribunal para demonstrar ausência de negligência da sua parte, revelando, manifestamente, uma actuação desinteressada, motivo pelo qual consideramos não estar demonstrada a ausência de negligência da parte do exequente pelo facto do processo aguardar por prazo superior a 6 meses».
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III.2. – O mérito do recurso
Entende a Recorrente/Exequente[4] que não lhe permitindo a actual legislação em sede de execução requerer que o Tribunal efectue penhoras, continua a aguardar ser informado pelo solicitador de execução designado da efectivação da penhora nos bens que guarnecem a residência do executado, sendo obrigação e dever do Solicitador de Execução dar conhecimento ao exequente, no caso dos autos ao ora recorrente, das diligências feitas para efectivação da dita penhora, logo requerida no requerimento executivo, não havendo consequentemente lugar a ser julgada deserta a instância.
Será que lhe assiste razão? Vejamos.
Conforme é consabido, a acção executiva “tem por fim exigir o cumprimento duma obrigação estabelecida em título bastante, ou a substituição da prestação respectiva por um valor igual do património do devedor”[5], sendo consequentemente, nos termos do artigo 2.º do CPC, a acção adequada a realizar coercivamente o direito que o título executivo em que assenta confere ao exequente, uma vez que, somente a concretização da penhora retira da esfera de disponibilidade material e jurídica do devedor os bens necessários a tornar efectiva a obrigação exequenda, que aquele voluntariamente não cumpriu.
Daí que, nos termos do artigo 735.º, n.º 1 do CPC, estejam sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda.
A questão que o caso em apreço convoca tem sido objecto de inúmeros arestos dos tribunais de Relação, consultáveis por simples pesquisa em www.dgsi.pt, e que pela respectiva acessibilidade nos dispensamos de elencar, referindo-nos apenas exemplificativamente a acórdãos representativos das posições que, grosso modo, se perfilam quando o juiz oficiosamente declara a extinção da instância executiva, por deserção.
Assim, não entrando na apreciação da concreta questão da verificação ou não dos pressupostos da deserção da instância, e decidindo o caso por via da consideração da existência de uma incompetência funcional do juiz, salientamos o recente Acórdão deste Tribunal da Relação de 15-12-2016, proferido no processo n.º 1932/13.1TBLLLE.E1, assim sumariado: «1. Pese embora a pouca clareza do texto do preceito quanto à competência para determinar a deserção da instância, entendemos que, sem prejuízo do disposto no art.º 723º, n.º1, alíneas c) e d) do NCPC, e não havendo atribuição da competência para o efeito, quer ao juiz do processo, quer à secretaria, cabe ao Agente de Execução, nos termos do art.º 719º, n.º 1 do NCPC, decidir, em primeira linha, da deserção da instância do processo executivo (vide neste sentido Ac. do TRG de 15/05/2014, proferido no Proc. 5523/13.9TBBRG.G1 e os Acs. que relatámos proferidos nos Processos n.º 1169/05.3TBBJA e 84/13.1TBFAL). 2. Assim sendo, e não se estando perante uma situação enquadrável nas alíneas c) e d), do n.º1, do art.º 723º do NCPC, não tem o Sr. Juiz “a quo” competência para determinar a deserção da instância».
O Acórdão do mesmo Relator, proferido em 19-11-2015 no processo 84/13.1TBFAL, foi objecto de anotação concordante do Professor Miguel Teixeira de Sousa, num comentário de 22-12-2015 disponível no Blog do IPPC, no qual este Ilustre processualista refere expressamente que: «Como o acórdão da RE correctamente mostra, só este entendimento é admissível. Apesar de ser possível reclamar para o juiz de execução das decisões e dos actos do agente de execução (cf. art. 723.º, n.º 1, al. c), CPC), cada um destes órgãos da execução tem uma competência funcional própria. Se é evidente que o agente de execução não pode invadir a esfera de competência do juiz de execução (se isso suceder em actos de carácter jurisdicional, a consequência não pode deixar de ser mesmo a inexistência do acto ou da decisão daquele agente), também é claro que o juiz de execução não pode praticar, sob pena de nulidade, actos que pertencem à competência do agente de execução».
Por seu turno, a maioria da jurisprudência publicada dos tribunais superiores tem entrado na apreciação da concreta verificação dos pressupostos da deserção da instância, sufragando o entendimento de que «com a extinção da figura da interrupção da instância, o requisito da negligência das partes em promover o impulso processual transitou para a deserção, cfr. art. 281º, do Código de Processo Civil. II – No processo executivo, pese embora, se considere a instância deserta “independentemente de qualquer decisão judicial”, cfr. nº 5, daquele art. 281º, não se prescinde igualmente da verificação da negligência da parte na observância do ónus de impulso processual. III – Sendo que a paragem do processo por mais de seis meses, para que se considere deserta a instância, tem de ser devida a uma omissão culposa do ónus do impulso processual e entre elas, a paragem e a omissão tem de haver um nexo de causalidade adequada», ou ainda, noutro modo de dizer, que «A decisão judicial de deserção da instância justifica-se pela necessidade de observar o requisito da negligência das partes em promover os termos do processo, o que pressupõe, um exame crítico ao comportamento das partes no processo e, para o efeito, a sua audição prévia de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas ou de ambas, desde logo em observância do artigo 3.º, nº 3, do CPC quando se consigna que o juiz deve observar e fazer cumprir o princípio do contraditório ao longo de todo o processo»[6].
Concordamos com a afirmação expressa nos referidos arestos deste Tribunal da Relação e do Tribunal da Relação de Guimarães, que, aliás, já afirmámos também no Acórdão de 30-11-2016, proferido no processo n.º 3443/14.9T8STB.E1, a respeito da extinção da execução por via de desistência do pedido, porquanto desde a anterior reforma do processo executivo, que o actual CPC nessa parte manteve, a instância do processo executivo não é declarada extinta por sentença[7], decorrendo automaticamente da verificação das situações elencadas no artigo 849.º, n.º 1, do CPC, e não carecendo de intervenção judicial ou da secretaria, conforme expressamente anuncia o n.º 3 do preceito.
Assim, conjugando esta norma com o estatuído nos artigos 719.º e 723.º do CPC, que regem respectivamente quanto à repartição de competências entre o agente de execução, a secretaria e o juiz, a competência para declarar a extinção da execução, também por deserção da instância, está primeiramente cometida ao agente de execução, salvo se tiver sido suscitada ao juiz pelo agente de execução ou pelas partes (alínea d) do artigo 723.º do CPC).
No mesmo sentido aponta o artigo 281.º, n.º 5, do CPC ao estabelecer que, no processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
Assim, ao agente de execução compete verificar não só se o processo se encontra a aguardar impulso processual por mais de seis meses, como se tal paralisação se deve a negligência das partes, pois só nesta assenta a consequência de se declarar deserta a instância, por deserção.
Porém, significa isto que, está absolutamente vedado ao juiz declarar tal deserção em qualquer situação?
Afigura-se-nos que não.
Efectivamente, basta pensarmos na situação em que, estando o processo «parado» há mais de seis meses por falta do devido impulso processual do exequente, o agente de execução não cumpra o desiderato do legislador, não extinguindo a execução. A levarmos ao extremo a incompetência funcional do juiz, tal significaria a «eternização» da acção executiva pendente no Tribunal, podendo «acarretar um impacto sistémico cujos efeitos também não são queridos nem foram perspectivados pelo legislador, sempre que sejam levadas à letra todas as repercussões processuais associadas à incompetência funcional»[8].
Ora, tal não foi manifestamente a intenção do legislador, aliás expressamente declarada ainda anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 28 de Junho, através do encurtamento do prazo para a extinção da instância executiva por deserção, nos termos referidos no artigo 3.º, n.º 1, do DL n.º 4/2013, que sob a epígrafe “Extinção da instância por falta de impulso processual”, estatuiu que “Os processos executivos cíveis para pagamento de quantia certa que se encontrem a aguardar impulso processual do exequente há mais de seis meses extinguem-se”.
Certo que no indicado artigo não se exigia que a falta de impulso processual fosse devida a negligência do exequente em promover os regulares termos do processo, no preâmbulo do diploma, o legislador foi claro quanto à razão de ser da norma, afirmando que: «pretende-se responsabilizar o exequente, enquanto principal interessado no sucesso da execução, pela sua forma de atuação no processo. Dependendo os resultados da execução em grande medida da rapidez com que o processo é conduzido, a inércia do exequente em promover o seu andamento não pode deixar de legitimar um juízo acerca do interesse no próprio processo. Assim sendo, se as execuções estiverem paradas, sem qualquer impulso processual do exequente, quando este seja devido, há mais de seis meses, prevê-se que as mesmas se extingam, pois como já atrás se explicitou, importa que os tribunais não estejam ocupados com ações em que o principal interessado aparenta, pela sua inércia, não desejar que o processo prossiga os seus termos e se conclua o mais rapidamente possível».
Tendo presente a intenção do legislador e ainda o dever de gestão processual do juiz, a quem incumbe, por força do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, isto sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, mal se compreenderia que estando pendente em tribunal processo executivo em que se verificassem os requisitos para declarar a extinção da instância, por deserção, o juiz não o pudesse fazer, quando o agente de execução a quem está cometida tal competência, não a actuou.
Salienta-se em abono do referido que o Supremo Tribunal de Justiça, ainda que não se pronunciando sobre esta concreta questão mas sobre a contagem dos prazos processuais mais curtos decorrentes primeiramente do artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 4/2013, de 11-01, e depois da entrada em vigor do n.º 5 do artigo 281.º do novo CPC, não colocou a questão apenas na perspectiva da competência funcional do juiz para o efeito, apreciando outrossim da verificação ou não daquele requisito temporal[9].
Porém, para que o juiz declare a deserção da instância executiva mister é que esteja comprovada nos autos a negligência do exequente em promover os termos da acção executiva.
De facto, «ainda que, no domínio do processo executivo, a deserção da instância opere automaticamente – independentemente, portanto, de qualquer decisão judicial que a declare – ela não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses; para que tal deserção se tenha por verificada, será ainda necessário que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes, sendo irrelevante, para esse efeito, a falta de impulso processual que apenas é imputável ao agente de execução.
Estando o processo a aguardar, há mais de seis meses, a realização de diligências que são da competência do agente de execução, não poderá concluir-se, sem mais, que a falta de movimento processual é imputável a negligência do exequente, sem que exista, pelo menos, uma notificação que transfira para este o ónus de reagir e tomar posição sobre a inércia e o incumprimento do agente de execução»[10].
Assim, volvendo ao caso em apreço verificamos que logo no requerimento executivo a exequente requereu a realização de penhora sobre os bens móveis que indicou, penhora essa que em momento algum foi sequer tentada pelo agente de execução, a não ser já depois do despacho judicial proferido, para averiguar a razão de o processo se encontrar parado há mais de seis meses.
Acresce que, ao agente de execução incumbia informar o exequente das diligências efectuadas, isto é, da realização ou não da penhora e, neste último caso, dos motivos da frustração da mesma para que aquele pudesse então requerer o que entendesse por conveniente. Porém, o agente de execução apenas cumpriu tal dever que sobre si impende por força da previsão ínsita no artigo 754.º, n.º 1, alínea a), do CPC, quanto às diligências que efectuou através da consulta às bases de dados, nunca até ao sobredito momento tentando efectuar ou justificar a razão pela qual não levou a cabo a diligência de penhora que havia sido requerida pelo exequente.
Ora, apesar de resultar de uma dessas diligências que se encontra registado a favor do executado um veículo automóvel, tal não significa que o exequente tivesse que requerer a respectiva penhora, quando havia oportunamente requerido a penhora em outros bens móveis, que o agente de execução não tentou.
Conclui-se, pois, da tramitação processual relevante supra exposta que o processo não esteve parado por falta do devido impulso processual do exequente, mas apenas pela não realização pelo agente de execução da diligência de penhora dos bens que aquele havia indicado.
Tem sido entendido em alguns arestos[11], e foi o entendimento expresso na decisão recorrida, que, na ausência de iniciativa do agente de execução, e tendo o exequente acesso, através do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais das diligências efectuadas pelo agente de execução, impunha-se-lhe que diligenciasse pelo regular andamento do processo, repercutindo assim na esfera do exequente a omissão da efectivação das diligências tendentes à penhora de bens, por banda do agente de execução.
Este entendimento, expresso, designadamente no Ac. TRG de 12-09-2013,[12] tem por pressuposto que o agente de agente é uma espécie de mandatário do exequente, daí que, «(e embora a sua missão esteja também dotada de características de oficialidade pública) está ao serviço dos interesses do credor exequente, funcionando basicamente como um mandatário deste (…). Portanto, a ação do agente de execução vale apenas como intermediação, estando sempre o exequente sob a obrigação e em condições de impulsionar a execução (rectius, de a fazer impulsionar pelo respetivo agente de execução), e se tal não acontece é a ele, a parte processual e substantiva, que é imputável a inação que se registe na execução».
Porém, sendo certo que o exequente tem a possibilidade de nomear o agente de execução e de controlar a respectiva actuação nos autos, podendo inclusivamente requerer a respectiva substituição, não é menos certo que «o preenchimento da causa de extinção da instância executiva assenta e pressupõe que os autos estejam a aguardar um impulso processual cuja iniciativa caiba ao exequente e que este esteja ciente da necessidade de tal iniciativa, sendo que, fora desse duplo condicionalismo, não é possível concluir pela inércia do exequente, legitimadora do preenchimento da presunção de desinteresse e abandono da instância, subjacente a este normativo»[13].
De facto, sufragamos a afirmação de Rui Pinto[14] de que o agente de execução não é mandatário, com poderes de representação do exequente, mas um auxiliar de justiça do Estado, escolhido pelo exequente.
Ora, «sendo esta a veste do agente de execução, a sua actuação omissiva, consistente em não andar com o processo, não se “repercute” automática e irreversivelmente sobre o exequente - sem que este seja notificado para se pronunciar sobre a paralisação processual decorrente de tal actuação omissiva - e não pode valer e ser iuris et de iure considerada como inobservância, por negligência, do ónus de impulso processual por parte do exequente»[15].
Deste modo, não se podendo concluir que o agente de execução aja em nome do exequente por dele ter poderes de representação, as omissões que lhe são imputáveis não se repercutem na esfera jurídica do exequente e, por isso, estando demonstrada nos autos apenas a inércia daquele, esta não se repercute na esfera jurídica do exequente, já que não é a omissão daquele (passível de eventual punição disciplinar), mas a inércia deste, que se pretende sancionar com a deserção da instância executiva[16].
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, o presente recurso deve proceder, sendo de revogar o despacho recorrido e, substituindo-nos ao tribunal recorrido, nos termos do disposto no artigo 665.º, n.º 1, do CPC, determinamos o prosseguimento da presente execução.
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III.3. Síntese conclusiva:
I - Desde a anterior reforma do processo executivo, que o actual CPC nessa parte manteve, a instância do processo executivo não é declarada extinta por sentença, decorrendo automaticamente da verificação das situações elencadas no artigo 849.º, n.º 1, do CPC, e não carecendo de intervenção judicial ou da secretaria, conforme expressamente declara o n.º 3 do preceito.
II - Conjugando este preceito com o estatuído nos artigos 719.º e 723.º do CPC, que regem respectivamente quanto à repartição de competências entre o agente de execução, a secretaria e o juiz, a competência para declarar a extinção da execução, também por deserção da instância, está primeiramente cometida ao agente de execução, salvo se tiver sido suscitada ao juiz pelo agente de execução ou pelas partes (alínea d) do artigo 723.º do CPC).
III - Tendo presente a intenção do legislador e ainda o dever de gestão processual do juiz, a quem incumbe, por força do artigo 6.º, n.º 1, do CPC, dirigir activamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, isto sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, mal se compreenderia que estando pendente em tribunal processo executivo em que se verificassem os requisitos para declarar a extinção da instância, por deserção, o juiz não o pudesse fazer, quando o agente de execução a quem está cometida tal competência, não a actuou.
IV - Porém, para que o faça mister é que esteja comprovada nos autos a negligência do exequente em promover os termos da acção executiva.
V - Não se podendo concluir que o agente de execução aja em nome do exequente por dele ter poderes de representação, as omissões que lhe são imputáveis não se repercutem na esfera jurídica daquele e, por isso, estando demonstrada nos autos apenas a inércia do agente de execução, esta não se repercute na esfera jurídica do exequente, já que não é a omissão daquele, mas a inércia deste, que se pretende sancionar com a deserção da instância executiva.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em revogar o despacho proferido, substituindo-se ao tribunal recorrido e determinando o prosseguimento da presente execução.
Sem custas.
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Évora, 23 de Março de 2017
Albertina Pedroso [17]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
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[1] Cuba - Instância Local – Secção Competência Genérica – Juiz 1
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, integralmente aplicável ao caso em apreço porquanto estamos em presença de requerimento executivo apresentado em juízo em 21-05-2014.
[4] Citando em abono da sua posição Acórdãos publicados e decisões singulares inéditas.
[5] Cfr. Eurico Lopes Cardoso, in Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, pág. 22.
[6] Cfr. Ac. TRP de 14-03-2016, proferido no processo n.º 317/06.0TBLSD.P1, e Ac. TRG de 06-10-2016, proferido no processo n.º 1128/08.4TBBGC-B.G1 e, no mesmo sentido, Ac. TRL de 29-10-2015, proferido no processo n.º 1302/13.1TBPDL.L1-2.
[7] Evidentemente, que nos referimos ao processo executivo em si mesmo considerado, porque é certo que a respectiva extinção pode ser a consequência da procedência dos embargos que hajam sido deduzidos.
[8] Cfr. o recente Ac. deste TRE de 26-01-2017, proferido no processo n.º 232/08.3TBCUB-A.E1, disponível em www.dgsi.pt. Manifestando
[9] Cfr. Acs. proferidos nas revistas extraordinárias de 02-10-2014, processo n.º 10448/95.5TVPRT.P1.S1, e de 03-07-2014, processo n.º 11119/02.3TVPRT.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt
[10] Cfr. Ac. TRC de 14-06-2016, proferido no processo n.º 500/12.0TBAGN.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Cfr. exemplificativamente o Ac. TRG de 23-10-2014, proferido no processo n.º 2204/06.3TBFLG-B.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Proferido no processo n.º 342/12.2TJVNF.G1, e disponível em www.dgsi.pt, citando no sentido dessa qualificação, Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 4ª ed., pp. 110 e 111.
[13] Cfr. Ac. TRG de 24-10-2013, processo n.º 224/09.5TBBRG.G1, disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido, citado Ac. TRC de 14-06-2016.
[14] In, Manual da Execução e Despejo, pág. 134, também referido no recente Ac. TRE de 09-03-2017, proferido no processo n.º 297/108TBMRA-A.E1, desta secção, ainda não publicado.
[15] Cfr. Ac. TRC de 01-12-2015, proferido no processo n.º 2061/10.5TBCTB-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cfr., neste sentido, também o Ac. TRL de 29-10-2015, e disponível em www.dgsi.pt.
[17] Texto elaborado e revisto pela Relatora.