Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO NUNES | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL TRANSPORTE RODOVIÁRIO REGISTO DO TEMPO DE TRABALHO | ||
Data do Acordão: | 06/09/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | I. O Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, veio regular determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividade de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento. II. Trata-se de legislação específica, que prevê, além do mais, a obrigatoriedade do trabalhador móvel em actividade de transporte rodoviário não sujeito a aparelho de controlo (tacógrafo) proceder ao registo dos números de horas de trabalho prestados, intervalos de descanso, etc., nos termos a definir por portaria. III. A portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, veio precisamente a estabelecer-se a forma desse registo. IV. Em conformidade com as proposições anteriores, é de concluir que quer na vigência do Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) quer na vigência do Código do Trabalho de 2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro) se mantém em vigor o estabelecido nos referidos Decreto-Lei e portaria. (Sumário do relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 1370/15.1T8BJA.E1 Secção Social do Tribunal da Relação de Évora Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório BB, S.A. (NIPC…, com sede na …) impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo) que lhe aplicou a coima de € 9.180,00, e a sanção acessória de publicitação na página electrónica da AT, pela prática de uma contraordenação muito grave, prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 14.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, artigos 3.º e 6.º, alínea b), da Portaria n.º 983/2007, de 27-08, e artigo 554.º, n.º 4, alínea e), do Código do Trabalho. A infracção consistiu, em síntese, no facto de a arguida, aqui recorrente, no dia 17 de Janeiro de 2011 ter permitido a circulação da viatura ligeira de mercadorias, matrícula …, pelo seu trabalhador CC, sem que no livrete individual de controlo efectuasse o registo dos tempos de trabalho, dos tempos de disponibilidade, intervalos de descanso, descansos diários e semanais, condução e outros grupos de tempos de trabalho. Por sentença de 02 de Fevereiro de 2016, da Comarca de Beja – Beja – Instância Central – Secção do Trabalho – Juiz 1 – foi julgada parcialmente procedente a impugnação, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Em face de tudo o exposto, decido julgar parcialmente procedente o presente recurso de impugnação judicial e, em consequência, revogo parcialmente a decisão administrativa proferida em 7 de Maio de 2015, nos autos de Contra-Ordenação n.º 041100384 pela ACT – Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo, pelo que: 1. Absolvo a arguida/recorrente, BB, SA, da sanção acessória de publicitação na página electrónica da ACT; 2. Quanto ao mais, decido manter a decisão administrativa proferida em 7 de Maio de 2015, nos autos de Contra-Ordenação n.º 041100384, pela ACT – Unidade Local do Litoral e Baixo Alentejo, em Beja, que condenou a arguida BB, SA, pela prática, a título de negligência, de uma contraordenação muito grave, prevista e punida, pelo artigo 14.º, nº 3, alínea a) do Decreto-lei nº 237/2007, de 19 de Junho, conjugado com o disposto nos arts.º 3º e 6º, alínea b) da Portaria nº 983/2007 de 27/08 e nºs 1 e 2 do referido Decreto-lei nº 237/2007 de 19/06 e com o art.º 554º, nº 4, alínea e) do Código de Trabalho, na coima de € 9 180,00 (nove mil e cento e oitenta euros), tendo determinado como responsável solidário no pagamento de tal coima, DD, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 551º, nº 3 do Código de Trabalho,[] assim como, nas custas do processo nos termos do disposto no artigo 94.º, n.ºs 2, alínea b) e 3 do Regime Geral das contra-Ordenações e Coimas.». De novo inconformada, a recorrente interpôs recurso para este Tribunal da Relação, tendo na respectiva motivação formulado as seguintes conclusões: «1 – A portaria 983/2007 de 27 de Agosto, que a decisão a quo entende ter sido violada pela arguida, foi publicada ao abrigo do código do trabalho de 2003, regulando-o quanto às condições de publicidade do horário de trabalho e definindo a forma do registo de tempos de trabalho, repouso e descanso. 2 - Sucede, todavia, que em 12 de Fevereiro de 2009 foi publicada a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o novo Código do Trabalho e que entrou em vigor findo o prazo da vacatio legis de cinco dias, ou seja, a 18 de Fevereiro de 2009. 3 - Esse diploma revogou o anterior código do trabalho e respetiva regulamentação. 4 - Os factos que constituem o objecto dos presentes autos deram-se em 2011, já muito depois da entrada em vigor desse novo Código do Trabalho. 5 - Tal significa, salvo o devido respeito por diversa opinião, que tendo sido revogado o Código do Trabalho de 2003 e o seu Regulamento pelo Código do Trabalho de 2009, essa mesma Portaria 983/2007 caducou, dada a respetiva acessoriedade em relação àquele código, segundo o princípio de que revogada a norma principal caducam as que lhe são acessórias. 6 - Até à data, ainda não foi publicada portaria que a substitua, sendo certo que a Portaria n.º 983/2007, de 27/08, foi publicada ao abrigo do Código do Trabalho de 2003, entretanto revogado, como já vimos. 7 – E sendo as normas de tal portaria fundamento da incriminação da arguida nos presentes, e estando, como nos parece, tal portaria caduca por revogação tácita, não podem considerar-se verificados os elementos objetivos da contraordenação que à arguida foi imputada – falta de apresentação do livrete individual de controlo devidamente autenticado. Nestes termos e nos mais de Direito que V/ Exas. suprirão, deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado, e em consequência, revogada a douta decisão a quo e substituída por outra por vós proferida que absolva a arguida da contra-ordenação que lhe é imputada, assim fazendo a tão costumada JUSTIÇA!». O recurso foi admitido na 1.ª instância, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Entretanto, ainda na 1.ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso, a concluir pela sua improcedência. Para tanto, na motivação de recurso que apresentou formulou as seguintes conclusões: «1. A Portaria nº 983/2007 vigora na ordem jurídica, pelo que é aplicável ao caso dos autos. 2. Deste modo, deve ser mantida a decisão recorrida, devendo o presente recurso ser julgado improcedente. Assim se fazendo JUSTIÇA». Tendo os autos subido a este Tribunal da Relação, aqui a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido da improcedência do recurso. Preparando a deliberação, foi remetido projecto de acórdão ao Exmo. juiz desembargador adjunto, bem como ao Exmo. juiz desembargador presidente da secção. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que a recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, que aqui não se detectam – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas) e do artigo 50.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, sendo que este último diploma estabelece o regime jurídico processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social. Assim, tendo em conta as conclusões de recurso, a questão a decidir centra-se em saber se nos caso se verifica o elemento objectivo da infracção que à arguida foi imputada (falta de apresentação individual de controlo devidamente autenticado). Isto tendo em conta que a recorrente sustenta que caducou o normativo legal que obrigava a tal apresentação (Portaria n.º 983/2007, de 27-08). III. Factos A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade: 1. No dia 17 de Janeiro de 2011, pelas 10h56m, na A2, Km 193, na área de serviço de Almodôvar (sentido Norte-Sul), Almodôvar, Comarca de Beja, CC, conduzia o veículo pesado de mercadorias, com o número de matrícula…e fazia-o por conta e segundo as ordens da empresa aqui arguida/recorrente, BB, SA, da qual era seu trabalhador. 2. No dia referido em 1., foi o aludido veículo alvo de acção de fiscalização, por parte de elementos da GNR. 3. No circunstancialismo referido em 1. e 2. supra verificou-se que o condutor acima identificado não possuía livrete individual de controlo na viatura atrás identificada. 4. A arguida/recorrente, BB, SA ao agir da forma supra descrita agiu sem o cuidado e diligência, a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz. Mais se apurou que: 5. A sociedade arguida/recorrente dedica-se à recolha e transformação de carcaças de animais não destinados a consumo humano. A viatura supra identificada é um veículo pesado rígido com dois eixos e com uma capacidade de 19 toneladas, sendo que, na altura em que os factos ocorreram, efectuava a recolha de carcaças e cadáveres de animais. Tal viatura era detentora de aparelho de controlo (tacógrafo) mas na altura não o utilizava. O volume de negócios da arguida/recorrente foi no ano de 2011 de € 14 440 760,00. IV. Fundamentação O Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, veio regular determinados aspectos da organização do tempo de trabalho dos trabalhadores móveis em actividade de transporte rodoviário efectuadas em território nacional e abrangidas pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva 2002/15/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março, no que se reporta à matéria em causa (artigo 1.º, n.ºs 1 e 2). De acordo com o n.º 3 do mesmo artigo e diploma legal, o disposto nos seus artigos 3.º a 9.º prevalece sobre as disposições correspondentes do Código do Trabalho. Trata-se, pois, de legislação específica, que se mantém quer na vigência do Código do Trabalho de 2003 (aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) quer na vigência do Código do Trabalho de 2009 (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro). No artigo 4.º do diploma legal em análise prevê-se expressamente que o trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20 de Dezembro, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 561/2006 deve proceder ao registo do número de horas de trabalho prestadas, com indicação dos intervalos de descanso e descansos diários e semanais. Tal significa que não havendo lugar à utilização de tacógrafo deve ser feito o registo em causa pelo meio previsto na portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pela área laboral e pela área dos transportes (n.º 2 do referido artigo 4.º). O empregador deve manter os registos em condições que permitam a sua leitura à entidade fiscalizadora e deve entregar cópia dos registos ao trabalhador (n.º 3 do mesmo artigo). Constitui contra-ordenação grave a falta de anotação ou a anotação incompleta das indicações a incluir na folha de registo, no fim do período a que respeita [alínea c) do n.º 3 do artigo 14.º). A portaria n.º 983/2007, de 27 de Agosto, regula precisamente as condições de publicidade dos horários de trabalho do pessoal afecto à exploração de veículos automóveis e forma de registo dos tempos de trabalho e de repouso de trabalhador móvel não sujeito ao aparelho de controlo previsto no Regulamento n.º 3821/85, de 20 de Dezembro. E no artigo 1.º, n.ºs 2 e 3 da referida portaria dispõe-se que a mesma estabelece a forma de registo previsto no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, a trabalhadores afectos à exploração de veículos automóveis não sujeitos ao aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários. Ou seja, prevendo-se no Decreto-Lei n.º 237/2007, de 19 de Junho, a obrigatoriedade do trabalhador móvel em actividade de transporte rodoviário não sujeito a aparelho de controlo (tacógrafo) proceder ao registo dos números de horas de trabalho prestados, intervalos de descanso, etc., nos termos a definir por portaria, através da portaria n.º 983/2007 veio precisamente a estabelecer-se a forma desse registo. Assim, estando em causa a necessidade de registo a efectuar ao abrigo do Decreto-Lei n.º 237/2007, e sendo a forma desse registo regulada nos termos da portaria n.º 983/2007, não se vislumbra fundamento legal para se concluir – como conclui a recorrente – que se verificou a caducidade desta portaria com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, que por sua vez revogou o Código do Trabalho de 2003: se a portaria regula a forma de registo prevista no Decreto-Lei n.º 237/2007, não tendo aquela nem este sido revogados expressamente, e prevendo-se no mesmo Decreto-Lei que prevalece sobre disposições correspondentes do Código do Trabalho, tal só pode significar que (ambos) os diplomas em causa se mantiveram em vigor com a revogação do Código do Trabalho de 2003 e entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009. Nesta sequência, sendo o elemento objectivo da infracção a falta de apresentação individual de controlo devidamente autenticado e constatando-se que no dia 17 de Janeiro de 2011, CC, conduzia o veículo pesado de mercadorias, com o número de matrícula … e fazia-o por conta e segundo as ordens da aqui recorrente, de que era seu trabalhador, sem que se fizesse acompanhar de livrete individual de controlo, forçoso é concluir que aquele elemento objectivo da infracção se tem por verificado. E assim sendo, como se entende, e não vindo colocada a este tribunal qualquer outra questão, designadamente do montante da coima aplicada, só nos resta concluir pela improcedência das conclusões da motivação de recurso e, por consequência, pela improcedência deste. Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC (artigo 59.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, e artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, e respectiva tabela III anexa). V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por BB, S.A., e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC. (Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator) Évora, 09 de Junho de 2016 João Luís Nunes (relator) Joaquim António Chambel Mourisco |