Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
197/14.2TTBJA.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
REVISÃO DA INCAPACIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
INCONSTITUCIONALIDADE
PRESUNÇÃO
INTERRUPÇÃO
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Sumário:
i) não caduca o direito do sinistrado pedir a revisão da incapacidade se ocorrer algum agravamento dentro dos últimos 10 anos, o qual ilide a presunção de cura pressuposta pelo legislador.

ii) o cálculo da pensão por acidentes de trabalho ocorridos na vigência da Lei n.º 2127, de 03.08.1965, é efetuado nos termos desta mesma lei e do Decreto n.º 360/71, de 21.08.

iii) a alteração da incapacidade que se verifique no incidente de revisão da incapacidade decorrente de acidente de trabalho só produz efeitos a partir da data do requerimento de revisão e não em data anterior e é a que for apurada neste mesmo incidente. (sumário do relator)

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: J… (sinistrado).

Apelada: J… (réu).

Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo do Trabalho.

1. O sinistrado veio, em 22.11.2018, requerer exame de revisão da incapacidade, em virtude de ter ocorrido agravamento das lesões sofridas em consequência do acidente de trabalho dos autos.

O tribunal recorrido admitiu o incidente e ordenou várias diligências, entre as quais exame por perita médico legal.

Realizada as diligências, verifica-se que a perita médico legal emitiu laudo no sentido de que se mantém a IPATH anteriormente fixada, tendo-se agravado a IPP de 50% para 57,25%.

Resulta ainda dos elementos clínicos juntos aos autos, nomeadamente relatório médico legal e parecer de ortopedia, que o sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho, nos períodos de tempo seguintes: 21.01.2008 a 01.02.2008; 07.12.2008 a 20.12.2008; e 15.01.2012 a 31.01.2012, em que esteve internado no Serviço de Ortopedia, devido a osteomielite crónica agudizada como sequela de fratura dos ossos da perna esquerda. Foi também seguido em consulta externa nos anos de 2008, 2009, 2012, 2014, 2015 e 2016.

Após estas diligências, foi proferida a decisão seguinte:

“J…, com o patrocínio do Ministério Público, veio requerer, a fls. 186 e seguintes, a revisão da incapacidade que lhe foi atribuída na sequência do acidente de trabalho objeto destes autos, alegando, para tanto, que se agravaram as respetivas sequelas.

Foi realizado exame médico-legal no qual se concluiu manter a IPATH do sinistrado com agravamento da incapacidade funcional residual para 57%.

Cumpre decidir (art. 145.º n.º 6, do Código de Processo do Trabalho), considerando a seguinte factualidade com relevo para a causa.

- Na sequência do acidente objeto destes autos, ocorrido a 03.06.1994, por despacho homologatório de acordo judicial em auto de conciliação, proferido a 20.12.1995 no âmbito deste processo, foi atribuída ao sinistrado, uma Incapacidade Absoluta para o seu Trabalho Habitual (IPATH), com coeficiente de desvalorização de 50% de IPP, desde 27.11.1995 e, considerando o rendimento anual do sinistrado no valor de 1.219.400$00 (6.082,34€), foi o empregador condenado a pagar, entre outras prestações, uma pensão anual e vitalícia no montante de 641.853$00 (€3.201,55) - fls. 54 a 55 dos autos principais.

- Com data de 15.03.1999 o empregador requereu a revisão da incapacidade do sinistrado por entender que o mesmo havia sofrido uma melhoria das sequelas do acidente (fls. 259 dos autos principais), tendo sido proferida decisão com data de 09.07.1999, a indeferir o incidente, mantendo o grau de incapacidade do sinistrado.

- Por requerimento datado de 22.11.2018 o sinistrado deduziu o presente incidente de revisão da incapacidade alegando agravamento das lesões (fls. 2 do presente apenso).

- O sinistrado mantêm situação de IPATH com agravamento da incapacidade funcional residual para 57% (exame médico-legal de fls. 46 a 49).

Antes de mais cumprirá referir que, tendo o acidente ocorrido em 1994, ao caso aplica-se a Lei n.º 2127 de 03.08.1965, entretanto revogada pela Lei 100/97, de 13.09, a qual foi também revogada pela Lei n.º 98/2009 de 04.09, sendo de assinalar que conforme previsão expressa destas, as mesmas apenas são aplicáveis aos acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor das mesmas (artigo 41º da Lei 100/97 e artigos 187º, nº1 e 188º da Lei 98/2009).

Ora dispõe a Base XXII (referente à revisão das pensões) da Lei 2127, no seu n.º 2, que a revisão só pode ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão (previsão que se manteve inalterada no n.º 2 do artigo 25º da Lei 100/97, não tendo paralelo na atual Lei dos Acidentes de Trabalho aprovada pela Lei 98/2009 – artigo 70º - que deixou de prever qualquer prazo para o requerimento de revisão da incapacidade).

Estamos perante um caso de caducidade do direito a deduzir o pedido de revisão.

A caducidade é uma exceção perentória de conhecimento oficioso extintiva do direito do sinistrado à revisão da incapacidade, e apenas é impedida pela prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo, neste caso, a dedução do incidente de revisão – cfr. artigos 298º, n.º 2, 331º, n.º 1 e 333º, n.º 1, todos do Código Civil e artigo 576º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

A questão da inconstitucionalidade das normas que limitam temporalmente a possibilidade de ser requerida a revisão da incapacidade e das normas de aplicação dos referidos diplomas no tempo, tem sido largamente tratada pela jurisprudência dos nossos tribunais.

Veja-se sobre esta matéria o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 11.10.2018, que pela sua pertinência de transcreve quase por completo: «A questão da inconstitucionalidade, ou não, da norma que limita temporalmente a possibilidade de ser requerida a revisão da incapacidade, fixando o prazo de dez anos, é transversal às Leis 2127 e 100/97, assentando em idênticos fundamentos, em concreto, na invocação da violação dos princípios da igualdade e da justa reparação dos acidentes de trabalho. No essencial, sustentava-se a fixação do prazo de dez anos impedia a reparação da incapacidade nas situações de agravamento superveniente ocorridas após o termo do mesmo, quando em contraponto permitia a revisão da incapacidade dentro desse prazo.

Com a inovação da Lei 98/2009, ou seja, o desaparecimento do prazo para pedir revisão da incapacidade, surgiu uma nova questão, qual seja, a invocação da sua aplicação retroativa, permitindo a revisão da incapacidade sem dependência de prazo em processos emergentes de acidentes ocorridos antes da sua vigência, pese embora esta preveja expressamente a sua aplicação apenas a acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor. Por um lado, argumenta-se com a violação do princípio da igualdade, em razão dos sinistrados vítimas de acidentes de trabalho abrangidos pela nova LAT não estarem sujeitos a para requerer a revisão da incapacidade; por outro, faz-se apelo ao n.º2, do art.º 12.º, do CC.

O Tribunal Constitucional tem reiterado sucessivamente o entendimento de que a fixação de um limite temporal para requerer a revisão da incapacidade, nomeadamente, o prazo de dez anos, não viola a Constituição. Afirma-se que o princípio constitucional da justa reparação dos acidentes de trabalho, consagrado no art.º 59.º n.º1, al. f), não exige que a lei ordinária consagre uma possibilidade ilimitada de revisão da incapacidade e refere-se que aquele prazo é suficiente, pois o seu decurso sem alteração da incapacidade permite estabelecer uma presunção de consolidação e de estabilização das lesões.

Houve arestos a declarar a inconstitucionalidade, mas sem que tal signifique divergência no entendimento. As situações é que eram diferentes, melhor precisando, no decurso dos dez anos ocorreram revisões intercalares da incapacidade, em consequência devendo considerar-se elidida a presunção de consolidação e estabilização da situação clínica.

(…)

Sobre esta questão e, realça-se, no mesmo sentido, pronunciou-se também o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 136/2014 [DIÁRIO DA REPUBLICA - 2.ª SERIE, Nº 54, de 18.03.2014], no qual foi reiterado o entendimento de “não julgar inconstitucional o n.º 2 da base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, na parte em que estatui que a revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão (na interpretação seguida pelo Tribunal Constitucional)”. No que ao ponto interessa, lê-se na fundamentação, para além do mais, o seguinte:

-«(…)

c) O princípio da igualdade na sucessão de leis no tempo

10 - Esta opção de diferenciação do regime legal aplicável na revisão da pensão por acidentes de trabalho consoante estes tenham ocorrido antes ou depois de 1 de janeiro de 2010 poderia colocar a questão de constitucionalidade atinente à aplicação do princípio da igualdade na sucessão de regimes jurídicos. Na apreciação dessa questão, o Tribunal Constitucional tem reiterado o entendimento de que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, pelo que não será em regra aplicável a fenómenos de sucessão de leis no tempo (vide entre outros, os Acórdãos n.os 43/88, 309/93, 99/2004, 188/2009, 3/2010, 260/2010 e 398/2011, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, tal como os restantes Acórdãos do Tribunal Constitucional citados de ora em diante; vide ainda, a Decisão Sumária n.º 265/2013, disponível no mesmo sítio, que não julgou inconstitucional o n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, de 3 de agosto de 1965, na interpretação de que o direito à revisão da pensão com fundamento em agravamento das lesões caduca se tiverem passado dez anos, contados da última revisão, não obstante o disposto na Lei 98/2009).

11 - Afirmar que o princípio da igualdade não opera diacronicamente, significa que a mera sucessão de leis no tempo não afeta, só por si, aquele princípio. Com efeito, "apesar de uma alteração legislativa poder operar uma modificação do tratamento normativo em relação a uma mesma categoria de situações, implicando que realidades substancialmente iguais possam ter soluções diferentes, isso não significa que essa divergência seja incompatível com a Constituição, visto que ela é determinada, à partida, por razões de política legislativa que justificam a definição de um novo regime legal. Visando as alterações legislativas conferir um tratamento diferente a determinada matéria, a criação de situações de desigualdade, resultantes da aplicação do quadro legal revogado e do novo regime, é inerente à liberdade do legislador do Estado de Direito alterar as leis em vigor, no cumprimento do seu mandato democrático» (Acórdão 398/11, do Plenário deste Tribunal).

(..)

Por outras palavras, "a fixação do tempo de aplicação de uma norma [pode] brigar com o princípio da igualdade se houver tratamentos desiguais para situações iguais e sincrónicas» (vide Acórdão 34/86).

(..)

Verifica-se, assim, que de acordo com a jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal Constitucional o facto de haver um prazo para o pedido de revisão da pensão, por si só, não viola o direito à pensão por acidente de trabalho. Não existe qualquer imposição constitucional no sentido de dever ser ilimitada a possibilidade de revisão das pensões por acidente de trabalho. Pelo contrário, o entendimento do Tribunal é o de que o legislador dispõe de margem de conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, não se afigurando como desrazoável a fixação de um prazo para o pedido de revisão da pensão.

Mais se considerou que um prazo de 10 anos se apresenta como suficientemente lato para permitir a manifestação de hipotéticos agravamentos das lesões.

Para este entendimento concorreu também a "verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)», como lembrado é no Acórdão 612/2008, por referência a Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, p. 128.

(…)

A questão colocada pelo tribunal a quo incide antes em saber se "em face do determinado na Lei 98/2009 a interpretação que tem sido feita da Base XXII, n.º 2 da Lei 2127 é agora inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa», como expressamente identifica a decisão proferida. E é por concluir pela violação daquele princípio, designadamente por não encontrar justificação suficiente e razoável no princípio da não retroatividade da lei, para a diferença de tratamento de situações idênticas resultante da sucessão legislativa introduzida pela Lei 98/2009, que, a final, se considera de algum modo também ofendido o direito de justa reparação consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição.

(..)

Assim, a ponderação entre o princípio da igualdade e o princípio da segurança jurídica, em situação de confronto entre si resultantes da alteração de regimes jurídicos, deve ser feita pelas normas instrumentais de conflitos, nomeadamente as normas transitórias. É neste âmbito que, visando precisamente garantir a segurança nas relações jurídicas entre sinistrado e entidade responsável pelo pagamento da pensão, a norma constante do artigo 187.º, n.º 1 da Lei 98/2009, veio estabelecer que o novo regime de revisão das pensões só vigora para os acidentes ocorridos após a publicação da lei que eliminou o limite de prazo para o efeito.

(..)».

II.3.1 Revertendo ao caso, adianta-se já acolhermos a decisão recorrida, dado seguir entendimento conforme à jurisprudência citada, sendo certo que também este colectivo subscreve igual entendimento, afirmado já, como se mencionou acima, no acórdão de 24 de Setembro de 2018, proferido no Processo n.º 765/03.8TTVNG.2.P1.» - relatado por JERÓNIMO FREITAS, proc. 1445/14.4T8OAZ.2.P1 disponível em www.dgsi.pt.

Tal como se refere naquele aresto, também não vê este tribunal razões para se desviar do entendimento que tem vindo a ser seguido naquela Relação e consonante com a jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional nos termos ali expostos.

Em face do exposto considerando que o acidente ocorreu no ano de 1994 e a pensão do sinistrado foi fixada em 1995, não tendo sido revista desde então (o incidente de revisão suscitado em 1999 veio a ser indeferido), é de concluir que, quando o sinistrado deduziu o presente incidente de revisão, 22.11.2018, há muito havia decorrido o prazo de 10 anos previsto no n.º 2 da Base XXII da Lei 2127, pelo que há muito caducou o direito do sinistrado à revisão da incapacidade, o que se declara.

*

DISPOSITIVO:

Pelo exposto, em face da caducidade do direito de ação, julgo improcedente o pedido de revisão do sinistrado.

2. Inconformado, veio o sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, interpor recurso de apelação motivado e concluiu nos termos seguintes:

1. Decorre da factualidade dada como assente que por despacho de 20/12/1995, foi atribuída ao sinistrado uma IPP de 50%, com IPATH, desde 27/11/1995.

2. Mais se refere que, a 15/3/1999, o empregador veio requerer a revisão da incapacidade, tendo sido proferida decisão datada de 9/7/1999, a qual manteve ao grau de incapacidade do sinistrado.

3. Sucede que do auto de Junta Médica de fls. 319 e segs., dos autos principais, realizada a 22/6/1999, decorre um agravamento da IPP apresentada pelo sinistrado (de 50% para 50,35%), mantendo a IPATH.

4. Sem indicação de justificação, tal agravamento não ficou refletido na decisão proferida.

5. Sucede, ainda, que no dia 8/8/2002 (fls. 451 dos autos principais) o sinistrado veio informar que iria ser, de novo operado aos dedos do pé esquerdo, o que não veio a dar lugar a pedido de revisão de incapacidade, sendo de admitir que tal procedimento se teria justificado.

6. Por outro lado, periodicamente e a pedido do sinistrado, foi ordenado nos autos principais o fornecimento ou reparação de botas ortopédicas por parte do empregador.

7. Assim, tais pedidos foram formulados a 29/5/2000 (fls. 365) e ordenados a fls. 368; a 15/1/2001 (fls. 407) e ordenados a fls. 409; a 30/1/2002 (fls. 430) e ordenados a fls. 439; a 8/1/2003 (fls. 468) e ordenados a fls. 473; a 14/1/2004 (fls. 495), ordenado a fls. 502; a 14/7/2015 (fls. 542), ordenado a fls. 551; a 13/2/2006 (fls. 558), ordenado a fls. 571; a 26/3/2007 (fls. 612), ordenado a fls. 617; a 27/11/2009 (fls. 693), ordenado a fls. 702; a 10/2/2010 (fls. 706), ordenado a fls. 709; a 15/12/2011 (fls. 798), ordenado a fls. 808 e segs.; e a 10/3/2015 (fls. 937), ordenado a fls. 966.

8. Quanto a este aspeto, refira-se que a Base XXII, n.º 1 da Lei 2 127 previa, em matéria de revisão das pensões: «Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.»

9. Desde modo, a colocação de material ortopédico, que não estava prevista na decisão inicial de atribuição de pensão permanente, deveria, igualmente, ter justificado a instauração de incidente de revisão de incapacidade, por fazer antever uma possível alteração do grau de incapacidade.

10. Decorre da factualidade dada como assente na decisão recorrida que o sinistrado apresenta um agravamento das suas lesões, sucedendo que do relatório pericial de fls. 46 e segs. resulta que, atualmente, apresenta uma IPP de 57,25%, (anteriormente 50% ou 50,35%), com IPATH, com a consolidação médico legal em 4/2/2019, apresentando, igualmente, 42 dias de ITA e 3 656 dias de ITP.

11. Decorre, igualmente, do referido exame médico-legal que o sinistrado apresenta sequelas do membro inferior direito: cicatriz viciosa do terço inferior da perna direita com disestesias (nomeadamente a sensibilidade do dedo mínimo faz-se no terço da perna direita e tem parestesias do mesmo dedo) e perda de tecido conjuntivo muscular e pele, fixação da tíbia ao perónio, com imobilização de movimentos laterais da perna/pé.

Rigidez na dorsiflexão da tíbio társica. No membro inferior esquerdo tem pseudo artrose da tíbia e perónio laxa não permitindo a marcha sem auxílio de bengala e osteomielite crónica fistulizada no calcâneo (úlcera há 4 anos). Ao exame tem penso com ferida com exsudado.

12. Resulta do indicado relatório pericial, o qual não foi questionado pela entidade responsável, que o sinistrado esteve internado no Hospital de Beja por agudização de osteomielite crónica nos períodos de 21/1/2008 a 1/2/2008, 7/12/2008 a 20/12/2008 e 15/1/2012 a 30/1/2012, por osteomielite crónica agudizada, como sequela de fratura dos ossos da perna esquerda. Foi seguido em consulta externa em 2008, 2009, 2012, 2014, 2014 e 2015.

13. Foram identificados períodos de ITP a 60% de 2/2/2008 a 6/12/2008, de 21/12/2008 a 14/1/2012 e de 31/12/2012 a 4/2/2019, correspondentes a espaços temporais durante os quais o sinistrado desenvolveu atividade profissional, mas com limitações.

14. A perícia fixa a consolidação médico legal em 4/2/2019, sem prejuízo da necessidade de novos internamentos por agudização da osteomielite crónica.

15. Em face de tais dados apenas é possível concluir que as lesões do sinistrado não estavam consolidadas nem estabilizadas até 4/2/2019, apresentando riscos de agudização com as consequentes necessidades de tratamento e com riscos de agravamento das sequelas.

16. Assim, mostrando-se ilidida a invocada presunção de consolidação e estabilização das lesões, nada justifica, atenta até a jurisprudência citada na sentença recorrida, concluir pela caducidade do direito do sinistrado de requerer a revisão da sua incapacidade.

17. De qualquer modo, o entendimento de que à luz do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, decorridos 10 anos sobre a fixação da incapacidade permanente se presume a consolidação e estabilização das lesões não tem sustentabilidade médica e enferma de inconstitucionalidade, por violação do direito do sinistrado à justa reparação consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República.

18. Por outro lado, apresentando atualmente a lei aplicável (art.º 70.º n.º 3 da LAT) uma redação que permite uma revisão anual da incapacidade fixada ao sinistrado, ocorre a violação do princípio constitucional da igualdade, previsto no art.º 13.º da CRP, por se permitir um tratamento desigual aos sinistrados (e entidades responsáveis), consoante as datas dos acidentes.

19. Consequentemente, a decisão recorrida a qual declarou o decurso do prazo de caducidade de 10 anos, quanto ao pedido de revisão de incapacidade, viola o disposto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127; no art.º 13.º da CRP, art.º 59.º, n.º 1 al. f) da CRP.

20. Pelo exposto, a sentença proferida nos autos deve ser revogada e substituída por outra que reconheça o agravamento da incapacidade permanente do sinistrado e os períodos de incapacidade temporária, fixando-se a correspondente pensão, o subsídio de elevada incapacidade.

3. Não foram apresentadas contra-alegações.

4. Dispensados os vistos por acordo com os exmos. juízes desembargadores adjuntos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

5. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.

Questão a decidir: apurar se caducou o direito do sinistrado pedir a revisão da pensão.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a considerar são os que constam do relatório, sentença recorrida, nas alegações e conclusões.

B) APRECIAÇÃO

A base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965, aplicável ao acidente de trabalho dos autos, prescreve:

1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

O art.º 145.º do CPT prescreve que quando for requerida a revisão da incapacidade, o juiz manda submeter o sinistrado a perícia médica (n.º 1).

O pedido de revisão é deduzido em simples requerimento e deve ser fundamentado ou vir acompanhado de quesitos (n.º 2).

A revisão das incapacidades em juízo coloca uma questão que tem gerado discussão.

No processo 2515/17.2T8STR.E.1[1], o aqui relator votou vencido relativamente a esta questão, nos termos seguintes:

“O Tribunal Constitucional[2] julgou inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa reparação consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição da República Portuguesa, a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido atualizações da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado.

Este entendimento foi reforçado, em relação à mesma norma jurídica, pelo Tribunal Constitucional em 2007[3], com idênticos fundamentos.

Esta decisão constitucional foi proferida no domínio da lei anterior e foi seguida por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de abril de 2008[4], embora ainda sobre a mesma lei.

O n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965 corresponde sem alterações ao n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13.09.

A razão de ser da revisão da incapacidade radica no facto do estado de saúde do sinistrado poder evoluir com o tempo e agravarem-se, diminuírem ou, até, curarem-se as lesões. A alteração do coeficiente de desvalorização pode dever-se a fatores internos, ligados ao próprio sinistrado, ou a circunstâncias externas, como seja o avanço contínuo do conhecimento médico e a novos meios tecnológicos colocados ao dispor da medicina que permitam ao trabalhador o uso de aparelho de modo a diminuir a incapacidade para o trabalho.

A pensão resultante da alteração do grau de incapacidade, mesmo depois de fixada pelo tribunal, está sempre sujeita à condição rebus sic stantibus. Não se trata de um benefício estabelecido apenas em relação ao sinistrado, porquanto a entidade responsável pelo pagamento da pensão pode também requerer a revisão e beneficiar se a incapacidade for menor.

Pensamos que ninguém pode garantir que ao fim de 10 anos as lesões já estão de tal modo consolidadas que são insuscetíveis de modificação. A presunção deve poder ser ilidida com base no princípio da justa reparação prescrito pela alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º”.

Ao estabelecer o prazo de 10 anos, o legislador teve em mente que se as lesões não tiverem qualquer evolução, seja para melhor seja para pior, presume-se que a partir deste período de tempo já não se alterarão[5].

Todavia, esta presunção não é absoluta, e no caso concreto está ilidida, na medida em que está provado que que o sinistrado esteve com incapacidade temporária absoluta para o trabalho, nos períodos de tempo seguintes: 21.01.2008 a 01.02.2008; 07.12.2008 a 20.12.2008; e 15.01.2012 a 31.01.2012, em que esteve internado no Serviço de Ortopedia, devido a osteomielite crónica agudizada como sequela de fratura dos ossos da perna esquerda. Foi também seguido em consulta externa nos anos de 2008, 2009, 2012, 2014, 2015 e 2016.

Acresce que o sinistrado formulou pedidos de fornecimento ou reparação de botas ortopédicas por parte do empregador, que foram judicialmente determinadas.

Tais pedidos a 29/5/2000 (fls. 365) e ordenados a fls. 368; a 15/1/2001 (fls. 407) e ordenados a fls. 409; a 30/1/2002 (fls. 430) e ordenados a fls. 439; a 8/1/2003 (fls. 468) e ordenados a fls. 473; a 14/1/2004 (fls. 495), ordenado a fls. 502; a 14/7/2015 (fls. 542), ordenado a fls. 551; a 13/2/2006 (fls. 558), ordenado a fls. 571; a 26/3/2007 (fls. 612), ordenado a fls. 617; a 27/11/2009 (fls. 693), ordenado a fls. 702; a 10/2/2010 (fls. 706), ordenado a fls. 709; a 15/12/2011 (fls. 798), ordenado a fls. 808 e segs.; e a 10/3/2015 (fls. 937), ordenado a fls. 966.

Acresce ainda que com data de 15.03.1999 o empregador requereu a revisão da incapacidade do sinistrado por entender que o mesmo havia sofrido uma melhoria das sequelas do acidente (fls. 259 dos autos principais), tendo sido proferida decisão com data de 09.07.1999, a indeferir o incidente, mantendo o grau de incapacidade do sinistrado, resultando do auto de junta médica de fls. 319 e segs., dos autos principais, realizada a 22/6/1999, que decorre um agravamento da IPP apresentada pelo sinistrado (de 50% para 50,35%), mantendo a IPATH.

Resulta de todo o exposto, que a as lesões não estavam consolidadas definitivamente.

Assim, mostra-se ilidida a presunção de que as lesões não eram suscetíveis de alteração.

Neste contexto, a interpretação do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965, no sentido de que o prazo de 10 anos preclude o direito do sinistrado requerer ao tribunal a revisão da pensão, quando está demonstrado nos autos que ocorreu alteração das lesões há menos de 10 anos até à data do pedido, mostra-se inconstitucional por violação do preceituado no art.º 59.º n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa.

Daí que a interpretação do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 03.08.1965, deve ser no sentido de que o pedido de revisão da incapacidade pode ser efetuado no prazo de 10 anos após a última alteração da incapacidade quando se prove que houve alteração das lesões há menos de 10 anos, a fim de se conformar com o preceituado no art.º 59.º n.º 1, alínea f), da CRP[6].

A interpretação literal da norma legal em causa tem como resultado a sua inconstitucionalidade.

Termos em que procede a apelação e se revoga a decisão recorrida.

Em face da decisão ora proferida, importa calcular de novo a pensão tendo em conta o agravamento da IPP.

O sinistrado foi sujeito a exame por perita médico-legal, a qual emitiu parecer no sentido de que se mantém a IPATH anteriormente fixada, tendo-se agravado a IPP para 57,25%.

Ocorreu um agravamento da IPP de 50% para 57,25%, conforme resulta inequivocamente da perícia médica, para a qual remete a decisão recorrida.

O acidente de trabalho ocorreu em 03.06.1994 e a alta ocorreu em 26.11.1995.

O sinistrado auferia a retribuição anual de € 6 082,34 e foi-lhe fixada inicialmente a pensão anual e vitalícia de € 3 201,55, a partir de 27.11.1995, dia seguinte à data da alta.

Verifica-se que se mantém a incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, mas ocorre um agravamento da incapacidade permanente para o trabalho em geral.

Assim, importa calcular de novo a pensão devida, tendo em conta as normas legais vigentes à data do acidente, ou seja, a base XVI, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 2 127, de 03.08.1965 e art.ºs 49.º a 51.º do Decreto n.º 360/71, de 21.08.

Tendo em conta a retribuição do sinistrado, o agravamento da incapacidade para o trabalho em geral e os critérios legais definidos, é a pensão devida ao sinistrado revista e aumentada para o montante de € 3 267,90, a partir de 22.11.2018, data da entrada em juízo do requerimento de revisão da incapacidade, com base nos cálculos seguintes:

Retribuição anual auferida pelo sinistrado à data do acidente: € 6 082,34.

Salário mínimo nacional à data da alta: € 259,40 (momento do cálculo da pensão).

Retribuição a atender: (€ 6 082,34 - € 3 112,80 (€ 259,40 x 12)) = € 2 969,54.

€ 2 969,54 x 80% + € 3 112,80 = € 5 488,43, que é a retribuição a atender para efetuar os cálculos correspondes à incapacidade.

Calculando:

€ 5 488,43 : 2 = € 2 744,22.

€ 5 488,43 x 2/3 = € 3 658,95.

€ 3 658,95 - € 2 744,22 = € 914,73.

€ 914,73 x 57,25% = € 523,68.

Valor da pensão € 2 744,22 + € 523,68 = € 3 267,90.

Ao tempo do acidente de trabalho dos autos a lei não previa a atribuição ao sinistrado de um subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, pelo que não pode proceder esta sua pretensão.

Em relação às incapacidades temporárias, as mesmas ocorreram antes da data do requerimento de revisão da incapacidade e são apenas tidas em conta para efeitos de elisão da presunção de cura pelo decurso do prazo de 10 anos. O sinistrado deveria ter reclamado o seu pagamento no momento respetivo e não apenas agora em sede de alegações de recurso, pelo que não se conhece desta matéria.

A pensão devida ao sinistrado deverá ser atualizada nos termos legais até ao presente.

Em qualquer caso, o pagamento da atualização só é devido desde a data do requerimento de revisão da incapacidade[7].

Nesta conformidade, procede o recurso de apelação interposto pelo sinistrado.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente, revogar a sentença recorrida, admitir a revisão da incapacidade e aumentar a pensão do sinistrado para o montante anual e vitalício de € 3 267,90 (três mil, duzentos e sessenta e sete euros e noventa cêntimos), a partir de 22.11.2018, atualizando-se a pensão, nos termos acima referidos, caso o responsável pelo seu pagamento não demonstre que a atualizou.

Custas pelo empregador e simultaneamente responsável pela reparação.

Notifique.

(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 24 de setembro de 2020.

Moisés Silva (relator)

Mário Branco Coelho

Paula do Paço, com a declaração de voto seguinte:

Declaração de voto:

Votei a decisão do acórdão, ainda que, com todo o respeito, não subscreva integralmente a fundamentação apresentada.

Atenta a data em que ocorreu o acidente de trabalho (03-06-1994), entendo, tal como consta do acórdão, que a lei aplicável para efeitos de reparação do acidente é a Lei n.º 2127, de 03-08-65, inclusive para a questão relacionada com a revisão da pensão[8].

Estipula a Base XXII do aludido diploma legal:

«1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.

2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.»

Infere-se da aludida norma que o legislador, no âmbito da sua margem de conformação na concretização do direito à justa reparação por acidentes de trabalho e doenças profissionais – artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da C.R.P. – consagrou um prazo de dez anos para o exercício do direito à apresentação do pedido de revisão da pensão.

Conforme é referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 219/2012[9], «o prazo legal de 10 anos, revela-se, na generalidade e segundo a normalidade das coisas, um prazo suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado».

Assim, se desde a data da fixação da pensão até ao termo do prazo dos dez anos posteriores não tiver sido alterado o grau de incapacidade originariamente fixado, nem existirem decisões judiciais a determinar que o sinistrado seja submetido a intervenções cirúrgicas, a tratamentos médicos, ou à aplicação de próteses ou ortopedia, tenho entendido que se verifica a caducidade do direito de pedir a revisão, e que a norma constante do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127 não é inconstitucional, com fundamento na prevalência do princípio da segurança jurídica[10].

O caso que se apresenta nos autos é um caso singular.

Por despacho homologatório do acordo obtido na tentativa de conciliação realizada pelo Ministério Público, proferido em 20-12-1995, atribuiu-se ao sinistrado uma IPP de 50% com IPATH, e condenou-se a entidade patronal a pagar-lhe a pensão anual no montante de 641.853$00, acrescida do duodécimo referente ao mês de dezembro, a partir de 27-11-1995, bem como as indemnizações pelas incapacidades temporárias e, ainda, as despesas reclamadas pelo sinistrado, a título de deslocações.

Em 15-03-1999, a entidade patronal veio requerer a revisão da incapacidade.

No exame de revisão (19-04-1999), o perito manteve a incapacidade arbitrada.

O exame por junta médica que se seguiu (22-06-1999), decidiu atribuir uma IPP de 50,35%, mantendo a IPATH.

Por despacho judicial datado de 09-07-1999, julgou-se o incidente de revisão improcedente e manteve-se o grau de incapacidade do sinistrado. Não houve, pois, qualquer alteração da pensão anteriormente fixada.

Sucede que, entre 29-05-2000 e 10-03-2015, foram, periodicamente, pelo sinistrado, apresentados 12 pedidos de fornecimento ou reparação de botas ortopédicas por parte do empregador, tendo o tribunal a quo deferido os mesmos.

No primeiro dos requerimentos apresentados, o sinistrado alegou que tinha adquirido umas botas ortopédicas que utilizava há vários meses, mas que devido ao seu desgaste pelo uso diário necessitava de adquirir outro par de botas. Solicitou que a entidade patronal lhe pagasse os dois pares de botas ortopédicas, ao abrigo da Base IX da Lei n.º 2127, de 03-08-1965 e do artigo 25.º do Decreto n.º 360/71, de 21-08.

Extrai-se da documentação relacionada com tais pedidos que o tribunal a quo entendeu que as botas ortopédicas constituíam uma prestação em espécie necessária ao restabelecimento do estado de saúde do sinistrado, na vertente de melhor conforto na vivência do dia a dia, não obstante as sequelas advindas do acidente de trabalho. Nessa medida, considerou-se que a entidade patronal, no âmbito da sua responsabilidade pela reparação do acidente, estava obrigada a custear o referido calçado, ao abrigo do artigo 42.º do Decreto n.º 360/71.

Esta prestação em espécie não havia sido contemplada pela decisão inicial que fixou a incapacidade decorrente do acidente e condenou a entidade empregadora ao pagamento de uma pensão ao sinistrado.

Ora, as sucessivas decisões judiciais que condenaram a entidade empregadora, antes de decorrido o prazo de dez anos sobre a fixação da pensão e ao longo de quase 15 anos, a custear ou garantir a referida prestação em espécie, que foi considerada necessária e adequada à reparação dos danos causados pelo acidente, e que não tinha sido determinada na decisão inicial que fixou a pensão, é reveladora de uma situação clínica não estabilizada[11] após a fixação da pensão.

As prestações em espécie, tal como decorre da Base IX, da Lei n.º 2127, destinam-se ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.

Na específica situação dos autos, apesar de não ter sido alterado, no prazo previsto no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, o grau de incapacidade inicialmente fixado pelo tribunal, foi, por determinação judicial, acrescentada uma prestação à obrigação de reparação do acidente no referido prazo.

E não podemos olvidar que a aplicação de prótese ou ortopedia, pode constituir fundamento para um pedido de revisão – n.º1 da Base XXII, da Lei n.º 2127[12]. Por exemplo, a entidade empregadora poderia requerer a revisão com fundamento na extinção da necessidade das atribuídas botas ortopédicas.

Nessa medida, a desconsideração desta prestação em espécie, judicialmente determinada antes de decorrido o prazo de dez anos sobre a fixação da pensão, constituiria uma violação do direito à justa reparação do acidente de trabalho, consagrada no artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da C.R.P..

Pode ler-se, com interesse, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 433/2016[13]:

«A ideia de justiça na reparação – retirada do próprio léxico da norma constitucional citada – comete o legislador na incumbência de facultar os meios necessários e adequados à efetivação desse direito dos trabalhadores com vista á reparação dos danos sofridos pelas vítimas de um acidente de trabalho, a qual se procura efetiva e verdadeiramente dirigida à superação ou, não sendo tal possível, à compensação dos danos na saúde e na capacidade e aptidão dos trabalhadores para a vida ativa e, em particular, para a atividade laboral».

Destarte, considero que a norma contida no n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, é inconstitucional, ao estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, nos casos em que, desde a fixação da pensão, por determinação do tribunal, tenha sido ordenado à entidade responsável que, periodicamente, fornecesse ou custeasse aparelho ou material de ortopedia, ao sinistrado, destinado ao restabelecimento do estado de saúde do mesmo, por violação do direito à justa reparação previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da C.R.P.[14]

Em consequência, entendo ser inaplicável ao caso dos autos o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, por inconstitucionalidade.

Pelo exposto, considero que não se verificou a caducidade do direito de o sinistrado pedir a revisão, exercido em 22-11-2018 e, por isso, subscrevo a decisão de revogar a sentença recorrida, de admitir a revisão da incapacidade apresentada, e de condenar o responsável de acordo com o agravamento reconhecido no incidente de revisão.

Concluindo, voto o acórdão, ainda que não subscreva integralmente a sua fundamentação.

Évora, 24 de setembro de 2020

(Paula do Paço)

________________________________________________

[1] Ac. RE, de 29.11.2018, processo n.º 2515/17.2T8STR.E1, www.dgsi.pt/jtre.

[2] Ac. TC, n.º 147/2006, processo n.º 402/2005, Diário da República, II série, de 03.05.2006, pp. 6356 a 6360

[3] Ac. TC, n.º 59/2007, processo n.º 728/2006, www.tribunalconstituconal.pt

[4] Ac. TRP, de 14.04.2008, CJ, t, II, pp. 241 e ss..

[5] Neste sentido, Acórdão TC n.º 583/2014, de 17.09.2014, www.tribunalconstitucional.pt.

[6] Neste sentido, Ac. TC, n.º 433/2016, de 13.07.2016, https://www.tribunalconstitucional.pt/tc.

[7] Neste sentido, Ac. TRP, de 11.10.2018, processo n.º 596/14.0T8VFR.10.P1, www.dgsi.pt/jtrp.

[8] Cfr. Acórdão da Relação de Évora de 29-11-2018, Proc. 2515/17.2T8STR.1 e Acórdão da Relação de Coimbra de 31-03-2017, Proc. 32/05.2TTFIG.1.C1, ambos relatados pela agora declarante e que se mostram acessíveis em www.dgsi.pt.

[9] Publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 102, de 25-05-2012.

[10] Cfr. Acórdão referidos em 1.

[11] Cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 433/2016, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 189, de 30n de setembro de 2016.

[12] Foi o que aconteceu no caso apreciado pelo acórdão identificado no ponto anterior.

[13] Cfr. nota 4.

[14] Cfr. Acórdão identificado em 4.