Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
230/12.2PACTX-A.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: PENA DE MULTA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
Não é admissível que, ultrapassado o prazo legal de pagamento da pena de multa, o condenado solicite ao Tribunal o pagamento em prestações dessa multa, quer se trate de uma pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão ou de uma pena de multa principal.
Decisão Texto Integral:
I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos autos de Processo Sumário acima identificados, do Juízo de Competência Genérica do Cartaxo, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 5-12-2017, foi o arguido (...) condenado na pena de 90 dias de multa à razão diária de 5,50 €, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.°, n.° 1 al.ª b), do Código Penal.
Nessa sequência, foi emitida e remetida ao condenado guia, da qual constava como data limite de pagamento o dia 23-3-2018.
No apontado prazo, o condenado nada pagou.
Depois de realizadas diligências tendentes ao apuramento de bens penhoráveis do condenado que viabilizassem uma eventual cobrança coerciva da pena de multa não paga, veio o condenado, por requerimento de 28-1-2019, requerer o seu pagamento em prestações.
O M.º P.º opôs-se ao deferimento do requerido.
Tendo o Tribunal a quo proferido despacho a autorizar o pagamento da referida pena de multa em 10 prestações mensais e sucessivas, o que fez através do seguinte despacho:
Por requerimento supra em referência, veio o arguido, requerer o pagamento das multas em prestações (cfr. artigo 47.° n.? 3 do Código Penal e 489.° do Código de Processo Penal), alegando a sua situação económica.
o Digno Magistrado do Ministério Público opôs-se ao pagamento em prestações (Ref. supra). Estabelece o artigo 47.° n.? 3 do Código Penal que "sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa (. . .) em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação".
Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 05/12/2017, transitado em julgado em 25/01/2018, foi o arguido (...) condenado na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos); e, bem assim, nas custas processuais.
A pena multa é, ainda, uma sanção penal, ao lado da pena de prisão, pelo que para cumprir os seus fins de prevenção tem de ser sentida pelo condenado sob pena de se verem frustradas as razões da sua aplicação e esvaziado o seu conteúdo.
Não obstante, o valor da pena de multa aplicada e as condições económicas do arguido (dadas como provadas em sede de audiência de julgamento e ora invocadas) justificam que seja autorizado o pagamento da pena de multa em prestações.
Em face do exposto, apesar da extemporaneidade do requerimento, privilegiando o cumprimento voluntário, e com respeito pela limitação temporal prevista na parte final do citado artigo 47.° n.? 3 do Código Penal, autorizo o pagamento da pena de multa em 10 prestações mensais iguais e sucessivas, com início em Março do corrente ano.
Notifique, sendo o arguido com a advertência do disposto no artigo 47.° n.º 5 do Código Penal.
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Inconformado com o assim decidido, o M.º P.º interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1- O artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal estipula que o prazo de pagamento voluntário da pena de multa é de 15 (quinze) dias a contar da notificação para o efeito.

2- Dada a clareza da norma em causa, não se afigura necessário o recurso a outros elementos da interpretação jurídica (racional/teleológico e histórico) para concluir por uma interpretação que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

3- O artigo 107.º, n.º 2, do Código de Processo Penal estabelece a regra da natureza perentória dos prazos processuais penais.

4- Daí que, com o devido respeito por opinião contrária, entendemos que o prazo previsto no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo tem natureza perentória, o que significa que, uma vez esgotado, se extingue o direito de o condenado requerer o pagamento da pena de multa em prestações.

5- Tal interpretação não colide com o objetivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas da liberdade, uma vez que o indeferimento de requerimento para pagamento em prestações após o decurso de tal prazo não significa, necessariamente, a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária e, mesmo que tal venha a acontecer, poderá ser a sua execução suspensa, se o condenado provar que o não pagamento não procede de culpa sua – artigo 49.º, n.º 3, do Código Penal.

6- No caso sub judice, o prazo para pagamento voluntário da pena de multa terminou em 23/03/2018.

7- Desta forma, no seguimento da interpretação acima referida, o requerimento para pagamento da mesma em prestações, formulado em 28/01/2019, é manifestamente extemporâneo, razão pela qual deveria ter sido o mesmo indeferido.

8- Com o devido respeito, ao assim não decidir, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 47.º, n.º 3, do Código Penal, e nos artigos 107.º, n.º 2, 489.º, n.º 2, e 491.º, n.ºs 1, e 2, do Código de Processo Penal.

Por conseguinte,
Na procedência do recurso, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que indefira o requerimento de pagamento em prestações da pena de multa, apresentado pelo condenado em 28/01/2019 (cfr. referência 5629157).
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O condenado não respondeu.
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Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu, como é seu timbre, douto parecer no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.
De modo que a única questão posta ao desembargo desta Relação é a de se deve ser admitido ao arguido que pague a multa em prestações, apesar de tal ter sido pelo mesmo requerido para lá do prazo de 15 dias a que se refere o art.º 489.º, do Código de Processo Penal.
Ou seja, e pondo a questão por outras palavras, trata-se de saber se o aludido prazo de 15 dias, a que se refere o art.º 489.º, para requerer o pagamento da multa em prestações, é um prazo peremptório ou meramente ordinatório.
A pena de multa aplicada nos presentes autos é uma pena principal e é regulada pelos art.º 47.º a 49.º do Código Penal e 489.º a 491.º do Código de Processo Penal.
Ora o art.º 47.º, no seu n.º 3, estabelece que, “sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda um ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação".
Apesar deste preceito legal não prever qualquer prazo para apresentação do requerimento a solicitar o pagamento em prestações da pena de multa, não significa isto que tal requerimento possa ser apresentado a qualquer momento.
O art.º 489.º do Código de Processo Penal estabelece que:
1. A multa é paga após o trânsito em julgado da decisão que a impôs e pelo quantitativo nela fixado, não podendo ser acrescida de quaisquer adicionais.
2. O prazo de pagamento é de quinze dias a contar da notificação para o efeito.
3. O disposto no número anterior não se aplica no caso de o pagamento da multa ter sido diferido ou autorizado pelo sistema de prestações.
Acrescenta o n.° 1 do artigo 491.°:
Findo o prazo do pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, procede-se à execução patrimonial.
Articulados todos os aludidos preceitos legais, conclui-se que a cobrança da
pena de multa passa por três etapas, que são sucessivas:
Num primeiro momento, o pagamento voluntário, no prazo legal de 15 dias a contar da notificação do condenado; ou, se o arguido assim o requerer e sempre que a sua situação económica e financeira o justificar, pode ser autorizado o pagamento diferido ou em prestações da pena de multa, a requerimento do condenado, apresentado no prazo de 15 dias a contar da notificação.
Esgotadas aquelas hipóteses, procede-se à execução dos bens do condenado, a qual seguirá os termos da execução por custas, por força do estatuído nos artigo 491.° do Código de Processo Penal.
Se, ainda assim se não obtiver o pagamento, então o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença, como manda o art.º 45.º, n.º 2, do Código Penal, a não ser que, de acordo com o n.º 3 do art.º 49.º do mesmo código, deva ser suspensa a sua execução. Sendo que, porém e de acordo com os art.º 49.º, n.º 2, do Código Penal, e 491.º-A, do Código de Processo Penal, o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.
Referindo a lei apenas aquele prazo de 15 dias a contar da notificação para o pagamento voluntário, será no decurso deste prazo que há-de ser apresentado o requerimento para o pagamento diferido ou em prestações.
De resto, estabelecendo o n.° 1 do artigo 491.° do Código de Processo Penal que apenas se procede à execução patrimonial findo que seja o prazo do pagamento da multa ou de alguma das suas prestações sem que o pagamento esteja efectuado, também por aqui se vê que o requerimento de pagamento diferido ou em prestações já não pode ser apresentado depois de instaurada a execução.
Em conclusão, não é admissível que, ultrapassado o prazo legal de pagamento voluntário da pena de multa, o condenado solicite ao Tribunal o pagamento em prestações dessa multa, quer esta se trate de uma pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão ou de uma pena de multa principal.
Este entendimento não colide com o objectivo político-criminal de aplicação preferencial de medidas não privativas de liberdade, pois que o indeferimento da pretensão do arguido não significa necessariamente a imediata conversão da pena de multa em prisão subsidiária, podendo ser viável a execução coerciva da mesma (que obvia à referida conversão). E, depois, o condenado pode sempre evitar o cumprimento da prisão pagando no todo ou em parte a multa em que foi condenado (art.º 49.º, n.º 2, do Código Penal); e a execução da prisão subsidiária pode ainda ser suspensa nos termos do art.º 49.º, n.º 3, do Código Penal, desde que o condenado prove que a razão do não pagamento não lhe é imputável.
Ou seja, a prisão subsidiária é, efectivamente, a solução de último recurso, a que o arguido só se sujeita por manifestamente não querer cumprir a pena de multa ou então por inércia em fazer chegar aos autos alternativas para a sua execução.
Admitir que o arguido não está sujeito ao mencionado prazo de 15 dias é deixar à sua disponibilidade a escolha do momento em que quer cumprir esta pena, o que manifestamente contende com o carácter sancionatório da mesma[1].
Em face do exposto, tem pois o M.º P.º recorrente razão.
III
Termos em que, concedendo provimento ao recurso interposto pelo M.º P.º, se decide revogar o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro que, considerando o requerimento intempestivo, ordene o prosseguimento dos autos, tendo em vista a fase seguinte para cumprimento da pena de multa.
Sem custas.
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Évora, 8-9-2020
(elaborado e revisto pelo relator; tem voto de conformidade por parte da Exma. Desembargadora Adjunta, Dr.ª Ana Barata Brito, que não assina por não estar presente, atento o actual estado de pandemia da Covid-19)
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[1] Neste sentido e em www.dgsi.pt:
Ac. TRP, de 28/05/2003, processo 0311915;
Ac. TRP, de 10/09/2009, processo 0843469;
Ac. TRP, de 23/06/2010, processo 95/06.3GAMUR-B.P1;
Ac. TRC, de 02/02/2011, processo 510/17.9PAMGR-A.C1;
Ac. TRC, de 13/06/2012, processo 202/10.1GBOBR.C1;
Ac. TRP, de 21/03/2012, processo 141/10.6PDVNG-A;
Ac. TRC, de 03/07/2013, processo 74/07.3TAMIR-A-C1;
Ac. TRC, de 18/09/2013, processo 368/11.3GBLSA-A.C1;
Ac. TRC, de 18/09/2013, processo 145/11.1TALSA-A.C1;
A. TRC, de 11/02/2015, processo 12/12.1GECTB-A.C1;
Ac. TRC, de 03/03/2015, processo 650/12.2TAGRD.C1;
Ac. TRC, de 29/06/2016, processo 158/14.1GATBU-A.C1;
Ac. TRG, de 23/01/2017, processo 67/09.6BRG-A.G1;
Ac. TRC, de 17/01/2018, processo 24/15.3SBGRD-A.C1.
AC. TRG, de 8/02/2010, processo 796/08.1GAEPS-B.G1.
E na Colectânea de jurisprudência:
Ac. TRP, de 22-2-2006, CJ, 2006, I-216.
Ac. TRP, de 5-3-2014, sum. na CJ, 2014, II-336.
E Paulo Pinto de Albuquerque, "Comentário ao Código de Processo Penal", 2007, pág. 1263, anot. 3 ao art.º 489.º.
No sentido contrário, isto é, de que o requerimento para o pagamento da multa pode ser feito para lá do prazo mencionado no art.º 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal:
Ac. TRE de 21/03/2017, proc. 99/02.5PACTX-A.E1 e de 08/01/2013, proc. 197/07.0GBPSR-A.E1, do mesmo relator.
Ac. TRE, de 12/07/2012, proc. 751/09.4PBSTR.E1.
Ac. TRP, de 27/02/2013, proc. 534/09.1TDLSB-A.P1.
AC. TRP de 07/07/2016, proc. 480/13.4SGPRT.P1.